PCE - 0602861-47.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/12/2022 às 09:00

VOTO

 

Senhor Presidente, Eminentes Colegas.

Após exame da contabilidade e manifestação do candidato, a Secretaria de Auditoria Interna do TRE-RS identificou remanescentes irregularidades quanto ao uso de recursos de origem não identificada e inconsistências quanto à comprovação de gastos com valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O uso de valores sem comprovação de origem encontra vedação no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32 Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

 

Em parecer conclusivo, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) identificou a utilização de recursos sem demonstração de sua fonte, em duas situações, consubstanciadas em contrato de empréstimo pessoal carente de comprovação e na ausência de pagamento de serviços de militância.

 

Do empréstimo pessoal - Recursos próprios - Dívida de campanha

Foi identificado o ingresso de recursos próprios de natureza financeira na campanha do prestador, os quais tiveram origem em empréstimo pessoal do candidato no valor de R$ 44.300,00 (quarenta e quatro mil e trezentos reais).

Este apontamento já constava no item 3.1 do Relatório de Exame de Contas (ID 45302439) e do Parecer Conclusivo (ID 45336495) e foi reclassificado para o item 5 do Parecer Complementar (ID 45365022).

A unidade técnica, ao verificar o aporte, requereu documentação legal sobre a operação bancária, comprovação do pagamento integral do empréstimo e, na ocasião, levantou três questionamentos: 1) se o empréstimo foi contratado em instituição financeira, ou equiparada, autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (2) se está caucionado por bem que integre seu patrimônio no momento do registro de candidatura e (3) se não ultrapassa a capacidade de pagamento, decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica.

No intuito de ver sanada a mácula, o prestador alegou que o valor de R$ 44.300,00 (quarenta e quatro mil e trezentos reais) foi equivocadamente lançado como empréstimo na contabilidade de campanha, quando o correto seria anotá-lo como doação de recursos próprios do candidato, a fim de saldar dívidas de campanha. Asseverou não se tratar de valores sem demonstração de origem, pois a quantia foi obtida via empréstimo do Banco do Brasil, vinculado ao seu CPF, tendo como garantia a estabilidade da remuneração que percebe no exercício do cargo de vereador em Porto Alegre, bem como a futura que receberá como deputado estadual. Informou, ainda, que ciente da declaração indevida, quitaria o empréstimo através da alienação de automóvel de sua propriedade (ID 45314304).

Em consulta a documentação colacionada ao feito, em 05.12.2022, momento posterior à emissão do parecer conclusivo da unidade técnica e da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, pude aferir que, de fato, o candidato quitou o empréstimo realizado junto ao Banco do Brasil, com o valor angariado com a venda de veículo de sua propriedade (ID 45372472-45372584).

Assim, do acervo carreado aos autos depreende-se atendido, ainda que a destempo, o fim colimado pelo art. 16, § 1º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo remanescer apenas ressalva quanto ao lapso temporal entre a apresentação da contas finais e a juntada da documentação comprovando o adimplemento do débito.

 

Dos Recursos de Origem Não Identificada (RONI) - Dívida de campanha

Quanto ao não pagamento de serviços de militância, a mácula se restringe ao débito assumido com Patrick da Silva Lameirão, o qual teve o valor do seu adimplemento estornado.

Este apontamento já constava no item 4.1.1 do Relatório de Exame de Contas (ID 45302439) e do Parecer Conclusivo (ID 45336495), sendo reclassificado para o item 3.4, uma vez que o pagamento não foi efetivado, não se tratando de irregularidade de gastos, mas de ausência de pagamento. 

Compulsando os autos, consta do ID 45356772 contrato firmado entre Patrick da Silva Lameirão e Matheus Pereira Gomes, no qual este se compromete a pagar R$ 1.130,00 (um mil, cento e trinta reais) pela atuação de Patrick como seu cabo eleitoral, durante o pleito; recibo em que o contratado declara ter recebido a quantia de R$ 1.330,00 (um mil, trezentos e trinta reais) do contratante, bem como comprovante bancário de transferência da conta do candidato Matheus ao favorecido Patrick (itens que já constavam do ID 45320182).

Quanto ao ponto, na petição de ID 45314293, p. 8, o prestador indicou que não houve reclamação de estorno; e, conforme nota explicativa de ID 45344252, reconheceu que houve a devolução do pagamento, contudo relatou que não pode certificar que a operação bancária foi referente a Patrick, na medida que este não reivindicou sua remuneração, tendo, ainda, assinado recibo no qual declarou o adimplemento de seus préstimos como cabo eleitoral de Matheus.

Em acesso ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCand), pude aferir que houve a devolução do valor destinado a Patrick da Silva Lameirão, CPF n. 053.067.110-73, conta 20140550, conforme extrato eletrônico da conta destinada às verbas do FEFC – Banco do Brasil, agência n. 1899, conta n. 647128, em 23.09.2022.

Nesse norte, inviável a acolhida da tese do prestador, quanto à impossibilidade de aferir certeza da operação entre ele e o contratado, na medida que consta do extrato não apenas o nome do beneficiário que teve seu pagamento estornado, mas também o CPF, agência e conta de destino.

A situação posta indica que a quitação, se ocorrida, se deu com valores à margem do acervo contábil apresentado, sem trânsito prévio por instituição bancária, a permitir a verificação da origem dos recursos. Tal conclusão levaria ao entendimento de que a quantia pretensamente utilizada para o pagamento seria de origem não identificada.

Contudo, entendo de forma diversa.

Embora o contratado tenha emitido recibo dando quitação do pagamento pelo serviço prestado, o fato é que restou plenamente comprovado que o valor inicialmente transferido a ele (R$ 1.330,00 - inclusive superior ao constante do contrato) foi estornado, retornando para a conta do candidato.

Desse modo, é inevitável a conclusão de que não houve a quitação da dívida. Compreensão diversa é mera presunção.

Assim, o montante de R$ 1.130,00 (um mil, cento e trinta reais), constante no contrato firmado entre Patrick da Silva Lameirão e Matheus Pereira Gomes, cujo pagamento não restou comprovado nos autos, deve ser enquadrado como dívida de campanha.

E nesse caso, na linha do decidido por este Tribunal, em recente julgado, embora reconhecida a mácula, dispensa-se o recolhimento do valor do débito ao Erário.

Transcrevo ementa do aludido acórdão, de relatoria do Desembargador Federal Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. 1º SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. GASTO COM COMBUSTÍVEL. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DE GASTO ELEITORAL. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO QUITADAS. TERMO DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA RECONHECIDO. VALOR QUE ULTRAPASSA 100% DA RECEITA OBTIDA. IRREGULARIDADE MANTIDA. INCABÍVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. INEXISTÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE DO TSE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DA QUANTIA RELATIVA À OMISSÃO DO GASTO ELEITORAL. DESAPROVAÇÃO

1. Prestação de contas apresentada pelo candidato eleito 1º suplente de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Omissão de gastos eleitorais com combustíveis. Divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas registradas na base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A emissão de nota fiscal em relação ao CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Desse modo, caracterizada a irregularidade e não demonstrado o eventual cancelamento da nota fiscal, deve o valor irregular ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Dívida de campanha não assumida pelo partido. Termo de assunção de dívida reconhecido pelo candidato. Incontroversa a dívida remanescente não autorizada pelo Diretório Nacional. Recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP. O montante da dívida é superior ao total de receitas do candidato. Valor que ultrapassa 100% da receita obtida. Irregularidade mantida.

4. Incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Inexistência de respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse. Precedente do TSE: “A assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores. Incabível considerar como de ‘origem não identificada’ recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente. A medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro”. A determinação de recolhimento ao erário significaria enriquecimento sem causa à União, que se tornaria credora do candidato por dívidas que foram contraídas por este com terceiros.

5. Desaprovação. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional somente em relação ao valor referente à omissão do gasto eleitoral.

(TRE-RS - PCE 0603217-42.2022.6.21.0000, Relatoria Des. Fed. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle, Sessão de 09/12/2022) (Grifei.)

 

Nessa linha de intelecção, reconheço a dívida de campanha no montante de R$ 1.130,00 (um mil, cento e trinta reais), mas deixo de determinar o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

 

Dos Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

No que toca à malversação de verbas públicas oriundas do FEFC, ainda que parcialmente sanadas, remanescem falhas no uso dos valores, em relação ao pagamento de serviços de militância, vício que vai de encontro aos arts. 35, 53, inc. II, al. “c” e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O primeiro caso foi retratado acima, se trata de pagamento, objeto de estorno bancário, a Patrick da Silva Lameirão, o qual se deu via conta destinada a recursos públicos e não foi adimplido, razão porque mantida a mácula no montante de R$ 1.330,00 (um mil, trezentos e trinta reais), mas sem recolhimento ao Tesouro Nacional.

As duas situações seguintes referem-se a contratos não assinados, para atuação dos cabos eleitorais Gabriel Vieira Silva e Jefferson Fross Valério, nos valores de R$ 1.260,00 (um mil, duzentos e sessenta reais) e R$ 2.240,00 (dois mil, duzentos e quarenta reais), respectivamente.

O prestador, em nota explicativa de ID 45356828, asseverou que ambos atuaram em sua campanha a contar de 16 de agosto de 2022, entretanto, não teceu explicações sobre a ausência de firma dos cabos eleitorais contratados, se limitando a informar suas atuações em campanha e, quanto a Jefferson, que este abandonou o espaço de trabalho, ao saber da hospitalização de sua filha em Mato Grosso, deixando de atender, a partir de então, ligações telefônicas.

Aferindo os contratos de ID 45356741 e 45356777, de fato, não há aposição das assinaturas dos aludidos cabos eleitorais.

Os contratados perceberam os valores provenientes da verba pública, nas seguintes datas, conforme dados constantes nos extratos eletrônicos dispostos no DivulgaCand:

- Gabriel, em 16.09.2022, R$ 280,00; e, em 21.09.2022, R$ 490,00, totalizando R$ 770,00 (ainda que o contrato informe R$ 1.260,00);

- Jefferson Fross, em 29.08.2022, R$ 350,00; em 05.09.2022, R$ 490,00; em 06.09.2022, R$ 140,00; e, em 13.09.2022, R$ 1.260,00; totalizando R$ 2.240,00.

Os vícios, somados, perfazem R$ 3.010,00 (três mil e dez reais) e devem ser devolvidos aos cofres públicos.

Por fim, há o débito realizado com Lucas da Silva Arias, relacionado a serviços de militância, o qual foi pago com recursos do FEFC, em montante superior ao declarado pelo prestador.

Enquanto os extratos eletrônicos somam a quantia de R$ 3.080,00, destinada ao cabo eleitoral, o candidato indicou o pagamento de R$ 2.520,00, ou seja, uma diferença de R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais).

O contrato firmado entre o prestador e Lucas, em sua cláusula oitava, dispõe o valor de R$ 2.520,00 (dois mil, quinhentos e vinte reais) para os serviços ajustados entre as partes (ID 45356695), todavia, o prestador silenciou quanto ao ponto, de sorte que não demonstrado o gasto de R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais), cifra que deve ser recolhida ao erário.

Portanto, consoante o lastro probatório apresentado, o prestador conseguiu sanar parcialmente as falhas. Todavia, persistem irregularidades quanto à malversação de verbas do FEFC, na quantia de R$ 3.570,00 (três mil, quinhentos e setenta reais), a qual deve ser recolhida ao Erário.

Por fim, considerando que a quantia irregular, no valor de R$ 3.570,00 (três mil, quinhentos e setenta reais), representa 0,51% do montante auferido em campanha (R$ 693.680,89 - seiscentos e noventa e três mil, seiscentos e oitenta reais e oitenta e nove centavos), cabe, no caso, a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para o fim de aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de MATHEUS PEREIRA GOMES, candidato eleito para o cargo de deputado estadual, pela Federação PSOL REDE, e determino o recolhimento da quantia de R$ 3.570,00 (três mil, quinhentos e setenta reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.