REl - 0601048-89.2020.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2022 às 14:00

VOTO

I - Admissibilidade

1. Da tempestividade

A sentença foi prolatada no dia 03.02.2022, disponibilizada no DJE em 04.02.2022 e publicada em 05.8.2022.

O PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO – PRTB interpôs recurso em 07.02.2022, dentro do tríduo legal.

Assim, o recurso é tempestivo.

 

2. Da Preliminar de não conhecimento do recurso

Em contrarrazões, os recorridos argumentam que o recurso não deve ser conhecido em razão da ausência de regularidade formal, qual seja, a impugnação aos termos da sentença, visto que não foi observado o disposto no art. 932, inc. III, do Código de Processo Civil. Via de consequência, sustentam que teria sido violado o princípio da dialeticidade.

De pronto, adianto que não há irregularidade formal a ser reconhecida.

Isso porque, em que pese o recorrente ter se limitado a reproduzir na peça recursal grande parte do conteúdo dos argumentos deduzidos na exordial, os motivos de fato e de direito encontram-se evidenciados nas razões de recurso, de modo que não se verifica a violação ao Princípio da Dialeticidade Recursal.

Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS MANEJADOS SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO "DECLARATÓRIA". RAZÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO. ALEGADA CÓPIA DA CONTESTAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURAÇÃO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. IRRELEVÂNCIA DO NOMEN JURIS. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA CONTROVÉRSIA A PARTIR DO PEDIDO E DAS CAUSAS DE PEDIR. PEDIDO DE ANULAÇÃO FUNDADA EM ERRO SUBSTANCIAL. PRAZO DECADENCIAL QUADRIENAL, QUE SE INICIA COM A REALIZAÇÃO DO ATO OU CONTRATO. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS.

[...]

2. A repetição de argumentos já lançados na petição inicial ou na contestação não configura impedimento ao conhecimento do recurso de apelação nem ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes do STJ .

[...]

(REsp n. 1.862.218/ES, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 04.10.2022, DJe de 07.10.2022.)

 

Portanto, verificada a pertinência temática entre as razões de recurso e os fundamentos da sentença, a irresignação deve ser conhecida.

Afasto, assim, a preliminar invocada.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Superada essa questão preliminar, passo ao exame do mérito.

 

II. Do mérito

Trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB contra a sentença proferida pelo Juízo da 85ª Zona Eleitoral - Torres/RS que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo que imputava a prática de abuso de poder econômico e político e de captação ilícita de sufrágio a AFFONSO FLAVIO ANGST e JOSÉ DIOGO MARTINS PEREIRA, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Arroio do Sal nas eleições de 2020.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações doutrinárias, a fim de bem evidenciar o bem jurídico que se protege em ações da espécie.

Considerando as supostas ofensas normativas trazidas nas alegações recursais, cabe estabelecer a distinção entre a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, previstas, respectivamente, no § 10 do art. 14 da Constituição Federal e no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 14

(…)

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. (grifei)

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (…) (grifei)

 

Nesse passo, de acordo com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, oportuno rememorar a premissa de que não há tríplice identidade entre a AIJE e a AIME, tendo em vista que os bens jurídicos tutelados são diversos, portanto, possuindo as ações naturezas jurídicas singulares.

Portanto, são ações distintas, com fundamentos distintos, convergentes, por assim dizer, apenas no tocante à hipótese de abuso do poder econômico. Sobre o tema, leciona José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª Ed., ano 2020, p. 1.271):

Comparação com a AIJE - como o próprio nome revela, a finalidade da AIME é desconstituir o mandato do eleito, uma vez que obtido com a prática de ilícitos como abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. Distingue-se da AIJE prevista nos arts. 19 e 22, da Lei Complementar n. 64/90, na medida em que esta tem em vista a cassação do registro e do diploma, bem como a decretação da inelegibilidade do candidato-réu pelo período de oito anos após as eleições a que se referir; ademais, enquanto a AIJE deve ser ajuizada até a data da diplomação, a AIME poderá sê-lo até 15 dias depois desse marco.

 

Como referido, a ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) tem assento constitucional no § 10 do art. 14 da Constituição Federal, sendo hipóteses de cabimento o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Sobre AIME e a proteção ao bem jurídico que se destina, ainda se manifesta a doutrina de José Jairo Gomes:

Trata-se, pois, de ação de índole constitucional-eleitoral, com potencialidade desconstitutiva do mandato. Por óbvio, não apresenta caráter criminal. Seu objetivo é tutelar a cidadania, a lisura e o equilíbrio do pleito, a legitimidade da representação política, enfim, o direito difuso de que os mandatos eletivos apenas sejam exercidos por quem os tenha alcançado de forma lícita, sem o emprego de práticas tão censuráveis quanto nocivas como são o abuso de poder, a corrupção e a fraude. Nas palavras de Tito Costa (1992, p. 170), tem essa ação por escopo “eliminar, tanto quanto possível, vícios que deformem ou desnaturem o mandato popular”.

Apesar de não haver norma infraconstitucional regulamentando o dispositivo em tela, sua eficácia imediata é indubitável.

Três são os fundamentos possíveis para a ação em apreço, a saber: abuso de poder “econômico”, corrupção e fraude. Esses conceitos foram expostos anteriormente, no Capítulo dedicado aos ilícitos eleitorais.

E quanto ao abuso de poder “político”? - o fato de a norma em exame ter especificado uma das espécies de abuso de poder – no caso, o econômico – induziu a exegese segundo a qual não é “cabível ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento em abuso do poder político” (TSE – AREspe n o 25.652/SP – DJ 14-11- 2006, p. 171). Contudo, não se pode olvidar que frequentemente o abuso de poder político entrelaça-se a outros ilícitos eleitorais. Nesse sentido, ao votar no REspe no 28.208/CE (JTSE 2:2008:112), salientou o Ministro Cezar Peluso que em certos casos “o abuso de poder político, ou de autoridade política, pode, sim, ser tido como modalidade de abuso de poder econômico, corrupção ou, até, fraude”. E mais:

“[...] 3. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Precedentes: REspe no 28.581/MG, de minha relatoria, DJe de 23-9-2008; REspe no 28.040/ BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1o-7-2008 [...]” (TSE – AAI no 11.708/ MG – DJe 15-4-2010, p. 18-19).

“[...] 2. Se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo. 3. Há abuso de poder econômico ou corrupção na utilização de empresa concessionária de serviço público para 24.1.2 o transporte de eleitores, a título gratuito, em benefício de determinada campanha eleitoral” (TSE – REspe n o 28.040/BA – DJe 1o -7-2008, p. 8).

“[existe] no ordenamento jurídico eleitoral, no campo do direito formal, a possibilidade de o abuso do poder político e econômico ser apurado pela via da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, desde que o princípio do devido processo legal seja respeitado [...]” (TSE – REspe no 25.985/ RR – DJ 27-10-2006, p. 204).

(GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª Ed., ano 2020, p. 1.270-1.271)

 

Tendo em vista tais considerações, a AIME, em síntese, objetiva tutelar o direito difuso de que os mandatos eletivos apenas sejam exercidos por quem os tenha alcançado de forma lícita, sem o emprego de práticas nocivas, como são o abuso de poder, a corrupção e a fraude.

Na hipótese, a irresignação trazida na exordial e reprisada na peça recursal refere condutas realizadas mediante o repasse de receitas a entidades sem fins lucrativos, bem como a cessão de uso de imóvel público pertencente ao município à entidade de classe, em suposta ofensa ao art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90 e ao art. 41-A, c/c o art. 73, incs. I e IV, todos da Lei n. 9.504/97.

As condutas imputadas aos recorridos, mediante suposto repasse irregular de recursos públicos, foram individualizadas da seguinte forma:

a) em 23.01.2020, foram destinados R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a escola de samba gigantes da orla, referente a contratação de serviço de apresentação artística;

b) em 23.01.2020, foram destinados R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao Clube dos Amigos Malandros de Arroio do Sal, referente a contratação de serviço de apresentação artística;

c) em 07.02.2020, foram destinados R$ 100.000,00 (cem mil reais) à Câmara dos Dirigentes Lojistas de Arroio do Sal (CDL), referente a repasse financeiro de Termo de Fomento;

d) em 28.5.2020, foram destinados R$ 55.312,34 (cinquenta e cinco mil, trezentos e doze reais e trinta e quatro centavos) para a recuperação do telhado do ginásio de esportes da SAAS (Sociedade de Amigos de Arroio do Sal).

 

Ainda, em relação às demais condutas apontadas, quais sejam, a cessão de uso de imóvel público pertencente ao município para uma entidade de classe, bem com repasse de receitas para diversas entidades, indicou a peça recursal, litteris:

1. No corrente ano, conforme contrato anexo, foi firmada a concessão do Imóvel Matrícula n.º 87.233, sito a Rua Quatro Lagos, Beira Mar, neste Município, à entidade Associação de Pescadores de Arroio do Sal (APAS), dotada a concessão da vigência de vinte e cinco anos, devendo ser utilizado o referido imóvel para a promoção de atividades culturais, assistencialismo, eventos de canto, eventos ecumênicos, social e aperfeiçoamento cultural;

2. Segundo Lei Municipal n. 2.748/19, ficou autorizado o poder executivo municipal a firmar parceria e repassar recursos financeiros, através de termo de colaboração, com as entidades carnavalescas;

3. De acordo com a Lei Municipal n. 2.754/20, ficou autorizado ao município de Arroio do Sal a outorgar a concessão de uso de bem imóvel de domínio municipal à: 1 – Associação dos Pescadores de Arroio do Sal – APAS; 2 – Associação de Bombeiros Voluntários de Arroio do Sal; 3 – Grupo Espírita Orai e Vigiai; 4 – Associação GASP/Grupo de Apoio a Segurança Pública de Arroio do Sal e 5 – Centro de Tradições Gaúchas Rincão de Estância;

4. A Lei n. 2.757/20, autorizou o Poder Executivo a firmar parceria e repassar recursos ao CDL para a realização da 1ª Festfeira Sabores da Uva;

5. Conforme instituto pela Lei n. 2.764/20, ficou autorizada a realização de parceria e repasse de recursos financeiros, através de termo de fomento, à Sociedade dos Amigos de Arroio do Sal (SAAS);

6. A Lei n. 2.775/20, autorizou o Poder executivo municipal a firmar parceria e repassar recursos financeiros à Associação Anjo Protetor dos Animais – APA;

7. De forma análoga as demais, a Lei n. 2.776/20, autorizou a realização de repasses financeiros ao Grupo de Apoio à Segurança Pública de Arroio do Sal – GASP;

8. Por fim, a Lei n. 2.789/20 autorizou a realização de repasses financeiros a Associação Mãos e Patas.

 

Na espécie, afirma o recorrente que as normas de regência a incidir seriam o art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90 e o art. 41-A, c/c o art. 73, incs. I e IV, todos da Lei n. 9.504/97, que dispõem:

Lei Complementar n. 64/90

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[…]

 

Lei n. 9.504/97

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

[…]

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[…]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

Dessarte, na análise do presente recurso, o que deve ser reexaminado é se houve abuso de poder econômico e político e a captação ilícita de sufrágio suficientes a macular a legitimidade e normalidade do pleito, mediante a obtenção ilícita dos mandatos eletivos.

Pois bem.

De pronto, destaco que, já na origem, restou estabelecido que na lide em questão havia a desnecessária produção de prova oral para a decisão do feito, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já comprovado documentalmente.

Sobre o caderno probatório, saliento que reiterada jurisprudência do TSE preconiza que para o exame de condutas ilícitas, sobretudo para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, deve vir amparado em farto conjunto probatório, suficientemente grave para ensejar a severa sanção da cassação de diploma. Nessa linha, o RESPE 16270-21, acórdão de 30.11.2016, e RESPE 1-72, acórdão de 17.11.2016, ambos de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Logo, com apoio no material fático-probatório constante dos autos, o que precisa ficar delimitado neste exame, para caracterização ou não do suposto abuso de poder econômico e político e a captação ilícita de sufrágio por parte dos mandatários do cargo majoritário, é se as condutas imputadas acima deram-se com cumprimento ou descumprimento das normas legais de incidência.

Ocorre que, em análise dos autos, constato que as alegações formuladas pelo recorrente não estão guarnecidas de suporte que aponte para violação legal ou autorize a conclusão de que tenha havido repasse de receitas para as diversas entidades e concessões de uso de bens públicos imóveis de forma indevida.

Igualmente, no tocante à imputação de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), verte a mera alegação genérica e destituída de quaisquer outros elementos que confiram amparo à tese de ilicitude.

Em realidade, embora a peça recursal aponte assertivas como a de que “em sua busca desmedida de voto por meios ilícitos além de consistir em gravíssima violação a legislação eleitoral, trata-se de conduta extremamente aviltante, visto que utiliza-se de recursos públicos para lograr êxito no pleito”, é fato que as condutas apontadas pelo recorrente, objeto da presente AIME, podem ser todas afastadas pela análise legal.

Aliás, tal afastamento, de fato, se deu desde antes do ajuizamento da presente AIME, ao serem as alegações, minudentemente, refutadas, item a item, pelo Ministério Público Eleitoral de primeiro grau em procedimento administrativo.

Nessa senda, conforme supracitado, cabe destacar importante elemento de prova trazido aos autos pelo Parquet na instrução processual, qual seja, a manifestação da Promotoria de Justiça de Torres na decisão de arquivamento e indeferimento de instauração de inquérito civil, na Notícia de Fato n. 01591.000.478/2020 (ID 44930889).

Saliento que, já nesse procedimento, restou demonstrada a licitude de todas as condutas questionadas na presente lide. E tal resultou do cotejo das imputações do recorrente diante das normas jurídicas regentes em questão, a demonstrar a não configuração do ilícito eleitoral.

No caso dos autos, cumpre consignar que, de fato, a vedação relativa às condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos a pleitos eleitorais encontra disciplina no art. 73 da Lei n. 9.504/97. No entanto, esta mesma norma contém exceções em seu § 10, que permite a continuidade de políticas públicas autorizadas em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, verbis:

Lei n. 9.504/97

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

 

Nessa linha, irretocável a sentença prolatada pelo douto magistrado a quo, Dr. Jefferson Torelly Regel, que entendeu que a presente demanda deveria ser julgada improcedente, trazendo em seu percuciente exame a bem fundamentada análise do Parquet de origem, a qual agrego às minhas razões de decidir (ID44930890):

E é justamente com esteio nos judiciosos argumentos veiculados pelo parquet para impor arquivamento da referida notícia-crime, que este juízo, pedindo vênia ao ilustre Promotor de Justiça Marcelo Araujo Simões que subscreveu a promoção, supedita a decisão que se anuncia:

Com efeito, "a denúncia de possíveis abusos do poder econômico por parte do então candidato FLÁVIO AFONSO ANGST, agora reeleito Prefeito Municipal de Arroio do Sal, não está respaldada por elementos mínimo de prova que a tornem apta para ensejar a instauração de inquérito civil. Veja-se que o art. 73, § 10º, da Lei n. 9.504/97, quando trata da proibição das condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos a pleitos eleitorais, proíbe de forma expressa a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, mas excetua os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos estes em que o próprio Ministério Público poderá promover o acompanhamento da execução financeira e administrativa de tais programas. Dito isto, o que se observa da documentação trazida pelo Município de Arroio do Sal é que tanto as concessões de uso de bens públicos imóveis, quanto os repasses de valores a entidades da comunidade local se deram nos termos permitidos em lei, não havendo indicativos, portanto, de que tenham sido realizados com o exclusivo intuito de obter ganhos pessoais ao então Prefeito Municipal e assim desequilibrar as eleições. Inicialmente, destaca-se que o projeto de lei de concessão de uso de bens públicos foi aprovado pelo legislativo local em 30.12.2019, tendo os contratos sido firmados em 31.12.2019. As concessões de uso de bens públicos municipais se deram, pois, no ano de 2019. Veja-se, no caso do CTG, que a área por ele ocupada foi regularizada no ano de 2019 mediante a aludida concessão de uso, devidamente aprovada em lei municipal pelo legislativo local. No que se refere à concessão de uso de área para a Associação dos Pescadores, também se verifica que o processo iniciou ainda em 2019. O imóvel que foi objeto de concessão de uso para os Bombeiros Voluntários, consoante se vê da documentação anexada, também tem como data de início de processo o ano de 2019. A regularidade das concessões, pois, salvo melhor juízo, resta atestada pela documentação, não havendo como falar em ferimento à regra eleitoral acima transcrita. No que pertine ao repasse de valores a entidades locais, também não se constatou irregularidades que pudessem configurar conduta eleitoral vedada. O GASP- Grupo de Apoio à Segurança Pública vem sendo auxiliado pelo Município de Arroio do Sal desde 2017, consoante documentação anexa. Vê-se que em todos estes anos houve repasses de valores para subsidiar a atividade da Brigada Militar e da Polícia Civil no Município de Arroio do Sal, não se tratando, portanto, de fato episódico e específico no ano de 2020. No tocante aos Bombeiros Voluntários, observa-se que sua aprovação se deu no ano de 2020, havendo lei municipal que autorizou o repasse de valores para serviços de combate ao fogo como forma de primeiro combate, já que o Corpo de Bombeiros Militar dista de Arroio do Sal 30km. Atinente à Sociedade Amigos de Arroio do Sal, vale referir que foram encaminhadas emendas impositivas para conserto do telhado destruído em desastre natural do ano de 2019. Ocorre que se deu o repasse de verbas mediante contrapartida e, ainda, com lei autorizativa, não se vislumbrando, portanto, conduta vedada pela lei eleitoral. No que se refere à CDL, se vê que há leis autorizativas anuais de repasse de verbas a tal entidade, havendo como contrapartida a realização de cursos profissionalizantes. Nestes termos, difícil que se caracterize a conduta eleitoral vedada em lei e noticiada pelo denunciante. O repasse para o carnaval de rua de Arroio do Sal poderia configurar conduta ilícita, mas se observa que se cuida de evento do calendário oficial do Município de Arroio do Sal e que recebeu repasse de verbas municipais anualmente, desde no ano de 2012, havendo, também lei autorizativa nesse sentido. Os repasses à APAE se dão mediante contrapartida, já que crianças e adolescentes do município são atendidas naquela instituição mediante termo de fomento, configurando a ação contrapartida da entidade e revelando, pois, ausentes indicativos de irregularidades. Observa-se, no que se refere aos repasses para a APA e Mãos e Patas, que o Município de Arroio do Sal adotou política pública de serviço de castração e doação de animais de rua resgatados. Há nesse caso a contrapartida das instituições, conforme se vê pela listagem de animais tratados, castrados e doados. Vê-se, pois, que nas hipóteses aventadas na denúncia há prova da contrapartida e exposição de plano de trabalho, o que parece desfigurar conduta eleitoral vedada em lei e tornar ausentes os indicativos de irregularidades".

Diante do exposto, a presente demanda é julgada improcedente.

 

Como se depreende da análise, a concessão de uso de bens públicos decorreu de lei aprovada no exercício anterior ao da eleição. Da mesma forma, os repasses de valores indicados como ilegais na petição inicial se deram em atendimento à lei e/ou mediante contrapartida pelos beneficiários.

Anoto que o recurso interposto se limitou a afirmar a ilicitude de todos os eventos relacionados na inicial, deixando de impugnar a sentença especificamente ou apontar elementos com aptidão a infirmar as conclusões acerca da existência de lei aprovada no exercício anterior ao da eleição autorizando a concessão de uso de bens públicos ou o repasse de valores, bem como acerca das contrapartidas. Embora a ausência desses elementos específicos não impeça o conhecimento do recurso, a falta de indicação concreta de subsídios aptos a desafiar a decisão de primeiro grau recomendam sua confirmação no caso em apreço.

Ainda, em reforço, destaco que, neste grau recursal, em igual sentido se posicionou o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, o qual reiterou na íntegra o conteúdo da manifestação do Parquet de origem, por entender suficientemente analisado o objeto da irresignação naquela instância, a concluir que outro não poderia ser o resultado do presente recurso que não sua improcedência.

Na hipótese, a concessão de uso de imóveis à Associação de Pescadores de Arroio do Sal (APAS), à Associação de Bombeiros Voluntários de Arroio do Sal, ao Grupo Espírita Orai e Vigiai, à Associação GASP/Grupo de Apoio a Segurança Pública de Arroio do Sal e ao Centro de Tradições Gaúchas Rincão de Estância está prevista em lei aprovada em exercício anterior ao pleito. Da mesma forma, o repasse de recursos financeiros ao CDL para a realização da 1ª Festfeira Sabores da Uva, à Sociedade dos Amigos de Arroio do Sal (SAAS), à Associação Anjo Protetor dos Animais – APA, ao Grupo de Apoio à Segurança Pública de Arroio do Sal – GASP e à Associação Mãos e Patas se deu mediante contrapartida, ao passo que valores oriundos dos cofres municipais vêm sendo repassados a entidades carnavalescas desde 2012.

Em casos semelhantes aos narrados, o TSE tem assentado que a licitude das condutas, senão vejamos:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, LEI N. 9.504/97. CONVÊNIO. PREFEITURA. SINDICATO. PATROCÍNIO PARCIAL. FESTIVIDADE TRADICIONAL. EVENTOS ARTÍSTICOS E CULTURAIS. CONTRAPARTIDA. ENTRADA FRANCA.

1. Os recorrentes - prefeito de Tiros/MG reeleito em 2016 com 72,5% de votos válidos e vice-prefeito que compôs a chapa - tiveram seus diplomas cassados (impondo-se ainda multa de 30 mil UFIRs ao primeiro) por suposta prática da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

2. Segundo o TRE/MG, o ilícito consistiu em convênio de R$ 120.000,00 entre a Prefeitura e o Sindicato dos Produtores Rurais de Tiros/MG, organizador da ExpoTiros, tradicional festa no Município há mais de 16 anos, com shows artísticos e rodeios, de 16 a 19.6.2016, demandando-se da entidade, em contrapartida ao patrocínio parcial (que também ocorreu em anos anteriores), três mil ingressos a título de entrada franca no primeiro e último dias.

DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. INCIDÊNCIA DO ART. 73, § 10, DA LEI N. 9.504/97.

3. O art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 veda, em ano eleitoral, a "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública", exceto nas hipóteses de "calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior".

4. A controvérsia dos autos cinge-se a dois pontos: a) se a distribuição de ingressos para evento cultural, por entidade privada, como contrapartida a patrocínio público, enquadra-se no óbice legal; b) em caso positivo, se a perda de diplomas imposta aos recorrentes revela-se proporcional às circunstâncias do caso.

INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E RESTRITIVA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. EVENTOS CULTURAIS. CONTRAPARTIDAS. INSTITUIÇÕES ORGANIZADORAS. NÃO ENQUADRAMENTO NO TEXTO LEGAL.

5. A teor da jurisprudência desta Corte, a assinatura de convênios e o repasse de recursos a entidades públicas e privadas para projetos nas áreas de cultura, esporte e turismo não se amoldam ao conceito de "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios", especialmente quando se exigem contrapartidas das instituições contempladas com as verbas. Precedente: REspe 2826-75/SC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 22.5.2012.

6. O télos do § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipula a miséria humana e a negligência do Estado em áreas sensíveis como, por exemplo, saúde e educação.

7. Trata-se da interpretação que melhor se coaduna com o texto legal, sob pena de se ampliar indevidamente as hipóteses de incidência de condutas vedadas, o que não se admite por se cuidarem de normas restritivas de direitos. Precedentes.

8. No caso, é inequívoco que a ExpoTiros representa tradicional festividade no Município de Tiros/MG, organizada pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Tiros/MG há mais de 16 anos, contando com inúmeros shows artísticos e rodeios, extraindo-se dessas circunstâncias o seu aspecto cultural.

9. Também não há dúvida de que a entrada franca em dois dos quatro dias não consistiu em distribuição de ingressos pela Prefeitura, mas sim em contrapartida que se exigiu do sindicato diante do patrocínio - parcial, reitere-se - do evento.

10. O aspecto cultural da festa e a contrapartida exigida pela Prefeitura afastam o enquadramento da hipótese dos autos ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. PERDA. DIPLOMAS. AFRONTA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

11. Em observância ao princípio da eventualidade, ressalte-se que, a teor da jurisprudência desta Corte, as sanções de perda de diplomas e de multa por prática de conduta vedada a agentes públicos - art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97 - devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

12. As circunstâncias do caso permitem afastar a cassação, pois: a) a ExpoTiros é festa tradicional há mais de 16 anos, organizada sempre pelo sindicato (e não pelo Poder Público), de modo que não se vincula a determinado candidato ou grupo político; b) as inúmeras atrações culturais, somadas à realização desde o ano 2000, afastam a presunção de que a entrada franca em dois dos quatro dias alcançou apenas eleitores locais; c) o evento ocorreu de 16 a 19.6.2016, isto é, quase dois meses antes da campanha, quando os recorrentes não eram sequer candidatos; d) o decreto condenatório funda-se apenas na temática dos ingressos, inexistindo qualquer elemento - tal como presença dos pré-candidatos no palco ou entrega de propaganda (eleitoral ou institucional) - que denote manifestações eleitoreiras; e) a garantia de entrada franca ficou a cargo do sindicato, não havendo falar em atuação direta pelo Prefeitura, que somente patrocinou parte do evento.

13. O Tribunal Superior Eleitoral, apreciando hipótese similar - nesta, porém, com manifestações isoladas de cunho eleitoreiro, o que não se tem na espécie - afastou a cassação de diplomas de prefeito e vice-prefeito (REspe 134-33/PE, redator para acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 05.10.2015.).

CONCLUSÃO. PROVIMENTO. RECURSO ESPECIAL. AFASTAMENTO, SANÇÃO. PERDA DE DIPLOMAS.

14. Recurso especial provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na representação e afastar as sanções de perda de diplomas e de multa impostas aos recorrentes, por não se vislumbrar a conduta vedada do art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

15. Com base no princípio da eventualidade, recurso provido em menor extensão para afastar a perda dos mandatos de prefeito e vice-prefeito de Tiros/MG.

(Recurso Especial Eleitoral nº 4535, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03.8.2018.) (Grifei)

 

Por tais razões, é de ser mantida a decisão que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, visto que os fatos narrados pelo recorrente não se subsumem aos ilícitos eleitorais de abuso de poder econômico e político e de captação ilícita de sufrágio.

Por corolário, cabe o exame do pedido de aplicação das consequências legais previstas para a litigância temerária e de má-fé em face do veiculado em contrarrazões.

Alegam os recorridos que, em sua devolutividade recursal, o recorrente “interpõe um recurso ignorando as razões de decidir na origem e distorcendo os fatos”.

Em síntese, pedem a condenação do recorrente nas penas para aqueles que litigam de má-fé, em razão de dedução de pretensão contra fato incontroverso, alteração da verdade dos fatos, uso do processo almejando objetivo ilegal, proceder de modo temerário e provocação de incidente infundado, conforme redação do art. 80, incs. I, II, III, V e VI, do Código de Processo Civil.

Como bem expôs o magistrado sentenciante:

E sem delongas, entendo que seria realmente mais consentâneo com a boa-fé processual que o impugnante tivesse se disposto a revelar que esta é a segunda vez que traz à baila as questões de fato nos quais se supedita. No entanto, como seria de fácil percepção ao estabelecer-se o contraditório e que não tivesse se valido da propositada omissão para obtenção de provimento liminar, não chega a se configurar sua má-fé.

 

Assim, novamente, a sentença merece confirmação, porquanto não demonstrada qualquer das hipóteses legais de má-fé processual previstas no art. 80 do Código de Processo Civil.

De fato, muito embora na peça recursal tenha o recorrente se limitado a reproduzir grande parte do conteúdo dos argumentos deduzidos na exordial, esta narrativa, estribada em pretensos indícios de ocorrência de suposto abuso de poder econômico e político e de captação ilícita de sufrágio por parte dos mandatários do cargo majoritário, apesar da ausência de correlação direta com ilegalidades no pleito ou mesmo que, ao extremo, se cogitasse de uma possível carência de justa causa, ambas não dão azo, por si sós, à aplicação da mencionada multa por litigância temerária ou de má-fé.

Conforme explicam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 18. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. E-book não paginado):

Proceder de modo temerário é agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (Chiovenda. La condanna nelle spese giudiziali, 1.ª ed., 1901, n. 319, p. 321). O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (Castro Filho. Abuso2 n. 43, pp. 91/92; Carnelutti. Sistema, v. I, n. 175, p. 454). A mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza a lide temerária, mas sim a imprudência grave e a imperícia fruto de erro inescusável, que não permitem hesitação do magistrado em considerar ter havido má-fé (Mortara. Comentário CPC4 , v. IV, n. 79, p. 143). O litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe ser indevida.

 

Portanto, para a aplicação da penalidade, exige-se a comprovação, de forma inequívoca, da má-fé ou do dolo processual.

Na espécie, porém, não vislumbro no comportamento do recorrente elementos indicativos de eventual alteração da verdade dos fatos ou dedução maliciosa de pretensões que sabiam destituídas de fundamento, a justificarem a imposição do sancionamento.

Em realidade, verifica-se o simples exercício do direito de ação e de interposição recursal, os quais, mesmo com diminutas chances de êxito, não consubstanciam, no contexto dos presentes autos, condutas de má-fé ou de temeridade processual.

Nessa linha de entendimento, relaciono os seguintes julgados de outros Tribunais Regionais:

Recurso Eleitoral. Representação. Propaganda eleitoral Irregular. Crime Eleitoral. Suposta infração ao artigo 323 do Código Eleitoral. Figura típica. Impossibilidade de sanção pela via da representação eleitoral. Inépcia da Inicial. Extinção do feito sem julgamento de mérito. Multa. Litigância de má-fé. Manutenção da extinção do feito. Multa por litigância de má-fé afastada. Recurso conhecido e parcialmente provido.

(…).

7. Por fim, apesar da confusa redação da exordial, bem como do presente recurso eleitoral, que a todo momento mistura a seara criminal, inclusive fundamentando o pleito nos artigos referentes ao suposto crime eleitoral cometido, com a seara cível-eleitoral, deve a multa por litigância de má-fé ser afastada já que a atecnia utilizada na narrativa e pedidos não justifica a aplicação da mencionada multa por litigância de má-fé.

8. Recurso conhecido e parcialmente provido, afastando, tão somente, a multa aplicada por litigância de má-fé, mantendo-se, entretanto, a extinção do feito sem julgamento de mérito.

(TRE-CE - RE: 23671 ICÓ - CE, Relator: HAROLDO CORREIA DE OLIVEIRA MÁXIMO, Data de Julgamento: 24.01.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 21, Data 30.01.2018, Página 12/13) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO. ALEGAÇÃO DE PRESENÇA DE CONTEÚDO OFENSIVO EM PROPAGANDA ELEITORAL, BEM COMO AUSÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DA LEITURA DA INICIAL NÃO É POSSÍVEL A MÍNIMA COMPREENSÃO DOS FATOS E A RELAÇÃO DESTES COM A IMAGEM DA SUPOSTA PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. NÃO CONFIGURADA A MÁ-FÉ PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES ENUMERADAS NO ART. 80 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. MANTIDA A SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA EXORDIAL PELA INÉPCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA AFASTAR A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

(TRE-SP - RE: 54938 SUZANO - SP, Relator: LUIZ GUILHERME DA COSTA WAGNER JUNIOR, Data de Julgamento: 07.3.2017, Data de Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 14.3.2017.) Grifei.

 

Desse modo, tenho que não configurada a litigância de má-fé, nos termos do art. 80, incs. I a VII, do CPC.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por conhecer do recurso e por seu desprovimento, ao efeito de manter a sentença de improcedência, nos termos da fundamentação.