PCE - 0602495-08.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/12/2022 às 09:00

VOTO

As irregularidades apontadas nas contas são as seguintes: a) recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 6.057,16 (item 3 do parecer técnico) e b) aplicação irregular de verbas públicas no valor total de R$ 65.000,00 (item 4).

 

a) Recursos de origem não identificada no valor de R$ 6.057,16

No item 3 do parecer técnico foi apontado o recebimento de recursos de origem não identificada relativos ao pagamento de diversas despesas, no valor total de R$ 6.057,16, verificadas a partir da emissão de notas fiscais lançadas contra o CNPJ do candidato Antônio Hamilton Martins Mourão, que não foram declaradas nas contas.

Os prestadores afirmaram que as notas são relativas a gastos efetuados por pessoas que participaram da campanha, as quais indicavam o CNPJ da candidatura para a emissão do documento por equívoco, buscando ressarcimento posterior, o qual não ocorreu.

Informam ter efetuado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, em 1.12.2022, juntando aos autos o comprovante de pagamento da respectiva GRU (ID 45371818 e ID 45371819).

Contudo, o recolhimento do valor, após a eleição, não afasta o apontamento de impropriedade nas contas, pois durante a campanha houve efetiva utilização de recursos de origem não identificada, uma vez que as notas fiscais em questão não foram canceladas conforme determina o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Esse foi o entendimento adotado por esta Corte quando do julgamento da PCE n. 0602640-64.2022.6.21.0000, realizado em 24.11.2022, da Relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, da PCE n. 0602511-59.2022.6.21.0000, da Relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Buttelli, julgada na sessão de 25.11.2022, e da PCE n. 0603234-78.2022.6.21.0000, da Relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado na sessão de 26.11.2022, ocasião em que se entendeu que, por critério de isonomia e coerência, deve ser considerado que o recolhimento da quantia irregularmente recebida não tem o condão de sanar a falha, pois o procedimento é mero atendimento do comando normativo e reflexo do recebimento de recursos que não foram contabilizados, ou seja, de origem não identificada.

O art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer que os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União, sendo essa a hipótese quando há pagamento de despesas vinculadas à candidatura, com emissão de nota fiscal contra o CNPJ do concorrente, com valores que não transitam pelas contas bancárias de campanha.

Assinalo que na sessão de 13.12.2022, quando do julgamento da PCE n. 0602374-77.2022.6.21.0000, a partir de voto-vista divergente prolatado pelo ilustre Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle, esta Corte reafirmou, por maioria, o entendimento de que a omissão de despesas vinculadas ao período eleitoral é inconsistência que repercute na transparência das contas e impõe o dever de recolhimento ao erário.

De forma isonômica, a conclusão aqui adotada foi até agora aplicada em diversos julgamentos de processos de contas de campanha das eleições de 2022, a exemplo dos processos PCE n. 060270559, Rel. Des. Eleitoral José Vinicius Andrade Jappur, Publicado em Sessão, Data 09/12/2022; PCE n. 060228117, Rel. Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Publicado em Sessão, Data 02/12/2022; PCE n. 060325809, da minha relatoria, DJE 10/12/2022.

Concluo, portanto, que o valor de R$ 6.057,16 deve ser recolhido ao erário, por se tratar de recurso de origem não identificada, nos termos do o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, e ressalto que está quitada esta obrigação.

 

b) Aplicação irregular de verbas públicas no valor de R$ 65.000,00

No item 4 do parecer técnico foi apontada irregularidade referente à utilização de R$ 65.000,00 de verbas procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral (FEFC) para o pagamento de uma parte das despesas com honorários advocatícios, no valor de R$ 30.000,00, e das despesas com serviços contábeis, na quantia de R$ 35.000,00.

Com as suas advogadas, os prestadores firmaram contrato contendo previsão de pagamento total de R$ 180.000,00 (ID 45244428), sendo que o valor inicial pactuado para os honorários é o de R$ 90.000,00, e que o § 3° da cláusula 5° do documento estabeleceu um adicional de R$ 90.000,00 em caso de eleição do candidato Antônio Hamilton Martins Mourão, redundando no valor final de R$ 180.000,00.

Com seu contador os prestadores firmaram contrato com previsão de pagamento total de R$ 130.000,00 (ID 45244176), sendo que o valor inicial pactuado para os honorários é o de R$ 65.000,00, e que o parágrafo único da cláusula 3° do documento estabeleceu um adicional de R$ 65.000,00 em caso de eleição, redundando no valor final de R$ 130.000,00.

De acordo com os extratos e comprovantes de pagamento, do montante de R$ 180.000,00 dos gastos com serviços advocatícios, R$ 150.000,00 foram pagos com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral (FEFC) e R$ 30.000,00 com recursos privados. Dos recursos do FEFC, R$ 30.000,00 foram utilizados para o custeio da cláusula de sucesso.

Por sua vez, do total de R$ 130.000,00 dos gastos com serviços contábeis, R$ 100.000,00 foram pagos com verbas do FEFC e R$ 30.000,00 com recursos privados, sendo que, dos recursos do FEFC, R$ 35.000,00 foram utilizados para o custeio da cláusula de sucesso.

A discriminação dos gastos consta da seguinte tabela colacionada ao parecer conclusivo:

 

O órgão técnico considerou que os pagamentos de R$ 30.000,00 para as advogadas e de R$ 35.000,00 para o contador, vinculados à vitória na eleição, se inserem no conceito de pacto de quota litis e não poderiam ser custeados com verbas públicas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral (FEFC), somente com recursos privados, “por não se enquadrarem nas possibilidades de gastos eleitorais permitidos pelo art. 35 da Resolução TSE 23.607/2019, pois não restou evidenciada uma efetiva contraprestação adicional de serviços em razão da candidatura ter vencido o pleito”.

Ao acolher a conclusão técnica de que não há contraprestação dos contratados, a Procuradoria Regional Eleitoral sustenta que a cláusula que prevê bonificação pelo êxito na eleição não guarda relação direta com os serviços advocatícios e de contabilidade prestados. Pondera, também, que “a atuação na área jurídica e contábil está afeta a caráter operacional da campanha, no qual a efetividade do trabalho encontrará reflexos no resultado das ações judiciais ou na assessoria contábil que garantirá a regularidade das contas prestadas” e que “a efetiva eleição do candidato, motivo eleito para bonificação ora questionada, está afeta exclusivamente ao campo político, à capacidade efetiva de o candidato angariar votos no pleito”.

Além disso, o órgão ministerial defende que, diante de eventual necessidade de maior trabalho das áreas operacionais da campanha em caso de êxito e a possível necessidade de uma maior remuneração, o efetivo trabalho prestado deve ser objeto de aditivos ou de novos pactos “de forma a garantir a transparência do gasto eleitoral”.

Pois bem.

A primeira questão a ser considerada é a de que a previsão da cláusula de êxito ou o dever de pagamento de honorários advocatícios e contábeis não foram postos em discussão pelo órgão técnico ou ministerial, os quais indicam irregularidade tão somente quanto à fonte pública de custeio da despesa exclusivamente no que se refere às cláusulas de êxito.

Veja-se que, do total gasto a título de êxito na eleição (R$ 90.000,00 para as advogadas e R$ 65.000,00 para o contador), apenas a quantia de R$ 65.000,00, paga com verbas públicas do FEFC, foi considerada irregular (R$ 30.000,00 e R$ 35.0000,00, respectivamente), pois o valor restante, adimplido com recursos privados (R$ 60.000,00 e R$ 30.000,00), foi considerado regularmente aplicado.

Disso decorre que não se verifica malferimento aos princípios da transparência ou da confiabilidade das contas em relação a tais despesas, pois os contratos foram expressos ao apresentar a previsão de pagamento adicional pela vitória na eleição e o valor acordado, seja porque a fonte de custeio, pública e privada, bem como os respectivos destinatários, foram devidamente escriturados.

A segunda questão a ser levada em consideração é a de que a cláusula prevista nos contratos não se trata de quota litis, prevista no art. 50 do Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução OAB n. 02/15), segundo o qual os honorários serão devidos de acordo com a vantagem obtida pelo cliente por força do processo, e que vincula a remuneração do advogado de acordo com o sucesso do constituinte em uma demanda.

As disposições glosadas referem-se à cláusula de êxito ou taxa de sucesso.

Essa distinção é importante, visto que a unidade técnica e a Procuradoria Regional Eleitoral concluíram que o pagamento das cláusulas de êxito com verbas públicas é irregular porque teria sido realizado sem a efetiva prestação adicional de serviços, olvidando-se do fato de que a remuneração recebida pelas advogadas e pelo contador decorre dos serviços que já haviam sido prestados, ou que foram sendo prestados durante a eleição, e que culminaram, em medida não mensurável, na eleição do candidato.

É dizer, o contrato não estipulou um trabalho adicional para os profissionais contratados, mas sim um pagamento adicional pelo mesmo serviço prestado, a título de êxito na campanha.

Por certo, é demasiado subjetivo o liame entre o trabalho de uma advogada e de um contador durante a campanha eleitoral e a vitória da candidatura posta em disputa.

Todavia, em certa medida o TSE já reconheceu essa vinculação ao firmar o entendimento de que, “muito embora os serviços advocatícios não tenham relação direta com a divulgação da campanha política, constituem ato acessório a esse fim e, por isso, configuram gasto eleitoral”:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE EMISSÃO DE RECIBO ELEITORAL. CONTROLE DAS CONTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. 1. Na espécie, a recorrida recebeu doação estimável em dinheiro - consistente na prestação de serviços advocatícios - e não emitiu o recibo eleitoral correspondente. 2. “Muito embora os serviços advocatícios não tenham relação direta com a divulgação da campanha política, constituem ato acessório a esse fim e, por isso, configuram gasto eleitoral que exige a emissão do respectivo recibo e sua contabilização na prestação de contas” (REspe 38875/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado na sessão de 11.11.2014). 3. O Tribunal Superior Eleitoral já assentou o entendimento de que a ausência de emissão de recibo eleitoral na prestação de contas caracteriza-se como irregularidade insanável, pois impossibilita o efetivo controle das contas por parte da Justiça Eleitoral. Precedentes. 4. Apesar de representar a totalidade dos recursos arrecadados na campanha, o valor diminuto em termos absolutos - qual seja R$ 800,00 (oitocentos reais) - justifica a aplicação na espécie dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas. 5. Recurso especial desprovido.

(TSE - REspe: 956112741 CE, Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 05/02/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data 04/03/2015, Página 215) (Grifei.)

 

No caso em tela, dentro de sua esfera privada de vontade e interesses, os candidatos, reconhecendo essa conexão abstrata de causa e efeito, firmaram os acordos estabelecendo que os serviços prestados seriam remunerados com uma gratificação em caso de vitória na eleição, procedimento usual no âmbito de contratos advocatícios, não se evidenciando vedação de sua aplicabilidade também para o contrato de prestação de serviços contábeis.

Conforme leciona Fernanda Tartuce, “a principal distinção entre a cláusula quota litis e a ad exitum reside no fato de que nesta a remuneração não está condicionada ao sucesso, mas, sim, que, no caso de êxito, o advogado receberá um valor adicional. Assim, usualmente se tem a cláusula quota litis em situação na qual o cliente não tem condições financeiras para arcar com os honorários. Já na cláusula ad exitum, essa pode não ser a hipótese, mas uma opção considerando o risco da demanda e a conveniência na contratação do advogado dessa maneira”. Segundo os ensinamentos da autora, não há que se falar em nova contraprestação para o pagamento do êxito, pois este, quando acordado, será devido pelos serviços já contratados:

Como já exposto, em algumas situações existe a confusão entre a cláusula quota litis e a cláusula ad exitum. Tal ocorre porque em ambas encontramos a remuneração vinculada ao sucesso da demanda. A diferença essencial está no fato de que na contratação com a cláusula ad exitum não se estipula uma remuneração condicionada ao sucesso, ou seja, tal cláusula não significa que o cliente nada deve pagar em caso de insucesso, mas sim que haverá um acréscimo no pagamento pelo êxito. (TARTUCE, Fernanda; Dellore. Luiz. Manual de prática civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Metodo, 2018, p. 639-64).

 

Paulo Lôbo, ao tratar da cláusula quota litis, assinala seu entendimento no sentido de que a disposição deve ser evitada por não contribuir para a dignidade da advocatícia, e acrescenta que o Estatuto da OAB silencia quanto ao instituto, havendo disposição apenas no art. 50 do Código de Ética e Disciplina da OAB (LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 177 – 178).

Especificamente sobre a cláusula de êxito e a desnecessidade de realização de novos serviços para o seu pagamento, Gisela Gondin Ramos refere que “a chamada ‘taxa de sucesso’, muito utilizada nos dias de hoje, não se insere no conceito de quota litis, e já era prevista no Estatuto e Código de Ética anteriores, quando permitia a contratação de honorários variáveis segundo o resultado conseguido, ou consistentes em percentagem sobre o valor líquido auferido pelo cliente em decorrência dos serviços profissionais”. Transcrevo a posição da doutrinadora sobre essa modalidade de contratação:

Considerando-se que os serviços de advocacia inserem-se nos conceitos de obrigações de meios, e não de resultados, não vemos óbice algum à contratação de honorários suplementares, sob a forma de percentuais previamente ajustados com o cliente, tal e qual as denominadas ‘taxas de sucesso’, ou qualquer outra denominação similar que lhes seja dada” (RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da advocacia: comentários e jurisprudência selecionada. 7. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 393).

 

De se ressaltar que, na jurisprudência, a inclusão de cláusula de êxito nos contratos de prestação de serviços advocatícios relativos ao trabalho em contratações regidas pelo Direito Público tem sido considerada regular:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO. DIREITO ADMIRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ICMS ECOLÓGICO. SERVIÇO TÉCNICO E SINGULAR. ESPECIALIZAÇÃO TÉCNICA. CONTRATO AD EXITUM COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(...)

4. A questão acerca dos contratos com cláusula ad exitum com a administração pública ainda não é pacífica, no entanto, o Tribunal de Contas da União adotou posicionamento permissivo a aplicação de cláusula de êxito. Precedente Acórdão 2684/2008 Plenário. Assim, é possível a Administração Pública contratar escritórios de advocacia para prestação de serviços prevendo pagamento dos honorários contratuais com cláusula de risco, desde que não fique configurado desproporcionalidade entre o serviço prestado e a porcentagem fixada.

5. Recurso conhecido e provido.

(TJPI – Apelação Cível Nº 0800243-79.2019.8.18.0029 | Relator: Joaquim Dias De Santana Filho | 6ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO | Data de Julgamento: 25/02/2022) (Grifei.)

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Município de Guarulhos - Preliminar de prescrição afastada – Imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário fundadas em improbidade administrativa – Cerceamento de defesa – Inexistência – A dilação probatória pode ser dispensada se e quando o Juiz entender que a prova já produzida nos autos é suficiente para a solução da lide, sem que isto caracterize cerceamento de defesa – Mérito - Contratação que foi "ad exitum" e produziu o resultado almejado, desbordando em aumento do índice de participação do Município na arrecadação do ICMS - Realidade fática que não evidencia desonestidade, abuso, fraude ou má-fé passíveis de punição – Conduta ímproba não caracterizada – Ausência de comprovação da efetiva lesão ao erário. Recursos providos para o fim de julgar improcedente o pedido inicial.

(TJSP – Apelação Cível 0024255-83.2010.8.26.0224; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarulhos - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/11/2019; Data de Registro: 19/11/2019) (Grifei.)

 

Anoto, ainda, ser necessário considerar a máxima prevista nos arts. 112 e 113 do Código Civil, no sentido de que os contratos devem ser interpretados conforme a intenção comum das partes neles consubstanciada, atentando-se à boa-fé e aos usos do lugar de sua celebração.

Na hipótese dos autos, restou clara no feito a intenção dos contratantes de que fosse considerado como valor final e integral pelos serviços contratados o montante de R$ 180.000,00 para as advogadas e de R$ 130.000,00 para o contador.

Esse valor total estava previsto desde o início da contratação, quando formalizado o documento, e o pagamento foi vinculado entre o trabalho que seria desempenhado por advogadas e contador durante a campanha, e não a um trabalho externo aos contratos, e o evento futuro elegido em comum acordo entre as partes: a vitória no pleito.

Nesse ponto, adoto a lição de Judith Martins-Costa ao ensinar que da conjugação entre os arts. 112 e 113 do Código Civil tem-se que “o sentido literal da linguagem é um dos meios – na realidade, o ponto de partida – para a interpretação dos negócios jurídicos, pelo qual se inicia o reconhecimento do sentido de uma determinada cláusula contratual, embora a consubstanciação referida no texto legal não esteja restrita a esse elemento” e que “a intenção comum das partes é o postulado normativo de toda interpretação contratual” (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 493-494).

Nessas circunstâncias, entendo ser equivocada a interpretação de que “não houve uma contraprestação de serviço adicional” e de que é irregular o pagamento da cláusula com recursos do FEFC por se tratar de “uma despesa adicional”. Ora, a despesa já estava prevista, não se tratou de gasto adicional, e o trabalho a ela vinculada foi estabelecido para os serviços advocatícios e de contabilidade.

Não houve inovação alguma na contratação. Desde o início foi estabelecido de forma consensual um valor em caso de êxito eleitoral no pagamento de uma parte dos honorários convencionais.

Ademais, conforme vem sendo sustentado pela defesa ao longo da tramitação do feito, o art. 35, inc. VII, c/c os §§ 3o e 4o, da Resolução TSE n. 23.607/19 autoriza o pagamento de honorários advocatícios e contábeis com verbas do FEFC, e a “remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos”:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;

(...)

§ 3º As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 4º).

§ 4º Para fins de pagamento das despesas de que trata o parágrafo anterior, poderão ser utilizados recursos da campanha, da candidata ou do candidato, do Fundo Partidário ou do FEFC (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 5º).

(...)

 

Assim, resta claro que os contratantes optaram por bonificar seus contratados pelo exato e efetivo trabalho realizado durante a trajetória para alcançar o cargo pretendido, com a inclusão de cláusula de êxito na contratação e previsão de seu pagamento em quantia certa, não havendo irregularidade alguma na utilização de recursos públicos para tal fim porque o pagamento se refere aos serviços que foram prestados e encontraram reflexo, ainda que indireto, no resultado do pleito.

A linha de sustentação do órgão técnico e da Procuradoria Regional Eleitoral ensejariam uma interpretação não condizente com a espécie vertente, eis que a exigência de comprovação de serviço específico e suplementar daria a ideia de que haveria a necessidade de uma segunda contratação.

Nada mais se fez, no caso, do que diferir o total inicialmente ajustado para pagamento ao final de uma parte desse montante vinculado a um evento futuro e incerto; de gizar que essa parcela final, do mesmo contrato, poderia não existir caso o evento (sucesso no pleito), livremente escolhido pelas partes como critério de tal pagamento, não ocorresse; ou seja, tanto as advogadas, como o contador aceitaram correr o risco de receber menos do que havia sido originalmente pactuado, caso não se implementasse a condição.

E não há como mensurar ou aquilatar qual foi o verdadeiro benefício que o trabalho de tais profissionais trouxe ao êxito eleitoral; os serviços são de meio, não de resultado. Poderiam as partes ter contratado que o valor dos honorários seria pago na integralidade contratada, pelos serviços que viriam a ser realizados, sem vincular qualquer parcela futura a qualquer êxito.

Portanto, após muito refletir sobre a matéria, concluo que a legislação eleitoral não veda que o pagamento de honorários por serviços advocatícios e contábeis relativos à cláusula de êxito – devidamente prevista no contrato de prestação de serviços – seja realizado com a utilização de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral (FEFC).

Desse modo, afasto o apontamento de irregularidade nesse ponto.

Por fim, anoto que o órgão técnico apontou indícios de possível irregularidade quanto a um fornecedor, em razão do baixo número de empregados e devido ao cancelamento de diversas notas fiscais.

Os indícios não necessariamente caracterizam falha nas contas, foram levados a conhecimento da Procuradoria Regional Eleitoral, na forma do art. 91 da Resolução TSE n. 23.607/19, e não representam irregularidade nas contas.

Durante a tramitação, a Procuradoria Regional Eleitoral também indicou indício de irregularidades, especificamente quanto à possível falha nos contratos firmados com empresas responsáveis pela realização do serviço de militância de rua, no que se refere à aparente incapacidade operacional das empresas e à formalização de contratos de trabalho em desacordo com a legislação eleitoral.

Todavia, a questão foi minuciosamente examinada pela unidade técnica, a qual concluiu que os apontamentos foram revisados à luz dos procedimentos técnicos de exame definidos pelo TSE e são considerados formalmente regulares, não tendo sido evidenciada mácula nos contratos de terceirização dos serviços de militância.

O órgão técnico considerou ter sido comprovada a capacidade operacional dos fornecedores, os quais prestaram serviços a outras candidaturas neste pleito, e informou que a contratação indireta de pessoal por pessoa jurídica está sujeita à legislação trabalhista e previdenciária específica, diferentemente da contratação direta efetuada pelos candidatos, hipótese na qual são exigidos os documentos da esfera eleitoral para a comprovação dos gastos.

Observa-se que, após a derradeira manifestação técnica, a Procuradoria Regional Eleitoral não invocou como falhas nas contas os indícios de irregularidade que foram considerados regulares pelo órgão técnico, e concluiu tão somente “que deve ser mantida a conclusão externada no item 4.1.1 do Parecer Conclusivo, no sentido da constatação de irregularidades na comprovação da aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no valor total R$ 65.000,00 - sendo R$ 30.000,00 referente aos serviços advocatícios e R$ 35.000,00 referente aos serviços contábeis - estando sujeitos à devolução ao Erário na forma do art. 79, § 1º da Resolução TSE n. 23.607/2019. O mesmo ocorre em relação aos recursos de origem não identificada (item 3.3 do Parecer Conclusivo), os quais totalizam R$ 6.057,16, com o registro de que a devolução dessa segunda quantia ao erário já foi realizada (IDs 45371818 e 45371819)”.

Em conclusão, tenho que a única impropriedade existente refere-se aos recursos de origem não identificada de R$ 6.057,16, já recolhidos ao erário (IDs 45371818 e 45371819), que representam 0,14% do total das receitas arrecadadas (R$ 4.253.757,43).

Considerando que na sessão de 13.12.2022, este Tribunal, por unanimidade, concluiu pela aprovação sem ressalvas da PCE n. 0603320-49.2022.6.21.0000, da relatoria do ilustre Des. Eleitoral José Vinícius Andrade Jappur, em alinhamento à diretriz traçada recentemente pelo TSE no julgamento de aprovação integral da PCE n. 0601604-21.2022.6.00.0000, relativa às contas dos candidatos eleitos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, nas quais havia impropriedades de 0,14%, percentual idêntico ao destes autos, entendo que, por critério de isonomia, e à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, devem as presentes contas ser aprovadas sem ressalvas.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação das contas com base no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da fundamentação.