PCE - 0602777-46.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/12/2022 às 09:00

VOTO

ENIO EGON BERGMANN BACCI, candidato eleito 3º suplente do cargo de deputado federal nas eleições 2022, apresentou sua prestação de contas, a qual é disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19.

Após o regular processamento dos dados, foi verificada a existência de dívida de campanha no valor total de R$ 131.491,30, especificado conforme segue (ID 45357131):

A fim de corrigir a falha, o prestador de contas juntou aos autos “termo de assunção de dívida, cronograma de quitação e anuência do credor”, avença celebrada com os credores (IDs 45346909, 45346911, 45346912, 45346913, 45346914, 45363231, 45363232 e 45363233) em cujo instrumento ficou consignado que a “empresa prestadora dos serviços concorda que o valor ora devido será quitado solidariamente pelo Diretório Estadual do União Brasil – RS e Candidato (a), a partir de anuência do Diretório Nacional”. Em alguns casos, constou que a “empresa prestadora dos serviços concorda que o valor ora devido será quitado solidariamente pelo Diretório Estadual do União Brasil – RS e Candidato (a), na forma do cronograma de pagamento apresentado em termo aditivo, a partir de anuência do Diretório Nacional”. Também ficou acordado que o “pagamento se dará com recursos do fundo partidário e/ou outros recursos a serem liberados pelo Diretório Nacional do União Brasil”.

Anoto que os termos foram assinados pelo candidato, pelo credor e por Germano Francisco Dalla Valentina e Luiz Carlos Ghiorzzi Busato, presidente e tesoureiro do Diretório Estadual do União Brasil.

Consigno que a anuência do Diretório Nacional do Partido Político com a assunção da dívida não foi comprovada e que os termos aditivos com os cronogramas, naquelas avenças em que mencionados, não foram juntados aos autos.

Sobre a dívida de campanha, a Resolução TSE n. 23.607/19 prevê que:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com a candidata ou o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas da candidata ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º) .

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Na hipótese, embora o órgão técnico tenha considerado sanados parte dos apontamentos, tenho que a assunção da dívida não foi perfectibilizada em razão da ausência de manifestação do órgão nacional de direção partidária.

Como bem expôs o Dr. José Osmar Pumes, Procurador Regional Eleitoral, os requisitos para assunção da dívida não foram preenchidos. Também constou no parecer ministerial relevantes considerações sobre a autorização prevista na legislação de regência, as quais agrego como razões de decidir (ID 45371897):

A autorização do Diretório Nacional é essencial para que seja mantida a higidez das contas dos Diretórios Estaduais e Municipais, evitando que estes se comprometam com valores que superem os recursos do FP e do FEFC repassados pela instância nacional, garantindo um controle global sobre a saúde financeira da estrutura partidária.

 

Ficou caracterizada, portanto, a irregularidade por inobservância do art. 33, §§ 1º a 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as despesas de campanha não foram integralmente quitadas até o prazo de entrega das contas e as dívidas remanescentes não foram assumidas pelo órgão nacional do partido.

A constatação da existência de débitos que serão quitados com valores de origem desconhecida é mácula na prestação de contas que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre os recursos utilizados na campanha eleitoral.

Acerca das consequências do reconhecimento da dívida de campanha, anoto que tenho ciência que o Tribunal Superior Eleitoral, em julgado decidido por maioria, se posicionou no sentido de que não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl n. 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).

Observo, porém, que naquele julgamento se examinava prestação de contas das eleições 2018, com aplicação da Resolução TSE n. 23.553/17.

A mencionada resolução previa que caracterizava o recurso como de origem não identificada (art. 34, § 1º):

Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

§ 2ª [...]

 

A norma de regência nas eleições 2022 – Resolução TSE n. 23.607/19 – ampliou o rol acima mencionado, ao descrever no dispositivo equivalente – o § 1º do art. 32 –, além das hipóteses previstas na resolução anterior, novas categorias de recursos de origem não identificada que podem ser reconhecidas no exame das contas de campanha, que sejam:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

II - a falta de identificação da doadora ou do doador originária(o) nas doações financeiras recebidas de outras candidatas ou de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF da doadora ou do doador pessoa física ou no CNPJ quando a doadora ou o doador for candidata ou candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução à doadora ou ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real da doadora ou do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

§ 2º [...] (Grifei.)

 

Como se percebe, a atualização do regramento atentou para as hipóteses em que a fiscalização da procedência e da licitude dos recursos que servirão de base para o pagamento das despesas pendentes possa ser comprometida, em especial, por valores que não transitem pelas contas de campanha ou empréstimos cujas quantias para quitação não tenham origem comprovada, tudo no intuito de evitar a aplicação de verbas oriundas de fontes vedadas ou doações indiretas por parte da pessoa jurídica credora.

Assim, penso que o respaldo normativo eventualmente ausente em julgados que examinavam as prestações de contas sob a ótica da Resolução TSE n. 23.553/17 veio previsto na Resolução TSE n. 23.607/19, de forma que é possível afastar a aplicação do precedente do TSE no caso dos autos.

Portanto, tenho que os recursos a serem usados para a quitação da dívida remanescente da contratação de gastos eleitorais não assumida pelo órgão nacional do partido político, por não transitarem nas contas de campanha do candidato, nos termos do inc. VI do § 1º do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, devem ser considerados como de origem não identificada, cabendo a determinação de seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Em conclusão, verifico que a irregularidade aqui detectada, no valor de R$ 131.491,30, corresponde a 38,62% da receita total declarada pelo prestador de contas (R$ 340.433,00), o que impõe a desaprovação das contas em razão do comprometimento de sua regularidade.

Ainda, com fundamento no art. 32, caput e § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser determinado o recolhimento do valor de R$ 131.491,30 (cento e trinta e um mil, quatrocentos e noventa e um reais e trinta centavos) ao Tesouro Nacional.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela desaprovação das contas de campanha de ENIO EGON BERGMANN BACCI, candidato eleito 3º suplente do cargo de deputado federal nas eleições 2022, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela imposição do recolhimento do valor de R$ 131.491,30 (cento e trinta e um mil, quatrocentos e noventa e um reais e trinta centavos) ao Tesouro Nacional.