RecCrimEleit - 0600138-85.2021.6.21.0066 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente, eminentes Colegas.

 

1. Preliminares

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, visto que interposto no prazo de dez dias da intimação da sentença, conforme dispõe o art. 362 do Código Eleitoral.

 

1.2. Emendatio Libelli

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, opinou pela alteração da capitulação do fato objeto da lide (atualmente enquadrado no inc. II do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97), para a tipificação prevista no inc. III do aludido artigo, nos seguintes termos:

No caso sob análise, MARISTER ANTICH SANTOS foi denunciada pelo Ministério Público porque no dia 07.10.2018, por volta das 14h50min, na via pública, próximo à Escola Estadual Profª Margot T. N. Giacomuzzi, em Canoas, onde estavam em funcionamento seções eleitorais, durante operação de combate a crimes eleitorais realizada pela Polícia Militar, foi flagrada entregando “santinhos” a populares, tendo sido encontrados na sua bolsa de mão 148 panfletos e 6 adesivos, circunstâncias indicativas da prática do crime de divulgação de propaganda na data da eleição (ID 44934504, p. 3).

Conquanto a denúncia tenha capitulado o fato no inciso II do artigo referido, na modalidade de “boca de urna”, e a sentença condenatória tenha seguido a mesma linha, entendemos que a descrição encontra adequação típica no inciso III, referente à “divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos”.

[…]

Ao tratar do crime previsto pelo inciso II, Rodrigo López Zilio (Crimes eleitorais, 3ª ed., São Paulo, JusPdvm, 2017, pp. 242-244) apresenta as seguintes considerações (com grifos nossos):

“O tipo penal recebeu a atual redação com a Lei n. 11.300/06. Antes em sua redação originária, dispunha o art. 39, inciso II, da LE que o crime consistia na “distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a influir na vontade do eleitor”. Esse tipo penal originário foi bipartido: a sua primeira parte, com ligeira modificação, virou o inciso III do art. 39; a segunda parte também modificada ganhou o status do atual inciso II do art. 39.

A redação atual, porém, é mais confusa do que anterior, causando a necessidade de uma interpretação do texto legal em harmonia com o princípio constitucional da liberdade de expressão – que é o elemento preponderante da participação ativa do eleitor na perfectibilização da soberania popular, revelando uma plenitude substancial do processo eleitoral.

A arregimentação é o aliciamento ou coação, tendente a influir na vontade do eleitor (…)

O crime de aliciamento ou arregimentação, previsto no art. 39, § 5º, inciso II, primeira parte, da LE exige o dolo específico, consistente na intenção de influenciar na vontade livre do eleitor.

A propaganda de boca de urna, de outro lado, é um tipo penal indeterminando e excessivamente genérico, além de adotar nomenclatura que não observa o vernáculo adequado. Na verdade, a expressão “boca de urna” evoca uma época em que a propaganda eleitoral sofria determinadas limitações em face à proximidade da seção eleitoral (ou seja, quando a propaganda é realizada na “boca” da urna). Neste contexto, constata-se que a criminalização da propaganda de boca de urna, em uma ponta, é inócua – porque toda e qualquer divulgação de propaganda eleitoral é punida na forma do inciso III do § 5º do art. 39 da LE- e, em outra ponta, é vazia – porque se houver abordagem nessa “propaganda de boca de urna” o tipo passa a ser inciso II do § 5º do art. 39 da LE.”

Em suma, tratando-se de propaganda eleitoral na data do pleito, a tipificação precisa será o inciso II, se houver abordagem do eleitor com o dolo de alterarlhe o voto (arregimentação), e o inciso III, se não estiver caracterizada abordagem dessa espécie, mas mera divulgação de propaganda eleitoral (ainda que nas imediações de locais de votação).

No caso, a descrição fática feita pela denúncia (e encampada pela sentença condenatória) limitou-se à divulgação de propaganda de candidato na data do pleito, por meio de panfletos (“santinhos”).

Logo, necessário que se proceda à emendatio libelli, nos termos do art. 383, caput, do CPP, para o fim de alterar a capitulação jurídica originária (art. 39, § 5º, inciso II, segunda parte) para o art. 39, §5 º, inciso III (divulgação de propaganda de candidatos na data do pleito). (Grifos no original).

 

O instituto da emendatio libelli vem tratado no art. 383 do Código de Processo Penal:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

 

Ensina Guilherme Madeira Dezem que a “emendatio libelli pode ocorrer tanto em primeiro quanto em segundo grau de jurisdição. Pode ocorrer tanto em sede de ação penal pública quanto em sede de ação penal privada, aliás, qualquer modalidade de ação penal privada” (Dezem, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1132).

Ainda, sobre o tema, o referido autor ilustra que “a ideia que embasa a emendatio libelli é a de que o acusado se defende dos fatos e não da qualificação jurídica apresentada na denúncia ou na queixa. Daí porque pode o magistrado corrigir a tipificação apresentada pela acusação” (ibidem).

A ilustrar o entendimento sobre a possibilidade de emendatio libelli em grau recursal, transcrevo ementa de aresto desta Corte, da lavra do Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 325 c/c 327, INC. III, DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE DIFAMAÇÃO ELEITORAL. CONDENAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. RECAPITULAÇÃO PARA O CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. POSTAGENS NA REDE SOCIAL FACEBOOK. UTILIZAÇÃO DE PALAVRAS OFENSIVAS AO CANDIDATO SEM EMPREGÁ- LAS EM NENHUM CONTEXTO CRÍTICO. RECONHECIDA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. READEQUAÇÃO DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Prefaciais rejeitadas. 1.1. Da nulidade da sentença por ausência de enfrentamento de teses defensivas. Apontado o não enfrentamento das teses de “impossibilidade de tipificação formal do delito” e de “inexpressividade da lesão jurídica do ato”. Questões suficientemente enfrentadas na sentença. 1.2. Da inépcia da denúncia. Exordial acusatória a qual explicita a conduta com todas as suas circunstâncias, a permitir o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa. 2. Postagens ofensivas a candidato na rede social Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral, em pedidos de direito de resposta, tem admitido o emprego de expressões ácidas e contundentes, mas dentro de um contexto crítico e sem direcioná-las à pessoa do candidato. É pacífico o entendimento de que a liberdade de expressão não é direito absoluto, conforme inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, e não o deve ser também em matéria eleitoral. No caso dos autos, o acusado, de forma objetiva, dirigiu palavras ofensivas ao candidato, sem empregá-las em nenhum contexto crítico, sem qualquer referência à eventual incompetência ou alusão a eventual fato supostamente criminoso que pudesse ter prejudicado os projetos da prefeitura durante a gestão do ofendido. 3. A Justiça Eleitoral tem papel fundamental de regulação das eleições e das condutas dos candidatos e partidos. Acusações gratuitas e ofensivas, desapegadas do teor crítico a respeito da atuação do homem público, não revelam nenhum benefício que contribua para o debate e esclarecimento do eleitorado. 4. Readequação da pena devido à recapitulação do crime para injúria eleitoral. 5. Parcial provimento do recurso.

(TRE-RS - RC: 12817 GRAVATAÍ - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 06/08/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 147, Data 09/08/2019, Página 12) (Grifei.)

 

Sobre o delito de boca de urna, inc. II do § 5º do art. 39 da Lei das Eleições, José Jairo Gomes descreve que o ilícito:

“remete às imediações da seção eleitoral em que ocorre a votação. Portanto, a propaganda de boca de urna é a realizada nas proximidades desse local. Não é estabelecida uma distância exata, numérica; mas o emprego de expressão vaga ou indeterminada tem a vantagem de permitir que a regra legal seja ajustada à realidade das circunstâncias do lugar em que a seção eleitoral é instalada. Na boca de urna, a propaganda ocorre de forma pessoal, direta, por exemplo: mediante ostentação de bandeiras e estandartes, distribuição de santinhos e panfletos aos eleitores que se apresentam para votar.” (Gomes, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015)

 

Por seu turno, sobre o crime de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, inc. III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97, a lição de Rodrigo Lopez Zilio ensina que:

Atualmente, veda-se qualquer espécie de divulgação de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos – independentemente da forma em que realizado o ato.

(...)

A divulgação pressupõe uma conduta que faça a propaganda chegar ao conhecimento de terceiro e pode ser realizada por qualquer forma (imprensa escrita, rádio, televisão, panfletos, internet, etc.).

Para o TSE, “o crime de distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, é de mera conduta, consumando-se com a simples distribuição da propaganda” (RHC nº 45/MG – j. 13.05.2003 – DJ 06.06.2003). O tipo penal em apreço não exige a prova de uma finalidade específica, bastando a vontade livre e consciente de divulgar qualquer espécie de propaganda de partidos ou candidatos no dia da eleição. Tampouco é exigido que o eleitor, ao final, tenha o seu convencimento pessoal alterado pela mensagem de propaganda.”(Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2020)

 

O autor, na mesma obra, tece ainda relevante digressão quanto à capitulação do crime de boca de urna, quando da existência de norma que engloba, em seu conteúdo, o aludido ilícito, na medida em que veda a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. Em apertada síntese, o ilícito de boca de urna guardava uma relação espacial de proximidade das seções eleitorais, quando da sua ocorrência, a qual envolvia qualquer manifestação tendente a influir na vontade do eleitor; todavia, com a previsão do inc. III, que visa coibir a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, foi vencida a questão espacial do delito de boca de urna. Nessa linha, entendeu pela desnecessidade de tipificação dúplice, no caso direcionada à propaganda de boca de urna, a qual passou a ser abarcada pela vedação à propaganda de qualquer espécie. E, visando harmonizar as duas normas existentes, concluiu que, em havendo distribuição de qualquer material de cunho eleitoral, nas proximidades ou não dos locais de votação, restará configurado o crime de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, vertido no inc. III; enquanto, de outro vértice, a boca de urna prescinde da divulgação de material de propaganda e pode ocorrer mediante um sugestionamento de voto.

Ultrapassada a questão doutrinária acerca do tema, no caso concreto, a peça inicial da denúncia (ID 44934504, p. 3) retrata que a ré distribuiu adesivos e panfletos de candidatos em local próximo à Escola Professora Margot T. N. Giacomazzi, em Canoas, no dia 07 de outubro de 2018 (primeiro turno das eleições 2018), quando foi flagrada por policiais militares, em patrulhamento de rotina.

Na ocasião, foram apreendidos com a denunciada 6 (seis) adesivos do candidato Airton Souza e 148 (cento e quarenta e oito) panfletos relacionados aos concorrentes Giovani Feltes, Airton Souza, José Fogaça, Beto Albuquerque e José Ivo Sartori, nos termos da ocorrência e do Auto de Apreensão.

Com efeito, inegável a distribuição de materiais gráficos de cunho eleitoral por parte da recorrente.

Nesse passo, considerando que a tipificação do crime de boca de urna, inc. II do § 5º do art. 39 da Lei Eleitoral, prescinde da distribuição de propaganda, podendo se dar mediante sugestionamento e, de outro vértice, o ilícito de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partido e candidatos, inc. III do § 5º do mesmo artigo, demanda a disseminação de publicidade de campanha, necessária a readequação do tipo.

Relevante frisar que estamos diante de ilícitos previstos no mesmo parágrafo e artigo de lei, constando definida para ambos a mesma sanção legal.

Assim, acolho a preliminar de mérito promovida pela Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de capitular o delito descrito na denúncia para “divulgação de qualquer espécie de propaganda de partido e candidatos”, inc. III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97.

 

1.3. Inocorrência de prescrição

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita preliminar de mérito quanto à não ocorrência de prescrição, na medida em que o interregno entre o recebimento da denúncia (04.02.2019 – ID 44934505, p. 6) e a publicação da sentença condenatória (considerada como tal a data da assinatura eletrônica: 16.01.2020 – ID 44934508, p. 9) e entre essa e a presente data é inferior a três anos, prazo prescricional previsto pelo art. 109, inc. VI, do CP, quando a pena aplicada é inferior a um ano. Logo, permanece hígida a pretensão punitiva estatal.

Leciona o escólio de Rogério Sanches Cunha, quanto à prescrição, que “sendo incerto o quantum (ou tipo) da pena que será fixada pelo juiz na sentença, o prazo prescricional é resultado da combinação da pena máxima prevista abstratamente no tipo imputado ao agente e a escala do art. 109” (Cunha. Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2021).

Todavia, o autor dispõe que “fixada a reprimenda, ainda que provisoriamente, transitando este julgado para a acusação (ou sendo o seu recurso improvido), não mais existe razão para se levar em conta a pena máxima, já que, mesmo diante do recurso de defesa, é proibida a reformatio in pejus. Surge, então um novo norte, qual seja, a pena recorrível efetivamente aplicada. Portanto, a pena concreta, aplicada na sentença, é o parâmetro para o cálculo da prescrição superveniente” (ibidem).

Entendimento este sumulado pelo STF, no verbete n. 146:

A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.

 

No caso, estamos tratando do crime de boca de urna, aqui capitulado, quando do tratamento do pedido de emendatio libelli, para o ilícito de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, cominado com pena de detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR, nos termo do art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Em sentença publicada em 16.01.2020, a sanção cominada à ré foi de pena privativa de liberdade por 06 (seis) meses de detenção (substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, à razão de 01 (uma) hora por dia). Nesse norte, com o trânsito em julgado para a acusação, nos termos do art. 110, § 1º, do CP, a prescrição regula-se pela pena aplicada, calhando, assim, o enquadramento no art. 109, inc. VI, do Código Penal, o qual dispõe que a prescrição se verifica em 03 (três) anos.

Com efeito, compulsando os autos, não verifico transcorrido o lapso de 3 anos entre o termo inicial da prescrição superveniente, vertido no inc. I do art. 112 do CP, e a presente data, visto que o crime ocorreu no dia 07 de outubro de 2018 (1º turno das eleições), a denúncia foi recebida em 04 de fevereiro de 2019, e a sentença foi assinada em 16 de janeiro de 2020 e publicada, conforme certidão de ID 44934508, fl. 20, em 23 de janeiro de 2020.

Assim, na linha do parecer ministerial, não há prescrição a ser reconhecida.

 

1.4. Preliminar de ausência de representação processual

Foi certificada, quando da distribuição do feito, a ausência de procuração outorgando poderes aos advogados cadastrados nos autos (ID 44934370).

Intimada, nos termos do despacho de ID 44937163, a parte quedou-se inerte (ID 44967337).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer complementar, salientou que, “durante todo o desenvolvimento da ação penal em primeira instância, a ré/recorrente esteve assessorada por defesa constituída, o que denota a inexistência de justificativa para, nesta segunda instância, ser nomeada a Defensoria Pública da União para atuar no feito”.

O órgão ministerial apontou ainda que, por se tratar de processo penal, existe a possibilidade das matérias objeto do recurso serem, em alguma medida, objeto de habeas corpus.

Nessa linha, opinou pelo não conhecimento do recurso, pois carente de representação processual; pela certificação do trânsito em julgado da sentença; pelo conhecimento do recurso como pedido de habeas corpus; e pela manutenção integral da sentença.

No caso, não vejo necessidade de receber o recurso como se habeas corpus fosse, na linha do requerido pela Procuradoria Regional Eleitoral, na medida em que demonstrado o acompanhamento da ré, em todos os momentos processuais em que demandada, por advogado, a indicar a outorga de poderes para sua representação.

Explico.

O art. 656 do Código Civil dispõe que o mandato pode ser expresso ou tácito.

Por sua vez, o art. 266 do Código de Processo Penal dispõe que a constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório.

Ocorre que, compulsando os autos, pude verificar a atuação dos causídicos desde a gênese do feito, não apenas por ocasião das audiências (em que inquirida a ré), mas em diversos atos processuais, conforme segue:

- Termo de audiência, datado de 28.11.2018, ID 44934505, p. 3, constando como procurador o Dr. Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595;

- Nota de expediente, publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 05.02.2019, ID 44935505, p. 10, tendo por advogado o Dr. Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595;

- Certidão, datada de 01.04.2019, ID 44934505, p. 27, em que a recorrente informa que iria constituir defensor;

- Termo de audiência, datado de 25.04.2019, ID 44934506, p. 1, em que constam os procuradores Drs. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237, e Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595, assinado por ambos;

- Resposta à acusação, de 06.05.2019, ID 44934506, págs. 3-4, em folha timbrada do escritório Nedy de Vargas Marques & Advogados, firmada pelo Dr. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237;

- Nota de expediente, publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 21.05.2019, ID 44934506, p. 19, contendo o nome dos Drs. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237, e Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595;

- Termo de audiência, datado de 27.06.2019, ID 44934507, p. 15, assinado pelo Dr. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237;

- Alegações finais, de 02.06.2019, ID 44934507, págs. 20-22, assinada pelo Dr. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237;

- Nota de expediente, publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 26.11.2019, ID 44934508, p. 06, contendo o nome dos Drs. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237, e Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595;

- Nota de expediente publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de 23.01.2020, ID 44934508, p. 21, contendo o nome dos Drs. Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237, e Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595; e

- Recurso de apelação, ID 44934509, p. 11-13, assinado por Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97.237.

 

Como se depreende das manifestações acima arroladas, a ré foi representada por seus advogados em todos os atos processuais.

Ainda, em analogia, fosse o crime julgado pelo JECRIM, visto que o ilícito, na esfera comum, poderia ser enquadrado no art. 61 da Lei n. 9.099/95, pois a pena máxima é de 1 (um) ano, a procuração poderia se dar de forma oral, nos termos do seu art. 9º, § 3º:

Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

(...)

§ 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes especiais. (Grifei.)

 

Por fim, o Enunciado n. 77 do FONAJE (Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil) prevê que “o advogado cujo nome constar do termo de audiência estará habilitado para todos os atos do processo, inclusive para o recurso”.

Nesses termos, conheço do recurso, ainda que desprovido de procuração escrita outorgando poderes aos advogados Bruno Pontin Vieira Flores, OAB/RS n. 97237, e Nedy de Vargas Marques, OAB/RS n. 9.595.

 

2. MÉRITO

Cuida-se de recurso criminal interposto por MARISTER ANTICH SANTOS contra sentença proferida pelo Juízo da 134ª Zona - Canoas/RS, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-a como incursa no crime tipificado no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 (boca de urna), à pena privativa de liberdade de 06 (seis) meses de detenção (substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, à razão de 01 [uma] hora por dia), assim como à penalidade de multa, fixada em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

Promovido o aditamento do ilícito, o qual foi capitulado para o inc. III do § 5º do art. 39 da Lei das Eleições, quando do tratamento da emendatio libelli, o mérito terá por base o crime de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

Passo à análise.

Como referido, o delito vem disposto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei Eleitoral:

Art. 39 A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. (Redação dada pela Lei n. 12.034, de 2009)

 

A denúncia tem por lastro a distribuição, pela ré MARISTER ANTICH SANTOS, no dia 07 de outubro de 2018 (primeiro turno das eleições daquele ano), de adesivos e panfletos de candidatos em local próximo à Escola Professora Margot T. N. Giacomazzi, em Canoas, oportunidade em que foi flagrada por policiais militares em patrulhamento de rotina.

Na ocasião, foram apreendidos com a denunciada 154 impressos de candidatos variados, nos termos da ocorrência e do Auto de Apreensão.

Condenada em primeira instância, a demandada, irresignada, sustenta que as declarações vertidas em depoimentos não apontam para a prática do delito, objeto da lide, por parte dela. Nesses termos, assevera que a fundamentação da sentença vai de encontro com o obtido na oitiva das testemunhas, tendo por base ilações, visto que o acervo probatório carreado aos autos não remonta à versão dos fatos que alicerçou a decisão hostilizada. Motivos esses que, no seu entender, dão azo à reforma da sentença, na medida em que carece de conteúdo probante.

José Jairo Gomes, ao tratar o ilícito vertido no inc. III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97, ministra que “no dia do pleito é proibida a divulgação de qualquer tipo de propaganda, seja partidária, seja eleitoral. Devido à sua amplitude, esse dispositivo torna irrelevantes o inciso I e a parte final do inciso II (boca de urna), já que a previsão neles contidas são formas de propaganda, portanto meras especificação do gênero”(Gomes, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015).

A recorrente, conforme denúncia, foi flagrada por policiais militares enquanto praticava o delito, não havendo falar em forma culposa, na medida em que o ilícito tem por tipo subjetivo o dolo, conforme doutrina do autor acima referido:

O tipo subjetivo consiste no dolo, não sendo prevista forma culposa. O dolo é genérico, implicando a consciência e a vontade de realizar as condutas típicas. Saliente-se inexistir previsão nos tipos de um elemento subjetivo, respeitante a um especial fim de agir. A consumação se perfaz com a concretização das condutas especificadas. É desnecessário comprovar a real e efetiva influência do fato sobre os eleitores. (Grifei.)

 

Ora, a ausência de previsão de forma culposa para a infração, somada ao auto de apreensão, termo circunstanciado e testemunhos dos policiais militares que realizaram a abordagem, conduzem, indubitavelmente, a um juízo de autoria do delito pela ré, bem como a sua materialidade.

Em que pese a tese recursal aponte que os testemunhos não conduzem à realização do ilícito pela denunciada, os depoimentos dos policiais militares são uníssonos quanto à visualização da prática de divulgação de propaganda de campanha impressa pela ré. Ademais, consta da oitiva dos policiais militares que o critério para abordagem era a efetiva distribuição de material publicitário.

É dizer, a demandada foi abordada, porquanto incorrendo no inc. III do § 5º do art. 39 da Lei das Eleições, distribuía propaganda de candidatos as eleitores nas proximidades de seção eleitoral no dia do pleito.

Por seu turno, as testemunhas arroladas pela defesa declararam não ter visto a denunciada entregando impressos eleitorais. Todavia, também informaram que não estavam próximas da ré, quando da abordagem policial.

No que diz respeito ao depoimento da ré, acompanho o percuciente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o qual vai no sentido da inviabilidade do alegado em juízo, apontando como coerente o conjunto probatório formado pelos documentos e testemunhos dos servidores públicos:

Em seu interrogatório judicial (ID 44934512), a ré/recorrente inclusive confirma que estava no local e que portava o material de campanha apreendido.

Contudo, alega que não estava propriamente na frente da escola estadual, mas apenas próxima (na esquina), conversando; e que não estava distribuindo material de propaganda eleitoral, tendo apenas mantido-o na sua bolsa (de mão) após sua neta ter pego os “santinhos” de dentro do veículo do seu filho. A interrogada ainda afirmou que os policiais estavam recolhendo todo mundo e que quem não tinha “santinho” eles “enxertavam”.

A localização, próxima ou em frente a escola não exclui o crime, pois a lei veda a divulgação de propaganda na data do pleito independentemente de realizada próxima ou distante de local de votação.

Por sua vez, a alegação de que guardou 148 “santinhos” de propaganda eleitoral em sua bolsa porque sua neta, criança, estaria com eles brincando e alguém poderia passar e entender errado a situação, não faz o menor sentido.

A criança poderia estar com um ou com dez “santinhos” em mãos, mas certamente não com 148 “santinhos”! Ademais, se efetivamente não pretendesse entregar esse material a eleitores, bastaria tê-lo guardado novamente no veículo do seu filho, de onde alega que a neta os retirou.

Mas mais do que isso, evidente que os policiais militares que estavam em missão de fiscalização quanto a crimes eleitorais na data do pleito somente abordaram a ré/recorrente porque a viram entregando o material de propaganda a adultos (eleitores), o que constou expressamente descrito na lavratura do boletim de ocorrência policial (“entregando adesivos e santinhos a populares”).

Não há sentido nenhum em afirmar que os policiais militares que estavam em missão de fiscalização abordariam a ré/recorrente pelo fato de sua neta, criança, estar “brincando” com “santinhos” ou simplesmente porque estava parada conversando com alguém. Se assim fosse, estaria narrado no boletim de ocorrência que os “santinhos” estavam no chão ou com a criança; e a pessoa que estava conversando com a ré/recorrente também teria sido conduzida à Delegacia de Polícia, o que não se tem notícia de que tenha ocorrido.

Como bem ressaltado na sentença (ID 44934508, p. 15), “leviana a tentativa de desqualificar o trabalho dos agentes públicos que estavam no exercício legal de suas funções. Ora, diante da flagrante situação delituosa, nada mais deveriam fazer do que apreender o material e autuar o ocorrido”.

A conclusão é óbvia, no sentido de que a ré/recorrente foi abordada porque os policiais efetivamente a avistaram distribuindo propaganda eleitoral a adultos, o que restou confirmado com a apreensão de 148 “santinhos” e 06 adesivos em sua bolsa de mão.

 

Assim, adiro ao parecer ministerial quanto ao ponto, contudo saliento a gravidade do alegado pela denunciada quando, aos 05min28seg do seu testemunho, passa a alegar que os policiais militares iriam “enxertar” santinhos nos transeuntes que se negassem a entrar na viatura, incorrendo no não admitido flagrante forjado, o que não restou comprovado pelo conjunto probatório carreado aos autos.

Por conseguinte, entendo que o material colhido dos testemunhos, em oposição ao aduzido pela recorrente, em nenhum momento infirma as conclusões da sentença, tampouco desclassifica a ocorrência do delito, uma vez que é unânime ao demonstrar que a ré estava, de fato, nas proximidades da seção eleitoral e portava grande quantidade de material de campanha, deixando a cabo do acervo providenciado pelos policiais militares a comprovação da autoria e materialidade, o que restou suficientemente evidenciado nos autos.

Nesse cenário, considerando a ocorrência da prisão em flagrante da ré no dia do pleito e a consistência do conteúdo da prova testemunhal, corroborando os elementos colhidos na fase inquisitiva, a materialidade do delito e a sua autoria restaram suficientemente demonstradas, de modo que, ausentes causas excludentes de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, deve ser integralmente mantida a sentença condenatória ora impugnada, inclusive no que concerne às sanções impostas à ré, com fundamento no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por MARISTER ANTICH SANTOS, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.