REl - 0600716-70.2020.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2022 às 14:00

 VOTO

Da Admissibilidade

A sentença é datada de 03.8.2022, com disponibilização no DJE em 04.8.2022 e publicação em 05.8.2022.

Interposto o recurso no dia 06.8.2022, é de se considerar observado o tríduo legal, nos termos do art. 258 do Código Eleitoral.

Assim, tendo em vista ser o recurso tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

 

Preliminar – Formação do litisconsórcio e decadência

O DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTA - PP DE GETÚLIO VARGAS-RS e a AGV - ALIANÇA POR GETÚLIO VARGAS (PSL/ REPUBLICANOS/PDT/PTB/PSD/PP/DEM) ajuizaram Ação de Investigação Judicial Eleitoral em face de “MDB (Movimento Democrático Brasileiro), Diretório de Getúlio Vargas-RS, com inscrição no CNPJ sob nsº 36.039.390/0001-49, 39.138.595/0001-81, 39.257.421/0001-38, 38.955.263/0001-27, 38.950.582/0001-40, 39.135.089/0001-39, 39.004.329/0001-66, 39.005.397/0001-40, 39.257.341/0001-82, 39.257.360/0001-09, 39.257.261/0001-27, 39.017.265/0001-38, 39.257.070/0001-65, 38.954.736/0001-71, 39.056.410/0001-90, sediada atualmente na Rua Irmão Gabriel Leão, 250 (Loja Foto Central), centro, Cidade de Getúlio Vargas-RS, CEP 99.9000-000; LEANDRO SLAVIERO, brasileiro, empresário, Presidente do MDB de Getúlio Vargas”.

O Juízo da 70ª Zona Eleitoral reconheceu a decadência para a propositura da ação relativamente aos demandados indicados somente pelo número do CNPJ, decisão que foi reformada por esta Corte no julgamento ocorrido no dia 10.8.2021, em agravo de instrumento de relatoria do Desembargador Francisco José Moesch. Transcrevo a ementa que resume o julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO QUE RECONHECEU A DECADÊNCIA DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA DA DEVIDA QUALIFICAÇÃO DAS PARTES. CABIMENTO DO RECURSO DIANTE DA EXCEPCIONALIDADE DO CASO. QUALIFICADOS OS INTEGRANTES DO POLO PASSIVO. PREFERÊNCIA PELA EFETIVIDADE DO DIREITO EM DETRIMENTO DO FORMALISMO EXCESSIVO. DESCONSTITUÍDA DECISÃO DE ORIGEM. AFASTADA A DECADÊNCIA DA AÇÃO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que, nos autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral -AIJE, em sede de embargos de declaração, reconheceu a decadência da ação em relação a candidatos de partido, arrolados no polo passivo da ação para integrarem o feito, diante da inexistência da devida qualificação das partes (art. 319, inc. II, do CPC).

2. Recurso conhecido. O entendimento pelo não cabimento de agravo de instrumento em face de decisão interlocutória proferida no curso da ação funda-se na ideia da celeridade processual, considerando que esse pronunciamento, em tese, poderia ser atacado em sede recursal, situação que, em regra, não acarretaria qualquer prejuízo para as partes. Entretanto, a decisão judicial proferida pela juíza a quo, que tem natureza de sentença, extinguiu o feito com resolução de mérito, reconhecendo a decadência em relação à parte dos demandados, sendo definitiva em relação aos mesmos, razão pela qual é cabível o agravo de instrumento interposto, diante da excepcionalidade do presente caso. A demora na instrução do feito poderia esvaziar o seu objeto (cassação do mandato), com o risco de perecimento do direto. Desse modo, nos termos do Código processual vigente, quando o juiz decidir a respeito da prescrição ou da decadência – reconhecendo ou rejeitando sua ocorrência –, haverá decisão de mérito e, portanto, caberá agravo de instrumento com fundamento no inc. II do art. 1.015 do CPC. Nesse sentido, jurisprudência do STJ.

3. Na hipótese, os candidatos arrolados no polo passivo não estão com a qualificação completa, tendo sido informados somente os CNPJs de campanha. Contudo, apesar da inobservância do disposto no art. 319, inc. II, do CPC, restou demonstrado contra quem se pretendia demandar. Além disso, o agravante, no momento da oposição dos embargos declaratórios, supriu qualquer dúvida que pudesse existir quanto aos integrantes do polo passivo, tendo em vista que arrolou os nomes e a qualificação de cada candidato.

4. A declaração de decadência do direito para a emenda da inicial, utilizada para rejeição dos embargos pelo juízo a quo, não possui amparo legal. Isso porque a decadência deve ser verificada no momento da propositura da ação, consoante § 4º, c/c § 1º, do art. 240 do CPC. Assim, tendo em vista que a emenda proposta não alterou o direito exposto na inicial, e tendo a AIJE sido ajuizada no mesmo dia da diplomação dos candidatos, excluída a decadência do direito para a interposição da ação.

5. Nas demandas eleitorais ajuizadas no ano da eleição, especialmente após o pedido de registro de candidatura, onde os dados de qualificação do candidato são registrados para as possíveis ações eleitorais, a exigência do art. 319, inc. II, do CPC, quanto à perfeita qualificação do candidato demandado, é bastante mitigada, sendo muitas vezes feita referência apenas “aos dados registrados perante a Justiça Eleitoral”. O próprio § 2º do art. 319 do CPC estabelece que: “A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu”. A preferência pela efetividade do direito em detrimento do formalismo excessivo deve pautar as decisões judiciais, prestigiando-se os princípios da instrumentalidade, da celeridade, da economia processual e da razoabilidade, evitando-se decisões terminativas desnecessárias. Nesse sentido, jurisprudência do TSE.

6. Desconstituída a decisão proferida pelo juízo eleitoral de origem, para afastar a decadência da ação em relação a todos os candidatos arrolados na petição inicial. Determinado o prosseguimento do feito, com a citação de todos os sujeitos do polo passivo.

7. Provimento.

(Agravo de Instrumento n. 0600037-36.2021.6.21.0070)

 

O julgamento, portanto, determinou a desconstituição da decisão para afastar a decadência da ação no que tange a todos os candidatos arrolados na petição inicial.

Anoto, por oportuno, que a inicial afirmou que LEANDRO SLAVIERO, presidente do MDB local, mediante “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político”, beneficiou “todos os candidatos que concorreram ao pleito municipal pelo partido requerido (MDB)”, os quais teriam sido indicados pelo número do CNPJ (ID 45060292). Na peça, também se afirmou que a conduta que teria sido praticada pelo presidente do partido favoreceu direta e indiretamente todos os candidatos que concorreram no pleito municipal de Getúlio Vargas.

A decisão ora recorrida reconheceu a decadência da ação por fundamento diverso daquele enfrentado no agravo de instrumento, que seja, a relação jurídica afirmada na inicial obrigaria a formação de litisconsórcio passivo necessário e uma das pessoas supostamente beneficiadas pela conduta deixou de ser tempestivamente indicada pelos recorrentes. Constou da decisão recorrida:

Fazendo uma consulta no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (https://resultados.tre-rs.jus.br/eleicoes/2020/426/RS86770.html), onde conferindo o resultado da eleição de 2020, percebe-se que não consta como ré da presente a AIJE a vereadora eleita Dianete Maria Rampazzo Dalla Costa, nem o número do seu CNPJ de campanha consta da inicial. Cabe salientar que não é mais possível a emenda a inicial para fins inclusão da ré faltante nos autos, uma vez que, o prazo para o ajuizamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral é a diplomação dos eleitos, que se deu em 18/12/2022, o que faz com que se opere a decadência em relação a referida candidata eleita, situação esse que deve ser estendida a todos os demais réus vereadores e suplentes.

 

Para contextualizar a questão, cumpre tecer algumas considerações iniciais sobre a necessidade ou não de haver litisconsórcio passivo em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral por abuso de poder político e econômico e pela utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social.

Verifica-se que, em períodos pretéritos, com algumas oscilações pontuais, o Tribunal Superior Eleitoral firmou sua jurisprudência no sentido de que nas representações de condutas vedadas do art. 73 da Lei n. 9.504/97 e ações de investigação judicial eleitoral por abuso de poder é obrigatória a formação do litisconsórcio passivo necessário dos responsáveis pela conduta e os respectivos beneficiários, que devem ser citados, até a data da diplomação, sob pena de extinção do feito.

A questão foi dirimida até as eleições de 2018 pelo decidido no Recurso Especial Eleitoral n. 84356, originário de Jampruca/MG, de relatoria do MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 21.6.2016, no qual a Corte Superior Eleitoral firmou o entendimento, “a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados”.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral evoluiu por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário n. 060303063, em 10.6.2021, no qual se estabeleceu que “não há, no ordenamento eleitoral, disposição legal que exija a formação de litisconsórcio no polo passivo da AIJE”.

O aludido julgado, embora tenha sido proferido no ano de 2021, estabeleceu expressamente que “a fixação do novo entendimento tem aplicação prospectiva, para as eleições de 2018 e seguintes, por força do princípio da segurança jurídica”, tornando inafastável a sua incidência ao presente caso, que envolve as eleições 2020.

Entretanto, ainda que o novo posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral tenha se firmado no sentido de que não há, no ordenamento eleitoral, disposição legal que exija formação de litisconsórcio no polo passivo entre o candidato beneficiado e o autor da conduta ilícita em AIJE na qual se apure abuso de poder ou uso indevido dos meios de comunicação, no caso em tela verifica-se que ocorreu a formação de litisconsórcio passivo necessário em razão da narrativa constante da inicial. É necessário pontuar, portanto, que a compreensão aqui admitida não infirma a atual jurisprudência do Colendo TSE.

Na presente demanda, a formação do litisconsórcio passivo ocorreu regularmente apenas em relação aos candidatos ao cargo majoritário.

Como exposto na judiciosa decisão da eminente Juíza Daniela Conceição Zorzi, no caso concreto, são tidos como beneficiários da conduta ilícita dois tipos de candidatos distintos: de um lado, os candidatos do pleito proporcional e, de outro, os candidatos do pleito majoritário, com consequências diversas para cada uma das situações. Outrossim, como bem esclareceu a magistrada, a eventual procedência da AIJE acarretaria, em relação aos cargos proporcionais, “a anulação de todos os votos recebidos pelo MDB, uma vez que, na eleição proporcional o cômputo dos votos se dá por partido, o que faz com que a decisão seja igual para todos os candidatos que concorreram na eleição proporcional, configurando uma relação jurídica incindível, em que os beneficiários são de todos os candidatos a eleição proporcional, devendo a decisão ser igual para todos os candidatos a vereador do MDB", tornando obrigatória, no caso específico dos autos, a formação do litisconsórcio passivo.

Os recorrentes alegam que a formação de litisconsórcio restou superada por decisão deste egrégio TRE, por força do julgamento de agravo de instrumento que reconheceu a intenção da representante em demandar contra todos os candidatos do MDB eleitos ou não no pleito municipal de 2020, consoante pedido expresso da inicial.

Já os recorridos sustentam que o julgamento do agravo de instrumento “não tratou do tema ‘litisconsórcio necessário’, mas tão somente, sobre a qualificação e descrição de cada um dos demandados, neste processo, tratando da questão do ‘excesso de formalismo, na peça portal”.

Sobre a controvérsia, como se sabe, cabe à parte autora estabelecer os limites objetivos e subjetivos da ação, com as consequências processuais dessas escolhas.

Por certo, as questões de ordem pública, dentre as quais a legitimidade de parte para figurar no polo passivo da demanda, não estão sujeitas à preclusão e podem ser apreciadas a qualquer tempo, inclusive de ofício, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado, nos termos do art. 485, § 3º, do Código de Processo Civil.

Por sua vez, a redação do art. 485, inc. VI, do mesmo estatuto, é bastante precisa ao estabelecer tal faculdade ao julgador no exame para “verificar ausência de legitimidade”.

Na hipótese, os autores da ação não poderiam, na inicial, ter afirmado que a conduta imputada beneficiou a todos os candidatos da eleição proporcional e ter arrolado como demandados apenas alguns desses candidatos. Ressaltando que o caso concreto envolve tão somente suposta obtenção de benefício com a conduta, e não participação ou mesmo ciência de sua ocorrência, como bem pontuado no parecer ministerial, arrolar apenas parte da chapa implicaria transformar a Justiça Eleitoral em palco para vingança privada.

Transcrevo as considerações externadas na manifestação da ilustre Dra. Maria Emília Corrêa da Costa, Procuradora Regional Eleitoral Substituta, as quais agrego como razões de decidir:

Muito embora o provimento do referido recurso tenha possibilitado a inclusão dos candidatos beneficiados, genericamente mencionados na inicial, os autores da AIJE deixaram de requerer a citação de Dianete Maria Rampazzo Dalla Costa, vereadora eleita pelo MDB em Getúlio Vargas. Por certo, a vereadora eleita não incluída no polo passivo da demanda não está sujeita a consequências jurídicas impostas em processo no qual ela nem sequer foi citada, ressaltando que a mandatário obteve cadeira no Poder Legislativo Municipal por meio do conjunto de votos conferidos a todos os candidatos do MDB, bem como à legenda do partido, os quais seriam afetadas por eventual cassação. Ademais, considerando o interesse público envolvido na AIJE, não é possível aos autores da representação o DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTAS – PP DE GETÚLIO VARGAS (RS) e a coligação AGV – ALIANÇA POR GETÚLIO VARGAS (17-PSL / 10-REPUBLICANOS / 12-PDT / 14-PTB / 55-PSD / 11-PP / 25-DEM) optar, deliberadamente ou por lapso, por direcionar a demanda apenas contra parte dos candidatos do MDB de Getúlio Vargas, deixando de fora vereadora eleita, sob pena de transformar a Justiça Eleitoral em palco para vingança privada, apartada da finalidade de apuração de abuso de poder.

 

Em outras palavras, sendo as consequências jurídicas as mesmas a atingir os candidatos beneficiados, ou seja, aqueles concorrentes aos cargos na proporcional, restaria configurada uma relação jurídica incindível, conforme previsto no art. 114 do Código de Processo Civil. Em decorrência desta circunstância específica do caso concreto, deu-se a exigência da formação do litisconsórcio passivo necessário.

E, tendo em conta que restou definido no acórdão proferido no Agravo de Instrumento n. 0600037-36.2021.6.21.0070 que, embora os candidatos ao cargo proporcional do MDB, arrolados no polo passivo da AIJE, não estivessem com a qualificação completa, em inobservância do disposto no art. 319, inc. II, do CPC, ficou demonstrado contra quem os autores, ora recorrentes, pretendiam demandar, suprindo qualquer dúvida que pudesse existir quanto aos integrantes do polo passivo, tendo sido determinada a citação de todos os sujeitos do polo passivo (em relação aos candidatos ao cargo proporcional do MDB).

Pela verificação dos autos digitais, denota-se a inexistência da citação de Dianete Maria Rampazzo Dalla Costa, concorrente eleita ao cargo proporcional. Anoto, também, que os recorrentes não se manifestaram sobre a ausência de indicação da candidata eleita como demandada na inicial, limitando-se a sustentar que a matéria já havia sido decidida no agravo de instrumento e que a jurisprudência do TSE não exige a formação de litisconsórcio na AIJE.

De forma que, não estando incluída pelos recorrentes no polo passivo da demanda uma candidata eleita, constatado ser ela ré faltante a integrar a lide, não se deu a formação do necessário litisconsórcio passivo, não podendo estar sujeita a consequências jurídicas impostas em processo no qual não foi citada.

Diante da ausência da formação do litisconsórcio necessário, impõe-se o reconhecimento da decadência em relação aos candidatos ao pleito proporcional.

Assim sendo, no ponto, não merece reparo a sentença.

 

Do mérito

Trata-se da análise de recurso interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTA - PP DE GETÚLIO VARGAS-RS e a AGV - ALIANÇA POR GETÚLIO VARGAS (PSL/REPUBLICANOS/PDT/PTB/PSD/PP/DEM) contra a sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral interposta em desfavor de LEANDRO SLAVIERO, ALDINO BELEDELI e DELIANE ASSUNÇÃO PONZI, os dois últimos candidatos não eleitos ao cargo de prefeito e vice-prefeita, uma vez que os fatos narrados não configuram utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social do art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90, e, ainda, por ausência de prova de falsidade das postagens impugnadas.

Na hipótese, a inicial noticiou que, no pleito municipal de 2020, foi criado um perfil anônimo na rede social Facebook, denominado TRANSPARÊNCIA GET, com a finalidade de atacar de forma crítica, injuriosa e caluniosa a administração pública do Município de Getúlio Vargas/RS, o que configuraria utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político. Foi sustentado também que, embora o perfil tenha sido excluído por força de decisão judicial, outros foram criados em seu lugar, com a mesma finalidade, e que a investigação sobre os fatos apontou o responsável pelos perfis, LEANDRO SLAVIERO, então presidente local do Partido MDB e coordenador de campanha. Mesmo com a exclusão do primeiro perfil, teriam sido criados outros, por exemplo: TRANSGET, GETNEWS e GETULIO GET, tudo a atentar contra o disposto no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90; nos arts. 28, §§ 2º e 3º, 30 e seguintes da Resolução TSE n. 23.610; mais, art. 57-B, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97, bem como a Resolução TSE n. 23.608/19 e Resolução TSE n. 23.609/19.

Em suas razões, os recorrentes alegam que a sentença deve ser reformada porque seus fundamentos estão dissociados das provas processuais, sustentando, litteris, que: “(a) em que pese a argumentação de que o primeiro perfil anônimo restou excluído por força de decisão judicial, outros 03 foram criados em seu lugar, com a mesma finalidade e continuaram exibindo matéria caluniosa, difamatória e injuriosa de forma massiva até e após o pleito eleitoral; (b) diversamente do r. entendimento sentencial, não é ônus do requerente provar a falsidade dos conteúdos das postagens, todos com caráter calunioso, injurioso e difamatório, mas sim de quem do agente que praticou o ilícito eleitoral e no anonimato; (c) diferente do fundamento sentencial, é irrelevante ponderar a potencialidade dos fatos para alcançar a mudança no pleito eleitoral".

Inicialmente, cumpre fixar que a finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, bem como a utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor ao candidato beneficiado a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

Acerca do abuso no Direito Eleitoral, Raquel Cavalcanti Ramos Machado (Direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2018. Edição eletrônica) ensina:

[…]

o ordenamento jurídico considera como infrações administrativas, eleitorais e penais condutas que possam interferir na normalidade e na legitimidade das eleições, ou que violem valores caros ao processo eleitoral, como o abuso do poder econômico, o abuso do poder político, o abuso de poder nos meios de comunicação, a captação ilícita de recursos, a captação ilícita de votos, a prática de condutas vedadas ou de fraude eleitoral. A jurisprudência vem considerando ainda outras formas de abuso, como o abuso de poder religioso e o de poder no registro de candidatura por sexo. Aquele que comete uma dessas infrações pode responder, assim, em diversas esferas (como a administrativa, a eleitoral e a penal).

[...].

O poder é a capacidade de determinada pessoa ou grupo de fazer valer a sua vontade, numa relação. Ele advém de causas distintas, como a posição jurídica ou social ocupada por determinada pessoa, ou eventual condição de preponderância física, econômica e intelectual. Para o Direito Eleitoral, importam o poder político, o econômico e aquele nos meios de comunicação, com a análise de sua interferência desequilibrada no processo eleitoral. É relevante, nesse contexto, não apenas a compreensão do poder, mas do poder legítimo, cujo exercício se considera válido, para, então, se estudar o conceito de abuso de poder. (Grifei.)

 

Como se depreende da doutrina, as modalidades de abuso no Direito Eleitoral visam ao combate de condutas que possam interferir na normalidade e na legitimidade das eleições.

Para ter relevância ao Direito Eleitoral, o abuso de poder deve ser empreendido com vistas a se exercer indevida e ilegítima influência no processo eleitoral, seja em razão do cerceamento de eleitores em sua fundamental liberdade política, seja em razão da manipulação de suas consciências políticas ou indução de suas escolhas em direção a determinado candidato ou partido político (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2020. Edição eletrônica).

O bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

A modalidade de abuso mediante o uso indevido dos meios de comunicação social na internet é tema bastante novo no Direito Eleitoral. O ilícito é genericamente assim descrito na Lei de Inelegibilidade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[…]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

 

Leciona Alexandre Henrique Zangali sobre o abuso por meio do uso indevido dos meios de comunicação social (Ações Eleitorais. Juruá Editora. Curitiba. 2022, pag. 197-198):

O abuso do poder dos meios de comunicação social pode ser conceituado “como o emprego ou a utilização excessiva ou deturpada dos veículos de imprensa escrita (jornais, revista, livros e periódicos) ou do rádio, da televisão ou da internet nas campanhas eleitorais por candidato, partido ou coligação, produzindo lesão à normalidade e à legitimidade dos pleitos eletivos” (ALMEIDA R. M., 2020, p. 594).

Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o uso indevido dos meios de comunicação social “caracteriza-se pela exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral. (Grifei.)

 

Considerando que a conduta que aqui se analisa está ligada à utilização do Facebook, um importante mecanismo das redes sociais a se considerar é a facilitação do processo analítico pela simplificação da concordância com a informação. Na internet, para demonstrar afinidade com uma ideia, basta que o usuário do aplicativo curta ou compartilhe aquele conteúdo; o endosso é subentendido pelos demais usuários. Aqui reside a importância de verificar as interações que eventual publicação em rede social obteve: curtidas e compartilhamentos sinalizariam implicitamente, na sistemática de redes sociais, uma espécie de apoio ao conteúdo ali contido, tudo conforme explicam Frederico Franco Alvim e Volgane Oliveira Carvalho (A responsabilidade eleitoral dos influenciadores digitais pelo uso indevido dos meios de comunicação. In: FRAZÃO, Carlos Eduardo, NAGIME, Rafael, CARVALHO NETO, Tarcísio Vieira de (Coord.). Reforma política e direito eleitoral contemporâneo: estudos em homenagem ao ministro Luiz Fux. Ribeirão Preto: Migalhas, 2019. 496 p.).

Quer dizer, em relação à configuração da utilização abusiva dos meios de comunicação, devem ser observados alguns parâmetros, entre eles o exame de algumas “circunstâncias”, possivelmente, “contaminantes” ao eleitor, como a utilização desses canais para disseminação de desinformação e a (im)provável capacidade individual que o emissor da mensagem tenha de desequilibrar o pleito.

Acerca do conteúdo das mensagens divulgadas pelo recorrente LEANDRO SLAVIERO, colho da inicial a transcrição de parte das postagens veiculadas nos perfis impugnados (ID 45060292):

TRANSPARENCIA GET

Data da postagem: 05/11/2020

“É verdade esa postagem... não é fake .... infelizmente! GETÚLIO chora ... padece não mão de corruptos…

Os humilhados serão Serão exaltados .…

Porque até agora ..só foram assaltados...

Mas ....confiamos em ti Senho!!

Me processa .....se é fake .SENHOR PREFEITO.!!” Grafido

 

Data da postagem: 05/11/2020

“O prefeito “banana está raivoso”. Porque não fica brabo com acopmpra de votos ( é essa sua boa política) ..e dos seus candidatos?? Tá brabinho??

Espera para ver quem são os fake da história!!!

Devido à prática criminosa e ameaças do pessoal da Elite....eu não posso me identificar....mas a democracia pode!!!” Grifado

 

Data da postagem: 05/11/2020

“Então vamos lá, garagem da Prefeitura além de ser o DOMINGÃO DO FAUSTÃO é lugar de churrascadas, beberagens e carteio. A rumores que há funcionários que utilizam drogas pesadas e até TRANSAM, isso mesmo gente, transam homem com homem.....”

Grifado

 

Data da postagem: 14/11/2020

“Utilidade pública

Está se repetindo a entrega de sacolas básicas, prática criminosa que aconteceu na eleição passada ..... vc que ainda não ganhou a sua,

..... mas cuidado, vc terá que dar o seu nome e o número da urna que vc vota! E lembre-se: quem compra e quem se vende pode sim ser punido!!!! Cuidado esse ano vc pode ser surpreendido!!” Grifado

 

GETULIO GET

Data da postagem: 16/11/2020:

“Você sabia que a entrevista que vc respondeu essa semana custou um altíssimo valor??

Encomenda pelo nosso Corrupto opa, quis dizer correto PREFEITO.

Enquanto vc continua com estradas ruins, saúde péssima, bairros esquecidos o PREFEITO lava a baia com dinheiro ha ha ha e viva o povo getuliense!!!

É meu povo quem tem a máquina na mão difícil perder uma ELEIÇÃO infelizmente”. Grifado

 

Data da postagem: 15/11/2020:

“Quentinha

Camionete vermelha é do Lelo do 11 e não do 15 afff me passem informações corretas!

Está que está comprando votos?? Grifado

 

Data da postagem: 15/11/2020:

“Pessoal! Fiquem de olho,

Estão puxando gente do partido falcatrua, temos mprovas e vídeos!

Acharam que ia ser igual a todas as outras eleições né”

Denunciem aqui que levo adiante, tirem fotos,

Tem gente comprando também, mas vão se ferrar bando de ladrão,

Fazem isso pq na honestidade não se garantem né?” Grifado

 

Data da postagem: 15/11/2020.

“Os outros candidatos, maioria é a primeira vez, daqui quatro anos, se eleitos terão o histórico aqui na minha tela!

Quanto às marjoritárias, esse é assunto para mais tarde!

Aguardemos!

Bom dia e por hoje acho que fico por aqui, votem conciente, levem canetas e se protejam.

Se não me tirarem fora do ar porque não possuo nome, justamente para me proteger estarei aqui, caso SAIA DO AR .............

VOLTAREMOS” Grifado

 

É perceptível a presença de críticas e eventuais ofensas à administração municipal. Verifica-se, portanto, a realização de propaganda eleitoral negativa na rede social Facebook.

Nos autos da Representação n. 0600424-85.2020.6.21.0070, foi determinada a suspensão do perfil https://www.facebook.com/transparencia.get, em 30 de outubro de 2020. A sentença recorrida também mencionou que “as páginas de rede social objeto desta demanda foram excluídas da plataforma Facebook” (ID 45060476).

Da mesma forma, verifiquei que o Ministério Público Eleitoral foi cientificado das condutas analisadas nestes autos para investigação criminal do fatos (Representação n. 0600694-12.2020.6.21.0070).

Aliás, tecnicamente, não se poderia falar em páginas ou perfis anônimos, uma vez que a Resolução TSE n. 23.640/19 estabelece que a “publicação somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação das usuárias ou dos usuários” após a análise dos dados obtidos junto aos provedores e empresas telefônicas. Na hipótese, a análise de tais dados permitiu identificar LEANDRO SLAVIERO como usuário do Facebook responsável pelas páginas e pelas postagens, de forma que o adequado seria as nominar "páginas apócrifas".

Porém, muito embora possa ter havido a utilização desses canais para disseminação de desinformação, entendo que da análise do conjunto das interações nas páginas impugnadas, o que se depreende é um baixo envolvimento que tiveram de curtidas, comentários e compartilhamentos, portanto, tenho que se deu improvável capacidade dessas publicações em rede social de desequilibrar o pleito.

Com base nesses critérios acima, a fim de justificar tal conclusão, conforme imagens da página de campanha das candidaturas dos recorridos BELEDELI e DELIANE (ID 45060301), verifico a ocorrência de algumas das interações, sendo:

- imagem datada de 05.11.2020, com 635 pessoas seguindo (pág. 1/8 de ID 45060301), sendo que na primeira imagem do vídeo que dela constou, conforme pág. 2/8 de ID 45060301, constata-se que teve 1.300 visualizações (4 dias de exibição);

- já na pág. 4/8 de ID 45060301, a imagem do vídeo que estava na rede social (reprodução do rosto de BELEDELI com fundo verde e com a frase “Trabalho fé amor esperança”), constam 14 curtidas, 1 comentário e 18 compartilhamentos (06 horas de exibição);

- em outra imagem, da pág. 5/8 de ID 45060301, no print que reproduz a sentença de deferimento do pedido de registro de candidatura, aparecem 44 curtidas, 4 comentários e 37 compartilhamentos (20h de exibição);

- em sequência, nos prints, aparecem mais 2 imagens, da pág. 6/8 de ID 45060301, com 31 curtidas e 21 compartilhamentos (dia anterior), e na pág. 7/8 de ID 45060301, com 27 curtidas, 2 comentários e 19 compartilhamentos (dia anterior).

Em sequência, em análise exemplificativa dos prints das páginas na rede Facebook, apontadas na inicial da AIJE e objeto da irresignação recursal, observa-se as seguintes interações:

- prints da Transparência Get (pág. 2/8 de ID 45060304), na qual consta a frase “Prefeitura de Getúlio tem 102 CCs“, indicam 23 curtidas, 1 comentário e 2 compartilhamentos (52 min);

- na próxima afirmação (págs. 2 e 3/8 de ID 45060304 – 14 horas) “Mais uma pra conta...porque a Prefeitura retirou…”, vê-se 43 curtidas, 3 comentários e 2 compartilhamentos;

- na publicação seguinte, com frase que inicia com “Vamos lá prefeito…", vê-se no final da pág. 4/8 de ID 45060304, que ocorreram 86 curtidas, 14 comentários e 16 compartilhamentos (14 horas);

- em seguida, sobre a publicação em que aparece a frase: Valeu pessoal!! Fato ou fake??? Só abro a boca quando tenho certeza!!!!, constatam-se 43 curtidas, 12 comentários e 3 compartilhamentos (págs. 5 e 6/8 de ID 45060304 – 16 horas).

Já no ID 45060305, na publicação realizada, no print anexo aos autos, não constam as interações.

No ID 45060306, página Transparência Get, na primeira publicação que aparece (imagem do carro com adesivo de PATRAM - disponibilizada 4h antes da captura do registro), tem-se 4 curtidas e 1 compartilhamento. E, na publicação abaixo, divulgando texto, observam-se 55 curtidas, 13 comentários e 4 compartilhamentos (10h). Nas imagens das publicações que seguem neste ID 45060306, as interações permanecem nessa linha mediana, mesmo naquelas disponibilizadas na rede social por mais tempo, aparentemente 4 dias.

De igual modo, em análise, tanto das publicações na página da Transparência Get (ID 45060307 e ID 45060308) quanto das páginas da Getúlio Get (ID 45060309, ID 45060310 e ID 45060312) e da TransGet (ID 45060313), pode-se observar que as interações permanecem nessa mesma linha mediana detectada nas demais páginas acima e que foram apontadas como anônimas.

Considerando o eleitorado de Getúlio Vargas (13.216 eleitores) e comparando o alcance das páginas na qual veiculada a propaganda eleitoral oficial (página de campanha do cargo majoritário dos recorridos BELEDELI e DELIANE) e das demais páginas apócrifas, bem como o número de ocasiões em que foi realizada a publicidade e a quantidade de interações observadas no período, não vislumbro comprometimento à normalidade e à legitimidade do pleito.

Nessa linha, colho da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que o uso indevido dos meios de comunicação social se caracteriza por se expor desproporcionalmente um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral. A Corte Superior já reconheceu o abuso em caso de apresentador de televisão que, durante o mês de junho do ano da eleição, “falou aos eleitores em 24 programas, por mais de 492 minutos, seis dias por semana. E, ainda, como destacou a Corte a quo, ‘a publicidade ia ao ar em horário com potencial para grande audiência, em dias de semana das 13h às 14h e aos domingos, das 8h às 9h’" (RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL n. 060186816, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 41, Data 08/03/2021, Página 0). O TSE também considerou abusiva a utilização da emissora de rádio de propriedade do candidato ao cargo de Vice-Prefeito para divulgação de notícia sabidamente inverídica na véspera e no dia do pleito (Recurso Especial Eleitoral n. 28447, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 33, Data: 17/02/2020, págs. 11-12).

Veja-se que, no caso que aqui se analisa, é imperioso considerar que a mídia eletrônica (internet) possui alcance inegavelmente menor em relação ao rádio e à televisão, tendo em vista que, nesses casos, a busca pela informação fica na dependência direta da vontade e da iniciativa do próprio eleitor. Da mesma forma, apenas “os casos que extrapolem o uso normal das ferramentas virtuais é que podem configurar o uso indevido dos meios de comunicação social, sem prejuízo da apuração de eventual propaganda irregular, que possui limites legais distintos da conduta prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90” (TSE, Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060186221, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Relator designado Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 227, Data: 26/11/2019).

Assim, é de se reforçar que não se comprovou nos autos que o alcance das publicações efetuadas nos perfis apócrifos tenha dado ensejo ao desequilíbrio de forças decorrente da exposição (negativa) massiva de uma das chapas que disputavam a eleição, a ponto de comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

Assim, com base na análise acima, não prevalecem as argumentações recursais de que a sentença deve ser reformada porque seus fundamentos estão dissociados das provas processuais.

A fim de evitar tautologia, reproduzo a análise do acervo probatório dos autos realizada na bem-lançada decisão a quo, e que adoto como razões de decidir:

Em relação ao réu Leandro Slaviero e os candidatos não eleitos a Prefeito e Vice, respectivamente, Aldino Beledeli e Deliane Assunção Ponzi, primeiramente devemos definir o que é o abuso dos meios de comunicação, que é o desiquilíbrio entre os concorrentes decorrente da exposição massiva nos meios de comunicação, de forma positiva ou negativa, de um candidato em detrimento de outro, comprometendo a normalidade e a legitimidade do pleito, gerando uma desproporção apta a atingir a legitimidade do pleito, o que não se configura no caso em julgamento, uma vez que não se pode considerar um perfil de rede social, prontamente excluído em virtude do anonimato, como exposição massiva negativa em virtude do alcançe restrito, ademais, assim já decidiu recentemente do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

[...]

Assim, a existência de perfil de rede social com críticas e eventuais ofensas a administração municipal, prontamente tiradas de circulação, no presente caso não configuram abuso de meio de comunicação ante a ausência de potencial de desiquilibrar o pleito, em virtude do seu alcançe e da sua temporalidade.

Ademais, a alegação de que tais postagens configurariam "fake news" também não devem prosperar, uma vez que "fake news" refere-se a notícias, informações, dados e relatórios parcial ou totalmente falsos, entretanto, a falsidade de tal situação deve ser identificada de plano, o mediante prova de sua falsidade, o que não se aplica ao caso, primeiro por que as publicações não podem ser identificadas de plano como falsas, bem como, conforme art. 373 do CPC, deveriam os autores provar da falsidade do conteúdo das postagens, o que em momento algum do processo se fez, nem na presente AIJE, nem nas representações anteriormente interpostas.

Importante salientar, as páginas de rede social objeto desta demanda, foram excluídas da plataforma Facebook em virtude de terem sido consideradas anônimas, mas em momento algum, nas representações, foi feito qualquer juízo quanto a falsidade das publicações.

Na mesma esteira, a jurisprudência exige para a configuração de ilícito eleitoral, penalizado com a perda do mandato e inelegibilidade, a existência de prova robusta e incontroversa do fato ilegal imputado, face a gravidade das penalidades e a desconsideração da vontade do eleitor, que são as consequências da procedência da AIJE, tendo assim já julgou o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

[...]

Críticas mais ácidas a Administração Pública, não configuram elemento que denote excesso a apurar-se pela Justiça Eleitoral, tendente a desconsiderar a vontade do eleitor, o que não afasta eventual responsabilização dos agentes em sede criminal ou civil, mas não resta suficiente para configurar uso indevido de meio de comunicação social, afastando-se assim, eventual penalização no âmbito eleitoral em face dos réus Leandro Slaviero, Aldino Beledelli e Deliane Assunção Ponzi.

[...]

Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO em face dos réus Alessandra Fatima Raiher, Anderson Franklin da Silva, Selio da Silva, Elias Lopes da Silva, Ines Terezinha Colombo Soligo, Ines Aparecida Borba, Marcos Rogerio Soares Pereira, Maria Helena Castelli, Paulo Dall Agnol, Júlio Cesar Bernardi, Ronaldo Valdecir Kaczanoski e Thiago Balsczak Borgmann, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, em face da ausência da formação de litisconsórcio passivo necessário; ainda, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral interposta contra Leandro Slaviero, Aldino Beledelli e Deliane Assunção Ponzi, uma vez que os fatos narrados não configuram utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social do art. 22, "caput" da Lei 64/90, ainda face a ausência de prova falsidade das postagens em questão.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Nada pendente, arquive-se com baixa.

 

Por conseguinte, outra não poderia ser a conclusão sobre o conjunto probatório em pauta, uma vez que a moldura fática delineada nos autos não demonstrou terem sido as publicações aptas a macular o pleito.

Nesse sentido são os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que exigem, para “que fique configurado o uso indevido dos meios de comunicação social, o órgão julgador deve apontar especificamente as circunstâncias que o levaram a concluir que a conduta é grave e comprometeu a normalidade e legitimidade do pleito”, acrescentando ainda que a “simples referência genérica ao caráter induvidoso da gravidade não é suficiente para que se possa afastar do exercício do cargo aqueles que foram eleitos, sob a alegação de uso indevido de meios de comunicação social” (Respe n. 39948, Relator MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 23/10/2015; AC nº 7341, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 23/10/2015).

Da mesma forma, a Corte Superior fixou que “para que se comprove o uso indevido dos meios de comunicação social, é essencial que se analise o número de programas veiculados, o período de veiculação, o teor deles e outras circunstâncias relevantes, que evidenciem a gravidade da conduta a que se refere o art. 22, XVI, da LC 64/90” (REspe 822–03, Relator: MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 4.2.2015) e que "o uso indevido dos meios de comunicação social não pode ser presumido e requer que se demonstre a gravidade em concreto da conduta, com mácula à lisura do pleito" (REspe 225–04, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 26.6.2018; RO n. 060159031, RELATOR MIN. SERGIO SILVEIRA BANHOS, DJE de 29/06/2020).

Para além, consigno que Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, entendeu que o conjunto de perfis era conduzido por um partido político, agindo de forma sub-reptícia por meio de instituição coletiva de finalidades democráticas, e também ressaltou que, no período eleitoral, os candidatos têm o dever de declinar seus endereços e seus perfis na internet, a fim de que sua conduta de campanha possa ser fiscalizada, de modo que eventuais abusos e usos indevidos venham a ser identificados e individualizados. Reconhecendo que os candidatos não eleitos não tiveram participação ativa nas condutas ilícitas, o Parquet eleitoral opinou pelo provimento em parte do recurso para que LEANDRO SLAVIERO, dada a realização de tais condutas e o desempenho do cargo de presidente local de partido político, tenha sua inelegibilidade declarada pelo período legal de 8 anos.

De fato, a conduta descrita nos autos, praticada por LEANDRO SLAVIERO, é altamente reprovável, especialmente em razão da posição em que se encontra o recorrido.

No entanto, é de se considerar que a identidade do autor das postagens só veio a ser conhecida após a quebra do sigilo dos dados e que o recorrido não se valeu da credibilidade que seu nome poderia conferir às publicações. Da mesma forma, mesmo que a linha telefônica tenha sido utilizada em momento anterior como número de contato do MDB de Getúlio Vargas, tal informação não estava ao alcance do público e não teve qualquer aptidão para conferir credibilidade ou impulsionar a propaganda negativa.

Ressalto, também, que a situação poderia ter desfecho diverso acaso a linha telefônica utilizada ou os serviços de eventual responsável pela divulgação da propaganda eleitoral negativa com utilização de perfis apócrifos fossem custeados com recursos públicos, mas não é esse o caso dos autos.

Em conclusão, considerando as peculiaridades que aqui se examinam, não se comprovou a gravidade da conduta apta a atrair desequilíbrio no pleito, de forma que a sentença recorrida deve ser mantida.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por confirmar a ocorrência da decadência em razão da ausência da formação do litisconsórcio passivo necessário em relação aos candidatos da chapa proporcional, e, no mérito, por negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida, nos termos da fundamentação.