REl - 0600001-97.2021.6.21.0165 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

VOTO

Da admissibilidade

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

Da Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600545-22.2020.6.21.0165

Inicialmente, impende anotar que a quase totalidade dos fatos descritos na presente AIME, inclusive a preliminar suscitada, foi objeto da AIJE n. 0600545-22.2020.6.21.0165, manejada pelos ora recorrentes contra os mesmos candidatos eleitos e que restou julgada improcedente na instância de origem, cuja sentença foi mantida por este Tribunal Regional Eleitoral, ao apreciar o correspondente apelo, sobrevindo o trânsito em julgado na data de 31.8.2022.

Reproduzo a ementa do aludido julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDENTE. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL. REJEITADA. MÉRITO. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FAVORECIMENTO. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA DE PROVA FIRME E CONTUNDENTE. MANTIDA A SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral em virtude da falta de provas quanto aos atos atribuídos aos investigados, bem como da ausência de caracterização da gravidade das condutas imputadas e do emprego desproporcional e excessivo de recursos patrimoniais em campanha.

2. Afastada a preliminar de nulidade. Cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial em aparelhos celulares. A medida requerida, sobremodo invasiva à intimidade e à privacidade, não poderia ser autorizada com fundamento em mero relato, não corroborado por outros elementos mais seguros de prova quanto à existência do ato ilícito, e que foi prestado por pessoa filiada à agremiação, que figura no feito como investigante.

3. Matéria fática. Alegação de quatorze fatos que supostamente caracterizariam ilícitos eleitorais, porém, todos sem aptidão para configurar abuso de poder ou captação ilícita de sufrágio, os quais reclamam contundente conjunto probatório.

4. O conceito de abuso de poder é indeterminado e aberto, não sendo definido por condutas taxativas. Destarte, os atos abusivos serão assim interpretados nas hipóteses em que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito. A quebra da normalidade e legitimidade das eleições está vinculada à gravidade das circunstâncias aptas a afetarem a lisura da disputa, sem a necessidade de ser demonstrado que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diverso. De acordo com o entendimento do TSE, o abuso do poder econômico caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade do certame, sendo imprescindível, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, que a Justiça Eleitoral, mediante provas robustas, verifique a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato, e inelegibilidade. Para a captação ilícita de sufrágio, é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor.

5. Não demonstrada, no conjunto probatório, a ocorrência de fato com dimensão para comprometer gravemente a normalidade e a legitimidade do pleito, objetos perseguidos pelo meio processual em questão. Não comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder por prova firme e contundente, deve ser confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 060054522, Acórdão, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 26/08/2022)

 

A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, bem situou a questão (ID 45315619):

Como já referido, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME originária, proposta com base no artigo 14, §§ 9º e 10, da Constituição Federal, foi ajuizada pelos Diretórios Municipais de Alto Feliz dos Partidos PTB, PSDB, PDT e PT em face de Robes Schneider, Douglas Schneider, Ireno Antônio dos Reis, Geraldo Fuhr e Daniel Geremias Boetcher.

Na peça inicial, a parte autora elenca treze fatos que, segundo entende, configuram captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico, os quais teriam afetado a lisura do pleito de 2020 no Município de Alto Feliz.

Ocorre que a maior parte dos fatos tratados nesta ação constitucional, e do mesmo modo a preliminar de cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial, já foram objeto de apreciação por essa Egrégia Corte Regional quando do julgamento do recurso eleitoral na AIJE nº 0600545-22.2020.6.21.0165 – que, além da similaridade de fatos e pedidos, detém identidade de partes em relação ao presente feito.

Assim, de modo a evitar desnecessária tautologia, pede-se vênia para transcrever o voto condutor do acórdão referido (ID 45053961 daqueles autos, já com trânsito em julgado), que serve como fundamento deste parecer, visto que, na mesma linha da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral lá juntada, entendeu no sentido do desprovimento do recurso, dada a insuficiência de comprovação da captação ilícita de sufrágio e do abuso de poder econômico cuja prática foi imputada aos recorridos (...)

 

O entendimento tradicional na jurisprudência é no sentido de que não existe litispendência ou coisa julgada entre AIJE e AIME, “por se tratarem de demandas com causas de pedir e objetos distintos” (TSE, REspe n. 2-54/SC, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 11.11.2014).

Nada obstante, recentemente o TSE passou a admitir o reconhecimento de litispendência e coisa julgada entre AIJE e AIME quando há identidade entre a relação jurídica-base das demandas, o que deve ser apurado a partir do contexto fático–jurídico do caso concreto (TSE - REspe 3-48, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 10.12.2015; e REspe n. 060053336, Relator Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 3.5.2021).

Na hipótese, a presente AIME deduz um fato novo em relação à AIJE anterior, envolvendo suposta coação de colaboradores da empresa IMOBRAS, que teria sido praticado pelo Vice-Prefeito eleito Douglas Scheneider, conhecido como “Pressão”.

Entendo que o fato é suficiente para que se afaste eventual coisa julgada na presente ação, pois a narrativa se agrega às demais imputações de abuso e captação ilícita de sufrágio envolvendo a empresa IMOBRAS, podendo tais objetos ser apreciados associados e, conjuntamente, podem, eventualmente, estar comprovados e violarem o bem jurídico protegido pela AIME, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições.

Em termos semelhantes, já decidiu o TSE por afastar a incidência de coisa julgada em ações eleitorais com fundamento nos mesmos fatos:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AIME. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO DIVERSO. ART. 96-B, § 3º, DA LEI 9.504/97. CASSAÇÃO DE MANDATO. PERDA DE OBJETO. INOCORRÊNCIA. INELEGIBILIDADE. EFEITO SECUNDÁRIO DO DECISUM. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 3.10.2017.

2. Na esteira da reforma introduzida pela Lei 13.165/2015, conferiu-se maior estabilidade aos julgamentos da Justiça Eleitoral, impedindo-se que novas ações sejam propostas com base nos mesmos fatos.

3. Todavia, para tanto, além de similitude fática deve haver exata repetição do material probatório levado a juízo. Ou seja, o rejulgamento que a norma visa obstar é aquele que incide sobre as mesmas provas, a teor do art. 96-B, § 3º, da Lei 9.504/97. Precedentes.

4. No caso, conforme se infere do aresto a quo, ambas as ações foram aparelhadas com diferentes meios de prova. Logo, não se pode invocar o trânsito em julgado da AIJE 632-77/BA como óbice ao trâmite da presente AIME 40-81/BA, que se afigura mais bem instruída.

[…].

(Recurso Especial Eleitoral n. 4081, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 15.6.2018) (Grifei.)

 

Com tais considerações, prossigo na análise do recurso.

 

Da preliminar de cerceamento de defesa

Os recorrentes pleiteiam a anulação da sentença, por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento de prova pericial requerida na exordial e reiterada posteriormente, cuja produção, conforme entendem, seria irrefutável, robusta e cabal.

Afirmam que está configurado o cerceamento do direito à produção de prova, absolutamente pertinente, em face de não ter sido deferido pelo juízo de origem o pedido de perícia em aparelhos celulares da eleitora TÂNIA FONSECA e/ou do candidato GERALDO FUHR, para recuperação de mensagens e áudios.

A finalidade apontada para a perícia seria comprovar a existência de mensagens atinentes ao fato narrado na inicial sob n. 13, relacionado à suposta promessa de GERALDO FUHR, em 15.11.2020, de pagar determinada quantia à Tânia, em troca de seu voto.

Não assiste razão aos recorrentes.

No aspecto, adota-se excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral emitido nos autos da anterior AIJE, que, com percuciência, bem analisou a questão:

Embora a prova requerida guarde pertinência com o fato que se pretende comprovar, deve-se pontuar que não seria possível produzir a perícia técnica sem antes obter a posse dos referidos aparelhos telefônicos. Não sendo entregue voluntariamente pelas partes envolvidas nos diálogos, teria que ser objeto de apreensão judicial. Todavia, em se tratando de medida de grave intervenção na privacidade, caberia à parte autora requerer e justificar, concretamente, esta providência, o que não ocorreu.

Observa-se nos pedidos m) e n) da inicial que os autores requereram a intimação de Tânia Fonseca para apresentar os áudios e, em caso de não exibição, a realização de perícia no aparelho. Notificada, Tânia negou a existência dos áudios (ID 44925131). Diante da sua recusa em apresentar os áudios, não caberia ao juízo, conforme estabelece o art. 404, III, do CPC, determinar a exibição destes e tampouco, a entrega do aparelho celular, pois se trata de prova que poderia redundar na instauração de ação penal contra os portadores dos aparelhos celulares, com a eventual imputação da prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Ademais, passados quase dois anos, não há razoabilidade em se determinar a apreensão de aparelhos, para tentar obter áudios que, se existiram, provavelmente foram apagados. Além do desafio técnico que tal pretensão envolve, pois os dados eventualmente apagados são sobrescritos por novos dados armazenados, é possível supor, inclusive, que os envolvidos não possuam mais os aparelhos celulares utilizados na conversa que a inicial afirma ter ocorrido. Conforme salientado no recurso, GERALDO FUHR juntou com sua contestação uma declaração firmada por Tânia Fonseca, afirmando que não houve mensagens tratando da compra de votos. Ou seja, Tânia e GERALDO mantiveram contato, a fim de evitar possíveis consequências legais dos atos que lhe são atribuídos. Nesse contexto, seria de se esperar que tenham adotado outras iniciativas nesse sentido, e não mais mantenham a posse de seus aparelhos telefônicos.

Por todos esses motivos, deve ser afastada a alegação de nulidade decorrente do indeferimento da prova pretendida.

 

Além disso, tenho que a medida requerida, sobremodo invasiva à intimidade e à privacidade, não poderia ser autorizada com fundamento em mero relato, não corroborado por outros elementos mais seguros de prova, quanto à existência do ato ilícito e que foi prestado por pessoa filiada ao PTB, agremiação que figura no feito como impugnante, ora recorrente.

Logo, há de ser rejeitada a preliminar suscitada.

 

Do mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto pelos Diretórios Municipais do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB, do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB, do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT e do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT de Alto Feliz contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo proposta em face de ROBES SCHNEIDER, DOUGLAS SCHNEIDER, IRENO ANTÔNIO DOS REIS, GERALDO FUHR e DANIEL GEREMIAS BOETCHER.

A AIME ajuizada na origem (ID 44925392) descreve 13 fatos em que são imputadas as práticas de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio (corrupção), que teriam sido praticados com o propósito de favorecer, sobretudo, os candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Alto Feliz, ROBES SCHNEIDER e DOUGLAS SCHNEIDER, respectivamente.

Assim, passo à análise dos fatos supostamente caracterizadores dos ilícitos eleitorais objeto deste feito, adiantando que o recurso não merece provimento.

O fato 1 descrito na exordial versa sobre a realização de reuniões na sede da empresa IMOBRAS, com cunho eleitoral; a implantação de benefício aos funcionários vinculados a ROBES e DOUGLAS, que se sagraram vitoriosos no pleito; e a entrega de material de campanha nas dependências da empresa.

Segundo os recorrentes, IRENO, dirigente das empresas IMOBRAS e da IMOTECH, teria realizado reuniões no interior da primeira, com a presença de todos os colaboradores do grupo empresarial, ocasiões em que teria efetuado campanha em prol de sua candidatura e da chapa de ROBES e DOUGLAS, este último, funcionário da IMOBRAS, também conhecido por “PRESSÃO”.

Afirmam que IRENO, nesses encontros, efetuava distribuição de material de campanha e enaltecia as qualidades de ROBES e PRESSÃO, sempre acentuando a importância de votarem nesses concorrentes, chegando a afirmar que “se perdermos as eleições, vamos fechar as empresas”, o que configuraria coação em relação aos colaboradores.

Aduzem que é notório o interesse de IRENO na aquisição dos prédios do Município de Alto Feliz onde funcionam suas empresas, ressaltando que sua intenção em apoiar a oposição era a de adquirir imóveis públicos em prol da IMOBRAS por preço inferior à sua real avaliação.

Relatam que, em reunião realizada em 1º.10.2020, foi anunciado benefício aos funcionários, consistente na concessão de “vale alimentação”, no valor de R$ 300,00, cujo cartão foi entregue no dia seguinte, sendo também comunicado que “se tudo desse certo, até final do ano, as empresas pagariam as horas devidas, no banco de horas”, o que estaria atrelado à eleição de ROBES e PRESSÃO.

Além disso, narram que material de propaganda eleitoral ficava disponível na empresa, próximo ao local onde é realizada a marcação do ponto pelos empregados.

Os recorrentes buscam alicerçar suas alegações com a juntada de fotografia da recepção da IMOBRAS, onde se percebem santinhos no local de registro de ponto (ID 44925399), imagens de cartões “Ticket Alimentação” das empresas IMOBRAS e IMOTECH (IDs 44925413 e 44925414), bem como na prova testemunhal.

As testemunhas arroladas pela parte autora, Gilmar André Schneider (ID 44925589), Ademir Francisco de Melo (ID 44925590) e Cristiana Petermann (ID 44925591), foram ouvidas em audiência sem o compromisso de dizer a verdade.

Quanto à existência de reuniões com caráter eleitoral dentro das empresas, em que pese Gilmar André Schneider tenha declarado que “Ireno pediu todo apoio ao Robes e ao Pressão, sendo que ele falou também que ele era totalmente contra o Paulo” e que Ademir Francisco de Melo tenha dito que “teve reuniões, teve panfletos entregue, teve inúmeras campanhas como de dizer lá dentro da empresa”, o viés eleitoral foi negado pelas demais testemunhas, sendo que Willian Leandro Schneider (ID 44925594), Deise Franciele Auler (ID 44925600), Leonardo Bertotti (ID 44925608), Jocelei Maria Bonatto (ID 44925597), Darlei Luis Schneider (ID 44925595) e Alexandre Wiedercker (ID 44925599) afirmaram que IRENO e DOUGLAS nunca fizeram propaganda na empresa, sendo apontado que o último não estava presente à reunião em que foi anunciado o auxílio alimentação, porque seu turno de trabalho era o noturno.

Ainda, Willian Leandro Schneider negou que na reunião tenha havido menção de a IMOBRAS poder fechar as portas dependendo de quem vencesse as eleições.

De acordo com o entendimento do TSE, o abuso do poder econômico caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa, sendo imprescindível, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, que a Justiça Eleitoral, mediante provas robustas, verifique a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade.

Nesse sentido, trago à colação julgado daquela Corte:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPRESTABILIDADE DA PROVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. LIMITES. DEMANDA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. PRINCÍPIO. ADSTRIÇÃO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 

1. A petição inicial não é inepta quando presentes seus elementos essenciais (partes, causa de pedir e pedido) e ausentes os vícios previstos no art. 330, § 1º, do CPC/2015, de modo a possibilitar às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como o esclarecimento dos fatos no curso da instrução processual. 

2. As partes não estão obrigadas a prestar depoimento pessoal, ante a falta de previsão na LC nº 64/90 e o caráter indisponível dos interesses envolvidos, embora não estejam impedidas de fazê-lo, caso a isso se disponham (AgR–RMS nº 2641/RN, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27/9/2018; RHC nº 131/MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 5/8/2009; e HC nº 85.029, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 1º/4/2005). 

3. O art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, exige, para a abertura de investigação judicial eleitoral, que sejam relatados fatos e indicados provas, indícios e circunstâncias, sem prejuízo de que, no curso da instrução, esteja assegurado o uso dos meios legais e moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos, submetido ao controle e ao convencimento motivado do julgador (CPC/2015, arts. 369 a 371). 

4. O candidato supostamente beneficiado pelo abuso de poder é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de investigação judicial eleitoral, ainda que a conduta investigada não seja a ele atribuída. Precedente. 

5. O princípio jurídico processual da congruência, adstrição ou correlação estabelece que o pronunciamento judicial fica adstrito ao pedido e à causa de pedir postos na inicial da ação, pela iniciativa do autor, não competindo ao julgador modificar, suprir ou complementar o pedido da parte.

6. A ampliação dos poderes instrutórios do juiz pelo art. 23 da LC nº 64/90 e pelo CPC/2015 deve ocorrer nos limites predefinidos como pedido e causa de pedir pelo autor da ação, porquanto cabe às partes descrever os elementos essenciais à instrução do feito, e não ao magistrado, que não é autor da ação. 

7. "Uma das garantias processuais mais relevantes, integrante do justo processo jurídico, é aquela que diz respeito à ciência, pela pessoa acionada, de todos os fatos e argumentos alegados contra si pela parte promovente. Por isso se diz que a petição inicial define os polos da demanda e delimita o seu objeto, em face do qual se desenvolve a resposta à lide e se instala a atividade probatória. A instrução visa ao convencimento do Julgador, quanto à materialidade e à autoria dos atos postos na imputação (inicial da ação sancionadora), sendo a sua produção o núcleo ou o centro da solução da questão. Não se pode aceitar (nem se deve aceitar) decisão judicial condenatória sem prova concludente dos fatos imputados e da sua autoria". (AIJE nº 1943-58, Redator para o acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 12/9/2018)

8. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

9. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa.

10. Não configura prática abusiva o engajamento de empresário na campanha de determinado candidato, mediante o encaminhamento de vídeo a seus funcionários, no qual se limita a convidá-los a participar de ato de campanha, sem exteriorizar ameaças ou retaliações aos que não aderirem à iniciativa.

11. Inexistência, nesse caso, de acervo probatório seguro a demonstrar a prática de condutas concretas de manifesto constrangimento, capazes de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que o fato de determinado candidato não se eleger poderá ocasionar prejuízos a sua relação de trabalho.

12. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

13. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060157558, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 60, Data: 28.3.2019.) (Grifei.)

 

Portanto, ante o arcabouço probatório, não se vislumbra a comprovação consistente e inequívoca da alegação de terem acontecido comícios ou reuniões com caráter eleitoral dentro do grupo empresarial, em favor da candidatura de IRENO e da chapa ROBES e PRESSÃO.

De outra banda, no que diz respeito aos benefícios aos funcionários, recebimento de “ticket alimentação” e pagamento de horas constantes de banco de horas, não há qualquer elemento plausível nos autos para se concluir pela caracterização de compra de votos.

A analista de Recursos Humanos da IMOBRAS, Jocelei Maria Bonatto, atribuiu a concessão à “dificuldade que a gente estava na contratação na cidade, devido algumas empresas virem contratar de fora de Alto Feliz e levando a mão de obra da cidade e a gente complementou um benefício que as outras empresas estavam oferecendo. Reunimos a fábrica, a direção da empresa comunicou esse benefício e mais o assunto do banco de horas que foi comunicado no dia” (ID 44925597).

Com efeito, o auxílio alimentação permaneceu sendo pago após o pleito e em nenhum depoimento houve referência que a sua concessão estaria vinculada à eleição, ao voto ou à vitória de Gilmar e Ademir. Da mesma forma, o caderno probatório não traz elementos mínimos de que o pagamento de horas positivas constantes em banco de horas extrapolou as políticas trabalhistas e de pessoal internas da empresa.

No tocante à disponibilização de propaganda eleitoral na IMOBRAS, Deise Franciele Auler (ID 44925600), ouvida como testemunha em juízo, declarou que ela própria, em uma oportunidade, sem ter sido autorizada, colocara santinhos ao lado do ponto, e informou que a retirada do material se deu no mesmo dia.

Deveras, várias testemunhas afirmaram não terem avistado os materiais de propaganda, inclusive Gilmar André Schneider (ID 44925589), Jocelei (ID 44925597) e Leonardo Bertotti (ID 44925608).

Dessa maneira, o conjunto probatório não permite considerar que o ato não tenha sido isolado, fugaz e perpetrado por terceiro, sem conhecimento dos beneficiários.

É de se ressaltar que a “jurisprudência do TSE exige, cumulativamente, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, o cumprimento dos seguintes requisitos: (a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (RO n. 0603024-56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data: 26.10.2020).

Na hipótese, inexiste prova suficientemente cabal e segura da aventada captação ilícita de sufrágio, devendo a sentença de improcedência ser mantida quanto ao ponto.

Quanto ao fato 2, IRENO teria determinado, a fim de demonstrar poder e disposição em obter o voto dos colaboradores, mesmo sob coação, a rescisão dos contratos de trabalho de quatro empregados, CRISTIANE, MARIETE e ADEMIR, além de GILMAR, o qual teria sido demitido logo após confirmar sua escolha em convenção para concorrer ao cargo de vereador por partido adversário.

Em face de tais atos, os recorrentes consideram que houve perseguição política dentro da empresa, configurando abuso de poder econômico.

Os depoimentos colhidos em audiência não apontam seguramente para perseguição política, inclusive sendo ressaltado por Jocelei Maria Bonatto que Leandro Schneider, irmão de Gilmar, é empregado da IMOBRAS e possuía ascendência hierárquica sobre este, com poder para impedir a demissão.

Jocelei Bonatto explicou que a demissão de Gilmar foi motivada pela ausência de cumprimento dos resultados esperados e por seu salário ser demasiadamente elevado em relação ao mercado. Relatou que Ademir Francisco de Melo foi desligado por motivo relacionado à qualidade de seu trabalho, afirmando que a esposa dele continua trabalhando na empresa. Disse, ainda, que Cristiana Tempas foi demitida por ter um “número altíssimo de faltas” e que Mariete foi afastada por questão de produtividade.

Os demais funcionários da IMOBRAS ouvidos em juízo também declararam desconhecer a existência de motivação política nas demissões levadas a efeito, cuja razão, ao que sabem, seria por questões administrativas e profissionais.

A alegação de que haveria processos tramitando na Justiça do Trabalho, “denunciando as Rescisões dos Contratos de Trabalho, em flagrante perseguição política, requerendo a reintegração dos colaboradores ilegalmente despedidos e as devidas indenizações”, é irrelevante ao presente feito, inclusive porque o ingresso das reclamatórias trabalhistas não significa que venham a ter juízo de procedência.

Relativamente ao fato 3, a chapa ROBES e PRESSÃO, ostentando sua capacidade financeira, teria cumprido a promessa de campanha de contratar para celebrar a vitória, com entrada franca, o show do vocalista NANDO ROSA, que formou a BANDA ROSA’s. Salientam que o artista atrai multidões, tendo sido um chamariz de votos, especialmente entre o público jovem.

Narram que vídeo da câmera de filmagem do Posto de Saúde comprova a chegada do caminhão da banda, logo depois do fechamento das urnas, o que indica que a contratação ocorreu durante o período eleitoral. Relatam que a cervejaria Uffenberg teria fornecido 1.000 litros de chope, disponibilizados gratuitamente ao público no evento.

Argumentam que o fornecimento de tal volume de chope teria sido contratado bastante tempo antes da data das eleições, em face de a cervejaria ser de pequeno porte, e que o pagamento, tendo sido realizado por pessoas “vinculadas aos recorridos” e somente às vésperas do ajuizamento da ação, sinaliza a configuração de abuso de poder econômico.

Aduzem que tais despesas deveriam ter constado na prestação de contas dos recorridos, e que somente em virtude da presente demanda foram juntados comprovantes de pagamento, em nome de terceiros, próximos dos representados.

A cervejaria informou que não foram emitidas notas fiscais “para a Coligação Robes e Pressão, tendo em vista que a mesma nunca efetuou compras em nosso estabelecimento” e que, no dia 15.11.2020, “vendemos chopp junto aos populares que se reuniram por ocasião da vitória e que o mesmo foi pago por particulares que estavam participando do evento. Entre eles, podemos citar os senhores Jorge Eduardo Gisch 60 litros, Joaquim Rafael Schneider 30 litros, Alan Schneider 20 litros, Chrystian Ruschel Schneider 60 litros, Roni Schneider 50 litros, Carlos Eduardo Kuhn 20 litros” (ID 44925407).

Ora, tendo o evento ocorrido após o transcurso das eleições e inexistindo prova contundente sobre a prévia divulgação do show durante o período eleitoral, que pudesse vir a influenciar nas decisões dos eleitores, o fato não desborda de mera “festa da vitória”, ficando afastado qualquer caráter eleitoral, de sorte que não poderiam ter constado tais gastos na prestação de contas dos recorridos ou de quaisquer outros candidatos.

Concernente ao fato 4, afirmam que, não obstante IRENO tenha demitido quatro colaboradores, foram contratados, poucos dias antes das eleições, em plena pandemia, 26 novos funcionários, conforme a responsável pelo setor de Recursos Humanos, o que deixaria estreme de dúvida que tais empregos visavam obter o voto dos trabalhadores e de seus familiares, configurando a captação ilícita de sufrágio.

As alegações dos recorrentes, além de, notadamente, no campo teórico, mostrarem-se pouco críveis, em face do elevado custo financeiro que seria envolvido, não se escoram em provas, nem mesmo em indícios idôneos.

Consoante restou informado em depoimentos, a IMOBRAS fabrica motores para climatização, tendo sua demanda elevada à medida que se aproxima o final do ano, quando necessita de reforço em seu quadro funcional.

Assim foi exposto nas declarações de Jocelei Bonatto (ID 44925597):

Procuradora da parte ré: Tá e a senhora, vocês contrataram no final de 2020 funcionários para a empresa ou não?

Depoente: Sim.

Procuradora da parte ré: Por que vocês contrataram final de 2020?

Depoente: Nós contratamos em outubro 25 funcionários, devido a expectativa de crescimento de demanda e como a gente contrata mão de obra só pelo grau de educação e depois a gente tem tempo para treinamento né. Então a gente tem que fazer treinamento de (áudio ininteligível), tudo isso demanda e mais o treinamento operacional para que essas pessoas estivessem prontas na nossa alta demanda que é sempre lá no verão, então a gente contrata antes.

Procuradora da parte ré: Tá, e vocês tiveram que demitir funcionários em razão da queda de produção da pandemia?

Depoente: Sim, em abril a gente demitiu dez pessoas.

Procuradora da parte ré: Tá, e a senhora sabe se alguma dessas pessoas que vocês

demitiram voltaram a trabalhar na empresa?

Depoente: Sim, voltou. Tanto é que em abril quando a gente demitiu, a gente disse que se tivesse a necessidade de mão de obra e a gente pudesse contar com eles de novo, a gente voltaria a entrar em contato. E nós entramos em contato no final de setembro e contratamos dessas dez pessoas, duas pessoas que retornaram em setembro de acordo com a medida provisória a gente poderia estar recontratando e uma das pessoas ficou com muito vontade de voltar, mas já estava trabalhando e daí não quis e daí ela se arrependeu e voltou atrás e daí nós não tínhamos mais vaga dentro da Imobrás e a gente acabou contratando ela em uma outra empresa do grupo que é a Emotec, então ela tá conosco também, foram três que a gente contratou.

Procuradora da parte ré: Tá. E em 2021 vocês contrataram, estão tentando contratar alguém ou não?

Depoente: Nós contratamos até o mês de abril e depois a gente não contratou em maio, em junho nós contratamos mais quatro pessoas.

 

Observe-se que, em abril de 2020, foram demitidos dez empregados, concluindo-se que seria normal, com o aquecimento do mercado, a admissão de mais funcionários.

Além disso, o quadro econômico durante a pandemia foi complexo, afetando diferentemente os diversos segmentos produtivos.

Outrossim, é de se realçar que, de uma nominata de 24 pessoas contratadas pela IMOBRAS, no período de setembro a novembro de 2020 (ID 44925411), nove sequer possuíam domicílio eleitoral em Alto Feliz (ID 44925515), havendo certamente alguns que ainda nem teriam se alistado perante esta Justiça Eleitoral, como Larissa Fiori, o que evidencia a fragilidade da alegação dos recorrentes.

No tocante ao fato 5, aduzem ser incontroverso que IRENO, mediante suas empresas, concedeu um “vale alimentação”, por meio de cartão, com crédito de R$ 300,00, tendo o benefício sido comunicado em reunião na empresa e entregue aos funcionários durante o período eleitoral.

Isso evidenciaria que o ato de dar vantagem econômica, para cooptar o voto dos colaboradores, foi travestido de “vale alimentação”, uma vez que os funcionários já recebem diariamente almoço, para o qual contribuem com o valor de R$ 1,50, no estabelecimento Center Lanches.

A alegação não se sustenta, pois, inclusive, já foi apreciada por ocasião da análise do fato 1, com o qual guarda comunhão de argumentos e provas.

Apenas é de se complementar que os autos demonstraram que o vale alimentação se trata de benefício para compras em mercados (ID 44925597), diversamente do benefício que os empregados da IMOBRAS e da IMOTECH já usufruíam, de almoço no restaurante Center Lanches, conveniado com as empresas (IDs 44925474 e 44925593).

Conforme o fato 6, PRESSÃO teria auxiliado IRENO no uso do poder econômico e na captação ilícita de sufrágio, coagindo colaboradores, a exemplo do que teria feito com o próprio colega WESLEY, o qual, após comentar postagem da coligação publicada no Facebook, recebeu dele áudio com as seguintes palavras “Wesley! Tudo bem, é o PRESSÃO! Conselho de amigo. Cuidado com o facebook, tá. Tem muita gente grande acompanhando isso aí.”

O teor das palavras (ID 44925415), realmente, indica alguma espécie de intimidação pela manifestação política, entretanto, na instrução processual não foram produzidas provas suficientes para essa conclusão, tendo em vista que sequer foi arrolado Wesley como testemunha, o qual, ressalte-se, foi mantido na empresa.

Dessa forma, o fato não tem aptidão para configurar abuso de poder ou captação ilícita de sufrágio, os quais reclamam contundente conjunto probatório.

Segundo o fato 7, PRESSÃO dirigiu-se à residência de VALÉRIO SCHNEIDER, tio do funcionário da IMOBRAS DARLEI SCHNEIDER, e o instou a remover a propagada eleitoral (bandeiras) em prol da chapa adversária, sob ameaça de que seu sobrinho seria demitido da empresa, mas, ante a negativa de VALERIO, obrigou seu sobrinho a “encher o pátio com as bandeiras de seu partido”.

Aduzem os recorrentes que a oitiva de VALERIO não se fez possível, tendo em vista que os representantes não desejavam causar maiores constrangimentos àquele.

Vê-se, portanto, que não há qualquer elemento de prova hábil a sustentar o alegado, de modo que desmerece exame mais detido.

Consoante narrado no fato 8, IRENO teria se dirigido até a residência da família FIORI e, verificando que um dos filhos, DANRLEI, havia afixado em seu veículo adesivo contendo propaganda de EVERALDO FUHR, candidato a vereador adversário, ofereceu emprego e contratou LARISSA, irmã de DANRLEI, sob a condição de que fosse removido o adesivo e a família mudasse o voto, em favor da candidatura de IRENO e de ROBES e PRESSÃO, o que teria se concretizado.

Relatam que EVERALDO teria conversado a respeito com DANRLEI, o qual teria dito que teve “que tirar para não pensarem que era do partido do Paulinho”, referindo-se ao candidato a prefeito pela coligação concorrente, concluindo se tratar de compra de votos tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Aqui, igualmente, não há mínima prova do alegado.

Larissa e seu irmão Danrlei não foram arrolados como testemunhas, não tendo os recorrentes logrado corroborar a afirmação de modo algum no curso da instrução.

É de se salientar que, conforme os dados cadastrais de Larissa Fiori junto à IMOBRAS, ela não possuiria inscrição eleitoral ao tempo dos eventos (ID 44925475).

O fato 9 descreve que DOUGLAS e ROBES participaram de numerosas jantas, promovidas nos bairros do interior pelos representados e demais apoiadores, sendo que a maior parte dos recursos foram alcançados por IRENO, pelo fato de PRESSÃO ser seu funcionário e representar acesso irrestrito ao Executivo Municipal.

Detalham que foi realizada uma festa na residência de JOÃO MANOEL WERNER, na localidade de Morro das Batatas, na véspera da Eleição, organizada por DANIEL BOETCHER, assim como uma janta poucos dias antes da eleição, na residência de ALBERTO RHODEN, na mesma localidade, contando ambos os eventos com a presença de ROBES e PRESSÃO.

Apontam que não conseguiram os ora recorridos explicar “a origem do dinheiro para o pagamento das despesas”.

Salientam que não eram habituais tais encontros, por conta da pandemia, somente tendo sido realizados com o objetivo de angariar votos.

Subentende-se, aqui, que esteja sendo imputado abuso de poder econômico e/ou captação ilícita de sufrágio, por parte dos recorridos.

Nesse particular, impende enfatizar que, não sendo o caso de inversão do ônus probatório, incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, inc. I, do CPC.

Entretanto, no caderno probatório, não há sinal algum de que IRENO tenha utilizado seus recursos financeiros para patrocinar a realização de jantares nas residências de eleitores com o fim de angariar seus votos em favor dos candidatos ROBES e PRESSÃO.

No tocante ao fato 10, IRENO, demonstrando sua influência econômica sobre as pessoas de menor poder aquisitivo de Alto Feliz, teria realizado postagem, no dia 04.12.2020, em sua página de campanha no Facebook, noticiando a entrega de uma bicicleta nova ao adolescente E. O., com a seguinte frase: “Essa foto não tem preço. Ver a felicidade do nosso mascote nas eleições o Ezequiel. Obrigado.”

Aduzem que E. O., com 13 anos de idade, trabalhou exaustivamente em favor da campanha de IRENO e de ROBES e PRESSÃO, circulando, diariamente, pelas ruas do município, em uma bicicleta muito antiga, portando a bandeira do partido “40” (partido da chapa majoritária), entoando palavras de ordem: “40!”; “agora é 40!”; “40 neles!” e “vote 40”.

Quanto a isso, tem-se que a entrega da bicicleta ao jovem, o qual não ostenta a qualidade de eleitor, e do correspondente apregoamento em rede social deram-se após o transcurso das eleições, de modo que os fatos se apresentam irrelevantes ao presente feito.

Ainda, afirmam que, em 28.10.2020, IRENO teria postado no Facebook rol de suas realizações em favor do município, em que confessa a entrega de bens e dinheiro e promete doar os seus salários, caso eleito, configurando captação ilícita de sufrágio.

No que toca a essa alegação, aparentemente, a parte investigante deixou de verter aos autos a cópia da postagem e/ou de indicar a URL específica do conteúdo, não sendo possível examiná-la.

Contudo, há de se assinalar que é absolutamente esperado que o postulante a cargo eletivo, por meio de propaganda regular, apresente-se ao eleitorado indicando suas pretéritas realizações e futuros projetos a serem implementados acaso eleito, para o devido escrutínio público.

Demais disso, a promessa de doação de seus eventuais subsídios à coletividade é inapta a configurar captação ilícita de sufrágio.

Para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, a promessa de vantagem em troca de voto deve ser pessoal, correspondendo a benefício a ser obtido concreta e individualmente por eleitor determinado ou determinável, o que não ocorre na conduta relatada.

Nesse sentido é a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DISTRIBUIÇÃO DE PANFLETOS. ISENÇÃO DE TAXA CONDOMINIAL. EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA. PROMESSA GENÉRICA. PLATAFORMA POLÍTICA. VIABILIDADE EM TESE. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO.

1. In casu, o Tribunal de origem manteve a improcedência da AIJE por entender que a promessa de isenção de taxa condominial realizada de modo genérico e com respaldo em decreto municipal não caracteriza captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder econômico.

2. O art. 323 do Código Eleitoral (CE), tido por violado, não foi debatido pela Corte Regional, o que atrai a incidência da Súmula nº 72/TSE.

3. A fundamentação do recurso quanto ao alegado abuso de poder mostra-se deficiente, o que atrai a aplicação do disposto na Súmula nº 27/TSE.

4. A quaestio juris submetida a esta Corte cinge-se, portanto, em saber se configura captação ilícita de sufrágio a distribuição de panfletos com promessa de extinção de taxa condominial em empreendimentos residenciais inseridos no programa Minha Casa Minha Vida.

5. A incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 exige prova inconteste da ilicitude consistente na promessa de bem ou vantagem pessoal capaz de interferir na liberdade de voto do cidadão - bem jurídico tutelado pela norma.

6. Na linha da jurisprudência desta Corte, para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97, a promessa de vantagem pessoal em troca de voto deve corresponder a benefício a ser obtido concreta e individualmente por eleitor determinado ou determinável.

7. Na espécie, conforme a moldura fática delineada no acórdão regional, não houve promessa de bem ou vantagem pessoal, consoante exige a norma em epígrafe, mas, sim, promessa dirigida a uma coletividade. A delimitação dos destinatários da propaganda eleitoral - moradores dos condomínios Nova Caraguá e Jetuba - não retira o caráter genérico da promessa, uma vez que a isenção da taxa condominial beneficiaria os condôminos indistintamente.

8. Esta Corte já decidiu que as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

9. É assente, no ordenamento jurídico pátrio, o postulado segundo o qual a boa-fé se presume, a má-fé se prova.

10. No âmbito da propaganda eleitoral, e aqui se incluem as promessas de campanha, verificada a dificuldade de se provar a verdade ou a falsidade daquilo que foi divulgado, presente a boa-fé, deve-se decidir a favor do candidato, em homenagem à liberdade de expressão e à preservação dos direitos políticos.

11. O material fático-probatório avaliado pelo voto vencido apenas compõe o acórdão recorrido quando não estiver em conflito com o que descrito no voto vencedor.

12. Consoante se depreende do voto condutor do acórdão recorrido, não há falar em ilicitude da promessa de campanha em razão da impossibilidade do seu cumprimento, uma vez que "[...] a conduta dos recorridos possui respaldo no Decreto Municipal n° 634/2017, o qual autoriza a realização de serviços públicos essenciais nos condomínios 'Nova Caraguá' e 'Jetuba', com o intuito de extinguir a taxa condominial" (fl. 385).

13. Para alterar a conclusão perfilhada no acórdão regional, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável nos limites do recurso especial, consoante o disposto na Súmula nº 24/TSE.

14. A viabilidade, ao menos em tese, do cumprimento do projeto político em favor dos eleitores da referida comunidade torna a promessa de campanha lícita.

15. De acordo com a pacífica jurisprudência desta Casa, não evidenciada a similitude fática entre o acórdão hostilizado e a hipótese confrontada, é aplicável a Súmula nº 28/TSE.16. Conclui-se que, no caso, não há falar em captação ilícita de sufrágio, porquanto: i) trata-se de promessa de campanha promovida de modo genérico; ii) demonstrou-se a viabilidade, ainda que mínima, de sua concretização; e iii) os recorrentes a veicularam de acordo com o primado da boa-fé objetiva.17. Recursos especiais desprovidos.

(REspe n. 47444, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Data: 30.4.2019) (Grifei.)

 

De acordo com o retratado no fato 11, GERALDO FUHR, durante a campanha eleitoral, teria prometido a LUIZ SOARES o valor de R$ 1.000,00 em espécie, para pagar as contas de energia elétrica atrasadas.

Posteriormente, em 20.11.2020, GERALDO FUHR teria reunido alguns apoiadores na sorveteria de LUIZ SOARES e, no dia seguinte ao encontro, GERALDO teria cumprido a promessa.

Afirmam que “efetivamente, o ELEITOR pagou uma conta de energia elétrica, no dia 16/11/2020, às 14:49 min., dia seguinte a Eleição!!” (ID 44925417), e que tal demonstraria a compra de voto.

Relatam que ‘tornou-se público” o compromisso do candidato para com o eleitor, e que, decorrido o pleito, “surgiu a informação” de que a promessa havia sido cumprida.

Novamente a alegação carece de provas suficientes para sustentá-la, sublinhando-se que LUIZ SOARES e as pessoas que noticiaram o ocorrido não foram chamadas a prestar seus testemunhos.

A simples existência de fatura paga com atraso após as eleições não tem potencial algum para se cogitar, por si só, da ocorrência de compra de votos.

Aliás, no REl n. 0600001-97.2021.6.21.0165 consta declaração escrita pelo próprio eleitor no sentido de que não recebeu valores de GERALDO e que não são verdadeiras as afirmações lançadas na petição inicial (ID 44925057).

O fato 12 aponta que GERALDO FUHR “organizou e patrocinou diversos eventos, com come e bebes, em troca de votos, especialmente, nas Localidades de São Pedro e Morro Gaúcho”, que contaram com a presença de ROBES e PRESSÃO.

Asseveram que o empresário JOÃO FLACH e GILBERTO RIZZADORI ajudaram a financiar a campanha de GERALDO, tanto que este realizou festa na residência de GILMAR RIZZADORI, em 05.12.2020, consoante fotografia no Facebook.

Anotam que tais encontros não eram habituais, somente sendo realizados às vésperas da eleição com o objetivo de angariar votos.

Contudo, o conjunto probatório não permite se chegar à conclusão dos recorrentes, de existência de compra de votos. Pelo contrário, o que foi produzido no curso do processo indica que se tratava de reuniões rotineiras, sem cunho eleitoral.

Ora, o fato de ter sido postada, em rede social, fotografia de confraternização com churrasco ocorrida após as eleições, em que GERALDO estaria presente, com um comentário de terceiro com os dizeres “Pagando as promessas de campanha kkkk...”, não conduz à conclusão de que teria ocorrido abuso de poder ou compra de votos.

De acordo com o fato 13, GERALDO teria prometido, em troca do voto, quantia em dinheiro para TANIA FONSECA, que, embora resida em Vale Real, ainda vota em Alto Feliz.

Alegam os recorrentes que GERALDO, também conhecido como FUA, e TANIA, logo após o anúncio do resultado das eleições, teriam trocado mensagens de áudio, tendo esta cobrado daquele o pagamento de dinheiro.

No diálogo, teria sido dito o seguinte: “E aí “Fua”... eu quero o meu dinheiro!”, ao que GERALDO teria respondido: “Huhu... é o quarenta! Ganhamos... Tania, sexta-feira eu passo aí...”, sendo redarguido por TANIA: “Não quero esperar até sexta-feira... eu tô aqui ainda, no Alto Feliz, na Morada da Montanha.”

Na ocasião, TANIA estaria na residência de sua amiga CRISTIANA PETERSEN, que, acompanhada de DENIS e ANGELITA, teria escutado os aludidos áudios e, posteriormente, sido ouvida como testemunha.

Quanto a este fato, há que se destacar que os recorrentes deixaram de tempestivamente arrolar TANIA como testemunha.

Além disso, é de se sublinhar que CRISTIANA, esposa do presidente do órgão municipal do PTB, ora recorrente, foi inquirida em juízo (ID 44925591) sem ter sido compromissada, em virtude de sua condição de filiada ao PTB, partido do candidato a prefeito derrotado.

Em seu depoimento CRISTIANA, afirmou:

Procuradora da parte autora: Tá. Eu gostaria que a senhora explicasse para nós o que aconteceu naquele dia?

Depoente: Nós estávamos reunidos em roda da casa, tomando um chimarrão, e esperando o meu marido voltar da… eles estavam contando os votos e tal. Foi no

momento que ele mandou mensagem dizendo que o resultado das eleições.

Procuradora da parte autora: Ele quem?

Depoente: Meu marido, contando do resultado das eleições e nesse momento a Tânia que estava na minha casa, ela mandou mensagem pro candidato perguntando a ele sobre o dia.

Procuradora da parte autora: Para qual candidato?

Depoente: Geraldo Fuhr. E ele respondeu e eu me lembro até hoje, ela mostrou o áudio para mim “uhuhu dale quarenta, ganhamos”. Sexta feira eu passo na tua casa. E ela respondeu de volta assim: não quero sexta-feira eu quero hoje, porque eu estou na morada da montanha, que é como se chama onde eu moro. E finalizou a conversa. Não teve mais áudio só essa conversa.

(...).

Procuradora da parte ré: Tá. E quando a senhora ouviu o áudio que ela teria mostrado pra senhora “uhuhu é 40” “dale 40”.

Depoente: Eu estava sentada do lado dela.

Procuradora da parte ré: Tá, em algum momento a senhora ouviu que essa pessoa teria falado em dinheiro?

Depoente: Ele falou o seguinte: Uhuhuh dale 40, passo na tua casa sexta-feira.

Procuradora da parte ré: Isso ele falou.

Depoente: Isso.

Procuradora da parte ré: nada mais?

Depoente: Se ela pediu uma coisa e ele disse que na sexta-feira ele ia passa lá se ele deu ou não deu eu não sei. Mas se ela pediu teve alguém que ofereceu.

Procuradora da parte ré: Tá, mas a senhora está dizendo que a senhora, que ele ofereceu dinheiro que a senhora não ouviu que ele ofereceu.

Depoente: não tô falando que ele ofereceu, eu não tô falando... eu não ouvi ele oferecendo, mas se seu pedi uma coisa para você é porque você me ofereceu alguma coisa.

Procuradora da parte ré: Mas o que, que ele ofereceu?

Depoente: Aí eu não sei.

Procuradora da parte ré: Aí a senhora não sabe me dizer, é isso?

Depoente: Porque ele deixou bem certo, sexta-feira eu passo na sua casa.

Procuradora da parte ré: Tá, e a senhora sabe se ela teve.

Depoente: Porque ela não devolveu o áudio primeiro pra ela aqui. Entendeu?

Procuradora da parte ré: Ok.

Depoente: Ela, ela tipo mandou a mensagem e uma outra mensagem chegou e ela botou bem alto pra gente ouvi.

Procuradora da parte ré: OK. Mas neste áudio não diz em momento algum que ele estava oferecendo ou dando dinheiro que ele passaria para entregar dinheiro ou qualquer coisa para ela.

Depoente: Não só falou que passaria lá.

 

Vê-se, pois, que a própria Cristiana declara que a conversa teria se resumido a Tania, após tomar conhecimento sobre o resultado das eleições, ter encaminhado áudio indagando a GERALDO “sobre o dia”, ao que ele teria respondido “uhuhu dale quarenta, ganhamos. Sexta feira eu passo na tua casa”, sendo por ela treplicado “não quero sexta-feira eu quero hoje, porque eu estou na morada da montanha”, admitindo não ter sido especificado aquilo que Tânia exigia receber.

Na verdade, anote-se que a informante desconhece não somente o objeto reivindicado por Tania, mas igualmente o respectivo fato que teria gerado o compromisso.

Além disso, há nos autos declaração firmada por Tânia de que nunca recebeu valores de GERALDO FUHR, e que são mentirosas as acusações veiculadas no fato 13 da exordial da AIJE n. 0600545-22.2020.6.21.0165 (ID 44925430).

Registro que, nos autos da AIJE n. 0600545-22.2020.6.21.0165, consta e-mail de Tânia encaminhado ao Cartório Eleitoral, em que afirma que sua família possui relações íntimas com a de GERALDO e que apenas o havia parabenizado, sem receber dele qualquer valor, bem como relata estar sendo vítima de ofensa pela advogada dos investigantes (ID 44925131).

Dessa forma, não demonstrada a prática de abuso do poder, fraude ou corrupção por prova firme e contundente, deve ser confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.