ED no(a) REl - 0600498-21.2020.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2022 às 14:00

VOTO

Os pontos invocados na petição de embargos de declaração foram expressamente enfrentados no acórdão embargado, não havendo omissão ou obscuridade a ser aclarada.

Relativamente à gravação ambiental, o aresto é expresso ao referir que os fatos narrados nos autos diferem da temática abordada no julgamento do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a Repercussão Geral do Tema 979, e ao manter a conclusão da sentença no sentido de que a gravação juntada aos autos não foi realizada em local privado, tendo sido “produzida em estabelecimento comercial aberto ao público, onde Marieli, pessoa responsável pela gravação, estava trabalhando”. Colho nas razões de decidir:

Os recorrentes alegam que a gravação ambiental de vídeo realizada pela eleitora Marieli é ilícita, clandestina e caracteriza flagrante preparado, por se tratar de uma armação premeditada, e que a filmagem foi realizada em estabelecimento residencial particular, sem autorização dos proprietários, e não em ambiente público, conforme refere a sentença.

Além disso, invocam o Tema 979 do STF, que define ser ilícita a prova obtida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro: “Discussão sobre a licitude da prova obtida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, na seara eleitoral”.

No que refere à gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, mantenho a posição desta Corte que concluiu pela ausência de ilegalidade ou nulidade da prova.

No sentido da licitude da prova, cito os seguintes julgados: REl AIME nº 0600707-22, relator: Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJE 23.9.2022, REl 0600469-75, relator: Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, julgado na sessão de 28.11.2021; REl 0600412-08, de minha relatoria, julgado em 10.08.2021; REl 0600581-56, relator: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, da sessão de 20.10.2021, dentre outros.

Os demais argumentos foram devidamente afastados pela decisão recorrida, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, merecendo relevo a conclusão a quo de que o Tema 979 “é sensivelmente distinto do presente caso.

Com efeito, no caso paradigma - RE 1040515 RG/SE, o Ministro Relator Dias Toffoli reputou como ilícita a prova colhida no processo eleitoral por meio de gravação ambiental clandestina obtida no interior de um veículo, ilicitude essa aplicável a partir das eleições de 2022, por isonomia e segurança jurídica. Já no caso ora em análise, a gravação ambiental foi produzida em estabelecimento comercial aberto ao público, onde Marieli, pessoa responsável pela gravação, estava trabalhando”.

(…)

Também não se confirma a tese de que a filmagem foi realizada em estabelecimento residencial particular, e não em ambiente público, pois na ocorrência policial a eleitora Marieli afirma que Eli compareceu à fábrica, e nas conversas travadas entre ambas, extraídas do celular da eleitora, verifica-se ter sido realizado o acerto prévio para que Eli fosse ao trabalho de Marieli (ID 44950023 do processo 0600498-21.2020.6.21.0077).

Nesse ponto, colho também o raciocínio da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que o local da gravação não fornece qualquer expectativa de privacidade, pois a gravação foi feita com o telefone celular de Marieli “na chácara de Samuel”, local de trabalho da eleitora. Reproduzo as elucidativas avaliações contidas no parecer:

Conforme ficou evidenciado pelo depoimento de Marieli, no terreno da chácara ficavam tanto a residência da família de Samuel, quanto a criação de ovelhas e a fábrica do restaurante Mirador (que produzia salgados, pães e itens semelhantes). Marieli alega que intercalava seu trabalho, na residência, na produção de salgados e, por vezes, no restaurante Mirador (esse último, distante dois quilômetros do local).

Interessante notar que no vídeo1 – gravação – Marieli aparece de touca e pede para Eli esperar um pouco porque o forno “apitou”, no sentido de que o pão havia ficado pronto. Inclusive, Eli chega a comentar no vídeo: “que cheirinho tão bom!” (nitidamente referindo-se a cheiro de comida).

Há três pontos a serem considerados nesse cenário.

Primeiro, que o local em que gravado o vídeo não era residência nem dos candidatos, nem do cabo eleitoral que estava entregando o dinheiro.

Segundo, que o local em que gravado o vídeo – reiteradamente chamado pelos depoentes de “chácara do Samuel” – era um local de finalidade mista, no sentido de que englobava tanto uma área residencial quanto uma área negocial (criação de animais e fábrica de salgados).

Terceiro, os elementos que aparecem no vídeo – Marieli de touca e avental, apito de forno e cheirinho de pão – indicam que as pessoas estavam em área negocial e não no interior de residência. Aliás, releva notar que Eli permanece na porta do local, sequer adentrando a área, muito provavelmente porque teria que colocar touca por se tratar de área de alimentação.

 

Além disso, no seu depoimento judicial, Marieli foi ouvida como informante e afirmou que o vídeo foi gravado com seu telefone celular, na chácara de Samuel, em seu local de trabalho.

 

A admissibilidade da gravação ambiental como meio de prova nestes autos foi amplamente debatida em Plenário, cumprindo transcrever as considerações apresentadas no voto do ilustre Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, o qual acompanhou o Relator, ressaltando a licitude da prova:

De fato, o contexto dos autos revela que a captação de voto ocorreu no limiar da coação, pois não há como afirmar que Marieli poderia recusar a oferta sem consequências em seu desfavor, sendo imposta a participação em conduta que, até mesmo, corresponderia ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Nesse aspecto, é remansosa a jurisprudência sobre a licitude de gravação clandestina quando direcionada a fazer prova de inocência ou libertar-se vítima de injusta coação contra ela exercida:

PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou.

(RE 402717, Relator (a): CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2008, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650 RTJ VOL-00208-02 PP-00839 RT v. 98, n. 884, 2009, p. 507-515) Grifei.

 

No mesmo sentido, estão as novas disposições da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), que inseriu o art. 8-A na Lei n. 9.296/96, in verbis:

Art. 8º-A. (…).

§ 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação. (Incluído pela Lei n. 13.964/19)

 

Logo, a invencibilidade do assédio exercido contra a eleitora caracteriza hipótese clássica de admissibilidade da gravação clandestina, a qual é, em caráter excepcional, lícita quando realizada por vítima para proteção de investida criminosa do interlocutor e visando garantir sua eventual proteção e defesa.

Em resumo, a insistência, a realização da oferta em frente a terceiros, a retenção do título da eleitora, o transporte no dia da eleição e a tentativa de colocar Marieli como intermediária de crime eleitoral, mostram a sua dificuldade em recusar a oferta, submetendo-a à prática de corrupção eleitoral. Então, por tais razões, justifica-se excepcionalmente a gravação ambiental realizada.

 

Portanto, não se verifica omissão no ponto em tela, devendo a insurgência quanto à apreciação da prova e ao resultado do julgamento ser invocada no recurso dirigido à superior instância.

Além disso, considerando que o julgador não necessita tecer minúcias e fazer uma análise exauriente das declarações e dos depoimentos colhidos durante a instrução, mormente quando o acórdão aprecia as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entende relevantes e suficientes à compreensão e à solução da lide, não se verifica omissão, passível de integração pela via dos aclaratórios, quanto à análise dos depoimentos prestados por Marieli Quadros Guimarães e Samuel de Jesus Reis.

Nesse ponto, ressalto que a alegada omissão quanto ao testemunho de Samuel de Jesus Reis se apresenta como irresignação contra o convencimento do órgão julgador.

Portanto, o valor probatório conferido aos depoimentos colhidos durante a instrução é matéria a ser dirimida pela instância recursal competente para a reforma do julgado, uma vez que não configura omissão o silêncio do acórdão sobre o depoimento de testemunhas ou informantes.

De igual modo, não vislumbro omissão pertinente aos fundamentos para a manutenção da condenação dos embargantes nos autos da representação por captação ilícita de sufrágio REl n. 0600489-59.2020.6.21.0077, pois o acórdão é expresso ao se reportar às provas consideradas no julgamento, expondo convicção cristalina no sentido de que “a ciência e anuência dos candidatos com os atos praticados por Eli é manifesta, sendo inverossímil a tese de desconhecimento”. Transcrevo:

No mérito, restou sobejamente comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio.

Conforme consta da sentença tanto nos diálogos contidos nos telefones celulares de Eli e Marieli, na gravação ambiental, ocorrência policial e ata notarial, vê-se que houve contato inicial pelos candidatos Deroci e Diovani, apresentando Eli como sua porta-voz, uma apoiadora de campanha que faria a intermediação da entrega de vantagens em troca do voto, “que ficou responsável pelos contatos subsequentes e cumprimento das promessas realizadas para captação ilícita do sufrágio a fim de obter o voto de Marieli e de outros familiares, especialmente o pagamento do numerário prometido mediante a entrega do título de eleitor de Marieli, documento que, aliás, foi apreendido no interior do veículo de Eli, juntamente com material de campanha do candidato Diovani”.

De se anotar que, nas conversas localizadas nos celulares, Eli deixou claro que a captação de sufrágio se destinava a beneficiar os três recorrentes, tendo sido confirmado por Eli, ao ser indagada por Marieli, que “o Rato quer que dê uma mão pro Prefeito”.

(…)

A situação apresenta clara negociação de vantagem com a finalidade de obter o voto, e a conduta se amolda à prática de captação ilícita de sufrágio, infração que, para sua caracterização, prescinde do pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir, na forma do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A ciência e anuência dos candidatos com os atos praticados por Eli é manifesta, sendo inverossímil a tese de desconhecimento.

Anoto que, conforme a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral, inexiste impedimento para que o julgador embase o seu convencimento em provas colhidas na fase inquisitorial, desde que somadas àquelas produzidas durante a instrução processual. (TSE - Agravo de Instrumento nº 3270, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 06.5.2021.).

 

Ainda foi muito bem ressaltado na decisão colegiada o constante na sentença, no sentido de que “[…] tanto nos diálogos contidos nos telefones celulares de Eli e Marieli, na gravação ambiental, ocorrência policial e ata notarial, vê-se que houve contato inicial pelos candidatos Deroci e Diovani, apresentando Eli como sua porta-voz, uma apoiadora de campanha que faria a intermediação da entrega de vantagens em troca do voto”.

Como se vê, dos fundamentos contidos nas razões de decidir, bem se verifica que a decisão embargada em nenhum momento deixa de esclarecer aos requerentes quais as razões que conduziram ao juízo de manutenção da sentença prolatada na representação por captação ilícita de sufrágio.

Portanto, tem-se que não há no acórdão qualquer omissão, mostrando-se inadequada a oposição de declaratórios com o escopo de forçar o Tribunal a julgar novamente o caso concreto e reapreciar as provas.

Por fim, anoto que consta do dispositivo a determinação de que, “após a publicação do acórdão, comunique-se esta decisão à respectiva Zona Eleitoral, para cumprimento e registro das sanções nos sistemas pertinentes”, razão pela qual a execução do acórdão independe do seu trânsito em julgado.

Além disso, o prequestionamento se dá pelos elementos que os embargantes suscitaram, na forma do art. 1.025 do CPC.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.