REl - 0600035-95.2021.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

VOTO

Conforme consta dos autos, no Município de Caseiros, na noite da véspera do pleito, por volta das 19 horas do dia 14.11.2020, a Polícia Militar efetuou abordagem do veículo Renault/Capture Life, placas IZJ-4A85, sendo os tripulantes Rodrigo Pacheco da Silva, motorista, Daniel Ferreira de Lima, Cristiano Costa Francisco, segurança, e Cristiano Alves Pereira.

Em revista ao interior do automóvel, foram encontrados R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em espécie, embaixo do banco do motorista, além de cinco cartuchos de arma de fogo calibre 38.

Os policiais que atuaram na operação relataram que durante a abordagem os tripulantes afirmaram que estavam trabalhando na campanha eleitoral dos candidatos, que o veículo foi alugado em favor da campanha e que o dinheiro apreendido no interior do carro pertencia a Léo César Tessaro, candidato à reeleição como prefeito. Também relataram que Cristiano Costa Francisco e Cristiano Alves Pereira foram contratados para promover a segurança particular da candidatura dos recorridos.

Em juízo, o Policial Militar Rozauro Sutil Guerreiro dos Anjos Filho declarou que a abordagem se deu a partir de diversas denúncias de ilegalidades praticadas pelos dois candidatos das duas coligações que concorriam ao cargo de prefeito. Foram abordados de forma aleatória dois veículos tripulados por seguranças, um com seguranças contratados pelo candidato Léo Cesar Tessaro e outro com seguranças contratados pela coligação adversária. Disse que o motorista do veículo Renault, Rodrigo Pacheco da Silva, afirmou que o Prefeito Léo Tessaro havia utilizado o automóvel para ir a Passo Fundo e voltou com o referido dinheiro.

O Policial Militar Cipriano Adolfo Leal também foi ouvido em juízo e declarou que o motorista Rodrigo Pacheco da Silva afirmou que o dinheiro encontrado no carro pertencia a Léo Tessaro, e os seguranças disseram que haviam sido contratados para efetuar a proteção do candidato Léo Tessaro.

Entretanto, o juízo de primeira instância considerou que os testemunhos judiciais prestados pelos policiais não são claros sobre quem era o responsável pela contratação dos seguranças e locação do veículo:

Observa-se claramente dos depoimentos acima que também há contradição nas afirmações dos policiais, pois enquanto o policial Rozauro afirmou que “...a questão da contratação deles, eles... não foi perguntado isso, né, pra eles, mas, pro que se entendeu, ambos os lados contrataram segurança..”, a testemunha e policial Cipriano declarou que os seguranças “Estavam fazendo a segurança do Prefeito Léo Tessaro”, ora demandado. Portanto, ainda que haja essa afirmativa de um dos policiais, e a negativa do outro, porque não houve esse tipo de questionamento, a questão envolvendo a contratação dos seguranças, efetivamente pode ter chegado ao conhecimento dos policiais por meio de falatório e conversas que circulavam no pequeno Município. Porém, o fato da contratação, em se tratando de processo, deve estar bem comprovada nos autos para servir de fundamento a uma procedência da demanda. Do contrário, não pode ser aceita. E nesse ponto, a prova é fraca. Ademais, para acrescentar, os depoimentos dos policiais giraram muito sobre a propriedade do dinheiro encontrado no veículo, fato este que não é objeto da demanda, tendo inclusive recebido decisão de arquivamento pelo Ministério Público com o fundamento de que não foi possível apurar-se a propriedade do mesmo.

 

Consigno que a apreensão da quantia de R$ 5.000,00 e dos cartuchos de arma de fogo foi referida na inicial, mas, da leitura da peça, se vê que a circunstância não fundamenta a tese de prática de captação e gastos ilícitos de recursos, pois o Parquet apenas menciona que o valor abre uma suspeita de realização de compra de votos.

Por essa razão, tais fatos não foram objeto da sentença, a qual apontou que a questão constou da inicial, mas não foi posta como causa de pedir, conforme se verifica das razões do magistrado a quo:

Inicialmente necessário destacar, sobre a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), várias vezes retratada na inicial, e que teria sido encontrada junto com os tripulantes do veículo abordado pela Polícia Militar, abordagem esta que resultou no conhecimento dos fatos ora objeto da demanda, que não será objeto de valoração e decisão judicial, porquanto não está posta como causa de pedir.

Além disso, sobre a existência da referida quantia foi aberto Procedimento Preparatório Eleitoral 01792.000.345/2020, cuja promoção do Ministério Público foi pelo arquivamento, em razão da ausência justa causa para o ajuizamento de ação eleitoral por corrupção eleitoral (cópia anexada no evento 79021525, outros documento, junto a inicial).

 

Além disso, o recurso não traz insurgência contra esse ponto da decisão recorrida.

As despesas constatadas durante a ação policial não constaram na prestação de contas de campanha dos candidatos, a qual foi desaprovada em virtude dessas irregularidades, consistentes na existência de receitas de origem não identificada destinadas ao pagamento de gastos não declarados, a saber: a) serviço de segurança no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); e b) despesas com a locação de veículo na quantia de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais).

A sentença do processo de contas foi confirmada em 9.12.2021, por acórdão deste Tribunal, da lavra do Desembargador Federal Rogerio Favreto, uma vez que “os recorrentes não lograram êxito em demonstrar, de forma inequívoca, a origem dos recursos, devendo ser mantida a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 7.800,00”, merecendo transcrever a ementa do julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. DESPESAS NÃO DECLARADAS. SERVIÇO DE SEGURANÇA E LOCAÇÃO DE VEÍCULO. IRREGULARIDADES NÃO SANEADAS. RECEITAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. FALHAS DE ELEVADO PERCENTUAL. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, devido ao uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não vieram das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º, conforme dispõe o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando que os valores recebidos pelos candidatos fossem recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 2º, do mesmo regramento.

2. Contratação de segurança privada. Demonstrado que os seguranças estavam a serviço da campanha do candidato a prefeito e que as receitas destinadas ao seu pagamento não transitaram pela conta de campanha. Tampouco houve declaração da despesa na prestação de contas. Os recursos não contabilizados caracterizam receita de origem não identificada, conforme o art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a quantia impugnada ser recolhida ao Tesouro Nacional.

3. Veículo utilizado na campanha eleitoral. Prova testemunhal indicando que o carro foi alugado para servir à campanha eleitoral majoritária, encontrava-se na casa do candidato a prefeito e era conduzido por seguranças que declararam trabalhar para sua campanha. Irrelevante a locação ter sido realizada pelos recorrentes ou por terceiro, uma vez que a contratação não constou na contabilidade de campanha, caracterizando recursos de origem não identificada, nos termos do art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Irregularidades de valor nominal elevado e equivalentes a 38,21% das receitas declaradas. Mantida a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

5. Provimento negado.

(REl PC n. 0600540-23.2020.6.21.0028, Des. Federal Rogerio Favreto, DJe 14.12.2021)

 

Nesta ação, o pedido condenatório também fundamenta-se na sentença do processo de prestação de contas, e em ambos os feitos a defesa sustenta que os gastos com a locação do veículo e com a prestação de segurança privada não estavam a serviço da campanha dos recorridos nem foram por eles custeados.

O motorista Rodrigo Pacheco da Silva foi ouvido perante a Promotoria Eleitoral e afirmou que no carro haviam três seguranças: Daniel Ferreira de Lima, Cristiano Costa Francisco, segurança, e Cristiano Alves Pereira, e que o veículo também foi alugado para ser utilizado na campanha dos candidatos recorridos.

Entretanto, em juízo, Rodrigo Pacheco da Silva alterou suas declarações iniciais. Informou que é detentor de cargo em comissão da Prefeitura de Caseiros, e afirmou que os seguranças Cristiano Costa Francisco e Cristiano Alves Pereira foram contratados pela família de Cleomar Junior Cecchin, candidato a vereador, e que não sabia de quem era o veículo, tendo ouvido dizer que era alugado. Rodrigo disse que não conhecia Daniel, e declarou que estava com o irmão do candidato Cleomar, Josimar Cecchin, na casa de Léo Tessaro, e que utilizaram o veículo com o intuito de se deslocarem para um local em que ocorria uma briga, a pedido de Josmar, pai do candidato Cleomar e de Josimar Cecchin. Narrou que o carro foi alugado pelo sr. Hércules, o qual referiu ser “um morador de Caseiros”.

O tripulante Daniel Ferreira de Lima não confirmou que trabalha como segurança, pois disse que é motorista e que prestava serviços como contratado pela Prefeitura de Caseiros. Daniel prestou depoimento perante o Ministério Público Eleitoral e referiu expressamente que estava na casa do candidato Léo Tessaro, na companhia de seguranças e com o automóvel alugado para a campanha, a fim de tratar de assuntos relacionados à eleição.

Todavia, em juízo, declarou que os seguranças foram contratados pela família Cecchin, pois Josimar e Cleomar estavam sofrendo ameaças nos dias que antecediam a eleição.

O segurança Cristiano Costa Francisco foi inquirido judicialmente e afirmou ter sido contratado para fazer a segurança da família de Josmar Cecchin junto com outro segurança, que também tem o prenome Cristiano, e disse que utilizava o veículo alugado da marca Renault. Disse que recebeu o seu pagamento pelo trabalho no domingo da eleição, consistente em R$ 6.000,00 (seis mil reais) em dinheiro vivo.

O segundo segurança, Cristiano Alves Pereira, também prestou testemunho judicial e afirmou que a empresa para a qual trabalhava foi contratada por Josimar Cecchin, tendo-lhe dedicado serviços por uma semana.

Como se vê, quando da audiência de instrução os tripulantes alteraram a versão dos fatos declarada perante a Delegacia de Polícia e a Promotoria Eleitoral, negando o envolvimento dos recorridos no pagamento do aluguel do carro, dos seguranças, e a propriedade da quantia de R$ 5.000,00 localizada dentro do automóvel, embora tenham reconhecido que estavam reunidos na residência de Léo Tessaro para tratar de assuntos de campanha.

Transcrevo, nesse ponto, a análise realizada pelo juiz sentenciante:

Os depoimentos dos dois seguranças, prova esta judicializada, que foram abordados pela Polícia Militar no dia anterior às eleições, portanto, deixa claro, primeiro, o desconhecimento dos mesmos sobre quem seria o proprietário do veículo que estavam utilizando, ou quem o teria alugado, sedo também informado que eram vários os veículos usados. Sobre o local da abordagem, em pergunta feita pelo Ministério Público, os seguranças negaram que estivessem na casa dos réus naquele dia, mas sim que foram chamados para se deslocarem eté um determinado bairro, porque lá ocorreria um problema. Portanto, não há afirmação destas testemunhas, que seriam os seguranças contratados, de que estavam a serviço exclusivo dos demandados, ou afirmações de que o veículo em que estavam teria sido locado pelos réus, até porque, ao que consta, são pessoas residentes em outros municípios, de forma que seria mesmo difícil supor que soubessem concretamente quem os contratou, já que o contrato de serviços de segurança privada, juntado com a contestação, foi firmado com uma pessoa jurídica. Da mesma forma, dificilmente saberiam detalhes sobre quem contratou o aluguel do veículo em que se encontravam no momento da abordagem. Por isso, as declarações dos policiais militares que procederam na abordagem do veículo, ao mencionarem, segundo o Ministério Público, de que haviam sido contratados para efetuar a segurança do candidato Léo Tessaro, devem ser valoradas nesse contexto. Além do que, em juízo, os seguranças, que são as testemunhas Cristiano Costa Francisco e Cristiano Alves Pereira, não confirmaram que estavam a serviço dos demandados.

 

A tese defensiva é a de que os tripulantes saíram da casa de Léo e acabaram sendo alvo da abordagem policial porque estavam se deslocando até o local em que acontecia uma briga, no Bairro Fátima, em Caseiros, que o carro não estava sendo utilizado em favor da candidatura dos recorridos e que o valor de R$ 5.000,00 era de propriedade de Josmar Luiz Cecchin, pai do candidato a vereador eleito Cleomar Junior Cecchin, o qual também teria contratado o serviço de segurança.

Para justificar os argumentos, foi juntado ao feito um contrato de prestação de serviço de segurança privada efetivado entre o sr. Josmar Luiz Cecchin e a empresa Segurança Privada Defender, no valor de R$ 5.000,00 (ID 44917548), bem como o extrato da conta bancária de Josmar constando saque de R$ 5.000,00, datado de 10.11.2020 (ID 44917550).

Embora o Renault estivesse na casa do recorrido Leo, a defesa argumenta que o carro foi locado por Hércules Gherreiro Fiamingui, marido da candidata a vereadora Elisandra Nepomuceno dos Santos, para ser utilizado em favor da campanha de Elisandra, conforme cópia do contrato de locação firmado por Hércules com a empresa Unidas, no valor de R$ 2.800,00 (ID 44917549).

Josmar Luiz Cecchin, pai do candidato a vereador Cleomar, prestou depoimento em juízo e declarou que seu outro filho, Josimar, foi quem contratou os seguranças e que promoveu o pagamento, consistente nos R$ 5.000,00 em dinheiro que estavam no automóvel, a partir de saque efetuado em sua conta bancária. Narrou que “havia combinado o valor de cinco mil reais com os seguranças, mas o pagamento atrasou então teve pagar um pouquinho a mais”, justificando, assim, o recebimento de R$ 6.000,00 afirmado pelo segurança Cristiano Costa Francisco.

Em virtude da alteração de versões dos depoimentos entre a fase judicial e a extrajudicial, e da juntada dos documentos referidos, entendo que merece ser mantida a conclusão do magistrado de que “não se extrai do conjunto probatório dos autos que houve irregularidade deliberada por parte dos demandados, com manifesta má-fé, na tentativa de impedir o controle do ajuste, e que, ainda que demonstrada a irregularidade contábil, pela ausência de prestação de contas dos gastos eleitorais decorrentes da contratação de seguranças para a campanha eleitoral, não houve, a meu sentir, comprovação de que se tratou de um esquema de ‘caixa dois’, consistente numa contabilidade paralela com o objetivo de tentar impedir o controle dos gastos com as eleições”.

Conforme apontado na sentença, não foi demonstrado durante a instrução que o dado incorreto se daria pelo fato de ter havido a contratação de segurança privada pelos demandados, sem a correspondente contabilidade de tais gastos, que não restaram esclarecidos, pois foi apurada a contratação de serviço de segurança por R$ 5.000,00, sendo que um dos seguranças, Cristiano Costa Francisco, afirma ter recebido R$ 6.000,00 de pagamento, não havendo informação sobre o pagamento de Cristiano Alves Pereira.

Nesse mesmo sentido, acompanho a conclusão de que “há no conjunto das provas dos autos, prova testemunhal e prova documental, sérias dúvidas sobre para quem os seguranças estavam prestando serviços nos dias que antecederam as eleições, porquanto o contrato firmado e juntado aos autos mostra que os seguranças foram contratados por terceira pessoa, que não os réus, para a proteção da família daquele – contrato juntado no evento 87061739”.

Também entendo acertado o raciocínio de que “não há prova consistente a indicar que de fato foi efetivada tal contratação pelos demandados, mas, sim, que o veículo, no dia anterior às eleições, se encontrava na residência do candidato a prefeito, o réu Léo César Tessaro. Todavia, a prova documental também demonstrou que a contratação do aluguel do veículo em questão se deu tempo antes das eleições e foi efetivada por terceira pessoa, que não os demandados, como demonstra o contrato juntado no evento 87061740”.

Realmente, assiste razão ao julgador ao considerar que a circunstância de o veículo “estar na casa do réu na véspera das eleições pode ser explicada por diversas razões, entre as quais aquela alegada pela defesa, de que no local realizava-se reunião com diversas pessoas que faziam parte da campanha dos demandados. No mais, não há outros elementos de prova significativos a indicar que a contratação se deu por parte da conduta dos réus, e que isto seria então uma das causas para a existência de ‘caixa dois’, porquanto o valor do aluguel do bem não teria sido declarado na prestação de contas”.

No caso em concreto, não foi demonstrado que em outras datas o veículo estava à disposição da campanha dos recorridos, sendo razoável a conclusão da sentença no sentido de que “hipoteticamente, o veículo em questão poderia sim estar à disposição e para uso exclusivo da campanha eleitoral dos réus, todavia a prova dos autos não é firme nesse sentido. Não há um conjunto probatório convincente a demonstrar que de fato a contratação do aluguel do veículo fora feita pelos réus, por intermédio de terceira pessoa, e com a finalidade de servir àqueles".

Portanto, tal como concluiu o magistrado singular, entendo que o caderno probatório não atrai o juízo de certeza necessário sobre a captação e os gastos ilícitos de recursos.

A Procuradoria Regional Eleitoral também entendeu que a prova da tese defensiva apresentada é frágil e contraditória, e referiu que não há a mínima demonstração de que o veículo estivesse à disposição da campanha da esposa de Hércules Fiaminghi (locatário do veículo), especialmente porque a candidata Elisandra Nepomuceno dos Santos declarou em sua prestação de contas (processo n. 0600534-16.2020.6.21.0028) despesas no total de R$ 635,00, não constando entre elas a locação de veículos.

Ou seja, a prevalecer a tese dos recorridos, Elisandra Nepomuceno dos Santos sonegou o gasto com a locação do veículo Renault, efetuada por seu marido, da sua prestação de contas.

Além disso, a Procuradoria Regional Eleitoral verificou que o contrato de serviços de segurança, no valor de R$ 5.000,00 (ID 44917548), “não possui nenhum elemento que ateste a data em que foi efetivamente firmado, além do que não guarda correspondência com os valores que os seguranças teriam recebido”, e conclui que se Cristiano Costa Francisco reconheceu ter recebido R$ 6.000,00 como pagamento pelo trabalho, em dinheiro vivo, o outro segurança recebeu o mesmo valor, totalizando em R$ 12.000,00 a despesa.

Tal conclusão, entretanto, não ficou clara nos autos, pois o segurança Cristiano Alves Pereira não foi indagado sobre sua remuneração ou sobre o contrato, sequer tendo sido ouvido o responsável pela empresa acerca do fato.

Diante desse cenário, é preciso considerar que o art. 30-A da Lei n. 9.504/97 visa evitar o desequilíbrio da disputa entre os candidatos. De modo reflexo, há o prestígio da transparência na arrecadação e nos gastos dos candidatos que participam do processo eleitoral com obediência às normas da Lei das Eleições.

A doutrina aponta que o art. 30-A protege “a higidez das normas relativas à arrecadação e gastos eleitorais” e “a lisura da campanha eleitoral” (ZÍLIO, 2012, p. 567 e seg.), e a jurisprudência do TSE refere que o bem jurídico tutelado pelo art. 30-A é a moralidade das eleições (TSE, RO n. 1540, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 01/06/2009).

O referido julgado deixou assentado, ainda, que o juízo de procedência da representação por captação e gastos ilícitos de recursos deve ser pautado pelos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, pois “a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2° do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

A partir de então, a praxe de julgamento da Justiça Eleitoral - no que se refere ao sancionamento pela desobediência ao art. 30-A - tem passado invariavelmente pela realização de juízo de ponderação diante do quadro fático/probatório. Tal raciocínio se presta, por vezes, para afastar a pena de cassação (TRE/RS, RE n. 254-30, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 02.08.2017; TRE/RS, RE 451-58, Relator Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 02.08.2017) e, noutras, para aplicar a reprimenda mais gravosa (TRE/RS, Rp n. 4-63, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado em 10.05.2011).

A jurisprudência do TSE indica: para a aplicação da severa pena de cassação do registro ou diploma, devem estar evidenciados dois requisitos: a comprovação da arrecadação ou gasto ilícito, bem como a relevância da conduta praticada.

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE nº 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 274641, Acórdão de 18/09/2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 15/10/2012, Página 3)

 

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. 1. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 2. No caso dos autos, as omissões relativas a determinados gastos de campanha não possuem gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente, na medida em que no ficou comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois. 3. Recurso ordinário provido.

RECURSO ORDINÁRIO n. 393-22.2011.6.04.0000/AM Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 01.08.2014)

 

No caso em tela, tem-se que não há prova robusta e incontroversa da infração e, ainda que considerada comprovada a contratação do serviço de segurança e a locação do automóvel, entendo que a sanção de cassação é medida desproporcional em virtude da falta de relevância jurídica do ilícito praticado pelos candidatos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.