ED no(a) Rp - 0603617-56.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/12/2022 às 09:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas:

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

Mérito

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil, aplicado aos feitos eleitorais por força do disposto no art. 275, caput, do Código Eleitoral.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para a embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

No caso dos autos, da leitura da peça recursal, percebe-se o intuito dos embargantes de ver rejulgada a matéria ventilada em irresignação.

Contudo, cabe enfatizar que a presente via processual não admite a pretendida rediscussão dos fatos e provas dos autos, não constituindo, o inconformismo das partes com a decisão judicial, omissão apta a legitimar a oposição de aclaratórios.

Ocorre que, ainda que embargantes e embargados sustentem a possibilidade de renúncia do direito sobre o qual se fundava a ação, instituto disposto no art. 487, inc. III, al. “c”, do CPC, o aresto foi nítido ao indicar que a “apuração de ilícitos eleitorais constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações”.

Nessa linha de intelecção, ainda que os embargantes busquem a extinção do feito com resolução de mérito, lastreado no art. 487, inc. III, al. “c”, do CPC, a matéria tratada no feito refoge à sua alçada discricionária.

Segue ementa de aresto a ilustrar o entendimento aqui exposto:

RECURSO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM AIJE. DESISTÊNCIA DO DIREITO SOBRE O QUAL SE FUNDA A AÇÃO. HOMOLOGAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE. TÉRMINO DOS MANDATOS. REJEITADA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MPE PARA ASSUMIR O POLO ATIVO DA DEMANDA. INOCORRÊNCIA. REJEITADA. MÉRITO. DESISTÊNCIA DO DIREITO PELOS INVESTIGANTES. IMPOSSIBILIDADE. INTERESSE PÚBLICO. MOMENTO INOPORTUNO. DESINTERESSE DA PARTE NA TITULARIDADE DA AÇÃO. ASSUNÇÃO DO POLO ATIVO PELO MPE. DEFERIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1.O término do mandato não enseja a perda do objeto da AIJE, porquanto a multa e a inelegibilidade podem ser aplicadas independentemente de eventual cassação de registro ou diploma. Precedentes do TSE. Preliminar rejeitada. 2.Ausente a preclusão, uma vez que o Ministério Público Eleitoral já havia impugnado a matéria em questão. Prejudicial de mérito rejeitada. 3.Na dicção do art. 127 da Constituição da Republica de 1988 e do art. 22 da Lei Complementar 64/90 é legítima a pretensão da Ministério Público Eleitoral na assunção o polo ativo da demanda, no caso de desistência da AIJE ou de desídia da parte autora. 4.A renúncia ao direito é incompatível com os bens jurídicos tutelados pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral e pela Representação por conduta vedada. E, nos termos do § 5º do art. 485 do Código de Processo Civil, a desistência da ação é permitida somente até a prolação da sentença. 5.Constatada a intenção da parte em desistir do feito, com sua inevitável desídia, a assunção do polo ativo pelo Ministério Público Eleitoral é medida que se impõe. Agravo provido.

(TRE-MG - RE: 00004957820166130045 BOM DESPACHO - MG 000049578, Relator: Des. Mauricio Torres Soares, Data de Julgamento: 17/11/2021, Data de Publicação: 29/11/2021)

 

Por percuciente, transcrevo  trecho do acórdão supracitado:

“cabe ressaltar que o Direito Eleitoral, como ramo do Direito Público, tem o importante papel de regulamentar os direitos políticos e o processo eleitoral, objetivando garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, a fim de viabilizar, em última análise, a democracia.

Destarte, é de se concluir que as normas eleitorais abarcam interesse de todos os cidadãos brasileiros e não somente das partes legitimadas a questioná-los em juízo. Nesse sentido, pode-se dizer que o Direito Eleitoral se assemelha aos direitos coletivos, ante suas características de transindividualidade e indivisibilidade.

Logo, como exposto pela PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em suas razões recursais:

“(..) a renúncia ao direito é incompatível com os bens jurídicos protegidos pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral e pela Representação por conduta vedada. Conforme lições de José Jairo Gomes, os bens tutelados na ação ora em curso são a "legitimidade, normalidade e sinceridade das eleições" (abuso de poder político) e a "igualdade de chances na disputa e moralidade administrativa" (condutas vedadas).

Nesse sentido, não se trata de direitos titularizados pela parte, dos quais ela poderia dispor, em renúncia ao direito no qual se funda ação. Com efeito, os bens jurídicos que se pretende proteger com o sancionamento do abuso de poder não têm caráter privatista e não são disponíveis.”

Consequentemente, não é facultado à parte renunciar ao direito que fundamenta as ações eleitorais, uma vez que não é detentora de sua titularidade exclusiva.

Nesse sentido, fica evidenciado que a alínea c do inciso III do art. 487 do Código de Processo Civil não se aplica ao Direito Eleitoral, em razão de sua incompatibilidade sistêmica, conforme dispõe o art. 2º da Resolução TSE nº 23.478/2015, verbis:

“Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.

Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.”

 

No que toca ao alegado não enfrentamento do mérito sobre a legalidade do material distribuído, sem razão os embargantes, igualmente, visto que consta do acórdão, modo cristalino, o entendimento no sentido da ilegalidade das peças publicitárias, na medida em que atribuem a pecha de “racista” ao candidato Onyx Lorenzoni, diante do seu silêncio quanto à manifestação do cantor Seu Jorge apontando tratamento racista para com ele durante apresentação em clube na cidade de Porto Alegre.

Colaciono fragmento do aresto em que enfrentada a matéria:

A contestação pretende trazer raciocínio de que a publicidade objetivou apenas dar relevo a um suposto silêncio de parte de Onyx Lorenzoni em um episódio ocorrido com o artista “Seu Jorge”, ao se apresentar em clube da capital gaúcha. O fato teve repercussão nacional e, de fato, há comprovação de que Eduardo Leite repudiou expressamente as – de fato absolutamente reprováveis e lamentáveis – condutas de alguns espectadores da referida apresentação.

Ocorre, todavia, que os representados olvidaram – habilmente e talvez porque lhes convinha, de que a referência à “vergonha nacional – Seu Jorge grava um vídeo contando que foi ofendido por gritos racistas em show realizado em Porto Alegre. Eduardo lamentou, Onyx calou” (na própria contestação, ID 45204581, fl. 07) veio acompanhada, na mesma página do “jornal”, da afirmação “Uma onda de intolerância, racismo, ódio, homofobia e crueldade” canto superior esquerdo, aliás, em letras bem maiores, em nítida posição de destaque (petição inicial, ID 45185382, fl. 02).

Ou seja, a ilicitude não reside em afirmar que “Onyx calou”, mas sim em vincular o calar à prática de racismo, como nitidamente se procedeu.

A página do “jornal” (a última do impresso, contracapa) é toda dedicada a traçar uma “linha de tempo de um político” (com foto de Onyx Lorenzoni) “que não merece confiança”, e atribuiu ao então adversário, sem margem a dúvidas, a pecha de intolerante, cruel, portador de ódio, homofóbico e racista, adjetivo este último que é grave, porque fundamentalmente não pode ser atribuída a alguém a prática de racismo, ao ter silenciado sobre determinada situação (a qual, ao que tudo indica, Onyx sequer tenha presenciado). O adágio popular “quem cala, consente” há de permanecer exatamente nos locais de senso comum, e não no debate político, mormente quando se presta a exercer raciocínio para atribuir a alguém a prática de crime grave como o racismo. O direito fundamental à liberdade de expressão abrange, obviamente, o direito a não se manifestar.

Ou seja, entendo, no mérito, pela confirmação da concessão de tutela de urgência, diante da clara prática de desinformação na propaganda eleitoral mediante a divulgação de fato gravemente descontextualizado, não fidedigno, nos termos do artigo 9º da Resolução TSE n. 23.610/2019, incluído pela Resolução TSE n. 23.671/2021.

(…)

Diante do exposto, confirmo a medida liminar, julgo parcialmente procedente a demanda e aplico a multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por descumprimento da ordem de proibição imediata da distribuição do material tido como ilícito.

 

A título de desfecho, ainda que os embargantes entendam omisso o aresto objeto dos aclaratórios, na medida em que sua ementa, no item 1, não faz alusão expressa à sua irresignação quanto à legalidade do material impresso, o cabeçalho deixa claro que o apelo também contempla a propaganda irregular:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PARCIALMENTE PROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRELIMINAR. INDEFERIDO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO. SIMPLES REITERAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS. REDUZIDO O VALOR DA MULTA. PROVIMENTO PARCIA.

 (Grifei.)

 

Logo, a insurgência dos embargantes traduz desdobramentos argumentativos sobre temas abarcados pela fundamentação do acórdão, voltando-se às conclusões alcançadas por este Regional, a partir do exame de todos os elementos essenciais ao deslinde da controvérsia, devendo, nessa esteira, caso seja do interesse das partes, ser veiculada em recurso próprio dirigido à superior instância.

Por fim, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, nada obstante o juízo de rejeição dos aclaratórios, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a embargante suscitou para esta finalidade.

Desse modo, diante da ausência de qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão, deixo de acolher a pretensão recursal.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos por COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE (FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA, MDB, PSD, PODEMOS, UNIÃO BRASIL) e os candidatos EDUARDO LEITE e GABRIEL SOUZA, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.