REl - 0600035-95.2021.6.21.0028 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

 

Pedi vista do feito para examinar melhor os autos e porque examinei os embargos de declaração relativamente à prestação de contas, processo n. REl 0600540-23.2020.6.21.0028, dos candidatos eleitos LEO CESAR TESSARO e MARIO JOAO COMPARIN, prefeito e vice-prefeito, no Município de Caseiros, respectivamente, nas eleições de 2020, pela Coligação formada pelo PSDB e MDB de Caseiros.

Naqueles autos, transitado em julgado em 02.03.2022 (ID 44934638), restou caracterizada omissão das seguintes despesas: a) serviço de segurança no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); b) despesas com a locação de veículo na quantia de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais).

Após análise probatória, três pontos restaram inequívocos no acórdão que desaprovou as contas dos ora recorridos (REl 0600540-23.2020.6.21.0028): 1 - os seguranças que se encontravam no interior do veículo Renault/Capture Life, placas IZJ-4A85, abordados, no Município de Caseiros, na noite da véspera do pleito (14.11.2020), por volta das 19h, pela Polícia Militar, estavam a serviço da campanha do Prefeito Léo Tessaro; 2 - as receitas para atendimento ao pagamento dos serviços de segurança e locação do veículo não transitaram pela conta de campanha; 3 - não houve declaração da despesa na prestação de contas.

O acórdão foi assim ementado (ID 44882155 - REl 0600540-23.2020.6.21.0028):

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. DESPESAS NÃO DECLARADAS. SERVIÇO DE SEGURANÇA E LOCAÇÃO DE VEÍCULO. IRREGULARIDADES NÃO SANEADAS. RECEITAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. FALHAS DE ELEVADO PERCENTUAL. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, devido ao uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não vieram das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º, conforme dispõe o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando que os valores recebidos pelos candidatos fossem recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 2º, do mesmo regramento.

2. Contratação de segurança privada. Demonstrado que os seguranças estavam a serviço da campanha do candidato a prefeito e que as receitas destinadas ao seu pagamento não transitaram pela conta de campanha. Tampouco houve declaração da despesa na prestação de contas. Os recursos não contabilizados caracterizam receita de origem não identificada, conforme o art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a quantia impugnada ser recolhida ao Tesouro Nacional.

3. Veículo utilizado na campanha eleitoral. Prova testemunhal indicando que o carro foi alugado para servir à campanha eleitoral majoritária, encontrava-se na casa do candidato a prefeito e era conduzido por seguranças que declararam trabalhar para sua campanha. Irrelevante a locação ter sido realizada pelos recorrentes ou por terceiro, uma vez que a contratação não constou na contabilidade de campanha, caracterizando recursos de origem não identificada, nos termos do art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Irregularidades de valor nominal elevado e equivalentes a 38,21% das receitas declaradas. Mantida a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

5. Provimento negado (grifo nosso)

 

Nestes autos, controverte-se sobre a caracterização do art. 30-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[…].

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

 

Nas palavras de Zilio (Direito Eleitoral, 8ª ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022, p. 805), o art. 30-A da LE prevê “uma ação material para apurar condutas em desacordo com as regras de arrecadação e gastos de recursos previstas na Lei das Eleições”.

A jurisprudência do TSE firmou-se no sentido de que, para incidência das consequências dispostas no art. 30-A da Lei das Eleições, a gravidade do evento deve estar associada à relevância jurídica da captação ou gasto ilícito, suficiente a comprometer a moralidade, transparência e higidez das regras que orientam a obtenção de recursos e despesas eleitorais. Significa dizer, nem toda a sonegação de valores conduzirá à caracterização do ilícito (Nesse sentido: TSE - RESPE: 00017955020166260001 SÃO PAULO - SP, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 18/06/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 25/08/2020, pág. 180, e TSE - Recurso Ordinário n. 1239, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Relator(a) designado(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 03/08/2018).

O ilícito eleitoral relativo à captação ilícita de recursos, previsto no art. 30-A da Lei das Eleições objetiva, principalmente, resguardar três bens jurídicos fundamentais do Direito Eleitoral: a igualdade política, a lisura na competição e a transparência das campanhas eleitorais. Dessarte, ao proibir recebimento ilícito de recursos em campanha eleitoral, buscou o legislador ordinário evitar a influência do sistema político pelo poder econômico, circunstância que, se admitida, infringiria o postulado da igualdade política entre aqueles que disputam o jogo eleitoral.

O denominado "caixa dois de campanha" ocorre quando há manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escriturados ou falsamente escriturados na contabilidade oficial da campanha eleitoral, com o escopo de esconder, camuflar a realidade e impedir que os órgãos de controle fiscalizem e rastreiem fluxos monetários de inegável relevância jurídica.

No caso em exame, a sentença julgou improcedente a ação, com os seguintes argumentos (ID 44917632):

Desse modo, nem toda infração às regras que disciplinam a movimentação financeira de campanha ensejam, necessariamente, a cassação do diploma, pois, para aplicar as sanções previstas no § 2º do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, exige-se a presença de relevância jurídica da conduta imputada ou a comprovação de ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato em evitar o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, extrapolando o universo contábil a ponto de comprometer a normalidade das eleições.

E no caso dos autos, em que, ainda que se considerasse – porque a prova dos autos indica que as contratações dos serviços não foram feitas pelos réus - não constar da contabilidade dos gastos eleitorais dos demandados a efetiva origem da arrecadação dos indigitados recursos sobre a contratação de segurança privada e/ou do veículo, o que acabou culminando na desaprovação das contas de companha, a referida irregularidade não extrapolaria o universo contábil, não preenchendo, outrossim, o requisito da relevância jurídica necessária ao comprometimento da moralidade da eleição ou ao comprometimento do resultado das eleições. (grifo nosso)

 

No voto do eminente Relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, após tecer considerações sobre as contradições na prova quanto às despesas omitidas, concluiu que: “No caso em tela, tem-se que não há prova robusta e incontroversa da infração e, ainda que considerada comprovada a contratação do serviço de segurança e a locação do automóvel, entendo que a sanção de cassação é medida desproporcional em virtude da falta de relevância jurídica do ilícito praticado pelos candidatos”.

Nesse cenário, tenho por divergir, ao efeito de considerar incontroversa a omissão de gastos, assim como estar caracterizada a relevância da conduta para impor aos recorridos a cassação dos seus diplomas, dando provimento ao recurso ministerial.

Conforme consta dos autos, no Município de Caseiros, na noite da véspera do pleito, por volta das 19h do dia 14.11.2020, a Polícia Militar efetuou abordagem do veículo Renault/Capture Life, placas IZJ-4A85, sendo que os tripulantes eram: Cristiano Costa Francisco e Cristiano Alves Pereira (seguranças), Rodrigo Pacheco da Silva e Daniel Ferreira de Lima, motorista.

Em revista ao interior do automóvel foram encontrados R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em espécie, embaixo do banco do motorista, além de cinco cartuchos de arma de fogo calibre 38.

Esse fato é exatamente o mesmo que foi apurado nos autos da prestação de contas dos recorridos, que transitou em julgado e reconheceu que o serviço de segurança e o aluguel do veículo destinavam-se à campanha majoritária. Por oportuno, transcrevo trecho do acórdão sob ID 44882155, dos autos do Rel 0600540-23:

Ocorre que, da prova testemunhal trazida aos autos, se pode extrair que o serviço de segurança privada contratado não era, na prática, destinado à proteção de Josmar Luiz Cecchin e sua família, mas sim à interferência em fatos ligados à eleição majoritária, o que restou comprovado pelos depoimentos de testemunhas, dos policiais militares e dos tripulantes do veículo.

A testemunha Daniel afirmou que estavam na casa de Leo Cesar Tessaro (prefeito) quando receberam uma ligação para levar os seguranças no bairro para averiguar uma suposta briga, momento que foi convidado a ir junto: “Vamo junto levar os cara, dois segurança”. […] Esses caras aí são de fora. Eu não sei lhe dizer da onde que ele é, esses cara, mas vieram pra fazer a segurança ali.” (ID 75112618). Já a testemunha Rodrigo, motorista do veículo, confirmou que o carro havia sido alugado para a campanha, sendo que muita gente o utilizava. Indagado pelo Promotor quem o acompanhava naquele carro, Rodrigo respondeu: “Naquele carro tinha três segurança”. (ID 75112630).

Dos depoimentos dos três policiais militares, verificou-se que o valor apreendido, R$ 5.000,00, pertencia ao então candidato a prefeito Leo Cesar Tessaro, como também foram identificados dois tripulantes do carro como seguranças do prefeito. Seguem trechos dos depoimentos:

PM Rozauro: […] quando perguntado pra ele (motorista) pra que que era o valor ele falou: ‘Não, esse valor aí é do prefeito. Não é nosso. É do prefeito. O prefeito utilizou o carro com nós, foi à Passo Fundo e voltou com esse dinheiro''.

PM Cipriano: […] indagados sobre a origem do dinheiro, falaram que era do prefeito, que tinham feito… que eram seguranças do atual prefeito Leo Tessaro.

PM Willian: […] o dinheiro, o motorista falou que era do prefeito, o Leo.

PM Willian: Segurança do prefeito, dois no caso. […] Dois faziam a segurança do prefeito, até esses dois eram de fora, e os outros dois, relataram que eles estavam só pra guiar ele ali né.

O veículo e os seguranças contratados estavam na residência de Leo Cesar Tessaro (candidato a prefeito), os próprios seguranças confessaram estar vinculados ao referido candidato e, assim, à disposição da campanha majoritária. Logo, não faz sentido que os seguranças contratados por um candidato estivessem na casa do recorrente, no dia anterior à eleição. Além disso, eles se deslocaram para verificar o que estava acontecendo em um determinando bairro, onde teria iniciado uma briga, demonstrando que a relação de segurança era estreita com os interesses da campanha dos recorrentes, e não com a segurança pessoal e familiar do alegado contratante.

 

Assim, tenho que essa matéria se tornou incontroversa, ou seja, por decisão transitada em julgado houve o reconhecimento de que houve a omissão, na prestação de contas, de R$ 7.800,00, relativo a despesas contraídas pela candidatura dos recorridos.

O que precisa ser examinado é se há relevância jurídica da omissão para caracterizar o ilícito previsto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Nesse sentido, o TSE distingue a ilegalidade simples da ilegalidade qualificada: “a desaprovação de contas de campanha decorrente da não comprovação pelo candidato da origem de determinado recurso inclusive ratificada pelo TSE, não autoriza, por si só, a cassação de diploma com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, pois a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma da doação, devidamente identificada no âmbito da prestação de contas, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito” (REspe nº 1-81/MG – j. 17.03.2015 – DJe 29.04.2015) (grifo nosso).

 

Inicialmente, consigno que desimporta se a quantia em dinheiro de R$ 5.000,00 foi ou não valorada pelo juízo a quo, ou foi ou não objeto de recurso.

Isso porque o ilícito inicialmente cogitado pelo Ministério Público era o previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, ou seja, compra de votos, sendo que a quantia em espécie de R$ 5.000,00 seria o meio pelo qual teria ocorrido o oferecimento da vantagem. Assim, diverso do objeto destes autos, no qual se apura a mácula da transparência e lisura das contas apresentadas.

Ainda, em relação às contradições dos depoimentos prestados, trago a percuciente análise do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 45185585):

Em relação aos dois seguranças, as testemunhas passaram a afirmar que a contratação teria sido realizada pela família do candidato a vereador Cleomar Cecchin e por seu irmão, Josimar, que estariam sofrendo ameaças no período final da campanha eleitoral.

Daniel Ferreira de Lima afirmou em juízo (ID 44917578, 3’20” – 3’45”) que se deslocaram até o Bairro N. Sra. de Fátima, pois nós fomos levar eles [os seguranças] porque eles [a família Cecchin] estavam em campanha ali, né? Nesse bairro, por isso que fomos levar os seguranças lá”.

Essa afirmação evidentemente não se sustenta. A família Cecchin, preocupada com a segurança, em razão da candidatura de um dos seus membros, Cleomar Cecchin, teria contratado dois seguranças, mas na véspera da eleição, no sábado à noite, na reta final da disputa, quando os ânimos se acirram, enquanto Cleomar Cecchin supostamente realizava atos de campanha no Bairro N. Sra. de Fátima e teria se envolvido ou estaria próximo de uma briga, os dois seguranças estavam de prontidão na casa de Leo Tessaro? Por que não estavam ao lado do candidato para protegê-lo nesse momento crucial da campanha, se para isso haviam sido efetivamente contratados?

Não é possível atribuir credibilidade a um depoimento dessa natureza, sobretudo vindo de pessoa interessada, pois mantém contrato de trabalho de natureza temporária na Prefeitura administrada pelo representado.

O mesmo pode ser dito, como registrado nas razões recursais do MPE, em relação ao depoimento prestado por Rodrigo Pacheco da Silva perante o juízo eleitoral (ID 44917581 e 44917582).

Por sua vez, o testemunho de Josmar Cecchin, que corroboraria a contratação dos seguranças pela família Cecchin (ID 44917605 e segs.), é igualmente frágil e tem o condão apenas de evidenciar a ausência de veracidade nos depoimentos das outras duas testemunhas referidas.

Inicialmente, Josmar afirma que as ameaças que justificariam a contratação de seguranças para sua família tinham relação com a disputa eleitoral (ID 44917605, 1’40”- 1’55”), sendo que decidiram pela contratação e por persistir na disputa política. Em seguida, apresenta um relato ao qual não se pode atribuir nenhum potencial de comprovação do que é dito, pois foge do que ordinariamente caracteriza o comportamento das pessoas e diverge do que é relatado por outra testemunha.

Com efeito, indagado acerca do valor encontrado no veículo que transportava os seguranças supostamente contratados pela família Cecchin, Josmar sustenta que estava em casa e vieram me pegar, eu levei uma quantidade de dinheiro, né? para pagar os seguranças (ID 44917606,1’15”- 1’25”) e, após não dizer nada que apoie a sua conclusão, afirma que daí, como deu uma briga lá na vila N. Sra. de Fátima,...nós saímos do carro e eles chegaram correndo, né? pedindo o carro para levar lá e os seguranças chegaram e entraram junto e se foram e eu esqueci do dinheiro porque eu deixei um dinheiro embaixo, ali nos meus pé, e daí eu saí pra fora e eles entraram (ID 44917606,1’45”- 2’16”).

O dinheiro que a testemunha supostamente levava seria destinado ao pagamento dos seguranças supostamente contratados por sua família.

Entretanto, cabe indagar o que faria a testemunha esconder essa quantia, R$ 5.000,00, debaixo do banco do motorista, no curto trajeto até a casa de LEO TESSARO, e qual seria o seu receio em portar o dinheiro consigo. Não há plausibilidade na sua afirmativa de que havia escondido o dinheiro debaixo do banco do motorista com o receio de que se formasse algum volume em sua roupa, que poderia despertar a atenção para um roubo. Tal receio poderia se justificar se a testemunha estivesse caminhando sozinha um uma zona insegura de alguma cidade grande. Na realidade de uma pequena cidade como Caseiros, no interior de um veículo com outras duas pessoas, não se mostra verossímil.

Ademais, logo em seguida a testemunha entra em contradição essencial com o cerne do seu depoimento. Quando indagada sobre se os seguranças sabiam que receberiam o pagamento pelos seus serviços naquele sábado, afirma que ficou de pagar naquele esse (SIC) dia, né? mas daí como...não queriam ficar com o dinheiro na hora ali porque quem tem dinheiro pode ser roubado, assaltado, né? (ID 44917607, 3’05”- 3’20”).

Ou seja, ao contrário do que afirmara poucos minutos antes na mesma audiência, ao relatar a urgência que o impelira a deixar o carro para que os seguranças o ocupassem – a qual teria causado o esquecimento do dinheiro no interior do veículo –, Josmar Cecchin passa a sustentar que os seguranças decidiram não receber naquele momento, pois teriam receio de serem roubados ao se dirigirem até o Bairro N. Sra. de Fátima.

Se a testemunha teve a oportunidade de oferecer aos seguranças o pagamento, mas estes optaram por receber os valores mais tarde, então não houve esquecimento do dinheiro dentro do veículo.

Registra-se também que, perguntado sobre o motivo pelo qual os seguranças, no momento da abordagem, disseram aos policiais que o dinheiro era do LEO TESSARO, Josmar Cecchin não soube responder.

De mais a mais, Rodrigo Pacheco da Silva, quando questionado sobre quem lhe entregou o veículo utilizado para se dirigir até o Bairro N. Sra. de Fátima, afirmou (ID 44917581, 4’35” – 4’51”) que pegou o primeiro que tinha na frente, esclarecendo ainda as circunstâncias, salientando que na realidade, a chave tava em cima da mesa e daí eu peguei aquela chave e daí a gente acabou indo lá.

De um lado, Josmar Cecchin sustenta (embora entre em contradição logo em seguida) que um grande alvoroço na sua chegada à casa de LEO TESSARO o obrigou a sair com urgência do veículo que lhe “dera uma carona”, de modo que esqueceu uma quantia significativa, que levava para pagar os seguranças. De outro, Rodrigo Pacheco da Silva, o motorista do veículo, nada afirma sobre esses fatos relatados por Josmar, aduzindo que, no momento em que teria sido solicitado para se dirigir até o Bairro N. Sra. de Fátima em razão da suposta briga, a chave tava em cima da mesa. Por óbvio, se a chave estava em cima da mesa, o veículo não foi solicitado pelos seguranças assim que chegou à casa de LEO TESSARO.

A conclusão a que se chega é de que não houve nem uma coisa nem outra. São relatos inverídicos, que demonstram sua fragilidade ao serem submetidos a uma análise crítica.

Do mesmo modo, quanto ao veículo utilizado no deslocamento dos seguranças e conduzido pelo motorista da Prefeitura, evidencia-se que os relatos foram forjados no intuito de afastar a constatação do seu uso pela campanha dos recorridos, sem que os recursos para tanto empregados fossem declarados na prestação de contas eleitorais.

De fato, não há a mínima demonstração de que o veículo estivesse à disposição da campanha da esposa de Hércules Fiaminghi (locatário do veículo). A referida candidata, Elisandra Nepomuceno dos Santos, declarou em sua prestação de contas (processo nº 0600534-16.2020.6.21.0028) despesas no total de R$ 635,00, não constando entre elas a locação de veículos. Ademais, a alegação dos recorridos diverge do relato de Rodrigo Pacheco da Silva, cujo depoimento prestado ao MPE informa que o veículo foi alugado para a campanha eleitoral, sendo utilizado por várias pessoas, junto com outros dois veículos (ID 44917424, 3’40” – 3’50”).

Por outro lado, a sentença faz referência aos contratos apresentados com a contestação (ID 44917548 e 44917549), de modo a fundamentar a conclusão de ausência de provas dos ilícitos.

Entretanto, o instrumento relativo à contratação dos serviços de segurança (ID 44917548) não possui nenhum elemento que ateste a data em que foi efetivamente firmado, além do que não guarda correspondência com os valores que os seguranças teriam recebido. A esse propósito, um deles, Cristiano Costa, afirmou em juízo (ID 44917577) ter recebido R$ 6.000,00 como pagamento pelo trabalho, em dinheiro vivo. Considerando que o outro segurança recebeu o mesmo valor, tem-se uma despesa total de R$ 12.000,00, sendo que o contrato apresentado indica o valor de R$ 5.000,00. A divergência é substancial, constatando-se que o contrato foi juntado apenas para dar credibilidade à versão

dos fatos apresentada por Josmar Cecchin quanto à quantia encontrada no interior do veículo, por ocasião da abordagem policial noticiada nestes autos. Não se olvide, ademais, que o contrato estipula que o serviço seria prestado por quatro seguranças (Cláusula 1º, item 1.1), com o que o valor a ser pago seria ainda maior.

Quanto ao veículo Renault/Capture Life, placas IZJ-4A85, embora o contrato de locação esteja registrado em nome de terceiro, mas estando devidamente comprovado que a utilização se deu em benefício da campanha dos recorridos, tem-se a comprovação de que houve o ingresso de recursos materiais na campanha, no valor de R$ 2.800,00, sem o devido registro na prestação de contas.

As circunstâncias da abordagem do veículo, como dito, com a presença de dois seguranças e duas pessoas atualmente ocupantes de cargos públicos na Prefeitura Municipal de Caseiros, transitando na posse de R$ 5.000,00 em espécie, na véspera das eleições, permitem vislumbrar o motivo para que tais recursos materiais não fossem registrados na prestação de contas.

Assim, não obstante o arquivamento da investigação quanto à captação ilícita de sufrágio, é possível perceber que o propósito de ocultar os gastos da campanha com a locação do veículo e com o pagamento dos seguranças era de impedir que eventual imagem do veículo e dos seguranças fosse direta e oficialmente vinculada à campanha dos recorridos. (grifo nosso)

 

Em relação ao quantitativo de valores omitidos, há dois cenários possíveis de serem considerados.

O primeiro deles seria de que foram subtraídos do controle e fiscalização da Justiça Eleitoral a importância de R$ 26.800,00, pois um dos seguranças contratados, Cristiano Costa, afirmou em juízo (ID 44917577) ter recebido R$ 6.000,00 como pagamento pelo trabalho, em dinheiro vivo. O acordo juntado pelos próprios recorridos (ID 44917548) prevê a contratação de 4 seguranças, o que alcançaria o montante de R$ 24.000,00 que, somado ao valor do aluguel do veículo (R$ 2.800,00), atingiria R$ 26.800,00, equivalente a mais de 100% dos recursos declarados na prestação de contas dos recorridos (R$ 20.410,00).

O segundo, seria considerar-se o valor de R$ 7.800,00 (R$ 5.000,00 relativo aos seguranças e R$ 2.800,00 relativo ao veículo).

Tenho por adotar como parâmetro o valor de R$ 7.800,00, pois corresponde exatamente ao quantum reconhecido na prestação de contas transitada em julgado (Rel 0600540-23.2020.6.21.0028).

Nessa linha de intelecção, como foram declarados recursos na prestação de contas de campanha dos recorridos no montante de R$ 20.410,00, inequívoco que a quantia de R$ 7.800,00 é relevante e expressiva, pois representa 38,21% do total movimentado na campanha.

Soma-se o fato de que o Município de Caseiros é diminuto, possuindo 3.107 eleitores nas eleições de 2020, situação que, como mencionado pelo Procurador Regional Eleitoral, sequer comportaria a contratação de quatro seguranças, a não ser o intento de “transporte e distribuição de valores em troca de votos, incluindo a provável intimidação de possíveis adversários políticos que pudessem interferir na prática dos atos ilícitos (ID 4185585)”.

Outra questão que merece relevo é a mínima diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados (96 votos) no pleito de 2020, sendo que nas eleições de 2016 a diferença entre os mesmos candidatos foi de apenas 1 voto (Leo Tessaro, 1246, e Marcos José Canali, 1245), o que evidencia a influência que pode causar a injeção de recursos à margem da contabilidade oficial.

Por derradeiro, há de se sopesar que Leo Tessaro era candidato à reeleição, posição que lhe conferia proceder de forma mais cuidadosa durante a campanha, sendo absolutamente reprováveis as circunstâncias que desencadearam os fatos ora examinados, ou seja, mediante revista e abordagem pela Polícia Militar, ocasião em foram apreendidos recursos em espécie (R$ 5.000,00) e munição, conforme ocorrência policial (ID 44917420):


Comunicante relata que em abordagem ao veículo Renaut Capture Life, placa IZJ4A85, foi localizado com os ocupantes, cadastrados como testemunhas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e 5 (cinco) cartuchos de munição cal. 0.38 SPL. O dinheiro estava em uma pequena caixa, no interior do veículo, e a propriedade foi imputada ao atual prefeito do município, que está concorrendo à reeleição. Quanto aos cartuchos, ninguém assumiu a propriedade. Esses foram localizadas atrás do banco do caroneiro

 

Além disso, o aspecto cronológico é relevante, pois os fatos ocorreram na véspera das eleições, quando, na abordagem ao veículo, como antes referido, havia no seu interior  2 seguranças e 2 apoiadores do candidato, estes últimos desempenhando, atualmente, cargos em comissão no Município de Caseiros (Rodrigo Pacheco da Silva e Daniel Ferreira de Lima).

Tais condutas enquadram-se nos termos do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, segundo o qual a sonegação das despesas implica a cassação dos mandatos: “comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado” (Art. 30-A, § 2º).

Nesse sentido:

RECURSOS ESPECIAIS ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. AIJE. PREFEITO. VICE-PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC N. 64/90. RECURSOS FINANCEIROS DE CAMPANHA. CAPTAÇÃO ILÍCITA. ART. 30-A DALEI N. 9.504/97. QUESTÕES PREAMBULARES. QUEBRA DO SIGILO FISCAL. NULIDADES SUSCITADAS. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO NÃO LASTREADA EM ELEMENTOS DERIVADOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ART. 219 DO CE.NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MANIFESTAÇÃO SUFICIENTE. OMISSÕES. CONTRADIÇÕES. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES. PROVAS. INTIMAÇÃO DA DEFESA. ALEGAÇÕES DA PARTE SOBRE A DOCUMENTAÇÃO JUNTADA. PRAZO MAIOR. NÃO CONCESSÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. MÉRITO DOS RECURSOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 24/TSE. INCIDÊNCIA. PREMISSAS SOBERANAMENTE FIXADAS PELO TRE. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS. DOAÇÕES. TRIANGULAÇÃO. BURLA DA VEDAÇÃO QUANTO À ORIGEM DOS VALORES APORTADOS. PESSOA JURÍDICA. EMPRÉSTIMO SIMULADO. SÓCIOS. EMPREGADOS. POSTERIOR ABASTECIMENTO DA CAMPANHA. ILEGALIDADE QUALIFICADA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. VANTAGEM ESPÚRIA SOBRE OS DEMAIS CONCORRENTES. LISURA. NORMALIDADE. LEGITIMIDADE. PLEITO. BENS JURÍDICOS VULNERADOS. GRAVIDADE. MANDATÁRIOS. CASSAÇÃO. ANUÊNCIA E CONTRIBUIÇÃO. PRÁTICA ILÍCITA. INELEGIBILIDADE. PROCEDÊNCIA. ACÓRDÃO REGIONAL. CONFIRMAÇÃO. DESPROVIMENTO. QUESTÕES PREAMBULARES DOS RECURSOS ESPECIAIS (...) QUESTÕES DE MÉRITO DOS RECURSOS ESPECIAIS

[...]

5. O recurso especial não é vocacionado à revisitação do acervo fático-probatório dos autos, de modo que as premissas factuais são aquelas soberanamente assentadas pela instância ordinária, nos termos da Súmula n. 24 do Tribunal Superior Eleitoral.

6. A triangulação de recursos financeiros - os quais, in casu, são originários de pessoa jurídica e perpassaram, a título de empréstimo pessoal, contas bancárias de sócios e empregados da empresa (pessoas físicas) para, então, abastecer campanha - se amolda ao escopo do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, pois, além de ultrajar o efetivo controle da Justiça Eleitoral no exame da prestação de contas, macula a lisura e a moralidade do pleito.

7. O percentual representativo dos recursos de campanha irregularmente aportados não é critério único para avaliação da gravidade do ato em face do desvalor da conduta praticada. Há de ser considerada, como critério de aferição, a conjuntura decorrente tanto da relevância jurídica da irregularidade quanto da ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé e pelo pouco ou mesmo nenhum apreço por valores republicanos (RO n. 1803-55/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 14.12.2018).

[…]

10. Recursos especiais aos quais se nega provimento.[...]

(Recurso Especial Eleitoral nº 60507, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 07/10/2019, Página 64)  (grifo nosso)

 

E mais, a julgar pelas circunstâncias em que ocorrido o fato, as diversas versões trazidas pelos tripulantes do veículo, com contradições e evasivas, sempre com o intuito de ocultar a verdade, além de dinheiro em espécie e munição encontrados no interior do automóvel, na véspera da eleição, tenho que se verifica a ilegalidade qualificada da conduta, reiteradamente mencionada pela jurisprudência do TSE: "é preciso, ainda, aferir a gravidade da conduta reputada ilegal, que pode ser demonstrada tanto pela relevância jurídica da irregularidade quanto pela ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato" (AgR-REspe 310-48, rel Min. Jorge Mussi, redator designado para o acordão, Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 25.8.2020)” (AgR-RO nº 060000507/SE – j. 15.09.2020 – DJe 28.09.2020).

Dessarte, o TSE tem sinalizado no sentido de que tanto a relevância jurídica como também a ilegalidade qualificada são elementos aptos para a conformação desse ilícito.

Ainda, diante da dificuldade probatória desse tipo de ilícito, tem sido admitida a comprovação por meio da prova indiciária, desde que convergente:,“a jurisprudência desta Corte legitima o uso de provas indiciárias para fins de condenação em ações eleitorais, recusando apenas a imposição de sanções baseadas em meras ilações, isto é, em presunções que não guardem mínima conexão os elementos estampados nos autos” e, no caso, “especificamente no campo da captação ou gasto ilícito de recursos (art. 30–A da Lei nº 9.504/97), há forte convicção jurisprudencial na linha de que a articulação de indícios resulta fundamental para o deslinde dos casos concretos, nomeadamente em razão do fato de que as práticas em tela tendem ao soterramento de provas diretas” (ROEl nº 060142380/AC – j. 22.09.2020 – DJe 04.12.2020).

 

Assim, tenho que toda a campanha eleitoral de Leo Cesar Tessaro e Mário João Comparin está contaminada pela ilicitude, na feliz dicção de José Jairo Gomes: "se a campanha é alimentada com recursos de fonte proibida ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita" (Direito Eleitoral, 12.ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 714), situação que se verifica nos autos.

 

Ante o exposto, VOTO no sentido de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral ao efeito de condenar Leo Cesar Tessaro (reeleito prefeito de Caseiros) e Mário João Comparin (vice-prefeito de Caseiros) pela infração ao disposto no art. 30-A da Lei das eleições, com a cassação de seus diplomas obtidos nas eleições de 2020.

Determino que, após a publicação do acórdão, seja comunicado ao Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências para cassar o diploma de Leo Cesar Tessaro e Mário João Comparin, com a consequente assunção ao cargo de prefeito, pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Caseiros, e para realizar novas eleições municipais majoritárias no Município de Caseiros, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.