ED no(a) RecCrimEleit - 0000037-34.2015.6.21.0155 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

VOTO

Os pontos invocados na petição de embargos de declaração foram expressamente enfrentados no acórdão embargado, não havendo omissão ou contradição a ser aclarada.

Relativamente aos embargantes Leonair e Neri, sequer se evidencia o cabimento da alegação de contradição entre os fundamentos do acórdão e a conclusão pela sua condenação, pois as razões de embargos consistem na insurgência entre sua condenação pelo Fato 7 e a absolvição de Daniel Rodrigues Machado pelos Fatos 9 e 34, pelos quais os embargantes não foram acusados.

Ora, o Fato 7, relativamente ao qual Leonair e Neri foram condenados, trata da corrupção eleitoral praticada por Leonar e Neri Zardin contra as eleitoras Cristina Costa Alves, Clarice Costa Alves, irmã de Cristina, e Luciana Fernanda Alves Telles, sobrinha de Cristina, delito pelo qual Daniel não foi acusado.

Note-se que Neri Zardin e Daniel Rodrigues Machado foram igualmente condenados pela prática dos Fatos 2, 4, e 10.

Além disso, a irresignação quanto à valoração das provas é matéria a ser abordada no recurso dirigido à superior instância, merecendo, nesse ponto, apenas gizar que o acórdão está claro e devidamente fundamentado relativamente às provas consideradas suficientes para a condenação pelo Fato 7, conforme se observa do seguinte excerto:

Contudo, diante da harmonia da prova oral produzida extrajudicialmente e dos registros de ligações telefônicas, da assinatura do ticket do cartão-fidelidade pelo esposo de Cristina, tem-se por comprovada a corrupção eleitoral exclusivamente quanto a ela, ausente provas do delito praticado contra Clarice Costa Alves, irmã de Cristina, e Luciana Fernanda Alves Telles, sobrinha de Cristina.

 

De se ressaltar que Neri Zardin e Daniel Rodrigues Machado foram também condenados pela prática dos Fatos 2, 4, e 10, e que o aresto demonstra com clareza o raciocínio e os fundamentos entendidos como aptos para o juízo condenatório, como se depreende da simples leitura da decisão:

2.1.1 Daniel Rodrigues Machado (Fatos 2, 4, 9, 10 e 34)

Daniel Rodrigues Machado, vulgo Batatinha, foi condenado pela prática dos Fatos 2, 4, 9, 10 e 34, e a Procuradoria Regional Eleitoral opina pela sua absolvição relativamente aos Fatos 9 e 34, por ausência de provas, na forma do art. 386, inc. V, do CPP, uma vez que a condenação está baseada em prova testemunhal frágil, sem base documental.

O Fato 9 trata da suposta oferta de rancho alimentício aos eleitores Edison de Almeida e a Nelci dos Anjos, que em juízo negaram o recebimento da oferta, e o Fato 34 refere-se à alegada doação de rancho a Janine Haupt, apontada em depoimento prestado pelo seu irmão, Giovane Haupt, e também sem prova documental alguma a amparar a condenação.

A sentença condenatória, quanto a tais fatos, ampara-se em prova testemunhal que não convence, de modo seguro, sobre a prática dos ilícitos:

A existência do FATO 34, no qual Daniel corrompeu eleitoralmente Janine Haupt com a entrega de rancho no Mercado Zardin, embora não haja recibo de cartão-fidelidade assinado, advém de todo o contexto probatório narrado na PARTE UM, em especial depoimento da própria Janine e, diga-se, do irmão desta, Geovani Haupt, como será apreciado.

Janine Haupt (FATO 34), em juízo (fl. 2045), afirmou conhecer o réu Daniel Rodrigues Machado e admitiu ter recebido um rancho no Mercado Zardin; entretanto, afirma ser de um sorteio que participou - porém, não comprova a existência do referido do sorteio, sua origem, nem que tenha sido premiada.

Todavia, em depoimento a autoridade policial, em 24/09/2014 (fl. 38), a eleitora Janine confirmou o recebimento de benesses, salientando que Daniel pegou os produtos no Zardin e os levou até a sua residência no Bairro Esperança. Ademais, nunca demonstrou a existência do suposto sorteio, de modo que não merece crédito referida alegação.

Some-se a isso o depoimento do irmão de Janine, Giovane Haupt, em juízo, que referiu recordar muito pouco sobre os fatos. Disse que não ganhou rancho no Mercado Zardin, mas que se falou em seu depoimento prestado no Ministério Público que sua irmã, Janine Haupt, ganhou, é verdade.

Confirmou seu depoimento prestado no Ministério Público. Ainda, disse que ficou sabendo que sua irmã ganhou rancho no Mercado Zardin conversando com ela, sendo que a mesma lhe contou.

A existência do FATO 9, cujos corrompidos foram Edison Luis Lima de Almeida e Nelci de Fátima dos Anjos, a despeito da negativa destes em juízo, advém dos seu depoimentos na Promotoria de Justiça, onde ambos (fls. 31/32v) afirmaram, de maneira clara, precisa e veemente, que Daniel lhes ofereceu rancho para votarem na chapa à majoritária, das eleições municipais de 2012, de Augusto Pestana, composta por Darci e Nelson.

Os depoimentos extrajudiciais, ao contrário das versões apresentadas em juízo, apresentam maior credibilidade porque encontram suporta no contexto probatório examinado nas PARTE UM e PARTE DOIS desta sentença, notadamente os testemunhos de Gilson Leônidas, afilhado de Daniel, Simone Klein, caixa no Mercado Zardin).

A testemunha Gilson Leônidas Costa Santos, ouvido por precatória (fl. 1976), além de, como visto, confirmar o recebimento de um vale-rancho, no valor de R$ 100,00 (fl. 148), de seu padrinho Daniel Rodrigues Machado, disse que ele Daniel trabalhava como cabo eleitoral dos corréus Darci e Nelson, andando “pra cima e pra baixo com os cara”.

Simone Klein, em juízo (fl. 1967), caixa no Mercado Zardin na época dos fatos, confirmou que conhece Daniel Rodrigues Machado, que o réu era cliente do Mercado Zardin e que estava seguidamente lá no mercado naquele período eleitoral.

 

De se destacar que a testemunha Nelci de Fátima Anjos, vizinha do recorrente Daniel Rodrigues (vulgo “Batatinha”), reconheceu ser sua a assinatura do ticket do cartão fidelidade constante do Apenso 1, circunstância que enfraquece o depoimento prestado em juízo no sentido de “não recordar de ter dito, na Promotoria, que ‘Batatinha’ mandou dizer que, se os chamassem no fórum, era para falar que não sabiam nada, que não ganharam nada, que não foi oferecido nada”,

Quanto aos demais fatos, a denúncia narra que Daniel ofereceu aos eleitores Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis (Fato 2), Simone Fátima dos Santos (Fato 4), e Paulo Rogério Aquinos (Fato 10), ranchos a serem retirados no Mercado Zardin, para que votassem na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie.

A prova da autoria e da materialidade dos delitos foi assim descrita na sentença condenatória:

A existência dos fatos resta demonstrada pelo recibos de retirada de ranchos, em 06/10/2012, às 17h46min45s, no valor de R$ 102,41, por Solange, às 17h52min22s, no valor de R$ 135,06, por Gilson (Fato 02), às 13h55min08s, no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), e às 17h57min43s, no valor de R$ 80,00, por Simone (FATO 04), todos no Mercado Zardin, em conta aberta em nome do proprietário do estabelecimento, Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I), assim como pelos depoimentos de Gilson, Simone, Paulo e Janine, que também demonstram o dolo específico do tipo e a autoria, por parte de Daniel Rodrigues Machado.

(…)

Sobre a autoria destes fatos, em relação a Daniel, veja-se os depoimentos testemunhais dos corréus.

Gilson Leônidas Costa Santos (FATO 02), em juízo (fl. 1976), confirmou o recebimento de um vale-rancho, no valor de R$ 100,00 (fl. 148), de seu padrinho Daniel Rodrigues Machado. Verbis:

Testemunha: O que tá aí é verdade né, não tem nada. O que tá aí foi o que eu falei e continuo sendo a minha palavra.

Juiz: Esses fatos que eu acabei de lê-los, o senhor confirma a veracidade deles, ou seja ,efetivamente o Daniel no dia 6, foi até o ginásio, ofereceu as pessoas lá presentes uma oferta, cesta básica, especificamente, ao senhor e a Solange que era para ser retirado no mercado, para o senhor e a Solange votarem nos candidatos Darci Sallet e Nelson Wille, o senhor confirma isso então?

Testemunha: Confirmo.

Juiz: É uma verdade?

Testemunha: É uma verdade.

Juiz: Ocorreu?

Testemunha: Ocorreu.

Juiz: Ok.

 

A testemunha Simone Fátima dos Santos Pavani (FATO 04), também na instrução do presente feito(fl. 1967), afirmou que que recebeu um vale-rancho, no valor de R$ 80,00, do réu Daniel e retirou produtos no Mercado Zardin e que isso ocorreu nas eleições de 2012.

A testemunha Paulo Rogério de Aquinos - FATO 10 - confirmou judicialmente (fl. 1964) que Daniel Rodrigues Machado, mais conhecido como Batatinha, ofereceu um rancho para que votasse em Darci Sallet e Nelson Wille, quando retornava de um culto, à noite, na localidade da Sede Velha, interior do município, sendo que não aceitou a benesse.

Sobre a alegação defensiva de ser Paulo inimigo do réu, como alegado no interrogatório, tenho que isso, por si só, não afasta a veracidade do testemunho, lembrando que Paulo prestou depoimento coerente também na fase extrajudicial, junto à Promotoria, além do que sua versão está em consonância com o contexto probatório e demais testemunhos que comprovam o fato.

Em relação ao FATO 4, Janine Haupt, ao depor neste processo (fl. 2045), afirmou conhecer o réu Daniel Rodrigues Machado e admitiu ter recebido um rancho no Mercado Zardin; entretanto, afirma ser de um sorteio que participou. Todavia, em depoimento a autoridade policial em 24/09/2014 (fl. 38), a eleitora Janine confirmou o recebimento de benesses do réu, salientando que o réu que levou os produtos até a sua residência no Bairro Esperança.

A testemunha Giovane Haupt, irmão de Janine, referiu recordar muito pouco sobre os fatos. Disse que não ganhou rancho no Mercado Zardin, mas que se falou em seu depoimento prestado no Ministério Público que sua irmã, Janine Haupt, ganhou, é verdade. Confirmou seu depoimento prestado no Ministério Público. Ainda, disse que ficou sabendo que sua irmã ganhou rancho conversando com ela, sendo que a mesma lhe contou.

(…)

 

Importante gizar que, todos, Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis (FATO 02), Simone Fátima dos Santos (FATO 04), Edison Luis Lima de Almeida e Nelci de Fátima dos Anjos (FATO 09), Paulo Rogério Aquinos (FATO 10) e Janine Haupt (FATO 34) eram eleitores de Augusto Pestana, em 2012, e foram identificados, na denúncia, pelo número do título eleitoral.

Resta, pois, caracterizada, com estes elementos, que destaquei para fins didáticos, o oferecimento de vantagem ilícita a eleitores, por Daniel, com o dolo específico de que votassem, nas eleições municipais 2012, de Augusto Pestana, na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie, devendo-se observar que houve o exaurimento do crime porque os eleitores efetivamente aceitaram as ofertas ilícitas.

A negativa do réu, em seu interrogatório, resta, pois, isolada nos autos, não passando de mera tentativa de escusar-se à responsabilização criminal.

Permito-me transcrever a análise que fiz das teses de defesa de Daniel que fiz na PARTE 02, quando do exame do crime de formação de quadrilha, que são as mesmas:

Em seu interrogatório (fl. 2090), Daniel Rodrigues Machado afirmou que não realizou campanha para nenhum candidato e que, nas eleições de 2012, estava envolvido com a construção de uma igreja no Bairro Esperança; negou que tenha oferecido vantagens para algum eleitor; disse que é filiado no PMDB e vota no PMDB e que tem uma desavença com Paulo de Aquinos que o acusou, há anos atrás, de tentativa de homicídio e que foi absolvido dessa acusação. Relatou que utilizava o veículo de Nelson Wille para transportar cimento na época da construção da igreja, que foi inaugurada antes das eleições de 2012. A defesa técnica, por sua vez, discorreu que, enquanto pastor de Igreja, é comum que o acusado faça doações de ranchos e outros atos beneficientes, sendo que nada disso tinha haver com compra de votos.

As versões do acusado - autodefesa e defesa técnica -, entretanto, resta isolada nos autos, pois ficou evidenciado, pelo contexto probatório, que o acusado cooptou diretamente eleitores, prometendo e concedendo dádivas, para que votassem na chapa majoritária composta pelos corréus Darci e Nelson, nas eleições municipais de 2.012, tudo ultrapassando uma mera e inocente atuação como pastor de Igreja.

Deve, pois, o réu Daniel ser condenado pela prática de corrupção eleitoral descritas nos fatos 02, 04, 09, 10 e 34 da inicial acusatória.

Por fim, entendo que os cinco crimes de corrupção eleitoral praticados por Daniel o foram em continuidade delitiva, pois é evidente que o réu se aproveitou das mesmas "(...) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes (...)" (art. 71 CP), havendo, contudo, concurso material com o crime de formação de quadrilha, de espécie diferente.

Com esse entendimento, colho na primeira manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

De todo modo, parte dos fatos imputados a DANIEL estão documentalmente comprovados, tendo em vista os recibos de retirada de “ranchos”, em 06.10.2012, um no valor de R$ 102,41, por Solange Costa dos Reis, e outro no valor de R$ 135,06, por Gilson Costa Santos (FATO 02); um no valor de R$ 80,00, por Simone dos Santos Pavani (FATO 04); e um no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), todos no Mercado Zardin, com utilização do cartão-fidelidade em nome de Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I – ID’s 44846673 e 44846674).

O já citado Gilson Costa Santos (FATO 02) confirmou textualmente em juízo o teor da denúncia (ID 44846631, p. 21). No ato de inquirição judicial, após ouvir o relato constante da peça processual, de que ele e Solange teriam recebido produtos do Mercado Zardin no valor de R$ 100,00, oferecidos por DANIEL, em troca do voto em DARCI e NELSON, Gilson afirmou: “O que tá aí é verdade, né, não tem nada… O que tá aí foi o que eu falei e continua sendo a minha palavra. (…) Confirmo. (…) É verdade.”

Paulo Rogério de Aquinos (FATO 10) confirmou ter sido abordado por “Batatinha”, apelido de DANIEL, o qual lhe ofereceu um rancho para votar no 15 (partido da chapa dos réus), como se verifica de seu termo de depoimento (ID 44846630, p. 55-59), não obstante afirme que não aceitou a oferta.

Embora Simone dos Santos Pavani (FATO 04) não tenha confirmado o vínculo entre a oferta de DANIEL e a pretensão eleitoral de DARCI e NELSON, trata-se de depoimento isolado, destoante dos demais, que atestaram a existência da corrupção eleitoral. Cumpre ressaltar que Graciele dos Santos Pavani, filha de Simone, afirmou que recebeu rancho em troca de voto nas eleições de 2012, mas que assinou a nota no lugar de sua mãe, sendo que, na verdade, foi ela quem recebeu o rancho, e que a autorização foi dada por “Batata”, Daniel Machado (ID 44846641, p. 38).

Teresinha de Fátima dos Anjos (ID 44846633, p. 26-32), por sua vez, disse que “Batatinha” lhe “incomodô” para dar-lhe o rancho, em troca de votar em um número, do qual não lembrava mais, o que é natural, após tantos anos e considerando a simplicidade da depoente, mas não afasta a certeza de que a entrega do “rancho” tinha finalidade eleitoral.

Já Andréa de Jesus, ex-nora de DANIEL MACHADO, foi suficientemente clara em seu depoimento (ID 44846631, p. 13-19) ao vincular o recebimento de um “rancho”, no valor de R$ 150,00, à campanha política. Evidentemente constrangida em indicar o seu ex-sogro como a pessoa que lhe indicou o comparecimento ao Mercado Zardin, a fim de receber seu “rancho”, afirmou que eu fui lá (Mercado Zardin) e eles deram, só que eu não sei por intermédio de quem, eu só fui lá no mercado e eles deram, eles estavam fazendo campanha política, aqueles que tavam na rua, né. Acrescentou que eu fui lá no mercado, daí eles falaram que tavam dando rancho, daí pra votar pra eles, daí eu fui lá e peguei o rancho, só que não falei com ninguém, eu só assinei uma notinha ali na frente, no caixa, daí a guria perguntou. Ou seja, ainda que não se refira a DANIEL, Andréa deixa muito claro que a entrega de “ranchos” no Mercado Zardin nada tinha a ver com ação filantrópica, estando relacionada à compra de votos.

Como se vê, além da prova documental relativa à entrega dos ranchos do Mercado Zanin, os eleitores corrompidos confirmaram o recebimento do benefício, de modo harmônico, sendo a prova contundente no sentido de que havia a relação de troca entre os alimentos e o voto nos candidatos Darci e Nelson.

Desse modo, o recurso criminal merece ser provido nesse ponto, com a absolvição de Daniel Rodrigues Machado relativamente aos Fatos 9 e 34, em face da insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP), mantida a sua condenação quanto aos Fatos 2, 4, e 10.

(...)

 

2.1.4 Neri Zardin (Fatos n. 02, 04, 07, 09, 10, 11, 32, 34, 36, 37)

No Fato 37 a denúncia narra que o recorrente Neri Zardin, na condição de cabo eleitoral da Coligação Augusto Pestana Pode Mais e proprietário do Mercado Zardin, deu dádiva ilícita a 49 eleitores, com o fim de obter-lhes o voto para os candidatos à majoritária de Darci Sallet e Nelson Wille e para a candidata à vereadora já falecida, Iclê Rodhen.

Neri Zardin criou uma conta no cartão fidelidade, em seu próprio nome, na qual foram debitados as compras no período de 04/10/2012 e 08/10/2012, que foram distribuídas aos eleitores em troca de obter-lhes os votos aos candidatos.

O julgador de primeiro grau aplicou o instituto da emendatio libelli na sentença e considerou que “a narrativa fática do FATO 37, no sentido de que Neri deu 49 nove ranchos a eleitores diversos, no período de 04 a 08/10/2012, todos crimes de corrupção eleitoral ativa onde se constatou que as dádivas ilícitas foram retiradas no Mercado Zardin, permite a aplicação do art. 383 do CPP, para fins de condená-lo pelos FATOS 02, 04, 09, 10, 32 e 34, nos quais foram dados ranchos e carne a eleitores a partir do referido estabelecimento comercial”.

Desse modo, ponderou que a condenação “deve abranger apenas os fatos comprovadamente praticados de corrupção eleitoral ativa em concurso com os demais réus condenados por esse crime, onde houve a identificação dos eleitores corrompidos, notadamente os fatos 02, 04, 09, 10 e 34, praticados por Daniel Machado, 32, praticado por Nelson Willie (pelo Fato 07, o réu Neri foi diretamente imputado em concurso com Leonair)”.

Neri Zardin foi candidato à majoritária como vice-prefeito, juntamente com o denunciado Nelson Wille, no pleito anterior a 2012, nas eleições municipais de 2008, tendo relação de extrema proximidade com os candidatos.

No caso em tela, o Fato 7, que trata da corrupção eleitoral ativa praticada contra a eleitora Cristina Costa Alves, já foi analisado na presente decisão e foi devidamente comprovado, restando mantida a sentença, tendo sido afastada a condenação de Daniel Machado quanto aos Fatos 09 e 34, e mantida a decisão recorrida em relação aos Fatos 02 (eleitores Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis), 04 (eleitora Simone Fátima dos Santos) e 10 (eleitor Paulo Rogério Aquinos).

Quanto à análise da prática delitiva por Neri Zardin relativamente aos Fatos 02, 04 e 10, entendo que a decisão recorrida acerta ao consignar que a existência do crime resta demonstrada pelo recibos de retirada de ranchos, em 06/10/2012, às 17h46min45s, no valor de R$ 102,41, por Solange, às 17h52min22s, no valor de R$ 135,06, por Gilson (Fato 02), às 13h55min08s, no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), e às 17h57min43s, no valor de R$ 80,00, por Simone (Fato 4), todos no Mercado Zardin, em conta aberta em nome do proprietário do estabelecimento, Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I).

Já foi exaustivamente referido que, a partir da perícia realizada nos HD's da empresa Mercado Zardin, verificou-se que Neri Zardin, na semana que antecedeu as eleições, mais precisamente em 04/10/2012, abriu um conta, em seu próprio nome, na qual foram registradas 49 compras, totalizando R$ 5.827,47 (cinco mil, oitocentos e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos), até 07/10/2012 (dia da eleição), e uma última em 08/10/2012, um dia após o pleito, para favorecer inúmeros eleitores, que apenas assinaram os recibos de recebimento dos ranchos.

Conforme também já apontado quando do exame dos referidos delitos, os eleitores corrompidos comprovaram a oferta do benefício em troca do voto, sendo manifesta a finalidade eleitoral da conduta, merecendo ser transcrita a síntese da sentença quanto ao caderno probatório:

Some-se a isso, ainda, o testemunho de Simone Klein, em juízo, que relatou ter trabalhado, durante dez meses, como caixa no Mercado Zardin e que, antes da semana da eleição, não existia uma conta no nome do proprietário do mercado, Neri Zardin. Relatou ainda que as pessoas compravam um valor X e que era anotado na conta de Neri, no cartão-fidelidade, e a pessoa assinava o comprovante. Relatou ainda que, após aquela semana, não viu mais o nome de Neri na lista de clientes; que o réu atendeu como caixa também naquele sábado anterior a eleição, fato que ocorria somente quando havia muito movimento ou em domingos. Neri e Cesar, segundo a testemunha, que autorizavam colocar a compra no cartão do proprietário; disse que os clientes nada falavam e que as compras eram de 80, 120 ou 150 reais e, caso não fechasse o valor combinado, os clientes pegavam mais produtos. Relatou ainda que o proprietário, réu na presente ação, não tinha conta em seu nome no período anterior a esse e que não sabe se o valor total da conta foi quitado ou não.

Também Eunice Luciane Zardin Mainardi (fl. 1947) que relatou ser parente distante do réu (Neri Zardin) e não ter convívio familiar; que trabalhou como caixa no Mercado Zardin na época dos fatos e que não possuía poder para abrir conta no cartão-fidelidade já existente no mercado; que quem realizava a análise e abertura do crédito eram os chefes, sendo o réu um deles. Que percebeu, somente na semana das eleições, uma conta de cartão-fidelidade em nome de Neri Zardin; que só tinham acesso a lista de clientes quando faziam marcações no cartão. Que só podia lançar o crédito de compras realizadas pelos clientes no cartão de Neri se ele autorizasse, fato que somente ocorreu naquela semana anterior as eleições; que enventualmente recebia pagamentos referentes a compras no sistema cartão-fidelidade, mas que não recebeu nenhum pagamento referente aos lançamentos realizados na conta de Neri Zardin.

Em seu interrogatório, Neri negou os fatos e, resumidamente, disse que o cartão fidelidade em seu nome existe até hoje, para utilização eventual, para algum cliente que, em algum momento, dê problema com seu cartão ou com crédito, mas seja cliente rotineiro do estabelecimento. Ainda, sobre a baixa ter ocorrido todas no mesmo dia, o réu tentou infirmar a perícia técnica realizada, dizendo que o técnico "se enrolou" todo.

Primeiro, quanto à perícia, realizada judicialmente, não passa de alegação desprovida de qualquer embasamento técnico, não tendo a defesa técnica do acusado, durante a instrução ou em memoriais, infirmado as conclusões do perito, razão pela qual a alegação é uma mentira (processual), que se traduz em elemento de prova contra o acusado, pois, quem mente, quer esconder a verdade - não apenas negar um fato -, sendo, pois, importante elemento indicativo de que a versão acusatória é veraz, no sentido de verdade possível no processo e capaz de gerar a condenação.

(...)

Segundo, a perícia e mesmo os testemunhos das ex-caixas, infirmam a versão do réu de que a conta existe para eventualidade casuais, pois, embora aberta até hoje, segundo a perícia, até o momento em que elaborada, nenhuma outro lançamento havia ocorrido, salvo aqueles 49 entre a data de abertura, 04/10/2012, e a data das eleições, 07/10/2012, e um único, em 08/10/2012.

Ainda, a participação do réu, plasmada pela prova constante e ora analisada, justifica-se (motivo) também pelo fato de que, na eleição anterior, 2008, Neri Zardin concorreu como vice-prefeito na chapa que tinha como cabeça Nelson Willie, corréu, sendo ambos derrotados naquele pleito, circunstância indireta que comprova a ligação entre os réus, segundo revelado por Neri em seu depoimento - sobre a prova indireta, para evitar tautologia, reitero as fundamentações alhures, quando analisei, nesta sentença, a prova de participação de Nelson e Darci.

Aliás, ao contrário do que asseverado pela defesa, em memoriais, o réu não possui um "mercadinho" , ao menos não para Augusto Pestana, pois o estabelecimento é, além de situado numa das principais ruas da cidade, o segundo maior estabelecimento do gênero (mercado) da cidade, quiçá, o primeiro, ao menos visualmente dimensões do estabelecimento e produtos expostos.

Os corrompidos eram, indubitavelmente, como demonstrado na inicial acusatória, eleitores de Augusto Pestana.

A Procuradoria Regional Eleitoral, de igual modo, concluiu pela manutenção da condenação uma vez que Neri Zardin arcou com o custo econômico da compra de votos, atuando em coordenação com os demais réus, que lhe enviavam eleitores previamente comprometidos em votar nos candidatos Darci Sallet e Nelson Wille:

Como antes demonstrado, NERI ZARDIN acompanhou pessoalmente a utilização dos “vales” pelos eleitores no seu mercado, determinando, para fins de registro e controle, que todas as compras fossem lançadas em cartão-fidelidade emitido pelo Mercado Zardin constando seu nome como titular, com a aposição de assinatura pelos beneficiados nos recibos de entrega.

NERI ZARDIN, ademais, insere-se no circuito político de NELSON WILLE e DARCI SALLET, na medida em que participou das eleições de 2008, candidatando-se a vice-Prefeito, na chapa em que NELSON WILLE figurou como candidato a Prefeito.

A finalidade eleitoral da doação dos “ranchos” está evidenciada em diversos depoimentos colhidos durante a instrução processual, como antes demonstrado. E, de igual modo, as circunstâncias que envolveram as compras realizadas no Mercado Zardin, bem como a estabilidade do concerto criminoso, no espectro do processo eleitoral – acima suficientemente descritas –, evidenciam a prática dos crimes imputados ao recorrente.

Nesse contexto, não prospera a alegação recursal de que o recorrente merece ser absolvido por falta de provas que ensejem o juízo condenatório ou mesmo insuficiência delas nos autos.

Ressalto que não há falar em ofensa ao art. 155 do CPP, visto que todos os elementos colhidos em fases prévias à judicial foram submetidos ao contraditório e à ampla defesa.

De se ressaltar, conforme bem refere a Procuradoria Regional Eleitoral, que a imparcialidade do julgador não resta abalada por ter se convencido da conclusão pela condenação, sendo certo que “O fato de ter havido a citação de trechos de livros jurídicos escritos por membros do Ministério Público tampouco confere viés acusatório à sentença. A condenação não tem como supedâneo a doutrina. Ela tem por fundamento o reconhecimento dos fatos. A doutrina é citada para explicitar (conforme exigido constitucionalmente) os pressupostos teóricos que levam o(a) decisor a considerar os elementos de prova por ele descritos como relevantes para fundamentar o decreto condenatório”.

Do exame da sentença, bem se vê que a referência a outros julgamentos, como o caso do “mensalão”, foi realizada para explicar o raciocínio percorrido pelo julgador, e em nada importa em decisão contrária à prova dos autos.

De igual modo, considerando que a condenação está amparada nos fatos e provas existentes nestes autos, é descabido o pedido de absolvição com fundamento na sentença prolatada em outros feitos.

Portanto, o recurso merece provimento parcial a fim de que seja mantida a sua condenação somente quanto à corrupção eleitoral ativa narrada nos Fatos 2, 4, 7 e 10, com a absolvição de Neri Zardin pela prática dos Fatos 09, 11, 32, 34, 36, 37, por não existir prova suficiente para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP).

 

Destarte, não há omissão ou contradição entre o raciocínio percorrido e a conclusão do julgado, sendo certo que o inconformismo quanto ao valor dado ao caderno probatório não dá azo aos embargos de declaração.

De igual modo, não se evidencia omissão ou contradição nos fundamentos utilizados para a manutenção de parte da valoração negativa das vetoriais consideradas na sentença, merecendo ser aqui reproduzido o entendimento do STJ no sentido de que “inexiste afronta aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a decisão recorrida pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo” (STJ - EDcl no AgInt no REsp: 1941932 SP 2021/0142753-4, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18.3.2022).

Observo que esse tema constitui até mesmo uma indevida inovação recursal, pois não foi objeto específico de impugnação quando da interposição do recurso criminal, e que devem os embargantes pleitear a redução da pena em eventual recurso interposto para a reforma do julgado, pois não pode ser reputada como omissa a decisão que manteve a sentença nesse ponto tão somente porque a conclusão foi contrária aos seus interesses.

O mesmo raciocínio é aplicável no que se refere ao pedido de redimensionamento do valor da prestação pecuniária, uma vez que não cabem embargos de declaração opostos com o nítido propósito de se questionar o acerto da decisão, devendo eventual irresignação contra o mérito do julgamento ser discutida em via própria.

No caso dos autos, o acórdão apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e ao julgamento do recurso, não havendo omissão ou contradição passível de integração pela via dos aclaratórios.

Portanto, tem-se que não há no acórdão qualquer omissão, mostrando-se inadequada a oposição de declaratórios com o escopo de forçar o Tribunal a julgar novamente o caso concreto e reapreciar as provas.

Por fim, anoto que o prequestionamento se dá pelos elementos que os embargantes suscitaram, na forma do art. 1.025 do CPC.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.