REl - 0600035-95.2021.6.21.0028 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Conforme a petição inicial, o caso se resume à ação com base no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, em decorrência de abordagem de um veículo locado, no qual foram encontrados R$ 5.000,00, com a presença de dois seguranças.

Como o pagamento do veículo e a contratação dos seguranças não estavam contabilizados das contas de campanha, bem como em vista do fato de que a quantia de R$ 5.000,00 pertenceriam ao candidato a prefeito, poderia-se concluir que isso seria prova de caixa 2, com gravidade suficiente para caracterizar o art. 30-A da Lei das Eleições e implicar na cassação dos eleitos.

Pois bem, inicio confirmando a existência de contrato de locação do veículo em nome de terceiro, Hercules Gheerreiro Fiamingui (ID 44917549), bem como de contrato de segurança privada também em nome de terceiro, Josmar Luiz Cecchin (ID 44917548).

Ou seja, há prova documental apta a afirmar que as contratações não pertenciam à campanha majoritária.

Com relação à prova testemunhal produzida, entendo fundamental reiterar a conclusão do Ilustre Magistrado da origem, que judiciosamente analisou a prova, tecendo conclusões que se coadunam com as minhas impressões ao analisar os depoimentos.

Inicialmente, transcrevo a a observação acerca dos depoimentos dos seguranças:

Com relação aos depoimentos dos dois seguranças, prova esta judicializada, que foram abordados pela Polícia Militar no dia anterior às eleições, portanto, deixa claro, primeiro, o desconhecimento dos mesmos sobre quem seria o proprietário do veículo que estavam utilizando, ou quem o teria alugado, sedo também informado que eram vários os veículos usados. Sobre o local da abordagem, em pergunta feita pelo Ministério Público, os seguranças negaram que estivessem na casa dos réus naquele dia, mas sim que foram chamados para se deslocarem eté um determinado bairro, porque lá ocorreria um problema. Portanto, não há afirmação destas testemunhas, que seriam os seguranças contratados, de que estavam a serviço exclusivo dos demandados, ou afirmações de que o veículo em que estavam teria sido locado pelos réus, até porque, ao que consta, são pessoas residentes em outros municípios, de forma que seria mesmo difícil supor que soubessem concretamente quem os contratou, já que o contrato de serviços de segurança privada, juntado com a contestação, foi firmado com uma pessoa jurídica. Da mesma forma, dificilmente saberiam detalhes sobre quem contratou o aluguel do veículo em que se encontravam no momento da abordagem. Por isso, as declarações dos policiais militares que procederam na abordagem do veículo, ao mencionarem, segundo o Ministério Público, de que haviam sido contratados para efetuar a segurança do candidato Léo Tessaro, devem ser valoradas nesse contexto. Além do que, em juízo, os seguranças, que são as testemunhas Cristiano Costa Francisco e Cristiano Alves Pereira, não confirmaram que estavam a serviço dos demandados.

 

Destes depoimentos, destaco as seguintes passagens da testemunha compromissada Cristiano Alves Pereira:

Ministério Público: - Boa tarde, Cristiano! Tudo bem? Testemunha: - Boa tarde doutor. Ministério Público: - Cristiano, a gente tá discutindo aqui em questão de uma abordagem que se deu da Brigada Militar, no dia anterior às Eleições, recorda disso? Testemunha: - Sim senhor. Ministério Público: - O que que tu fazia no local? Como é que tu foi contratado? Como é que tu tava naquele local? Testemunha: - Ah, fui contratado pelo Jocimar, né. Contratou a empresa, a empresa me contratou. Eu fui prestar serviço lá, pra família Cechin, pra eles lá, entendeu? 

 

Por sua vez, o segurança Cristiano Costa Francisco, sob compromisso, afirmou:

 

(….) Juiz: - Qual é a tua profissão, Cristiano? Testemunha : - Eu faço segurança. Juiz: - ok. Tu tem algum parentesco com o, com as pessoas aqui do processo? Testemunha : - Não. Só vínculo a trabalho, né. Conheço a trabalho. Juiz: - Só trabalho. Tu se compromete em dizer a verdade, Cristiano? Testemunha : - Com certeza. Juiz: - Ta. Doutor Henrique, perguntas. Ministério Público : - Boa tarde, Cristiano, tudo bem? Testemunha : - Boa tarde, doutor. Ministério Público: - Cristiano, ã, nós vamos falar daqueles fatos que ocorreram na pré, na, anterior à eleição, um dia anterior à eleição, tu deve tá sabendo o que é. Testemunha : - Sim. Ministério Público: - Cristiano tu foi contratado pra fazer segurança das eleições em Caseiros, não foi? Testemunha : - Não. Não foi das eleições, foi duma família, né. Ministério Público: - Qual família? Testemunha : - A família Cechin, eu acho. É, Cechin. (…) Josmar Cechin. Ministério Público: - (Qual dos Cechins?) Foi ele mesmo, foi Josmar Cechin que lhe contrato? Testemunha : - Isso. Contrato a empresa.

 

Da mesma forma, a criteriosa análise do Magistrado a quo com relação aos testemunhos dos policiais:

Observa-se claramente dos depoimentos acima que também há contradição nas afirmações dos policiais, pois enquanto o policial Rozauro afirmou que “...a questão da contratação deles, eles... não foi perguntado isso, né, pra eles, mas, pro que se entendeu, ambos os lados contrataram segurança..”, a testemunha e policial Cipriano declarou que os seguranças “Estavam fazendo a segurança do Prefeito Léo Tessaro”, ora demandado. Portanto, ainda que haja essa afirmativa de um dos policiais, e a negativa do outro, porque não houve esse tipo de questionamento, a questão envolvendo a contratação dos seguranças, efetivamente pode ter chegado ao conhecimento dos policiais por meio de falatório e conversas que circulavam no pequeno Município. Porém, o fato da contratação, em se tratando de processo, deve estar bem comprovada nos autos para servir de fundamento a uma procedência da demanda. Do contrário, não pode ser aceita. E nesse ponto, a prova é fraca. Ademais, para acrescentar, os depoimentos dos policiais giraram muito sobre a propriedade do dinheiro encontrado no veículo, fato este que não é objeto da demanda, tendo inclusive recebido decisão de arquivamento pelo Ministério Público com o fundamento de que não foi possível apurar-se a propriedade do mesmo.

 

Com relação à prova sobre a contratação do veículo locado e do serviço de seguranças, julgo que a prova documental e testemunhal são consistentes e coesas, esclarecendo muito bem a questão, não sendo possível dar mais valor a provas meramente indiciárias para sustentar a cassação de mandatos eletivos.

Com relação à propriedade do dinheiro encontrado, a testemunha Josmar afirmou o seguinte:

Juiz: - Nome completo do senhor, Josmar? Testemunha: - Josmar Luiz Cecchin. Juiz: - Seu endereço, Josmar. Testemunha: - Capela Santo Antão, Caseiros. Juiz: - O senhor se compromete a dizer a verdade, Josmar? Testemunha: - Sim, sempre a verdade, né, por que (faço a minha parte o outro lado). Juiz: - Pela parte ré, doutor, perguntas. Advogado do Réu: - Josmar, tudo bem? Testemunha: - Tudo. Advogado do Réu: - Josmar, é, a gente vai fazer algumas perguntas a respeito de um fato que aconteceu no dia anterior à eleição ali em Caseiros, tá? Testemunha: - É. (…) Advogado do Réu: - Na última eleição ali em, realizada em Caseiros, em dois mil e vinte, é, o senhor aí chegou a contratar seguranças prá sua família? Testemunha: - Sim, contratei. Advogado do Réu: - E qual foi o motivo? Testemunha: - O Josimar que contratou, né. E eu completei com o dinheiro que eu, eu tinha disponível naquela época, no banco, daí então, eu, eu disse que pagava pra eles, né. Segurança, porque já tava me dando medo, né. Advogado do Réu: - É, qual motivo, Josmar, medo por quê? Testemunha: - Medo porque tavum ameaçando os meus piá, os, o Josimar e o Cleomar. E ali na frente de casa, cortaram a frente do carro, deram tiro, e os piá vinha apavorado pra casa, né. E depois mais, mais coisas que vinham, né, avisando a gente que, que era pra pará de corre atrás da política, né. Então eu peguei e fiz uma reunião com a piazada, pra nós pára ou o que fazê né. Então, daí foi a conclusão que achemo milhor nóis contratá segurança. Foi o Cleomar que deu. O Josimar, deu a ideia, né. Advogado do Réu: - É, Josmar? Testemunha : Isso. Advogado do Réu: - Mas assim, ó, alguém era candidato da sua família? Testemunha: - O Cleomar. Advogado do Réu: - Ele era candidato a, a algum cargo? (…) Juiz: - Agora doutores, poderão continuar com os, com as peguntas. Advogado do Réu: - Josmar, o senhor tava dizendo que o senhor contratou, enfim, aí, a família aí contratou os seguranças pra segurança da família, né. Testemunha: - Isso. Advogado do Réu: - O senhor contrato, enfim, foi contratado só pra família ou o senhor também tinha autorizado esse segurança presta serviço pra campanha majoritária do Léo e do Mário? Testemunha: - Não, esse aí, não. Esse aqui foi só pra, pra família, né. Os piá que tavum sendo ameaçado né. Advogado do Réu: - Tá. E no dia quatorze, houve um fato aí, que a Brigada Militar fez uma interceptação de um veículo e acabo, é, é, encontrando alguns valores tá. Testemunha: - Sim.

 

Também aqui há prova documental consistente em extrato bancário de saque, da parte de Josmar, no exato valor de R$ 5.000,00, pouco antes dos fatos (ID 44917550).

Não fosse isso, não há prova e sequer indício mínimo de qualquer espécie de uso eleitoral da referida quantia.

Assim, entendo que não se trata apenas de insuficiência de provas a confirmar os fatos da exordial, mas há farta e robustta prova que indica que os fatos não se derem como se narrado na peça pórtico.

Por fim, imaginando, por hipótese, a existência de eventual gasto omitido no valor da locação de um veículo e contratação de dois seguranças, o que seria pago supostamente com os R$ 5.000,00, e imaginando que tal valor fosse do candidato, concluo da mesma forma que o Ilustre Magistrado sentenciante:

Desse modo, nem toda infração às regras que disciplinam a movimentação financeira de campanha ensejam, necessariamente, a cassação do diploma, pois, para aplicar as sanções previstas no § 2º do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, exige-se a presença de relevância jurídica da conduta imputada ou a comprovação de ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato em evitar o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, extrapolando o universo contábil a ponto de comprometer a normalidade das eleições.

E no caso dos autos, em que, ainda que se considerasse – porque a prova dos autos indica que as contratações dos serviços não foram feitas pelos réus - não constar da contabilidade dos gastos eleitorais dos demandados a efetiva origem da arrecadação dos indigitados recursos sobre a contratação de segurança privada e/ou do veículo, o que acabou culminando na desaprovação das contas de companha, a referida irregularidade não extrapolaria o universo contábil, não preenchendo, outrossim, o requisito da relevância jurídica necessária ao comprometimento da moralidade da eleição ou ao comprometimento do resultado das eleições.

Sobre esse último ponto, necessário consignar, que, como apontado pelo Ministério Público, a diferença de votos entre o candidato vencedor ao cargo majoritário e o segundo colocado foi de 96 votos. Num primeiro momento poder-se-ia pensar que se trata de pouca diferença de votos. Ocorre que Caseiros-RS é um pequeno Município, que no ano das eleições tinha 3.107 eleitores aptos. Do universo destes, no dia das eleições, foram registrados 2.930 votos válidos, e o resultado para o cargo de Prefeito assim se definiu em números: candidato Léo César Tessaro, ora réu, obteve 1.513 votos, e o candidato segundo colocado nas eleições, Marcos José Canalli, obteve 1.417 votos. Portanto, 96 votos correspondem a 3,27% do total de votos válidos, ou a 6,77% dos votos obtidos pelo candidato não eleito, o que, convenhamos, para uma cidade pequena como Caseiros não são percentuais insignificantes. E ao que tudo indica, cuida-se de Município no qual as eleições municipais são sempre acirradas, bastante disputadas, tanto que, como apontado pelo autor da ação, nas eleições de 2016 a diferença entre os candidatos foi de apenas um voto, a indicar que são múltiplos os fatores que influenciam na disputa apertada dos pleitos neste município, e não que a diferença de votos entre os candidatos nas últimas eleições, como aponta o Ministério Público, tenha recebido alguma influência pelo fato de os réus não terem registrado os gastos com segurança privada e/ou de aluguel de veículo na contabilidade eleitoral, caso tivesse sido comprovado que as referidas contratações foram feitas pelos réus, o que a prova dos autos não indicou com a segurança necessária, o que seria exigido para a procedência da ação.

 

Com efeito, a procedência da demanda reclama a demonstração inequívoca da “existência de ilícitos que extrapolem meras irregularidades na prestação de contas do candidato” (TSE – RO 194710/AC, Relator: Min. José Antônio Dias Toffoli, DJE de 11.10.2013).

Nesse aspecto, a jurisprudência do TSE é no sentido de que a omissão de receitas e despesas de campanha não enseja a cassação do diploma, prevista no art. 30-A da Lei 9.504/97, se não ficar comprovado o uso anormal de recursos ou a prática de "caixa dois" com relevância jurídica e gravidade para afetar a normalidade e legitimidade do pleito, o que não de comprova na espécie, consoante os seguintes julgados: 

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÃO 2010. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. LEI Nº 9.504/97, ART. 30-A. DIPLOMA. CASSAÇÃO. PROVIMENTO.

1. O recurso cabível contra a decisão que envolve a perda do diploma em eleições federais e estaduais é o ordinário. Na espécie, é admissível o recebimento do recurso especial como ordinário, por aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes.

2. Na linha da jurisprudência firmada por esta Corte, para a incidência do art. 30-A, § 2º, da Lei nº 9.504/97, é necessária a aferição da relevância jurídica do ilícito, porquanto a cassação do mandato ou do diploma deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão ao bem jurídico protegido pela norma.

3. In casu, a quantia movimentada irregularmente corresponde a apenas 2,7% (dois vírgula sete por cento) do total de recursos, utilizados na campanha eleitoral, não sendo suficiente para ensejar a cassação do diploma.

4. Recurso ordinário provido."

(TSE - REspe nº 6-82/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 14/3/2014) Grifei.

 

Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de recursos. Abuso do poder econômico.

1. Segundo a jurisprudência do Tribunal, para que seja imposta a sanção de cassação em razão da prática do ilícito previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, faz-se necessária a comprovação da proporcionalidade da conduta em relação à penalidade a ser imposta.

2. Ademais, para a configuração do abuso do poder econômico, faz-se necessária, em se tratando de eleições municipais de 2008, a comprovação do requisito de potencialidade.

3. Ainda que reconhecida a utilização de linha de telefone pertencente a sindicato - cujo número foi informado para fins de comunicações processuais da Justiça Eleitoral -, não ficaram evidenciadas outras circunstâncias a indicar a gravidade ou potencialidade da conduta, de modo a configurar os ilícitos dos arts. 30-A da Lei das Eleicoes ou 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90.

Agravo regimental não provido."

(TSE - AgR-REspe nº 9565164-06/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 9/10/2012) Grifei.

 

Assim, mencionando ainda o voto lançado pelo Des. Eleitoral Gerson Fischmann, que concluiu com clareza que não há comprovação de que as referidas contratações foram feitas pelos réus, o que seria exigido para a procedência.

Com essas observações, acompanho integralmente o eminente Relator.