RecCrimEleit - 0000297-46.2016.6.21.0133 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade do Recurso

Em preliminar reconhecida de ofício no curso da instrução, o eminente Relator à época, Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, observou que o Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 1º.10.2019 e o recurso interposto, por simples quota, na mesma data, na qual o agente ministerial consigna: “Interpõe-se apelação, requerendo-se, desde já, abertura de prazo para razões” (ID 44888891, fl. 4). Posteriormente, no dia 04.10.2019, foram apresentadas as razões recursais (ID 44888891, fl. 8).

Constata-se, portanto, que a apresentação do apelo observou a sistemática prevista no art. 600 do CPP, conforme a qual a apelação é interposta por termo assinado nos autos, no prazo de 5 dias, correndo, após, o prazo de 8 dias para o oferecimento de razões.

De modo diverso, o recurso criminal eleitoral é regido por disciplina específica, sendo integralmente regulado pelos arts. 266 e 362 do CE, segundo os quais o recurso criminal eleitoral deve ser interposto por petição acompanhada, desde já, de razões, no prazo de 10 dias, justificando a aventada preclusão consumativa sobre a qual a Procuradoria Regional Eleitoral foi instada a se manifestar.

Ocorre que a questão já restou debatida neste Tribunal em processo análogo, também originário da cisão da Ação Penal n. 20-64.2015.6.21.0133, de Triunfo, em julgamento que, por maioria, afastou a preliminar sob o fundamento de que não há irregularidade recursal, caso seja observado o decêndio legal, desde a intimação da sentença, no oferecimento das razões, hipótese dos autos:

RECURSO CRIMINAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ART. 1º, CAPUT, DO DECRETO-LEI N. 201/67 C/C ART. 29, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR. AFASTADA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PEÇA DE INTERPOSIÇÃO DESACOMPANHADA DAS RAZÕES DE RECURSO. IRREGULARIDADE FORMAL. PREJUÍZO INEXISTENTE. ART. 219 DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. CONDUTAS DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRESCRIÇÃO. INEXISTENTE. CORRUPÇÃO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO DE DAR OU PROMETER O VOTO EM CONTRAPARTIDA AO BENEFÍCIO OFERTADO. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PROVAS ROBUSTAS DA PRÁTICA DE TODOS OS ELEMENTOS DO FATO CRIMINOSO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra a sentença que, julgando improcedente a denúncia, absolveu os réus, com fundamento na atipicidade das condutas e na insuficiência de provas, nos termos do art. 386, incs. III e VII, do Código de Processo Penal.

2. A mera aplicação do princípio da especialidade para que o apelo não seja conhecido vai de encontro aos princípios do duplo grau de jurisdição, da proporcionalidade e da razoabilidade. Não se desconhece que as normas processuais comuns somente são aplicáveis ao processo-crime eleitoral se houver lacuna na disciplina da matéria, mas é certo também que, no âmbito do processo eleitoral, vige o art. 219 do Código Eleitoral dispondo que, “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”. É possível o conhecimento das razões oferecidas em data posterior à do termo declarando a intenção de recorrer, desde que dentro do prazo de interposição, por ausência de prejuízo, merecendo prevalecer a instrumentalidade das formas em detrimento do formalismo processual. Ainda, após a juntada do termo declarando da intenção de recorrer, o juízo a quo determinou a intimação do órgão ministerial para a apresentação de razões, induzindo a parte a crer que o procedimento estava adequado, configurando o error in procedendo no processamento do recurso no âmbito do primeiro grau e prejudicando o recorrente, levando-o a crer na regularidade da conduta adotada.

[…].

6. Provimento negado ao recurso, mantendo integralmente a sentença que julgou improcedente a ação penal proposta com fulcro no art. 386, incs. III e VII, do CPP.

(TRE-RS; RC – 29576; Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, julgamento em 13.12.2021) (Grifei.)

 

Nesses termos, cumpre adotar o mesmo entendimento para o caso em tela, inclusive em prestígio à isonomia e à segurança jurídica, razão pela qual conheço do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral.

Das Preliminares

JUSSARA MARIA PIRES, em preliminar, sustenta a inépcia da denúncia por não conter a descrição do elemento subjetivo do tipo previsto no art. 299 do CE.

Sem razão, pois, consoante será observado na análise de mérito, a peça inicial descreve a denúncia do fato tido como criminoso, com todas as suas circunstâncias, nos termos exigidos no art. 41 do CPP, possibilitando o exercício da ampla defesa, de modo que rejeito a prefacial.

A recorrente defende, ainda, que a cisão processual efetivada na origem a prejudicou em seu exercício de defesa e suas garantias processuais.

Registro que o presente processo é originário da cisão da Ação Penal n. 20-64.2015.6.21.0133, na qual houve a denúncia de 45 pessoas por diversos fatos supostamente ocorridos no curso do processo eleitoral de 2012, no Município de Triunfo, tendo o magistrado da origem determinado que o feito fosse cingido em grupos de 5 acusados.

Sobre a preliminar em tela, adoto as considerações vertidas na sentença:

No entanto, em posição diametralmente oposta, assevero que a cisão foi devida e realizada com arrimo no artigo 80 do Código de Processo Penal, por motivo relevante, com vistas a evitar tumulto processual e a viabilizar a devida prestação jurisdicional.

No aspecto, entenda-se que a cisão processual  por motivo relevante pode efetivar-se de modo legítimo, mesmo que potencialmente possa se configurar a existência de vínculo de conexidade ou de relação de continência.  Assim, rejeito a preliminar.

 

Ao lado disso, a jurisprudência firmou-se no sentido de que a declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo concreto, em consonância com o princípio pas de nullite sans grief, consagrado no art. 563 do CPP, o que não se demonstra na hipótese.

Nesse sentido, o seguinte julgado do STJ:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA. PROCESSO DESMEMBRADO. NÃO VIABILIZADA A PARTICIPAÇÃO DO ADVOGADO NA AUDIÊNCIA DO PROCESSO ORIGINÁRIO, NO QUAL O CLIENTE NÃO SE ENCONTRA DENUNCIADO, MAS HÁ RISCO POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE PROVAS QUE, FUTURAMENTE, POSSAM SER USADAS COMO PROVA EMPRESTADA. A DECISÃO QUE INDEFERIU ESSA PARTICIPAÇÃO ESTÁ FUNDAMENTADA NA FALTA DE PREJUÍZO PARA A DEFESA. A FUTURA E EVENTUAL UTILIZAÇÃO DAS PROVAS PRODUZIDAS NESTE PROCESSO E O PREJUÍZO BASEADO EM HIPÓTESES NÃO CONFIGURAM NULIDADE. É NECESSÁRIO UM PREJUÍZO CONCRETO. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. Não existe direito, do advogado de réu de processo desmembrado, à participação em audiência no processo originário no qual seu cliente não é parte. 2. A análise do prejuízo, para fins de nulidade, não se realiza sobre hipóteses, mas em face de atos concretos. A simples probabilidade de eventual utilização de prova emprestada não justifica a declaração de nulidade. 3. A presente decisão não impede que, caso haja o efetivo uso como prova emprestada, no momento próprio e perante o juiz natural, seja debatida a validade da prova colhida sem a participação do recorrente. 4. Recurso ordinário em habeas corpus não provido.

(STJ - RHC: 86549 RJ 2017/0161370-2, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 06/04/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/04/2021.) (Grifei.)

 

De seu turno, JECI DA SILVA alega a nulidade das gravações clandestinas promovidas pelo repórter investigativo Giovani Grizotti para reportagem televisiva, uma vez que a captação ambiental depende de prévia autorização judicial para ser utilizada em processo penal.

Tendo em vista que as interceptações telefônicas e demais medidas cautelares autorizadas judicialmente não tiveram lastro na referida reportagem, mas em diversos outros elementos informativos colhidos pelo Ministério Público Eleitoral na denominada “Operação Júbilo”, a nulidade arguida não teria interferência na validade do processo, devendo, portanto, a questão ser apreciada como tema de mérito.

Com essas considerações, afasto a matéria preliminar.


 

Do Mérito

Inicialmente, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida.

A denúncia foi recebida em 09.6.2015 (ID 44888872, fls. 54-55). Assim, entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia ou entre este e a presente data não transcorreu o prazo prescricional de 8 anos previsto no art. 109, inc. IV, do CP, quando a pena máxima do crime imputado não excede a 4 anos, em relação ao tipo do art. 299 do CE, tampouco o prazo de 16 anos, previsto no art. 109, inc. II, do CP, quando a pena máxima do crime não excede a 12 anos, na hipótese do tipo do art. 1º, caput, incs. I e II, do Decreto-lei n. 201/67.

Por sequência, examino as condutas narradas na denúncia em relação a cada um dos acusados.

1. JECI DA SILVA

Jeci da Silva foi denunciada pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, consoante descrito no 13º fato da denúncia:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local [no período compreendido entre as Convenções Partidárias e as Eleições de 2012, em Triunfo/RS], a denunciada JECI DA SILVA, solicitou e recebeu, para si, materiais e serviços para a construção de um muro em uma propriedade dela, para dar votos em favor dos candidatos a Prefeito Marcelo Essvein e a Vereador Jairo Roberto da Rosa Kersting. (fato 13 - fl. 71v)

(...).

Na oportunidade, o candidato JAIRO KERSTING procurou a eleitora JECI, oferecendo-lhe e dando-lhe materiais e serviços para a construção de um muro em uma propriedade dela, em troca de apoio político e de votos. O custo da mão de obra necessária à construção foi estimada em R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais). Em demonstração pública do compromisso assumido e de apoio político, a eleitora viabilizou a instalação, na propriedade dela, de placa de propaganda eleitoral dos candidatos a Prefeito MARCELO ESSVEIN e a Vereador JAIRO KERSTING.

 

Da análise dos autos, verifica-se que o único elemento informativo que corroboraria a tese acusatória é a reportagem investigativa produzida pelo repórter Giovani Grizotti e veiculada pela RBS TV à época, na qual, consoante as razões recursais, a eleitora teria oferecido “um relato coerente e seguro da forma pela qual se deu a troca do voto pela construção de um muro, avaliado em cerca de 1700,00 (mil e setecentos reais)”.

Ocorre, porém, que a íntegra da referida reportagem não se encontra disponível nos autos.

De seu turno, ouvido em juízo como testemunha compromissada (ID 44954558), o jornalista Giovane Antônio Grizotti nada agregou especificamente aos fatos, relatando apenas aspectos gerais das denúncias de que teve conhecimento e da investigação jornalística, na qual confirmou ter conversado com a eleitora Jeci e ter gravado o diálogo.

Por seu turno, em depoimento na fase judicial (ID 44954540), a ré afirmou ter mentido ao repórter Giovani Grizotti, uma vez que ele também mentira ao não se identificar como jornalista. Disse que a menção à obra do muro se dera para fazer cessar as abordagens de outro candidato a vereador, chamado Jardel, que a procurava todos os dias oferecendo dinheiro para que trocasse a placa do Jairo. Assim, “inventou” isso para que Jardel parasse de “encher”. Afirmou que não recebeu e não pediu dinheiro, materiais ou serviços em troca de voto. Disse ter recebido proposta apenas para trocar a placa de propaganda na frente de sua propriedade, com o que consentiu por liberalidade. Declarou que o muro foi pago com recursos de seu falecido marido, chamado Higino.

Embora a narrativa dada pela ré em juízo seja, de fato, confusa e incongruente em certos pontos, a afirmação de que a construção do muro ocorreu com recursos próprios é confirmada por Adair Manzon (ID 44954548), pedreiro contratado para a obra:

Procurador da ré: Por acaso foi o senhor que construiu um muro na casa da dona Jeci em 2012?

Testemunha: Sim, fui eu que construí.

Procurador da ré: O senhor é pedreiro?

Testemunha: Sim, trabalho como pedreiro.

Procurador da ré: O senhor sabe nos dizer quem contratou o serviço?

Testemunha: Quem contratou o serviço foi seu Higino.

Procurador da ré: Foi seu Higino.

Testemunha: Exatamente.

Procurador da ré: E o que era o serviço? Era um muro, tinha mais alguma coisa?

Testemunha: Não. A princípio sim, foi só o muro.

Procurador da ré: Só o muro?

Testemunha: Isso.

Procurador da ré: O senhor lembra que valor o senhor cobrou do seu Higino?

Testemunha: Sim. Eu tenho o valor e tenho o recibo. O valor de R$ 1.700,00 real.

 

Consta nos autos, também, o recebimento de pagamento dado por Adair Manzon a Higino, no valor de R$ 1.700,00, pelos serviços de construção de muro (ID 44888888, fl. 20).

Igualmente, a testemunha Setembrino Constantino (ID 44954545) relatou ter presenciado Higino pagando pela entrega de um carregamento de pedras na época dos fatos e que aguardava também receber seu pagamento por ter feito a limpeza na frente da casa.

Assim, como bem aduziu o magistrado sentenciante, há ausência de elementos probatórios complementares, pois “não é possível atribuir a uma reportagem investigativa, como aquela produzida pelo repórter Giovani Grizotti e veiculada pela RBS TV à época dos fatos, a força probante necessária para, por si só, embasar uma decisão condenatória de cunho criminal”.

Como se constata, a materialidade do crime não restou suficientemente demonstrada nos autos, não merecendo reparo a sentença que absolveu a ré com fundamento no art. 386, incs. III e VII, do CPP.

2. JOÃO CARLOS DOS SANTOS NOBRE

João Carlos dos Santos Nobre foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, por duas vezes, consoante descrito no 9º e no 11º fatos da denúncia:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local [entre as convenções partidárias e as eleições de 2012, em Triunfo/RS], o denunciado JOÃO CARLOS DOS SANTOS NOBRE solicitou e recebeu, para si, o pagamento de uma conta de água sua, para dar votos em favor dos candidatos a prefeito Marcelo Essvein e a vereador Jairo Roberto Costa Kersting.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado JOÃO CARLOS DOS SANTOS NOBRE solicitou e recebeu, para si, gêneros alimentícios, para dar votos em favor dos candidatos a Prefeito Marcelo Essvein e a Vereadora Roseli de Souza.

(...).

Na primeira oportunidade, o candidato JAIRO KERSTING, por intermédio de um cabo eleitoral conhecido como “Preto”, procurou o eleitor JOÃO CARLOS, oferecendo-lhe e dando-lhe o pagamento de uma conta de água dele, em troca de apoio político e de votos.

Na segunda ocasião, a candidata ROSELI DE SOUZA também procurou o eleitor JOÃO CARLOS, oferecendo-lhe e dando-lhe gêneros alimentícios, por ele referidos como “um sacolão de comida”, em troca de apoio político e de votos.

 

Em seu depoimento em juízo (ID 44954543), o réu negou a acusação. Afirmou que a candidata a vereadora Roseli ofereceu “um sacolão” para que votasse nela, mas a proposta não foi aceita. Declarou, ainda, não ter recebido propostas dos candidatos Marcelo Essvein e Jairo Kersting, inclusive, assevera que sequer conhece Jairo.

Durante a instrução processual não foi produzida qualquer outra prova relacionada ao deslinde desses fatos.

Desse modo, novamente, a acusação está estribada exclusivamente no conteúdo da reportagem investigativa produzida pelo jornalista Giovani Grizotti, a qual não se mostra corroborada por qualquer outro elemento produzido sob o contraditório judicial, de modo que se impõe a manutenção da sentença que absolveu João Carlos dos Santos Nobre, com fulcro no art. 386, incs. III e VII, do CPP.

3. JOEL OLIVEIRA DE AZEVEDO

Joel Oliveira de Azevedo foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral e no art. 1º, caput, inc. II, do DL n. 201/67, combinado com o art. 29, caput, do CP, consoante narrado nos 39º e 40º fatos da denúncia:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local [no dia 13 de agosto de 2012, em Triunfo/RS], o denunciado JOEL OLIVEIRA DE AZEVEDO solicitou e, dias depois, recebeu, para si, serviços de retroescavadeira do Município de Triunfo/RS, para dar voto em favor do candidato a Prefeito Marcelo Essvein.

Passados alguns dias de 13 de agosto de 2012, em Triunfo/RS, os denunciados PEDRO FRANCISCO TAVARES, Prefeito de Triunfo/RS, MARCELO ESSVEIN, Vice-Prefeito de Triunfo/RS, ÁLVARO TOMAZ CASTRO DE SOUZA, Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos de Triunfo/RS, ROGÉRIO ULRICH e JOEL DE OLIVEIRA DE AZEVEDO, em comunhão de esforços, utilizaram e desviaram, indevidamente, em proveito deles, bem e serviços públicos do Município de Triunfo/RS, consistentes em uma retroescavadeira e na operação dessa máquina por servidores públicos municipais.

(...).

Na ocasião, o cabo eleitoral ROGÉRIO procurou o eleitor JOEL e prometeu-lhe serviços de retroescavadeira do Município de Triunfo/RS, em troca de apoio político e de votos, conforme ajuste prévio com o então Prefeito, PEDRO FRANCISCO, o Secretário Municipal de Obras e Serviços Públicos de Triunfo/RS à Época, ÁLVARO TOMAZ, e o candidato a Prefeito MARCELO.

(...).

Dias depois, o referido “serviço de retro” foi concretizado, conforme se verifica do Relatório de Diligências nº 47/2012 (fls. 148-9 do Apenso I do Inquérito Policial).

 

A pretensão acusatória está arrimada em uma conversa obtida por meio de interceptação telefônica entre Rogério Ulrich e o Prefeito Pedro Francisco Tavares, conhecido como “Chico” (ID 44888861, fls. 14-16), assim resumida na sentença:

Neste diálogo, um homem chamado ROGÉRIO ligou para o Prefeito CHICO para informar que teria um amigo 'aqui na coxilha' que estaria precisando de um serviço de retro. [...] Na sequência, ROGÉRIO mencionou o nome do amigo como sendo JOEL, e que: 'sai uns quantos votos ali, cara'.

[...]

Depois disso, o Prefeito Referiu 'não tem problema, só pede pra ele fazer um protocolo, ali na garagem, pedindo o serviço, porque eu tenho que ter um documento pedindo', sendo compreendido por ROGÉRIO.

Ao final. ROGÉRIO perguntou: 'Mas tu acha que consegue?', sendo respondido pelo Prefeito: 'faço. Assim que tu tiver o protocolo na mão, me dá uma ligadinha. É só me ligar que demos um jeito.

 

Em juízo, o réu exerceu o seu direito ao silêncio (ID 44954539) e não arrolou testemunhas.

Constata-se que na interceptação telefônica existe apenas uma referência feita por terceiro de que, no domicílio do réu, haveria potenciais eleitores e que ele precisaria de serviços de retroescavadeira. Em resposta, o prefeito recomenda que Joel seja orientado a cumprir as formalidades para obtenção do serviço, protocolando o pedido escrito na Prefeitura, e que, após isso, “daria um jeito”.

O diálogo não comprova o elemento subjetivo exigido pelo crime de corrupção eleitoral passiva em relação a Joel. Apenas se vislumbra a concepção de Rogério de que, do auxílio com o maquinário público, poderia surtir “uns quantos votos”.

Mais uma vez, registro que a reportagem investigativa veiculada pela RBS-TV não possui a força probatória necessária para a sustentação de um decreto condenatório quando não ratificada por qualquer outro elemento de prova produzido no curso da persecução em sede judicial.

Tendo em vista que nada mais foi produzido acerca do fato, é de se concluir pela insuficiência de provas de que o réu efetivamente prometeu voto ou abstenção em troca de serviços públicos ou qualquer outra vantagem.

Outrossim, como bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral, o tipo do art. 1º, inc. II, do DL n. 201/67 representa crime próprio, que somente pode ter prefeito como autor, sendo que, na hipótese, a denúncia imputou ao réu a condição de partícipe.

Contudo, Pedro Francisco Tavares, então prefeito, processado nas ações penais ns. 294-91, 293-09 e 20-64, foi absolvido de todas as acusações por insuficiência de provas, em sentenças transitadas em julgado.

Desse modo, inviável a condenação de mero partícipe quando o autor de crime próprio restou definitivamente absolvido por insuficiência probatória em relação à autoria e à materialidade do fato.

Logo, a sentença que absolveu Joel Oliveira de Azevedo, com base no art. 386, incs. III e VII, do CPP, não merece reforma.

4. JUSSARA MARIA PIRES

Jussara Maria Pires foi denunciada pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, consoante descrição do 32º fato contido na denúncia (fls. 80v.-81v.):

No dia 12 de agosto de 2012, às 10h51min, em Triunfo/RS, o denunciado MARCELO ESSVEIN prometeu, para a eleitora Jussara Maria Pires, vantagem pecuniária, consistente no pagamento de serviços de mecânica executados no automóvel da eleitora, para obter-lhe voto em favor da candidatura dele a Prefeito.

(...).

Na ocasião, a denunciada JUSSARA manteve contato telefônico com o acusado MARCELO, então Vice-Prefeito e candidato a Prefeito de Triunfo/RS, e solicitou-lhe providências para a liberação do automóvel dela na oficina mecânica dos “Catarina”.

No telefone, JUSSARA disse a MARCELO que os funcionários da oficina pediram-lhe que informasse MARCELO que o carro estava pronto.

Após essa manifestação de JUSSARA, o candidato a Prefeito MARCELO afirma: “eu conversei ontem com os guris da oficina ali e eles me disseram que está tudo certo, pode deixar tudo comigo, tá?” (Interceptação Telefônica em 12/08/2012, às 10h51min - fl. 90 Apenso I do Inquérito Policial).

Restou claro que a liberação do veículo dependia de providência a ser tomada pelo então Vice-Prefeito do Município de Triunfo/RS, à época em plena campanha eleitoral. A eleitora informou que seu veículo ficaria pronto, mas que o pessoal da oficina pediu que ela avisasse Marcelinho.

Embora a investigação do fato não permita afirmar como foi feito o pagamento, nem outros detalhes do acerto, tudo indica que o próprio MARCELO efetuou o pagamento do serviço para JUSSARA ou interveio para a quitação da dívida valendo-se do prestígio do cargo de Vice-Prefeito e provável sucessor do atual Prefeito para garantir, gratuitamente, o conserto do veículo. Tais circunstâncias, contudo, seriam mero exaurimento do delito, consumado no momento da solicitação e da oferta.

 

De acordo com o Ministério Público Eleitoral, a conduta criminosa estaria comprovada a partir da interceptação telefônica de conversa entre a ré e o candidato Marcelo Essvein. Porém, como observou o juízo a quo, a conversa aborda o conserto do veículo, sem externar quaisquer tratativas a respeito de votos, abstenções ou apoio político.

Nas declarações prestadas no âmbito do inquérito policial, Jussara afirmou que, no contexto do conserto do veículo, foi questionada por Marcelo sobre quantos votos haveria na sua casa, do que lhe respondeu que seriam dois, o dela e o do marido.

Porém, em seu interrogatório em juízo (ID 44954542), a ré negou ter recebido valores dos candidatos em troca de votos. Afirmou que seu veículo seria alugado para a campanha do candidato Marcelo, porém, como o automóvel precisava de conserto, o locador arcaria com os reparos e o valor despendido seria descontado do custo do contrato. Narra, porém, que a locação não ocorreu, então a própria ré cobriu as despesas com o conserto do carro e o candidato nada pagou.

Também quanto ao presente fato, a reportagem investigativa veiculada pela RBSTV, apesar de indiciária, não possui a força probatória necessária para a sustentação de um decreto condenatório quando não ratificada por qualquer outro elemento de prova produzido no curso da persecução em sede judicial.

Assim, acertada a sentença que concluiu pela ausência de elementos ou indícios suficientes para a procedência de pretensão penal, pois a acusação não logrou produzir prova apta a embasar um juízo condenatório.

Desse modo, entendo que o caderno probatório carreado aos autos não tem o condão de comprovar a mercancia do voto, cuja prova deve ser robusta, envolvendo a especial finalidade de obtenção do sufrágio em contrapartida aos favores ou promessas de vantagens.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.