HCCrim - 0600272-82.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/12/2022 às 10:00

VOTO

Cuida-se de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar, impetrado por ROBSON ESEQUIEL TEICHMANN, em favor de CELITO DILSON SAUSEN, devido à designação de audiência para proposição do benefício da transação penal, nos autos do Inquérito Policial n. 0600056-20.2021.6.21.0045.

O impetrante, preliminarmente, buscava a suspensão da realização da audiência, e, no mérito, pretende a concessão do trancamento da “ação penal”, tendo em vista que a autoridade policial instaurou inquérito com o fito de apurar a prática do crime eleitoral previsto no art. 312 do Código Eleitoral.

Foi juntada aos autos a promoção ministerial (ID 45009986), onde se verifica que:

Trata-se de Inquérito Policial instaurado pela Delegacia de Polícia Federal de Santo Ângelo para apurar a prática de delito eleitoral, capitulado no artigo 312 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), ocorrido na data de 15 de novembro de 2020, figurando como autor do fato CELITO DILSON SAUSEN, decorrente do fato de, como eleitor, ter fotografado/filmado o momento em que votava.

Como se sabe, a matéria em análise encontra-se disciplinada do artigo 91 – A da Lei nº 9.504/97 e no artigo 312 da Lei nº 4.737/65, in verbis:

“Art. 91-A. No momento da votação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documento de identificação com fotografia.

Parágrafo único. Fica vedado portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Art. 312. Violar ou tentar violar o sigilo do voto:

Pena - detenção até dois anos.”

Vê-se que, não obstante a proibição legal de o eleitor portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação, inexiste penalidade para o ato de fotografar ou filmar a urna no momento da votação, configurando crime eleitoral apenas a conduta que viola ou tenta violar o sigilo do voto.

No caso vertente, o agir do citado eleitor revela-se típico, porquanto, além de registrar o momento em que confirmou o voto, fotografando/filmando a imagem de um candidato na urna, revelou ou divulgou seu voto a terceiro, qual seja, ao próprio candidato votado, remetendo-lhe cópia da fotografia/filmagem produzida, consoante o mesmo declarou diante da autoridade policial (vide Termo de Declarações nº 2412910/2021).

De modo que, à primeira vista, resta caracterizada a prática do delito elencado no artigo 312 do Código Eleitoral.

 

O impetrante sustenta que “o constrangimento ilegal decorre da atipicidade da conduta do paciente, que limitou-se a tirar uma fotografia dentro da cabine eleitoral de seu próprio voto quando efetuava a digitalização de seu candidato, para confirmar com o seu amigo de infância que teria votado nele, sem qualquer intenção de praticar qualquer delito penal”.

Após o indeferimento do pedido de suspensão da audiência designada, sobreveio informação do juízo impetrado no sentido de que o “MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL atravessou petição nos autos (ID 101624670) ofertando ao autor do fato o benefício da transação penal insculpido no art. 72 da Lei nº 9.099/95. Designada audiência com esse propósito, restou não aceita pelo mesmo e sua defesa técnica (ID 107314138)".

Pois bem, o art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição Federal estabelece que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Ao indeferir o pleito liminar consignei que, em relação ao art. 312 do Código Eleitoral e à situação descrita nos autos, “a atipicidade da conduta é questão controversa e, na via do habeas corpus, em sede de liminar, inviável o trancamento pretendido (…)”.

Mesmo ciente da existência de decisões que amparam as pretensões do impetrante, também é possível localizar precedentes que reconhecem a tipicidade da conduta, podendo ser mencionado, por ilustrativo, o julgado do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás que já foi apontado e que cumpre aqui mencionar:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ELEITORAL. CRIME ELEITORAL. DOCUMENTAR O PRÓPRIO VOTO COLHIDO NA URNA ELETRÔNICA. FOTOGRAFAR A URNA NO MOMENTO DA VOTAÇÃO. VIOLAÇÃO DO SIGILO DO VOTO. TIPICIDADE DA CONDUTA. ART. 312 DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME COMUM. BEM JURÍDICO TUTELADO: O SIGILO DO VOTO E SUA LIBERDADE. DUPLA SUBJETIVIDADE PASSIVA: O ESTADO E O REGIME DEMOCRÁTICO. ATINGE–SE A LISURA DO PROCESSO ELEITORAL DE VOTAÇÃO. PRECEITO FUNDAMENTAL. ART. 14, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CLÁUSULA PÉTREA. PROPICIA O RETORNO DO VOTO DE CABRESTO, A COAÇÃO E A CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO.

1. No decorrer da Primeira República, fase em que o voto se dava de forma aberta, o voto de cabresto foi organizado para ser o sistema tradicional de controle político. Naquela situação, os eleitores podiam ser fiscalizados e pressionados a votarem em candidatos indicados por aqueles que tinham interesse em manipular a sua vontade, corrompendo o sistema eleitoral, garantidor da democracia. A intimidação física e o recurso à violência eram comuns.

2. A partir da instituição do voto secreto, almejou–se estabelecer garantias, a fim de que o processo eleitoral pudesse atingir seu objetivo primordial: Assegurar o regime democrático. O sigilo do voto assegura a probidade e a lisura do processo eleitoral, ao passo que busca evitar a coação e a captação ilícita de sufrágio.

3. No julgamento da ADI 4543, o Excelso Pretório, preocupado com a possibilidade de o sigilo do voto ser quebrado por meio de sua impressão, por meio do voto da Ministra Cármen Lúcia, assentou que "o segredo do voto foi conquista impossível de retroação", e "a quebra desse direito fundamental – posto no sistema constitucional a partir da liberdade de escolha feita pelo cidadão, a partir do artigo 14 – configura afronta à Constituição". Eventual vulneração do segredo do voto, também comprometeria o inciso II do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal – cláusula pétrea – o qual dispõe que o voto direto, secreto, universal e periódico não pode ser abolido, sequer por proposta de emenda constitucional. A urna é o espaço de liberdade mais seguro do cidadão. "Nada lhe pode ser cobrado, dele não se pode exigir prova do que foi feito ou do que tenha deixado de fazer". "Não é livre para votar quem pode ser chamado a prestar contas do seu voto, e o cidadão não deve nada a ninguém, a não ser a sua própria consciência". A Ministra Cármen Lúcia ressaltou que a cabine de votação garante ao cidadão uma "escolha livre e inquestionável por quem quer que seja".

4. Ao apreciar medida cautelar na ADI 5889, o C. Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Ministro Alexandre Moraes, registrou que "a Democracia exige mecanismos que garantam a plena efetividade de liberdade de escolha dos eleitores no momento da votação, condicionando a legítima atividade legislativa do Congresso Nacional na adoção de sistemas e procedimentos de escrutínio eleitoral que preservem, de maneira absoluta, o sigilo do voto (art. 14, caput, e art. 60, § 4°, II, da CF)".

5. Naquele julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes consignou que "o direito de sufrágio, no tocante ao direito de eleger (capacidade eleitoral ativa), e exercido por meio do direito de voto, instrumento de exercício do direito de sufrágio, que e um direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social de soberania popular na democracia representativa. Assim, a natureza do voto também se caracteriza por ser um dever sociopolítico, pois o cidadão tem o dever de manifestar sua vontade" [¿] "o sigilo do voto e, consequentemente, a liberdade de escolha, emergem como características que devem ser garantidas antes, durante e depois do escrutínio, afastando–se qualquer potencialidade de identificação do eleitor". Asseverou que "a legislação eleitoral deve estabelecer mecanismos que impeçam que se coloque em risco o sigilo da votação, pois eventual possibilidade de conhecimento da vontade do eleitor pode gerar ilícitas pressões em sua liberdade de escolha ou futuras retaliações"

6. Para assegurar o sigilo do voto, o seu registro é realizado de forma aleatória, sem a identificação do eleitor. As assinaturas digitais dos sistemas de informática e a lacração destes sistemas são realizadas na presença de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público e dos partidos e coligações, em cerimônia pública. Audiência pública é convocada para a geração de mídias e verificação dos dados e fotos dos candidatos. A urna eletrônica fica sob a guarda e proteção da Polícia, após a lacração até o início da votação. É realizada votação paralela, com intuito de verificar a regularidade do processo de votação.

7. A infração cível–eleitoral expressa no art. 91–A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, não exclui o delito previsto no art. 312 do Código Eleitoral, assim como, v.g, a Captação de Sufrágio prevista no art. 41–A da Lei das Eleições não inviabiliza o reconhecimento da prática do crime de Corrupção Eleitoral, capitulado no art. 299 do Código Eleitoral, ou seja, eventual prática de infração de natureza cível não exclui o crime eventualmente praticado.

8. No caso dos autos, diante da proteção constitucional conferida ao voto secreto, reafirmada em recentes julgados do STF (ADI 4543 e 5889), afirma–se que é vedado a qualquer pessoal, inclusive ao próprio eleitor, registrar documentalmente a votação lançada na urna eletrônica, não podendo, naturalmente, fotografar seu voto. A defesa do sigilo do voto não assegura apenas o direito ao sigilo daquele eleitor que pretende revelar o seu voto, mas de tantos quantos potencialmente se tornariam vulneráveis à coação, diante da possibilidade de se trazer o voto de cabresto aos dias atuais. O voto secreto é um poder–dever de cada eleitor. Entender de modo diverso potencializa um contexto que favorece a coação e a corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), sem contar a possibilidade de nulidade da votação (art. 220, IV, do Código Eleitoral). Contudo, não se está a dizer que o eleitor não poderia, sequer, falar o seu voto ou comentar a intenção de votar em certo candidato. A manifestação da intenção de votar em determinado candidato não deve ser confundida com o registro documental da votação. Assegura–se, portanto, que o eleitor poderá dizer que votou neste ou naquele candidato, ao ser questionado por quem quer que seja, sem, contudo, que seja revelada a votação colhida pela urna eletrônica.

9. A avaliação que se faz é de que o registro documental do voto viola direito fundamental do sigilo assegurado pela Constituição Federal, conquista inconcebível de retroação. Assim, consentir que o próprio eleitor faça o registro de sua votação (fotografar no interior da cabine) representa ameaça à livre escolha do eleitorado como um todo, colocando em risco a probidade e a lisura do processo eleitoral, por fim, da democracia, a qual exige mecanismos que garantam a plena efetividade de liberdade de escolha dos eleitores no momento da votação.

10. Sentença que decretou a absolvição sumária do acusado cassada, a fim de determinar o retorno dos autos à instância de origem para regular processamento.

11. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(RECURSO CRIMINAL nº 060001322, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Eduardo de Sousa, Publicação: DJE - DJE, Tomo 38, Data 03/03/2021, Página 0)

 

De fato, o argumento no sentido de que a “defesa do sigilo do voto não assegura apenas o direito ao sigilo daquele eleitor que pretende revelar o seu voto, mas de tantos quantos potencialmente se tornariam vulneráveis à coação, diante da possibilidade de se trazer o voto de cabresto aos dias atuais. O voto secreto é um poder–dever de cada eleitor”, é respeitável, de maneira que não vejo como caracterizado constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao julgador e pode dar ensejo ao trancamento da ação penal pela via do habeas corpus.

A estas razões também são acrescidos os fundamentos trazidos pelo douto Procurador Regional em seu parecer, os quais a seguir transcrevo, adotando-os também como razões de decidir:

[…]

No caso dos autos, importa inicialmente referir que, diferentemente do que constou na petição inicial, inexiste ação penal em curso mas, tão somente – conforme esclareceu o juízo impetrado – “expediente investigativo” (possivelmente termo circunstanciado), no bojo do qual o MPE “atravessou petição (...) ofertando ao autor do fato o benefício da transação penal insculpido no art. 72 da Lei 9.099.95.

Hipoteticamente, é possível a concessão de ordem de habeas corpus contra lavratura de termo circunstanciado ou instauração de inquérito policial, objetivando, em última análise, o trancamento do expediente apuratório.

Todavia, conquanto cabível, “o trancamento de inquérito policial, por meio da via estreita do habeas corpus, somente é possível quando, de plano, se constata ilegalidade ou teratologia capazes de suprimir a justa causa para o prosseguimento do feito, o que ocorre nas hipóteses de atipicidade da conduta descrita na denúncia, ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou quando presente causa extintiva da punibilidade” (TSE, HC nº 1068-88, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJe de 5.12.2014).

No caso sob análise, o impetrante alega atipicidade da conduta do eleitor que fotografou o momento em que registrou seu voto na urna eletrônica, assim como do ato subsequente pelo qual divulgou a imagem para seu amigo, candidato e destinatário do voto.

O art. 103 do CE c/c arts. 59 a 62 da LE dispõem sobre o sigilo do voto, prevendo, dentre outras medidas, o isolamento do eleitor em cabina indevassável.

Complementarmente, o art. 91-A, parágrafo único, da LE preceitua que: “Fica vedado portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação”.

Finalmente, o art. 312 do CE considera crime, punível com detenção até dois anos, “violar ou tentar violar o sigilo do voto”. Embora seja certo que expressar publicamente intenção de voto, por si só, não configure o crime em comento, “a conduta de eleitores que – após ter concretizado o voto – divulgam fotografia ou vídeos, em rede social, tornando público e levando ao conhecimento de terceiro o conteúdo de seu próprio voto” consubstancia tema que, nas palavras de Rodrigo López Zilio, “tem suscitado intenso debate sobre o enquadramento jurídico”.

Prossegue o autor (com grifos nossos):

Como o sigilo do voto é um direito ou garantia do próprio eleitor, não há contrariedade ao ordenamento jurídico na conduta do eleitor que – sem qualquer espécie de condicionamento ou sugestionamento – tão somente revela a terceiro conteúdo de seu voto. A doutrina converge no sentido de reconhecer como conduta penalmente atípica o fato de o eleitor revelar o seu voto em momento posterior ao seu exercício. Nada obstante o TSE não tenha, por seu colegiado, analisado a subsunção da conduta de eleitor que divulga seu voto através de publicação em rede social, existe uma tendência dos Regionais em anotar a atipicidade dessa conduta. Desse modo, é lícito concluir que a divulgação de voto efetuada pelo próprio eleitor, em momento posterior ao seu exercício, é conduta atípica sob a ótica do art. 312 do Código Eleitoral, ressalvada a possibilidade de, em face à circunstância do caso concreto, a ação ser tipificada sob a ótica do crime de propaganda eleitoral no dia da eleição (art. 39, § 5º, incisos III e IV, da Lei n. 9507/1997).

O tipo mencionado tem a seguinte redação (com grifos nossos):

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia. (Vide ADIN 5970)

(…)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(…)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de

2009)

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente. (Incluído dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

A partir das anotações de Zílio, percebe-se que a questão da alegada atipicidade da conduta de quem divulga imagem extraída do interior da cabine de votação, ainda que do seu próprio voto, não é singela ao ponto de autorizar, de plano, sem análise pormenorizada das circunstâncias do caso, o trancamento do expediente apuratório.

No caso, pela descrição dada pelo impetrante, sequer está clara a forma como a imagem foi divulgada a terceiro, tampouco se se tratou de divulgação para uma única pessoa (o suposto amigo candidato) ou para um grupo de pessoas determinadas ou indeterminadas; se no próprio dia da votação ou em data subsequente.

Ainda que a divulgação tenha se dado apenas em relação ao destinatário do voto, importa trazer à colação as ponderações feitas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, no julgamento do Recurso Criminal 0600013-22.2019.6.09.0002, para quem:

A defesa do sigilo do voto não assegura apenas o direito ao sigilo daquele eleitor que pretende revelar o seu voto, mas de tantos quantos potencialmente se tornariam vulneráveis à coação, trazendo o voto de cabresto aos dias atuais. O voto secreto é um poder-dever de cada eleitor. [grifou-se]

Entender de modo diverso potencializa um contexto, v.g., em que moradores de comunidades populacionais seriam coagidos por milicianos e traficantes a votar em determinado candidato, e compelidos a comprovar o fato por meio do registro fotográfico do voto. Igualmente favorece a corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), sem contara possibilidade de nulidade da votação (art. 220, IV, do Código Eleitoral).

Evidentemente, a análise de aspectos dessa natureza, no caso concreto, exige a instrução do expediente investigativo, o que não será possível caso obstada, prematuramente, a apuração por ordem de habeas corpus. (Grifei.)

[...]

 

Desse modo, da análise do expediente não verifiquei a existência de ilegalidade ou abuso de poder que pudessem conduzir à concessão da ordem de habeas corpus.

Reforço que o trancamento de inquérito policial e/ou ação penal em sede de habeas corpus somente é cabível em situações excepcionais, apenas naquelas que não demandarem valoração probatória.

Nessa perspectiva, a discussão acerca do exame quanto à alegada atipicidade é matéria que depende do correlato acervo probatório, análise na qual, como muito bem observado pelo órgão ministerial, resta limitada nos presentes autos, porquanto o impetrante não apresentou a íntegra do termo circunstanciado ou as principais peças do inquérito policial, situação impeditiva, por si só, da análise quanto à alegada atipicidade, bem como inviável a pretensão de trancamento de expediente investigativo tão somente com base na descrição fática apresentada, unilateralmente, na petição inicial.

Nessa linha, trago a consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral:

HABEAS CORPUS. ABUSO DE AUTORIDADE. NOTÍCIA-CRIME CONTRA MAGISTRADO. AUTORIZAÇÃO PARA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.

1. A intervenção prematura do Judiciário em investigação criminal, pela via estreita do habeas corpus, é medida reservada apenas para situações excepcionais, quando a ilegalidade é demonstrada de plano na impetração, mediante prova pré-constituída.

2. No caso vertente, a conclusão sobre a adequação típica dos atos imputados ao paciente depende da continuação da investigação, circunstância essa que inviabiliza a pronta aceitação da tese defensiva segundo a qual os referidos fatos confundem-se com a própria e legítima prestação jurisdicional, o que nem seria viável ante a limitação cognitiva do writ. 3. Habeas corpus denegado.

(STJ - HC: 328883 MG 2015/0157580-0, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 08/09/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2015) (Grifei.)

 

HABEAS CORPUS. ELEIÇÕES 2010. CRIMES DOS ARTS. 299 E 301 DO CÓDIGO ELEITORAL. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. APROFUNDAMENTO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. De acordo com a jurisprudência do STF, afigura-se plausível a deflagração da persecução penal pela chamada denúncia anônima, desde que seja seguida de diligências para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedentes.

2. Na espécie, o auto de apreensão e o auto de prisão em flagrante, lavrados em momento anterior à instauração do inquérito policial, comprovam a existência de diligências aptas a desencadear a persecução penal. Diante desse panorama, não há falar em constrangimento ilegal.

3. Ademais, a verificação da suposta ausência de provas do crime demandaria minuciosa análise dos elementos colhidos no curso da investigação, providência incabível na estreita via do habeas corpus, marcado por cognição sumária e rito célere.

4. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus somente é possível quando se evidenciar, de pronto, que há imputação de fato atípico, inexistência de indício da autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade, o que não se verifica na espécie. Precedentes.

5. Ordem denegada.

(TSE - HC: 87446 AP, Relator: Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 14/05/2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 145, Data 1/8/2013, Página 163/164) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. MEDIDA EXCEPCIONALÍSSIMA. ILEGALIDADES NÃO DEMONSTRADAS. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 26 DO TSE. NÃO CONHECIMENTO. SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Acre concedeu parcialmente a ordem para determinar o desentranhamento de informações, mas denegou o pedido de trancamento do Inquérito Policial 2020.0118010.

2. A investigação apura a compra de votos no pleito municipal de 2020.

3. O habeas corpus teve seguimento negado sob o fundamento de que o trancamento do inquérito policial, por meio do habeas corpus, é medida excepcionalíssima que depende da demonstração de ilegalidades e condições não presentes no caso.

4. Os agravantes repetiram os mesmos argumentos já refutados na decisão agravada, sobre a adoção da regra do art. 157, § 1º, do CPP, que consagra a ilicitude por derivação, tendo em vista que a abertura da investigação criminal estaria baseada em prova ilícita. ANÁLISE DO RECURSO

5. A repetição dos argumentos trazidos no habeas corpus em sede no agravo atrai a incidência do verbete sumular 26 do TSE.

6. A ilicitude por derivação não está comprovada, tendo em vista que as informações teriam sido disponibilizadas espontaneamente pelo noticiante do suposto fato criminoso, bem como ao fato de o referido noticiante ser integrante do grupo onde elas foram veiculadas.

7. Ainda que reconhecida a ilicitude da colheita de elemento de prova em "entrevista", os fatos foram novamente noticiados e confirmados pela interroganda, a qual, nessa nova ocasião, foi advertida do seu direito constitucional ao silêncio, de não produzir prova contra si e de ser assistida por advogado.

8. No juízo estreito de cognição que se permite em sede de habeas corpus, não está comprovado o nexo de derivação entre o ato ilegal consistente na entrevista. Nessa linha: "É inviável, em habeas corpus, o exame aprofundado de provas, conforme reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento" (RHC 85.286/SP, Segunda Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE de 24.3.2006).

9. No mesmo sentido: "Para que se reconheça a ilicitude da prova por derivação, é necessário que as provas subsequentes tenham sido obtidas em decorrência da prova ilícita inicial, o que não ficou demonstrado na hipótese dos autos" (RHC 1772–95, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 11.6.2015).

10. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "¿a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso (bem como do antecedente inquérito policial) só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria' (RHC nº 1203–89/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 31.3.2014)" (AgR–RHC 0600277–29, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 28.10.2020). CONCLUSÃO Recurso em habeas corpus não conhecido.

(HABEAS CORPUS CRIMINAL nº 060027607, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 169, Data: 31/08/2022)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. REQUISIÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 326–A E 354 DO CÓDIGO ELEITORAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DAS TESES DEDUZIDAS NAS RAZÕES DO RECURSO ORDINÁRIO. SÚMULA Nº 26/TSE. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CAUSA DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL). EXAME APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. As razões do agravo regimental evidenciam, com algum reforço argumentativo, mera reiteração das teses deduzidas no recurso ordinário. Incidência da Súmula nº 26/TSE.

2. A jurisprudência do TSE se consolidou, na esteira do entendimento pacífico do STF, no sentido de que "o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível se, de forma inequívoca, estiver comprovada, nos autos, a inépcia da denúncia, a ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade" (RHC nº 060035938/PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 24.11.2020).

3. Na espécie, não se constatam, de plano, as referidas circunstâncias excepcionais que justificariam a adoção da grave medida de trancamento do inquérito policial.

4. In casu, consignou o TRE/SC no acórdão recorrido que: (i) a requisição de instauração do inquérito policial se fundou em indícios suficientes de materialidade e autoria, ausente a constatação de causa extintiva de punibilidade; (ii) o tema relativo à falta ou à deficiência no abastecimento de água ostentou relevância central na acirrada campanha eleitoral no Município de Itajaí/SC, no pleito de 2020, o que demonstra, em tese, a finalidade eleitoral da conduta em apuração; (iii) o procedimento investiga indícios de que o laudo encaminhado ao MPE pelo paciente, na qualidade de representante da seccional da OAB naquele município, a poucos dias da data do pleito, teria sido adulterado, prática que pode eventualmente configurar o delito previsto no art. 354 do Código Eleitoral.

5. Na linha da jurisprudência do STF, "o reconhecimento de excludente de ilicitude exige o revolvimento de todo o material probatório, providência incompatível com a estreita via do writ" (AgR–HC nº 176.104/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.11.2019)

6. A pretensão recursal, calcada na tese de incidência de causa de excludente de ilicitude decorrente do cumprimento de estrito dever legal, demandaria aprofundada análise do conjunto fático–probatório dos autos, providência inviável na via sumaríssima do habeas corpus.

7. Agravo regimental desprovido.

(Recurso em Habeas Corpus nº 060053419, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 73, Data: 26/04/2021)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. DESOBEDIÊNCIA ELEITORAL. ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS SANITÁRIAS DE PREVENÇÃO À CONTAMINAÇÃO PELO CORONAVÍRUS. ART. 268 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. INOCORRÊNCIA. INDÍCIOS DA PRÁTICA DELITUOSA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus constitui medida de natureza extrema, cabível somente em casos excepcionais, quais sejam, imputação de fato atípico, extinção da punibilidade ou ausência de justa causa.

2. Na espécie, há, ao menos, indícios de prática delituosa dos crimes descritos nos arts. 347 do Código Eleitoral e 268 do Código Penal, inexistindo inequívoca ausência de justa causa.

3. A dilação probatória é providência incompatível com a via estreita do habeas corpus, não prosperando a pretensão da parte de demonstrar que não teria participado dos atos de campanha impugnados e que os fatos não se subsumem aos tipos penais referidos.

4. Agravo interno desprovido.

(Recurso em Habeas Corpus nº 060002580, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 194, Data: 21/10/2021)

 

Portanto, os elementos verificados até aqui são aptos a autorizar o prosseguimento do procedimento investigatório criminal, inexistindo ameaça concreta de restrição à liberdade de locomoção do paciente ou constrangimento ilegal a ser sanado na presente via.

À vista dessas considerações, não se vislumbram circunstâncias que, prima facie, descaracterizem o tipo penal e tampouco sustentem o pleito pelo trancamento da demanda.

Assim, deve ser denegado o pleito do impetrante.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por confirmar a decisão liminar e denegar a ordem de habeas corpus, nos termos da fundamentação.