PCE - 0602652-78.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2022 às 09:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por SALMO DIAS DE OLIVEIRA, segundo suplente ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

Passo à análise das irregularidades relatadas no parecer técnico conclusivo.

 

1. Da Omissão de Gastos Eleitorais

No item 3.2 do parecer conclusivo, a unidade técnica identificou divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme a seguinte tabela:

Em sua manifestação inicial (ID 45365216), o prestador afirmou que:

(…) diversas notas fiscais trazidas ao processo como não registradas, eram ou ainda permanecem sendo de desconhecimento do candidato e de sua administração de campanha, ficando como ‘dívida de campanha’. Todavia já nos antecipamos em afirmar que o candidato sem a condição fática de contestar a emissão desses documentos fiscais, assume a responsabilidade e busca meios de resolver.

 

Nesse aspecto, em seus derradeiros esclarecimentos, o candidato apresentou as notas fiscais em questão (ID 45366283 a 45366301), exceto as de números 141029 (R$ 201,49) e 763 (R$ 10,00), bem como elaborou uma relação de “dívidas de campanha” (ID 45365216, fls. 6-7), que se compromete a saldar com recursos próprios ante a negativa de assunção pelo partido político (ID 45366304).

Ocorre que a omissão de gastos não se confunde com simples dívidas de campanha. Essas últimas, devidamente contabilizadas, somente deixaram de ser pagas até o prazo de apresentação das contas. Por outro lado, as primeiras consistem em operações não registradas na contabilidade, apartando-se de verificações técnicas sobre a regularidade de seus objetos, idoneidade dos fornecedores, limites de gastos, dentre outros aspectos necessários para que se apure a higidez das contas.

Assim, a providência adotada pelo prestador não basta à superação da irregularidade, sendo certo que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

No mesmo trilhar, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Assim, a existência de notas fiscais contra o número de CNPJ do candidato, não incluídas nos registros contábeis, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando os recursos como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...).

(TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03.02.2022.) Grifei.

 

Desse modo, restou caracterizada a irregularidade, devendo o respectivo montante, R$ 4.956,95, ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Dívida de Campanha Não Assumida Pelo Partido Político

Conforme constou no item 3.3 do parecer conclusivo, identificou-se dívida de campanha não assumida pelo partido político, inicialmente, no valor de R$ 10.858,42.

Após a análise dos documentos acostados pelo prestador relativamente ao item 3.5 do parecer conclusivo, envolvendo a comprovação de destinação de valores movimentados na conta bancária, o órgão técnico concluiu que o montante da dívida de campanha alcançava, em realidade, R$ 17.197,29, tecendo as seguintes considerações (ID 45369337):

O candidato, em sua manifestação (ID 45365216), apresenta uma tabela com a relação dos credores e seus respectivos documentos fiscais, o valor original e o valor remanescente como dívida de campanha, além de documentos fiscais destinados a sanear os apontamentos constantes no Parecer Conclusivo (ID 45358586), totalizando uma dívida de R$ 17.197,29.

 

Em sua manifestação final, o prestador admite a falha e informa que a agremiação partidária indeferiu o pedido de assunção de dívidas, consoante resposta juntada aos autos (ID 45366304), razão pela qual pugna pela autorização para que proceda à quitação com recursos próprios, nos seguintes termos:

Considerando o saldo de dívidas de campanha no valor de R$ 17.197,29 (dezessete mil e cento e noventa e sete reais e vinte e nove centavos), a candidatura SALMO DIAS DE OLIVEIRA, buscou juntamente com o Partido a assunção da respectiva dívida de campanha. Inclusive, o candidato estava buscando a concordância de tal assunção com os credores, conforme documentos em anexo. Entretanto, o Partido INDEFERIU o pedido de assunção de dívidas de campanha, conforme documentos em anexo.

Todavia, diante da negativa do Partido na assunção da respectiva dívida, busca a candidatura SALMO DIAS DE OLIVEIRA a autorização da JUSTIÇA ELEITORAL para saldar tais dívidas com recursos próprios.

 

O pedido deduzido não encontra amparo na legislação de regência, estando, desde logo, caracterizada a irregularidade por descumprimento do art. 33, §§ 1º a 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as despesas não foram integralmente quitadas até o prazo de entrega das contas e as dívidas remanescentes não foram assumidas pelo partido político.

Entretanto, conforme asseverou o diligente Procurador Regional Eleitoral, “todas as despesas indicadas pelo parecer conclusivo como RONI (item 3.2) integram a referida tabela, de modo que o valor das notas fiscais omitidas da presente prestação de contas, no valor de R$ 4.956,95, devem ser subtraídas (e não somadas) do valor indicado de dívidas do candidato”.

Com efeito, devem ser descontadas da monta considerada dívida de campanha as operações analisadas no tópico anterior, no total de R$ 4.956,95, uma vez que também inseridas na tabela produzida pelo candidato, de modo a consolidar a irregularidade em análise em R$ 12.240,34.

Por outro lado, não deve ser comandado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, conforme opinado no parecer ministerial.

De acordo com o entendimento assentado na jurisprudência, os recursos de origem não identificada representam uma categoria taxativamente prevista no rol do § 1º do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

De seu turno, as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido, destaco recente julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. AGRAVO PROVIDO. DÍVIDA DE CAMPANHA. ASSUNÇÃO PELO PARTIDO. IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO. EQUIPARAÇÃO A RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO NORMATIVO. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. Hipótese em que o TRE/SP, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha de candidata ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, devido à existência de dívida de campanha assumida pelo partido, mas cujo procedimento estava em desacordo com o previsto no art. 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.553/2017.2. Agravo conhecido e provido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso especial. 3. Não há "[...] respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse" (REspEl nº 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 8.2.2022, DJe de 30.3.2022).4. Recurso especial parcialmente provido tão somente para afastar a determinação de devolução de R$ 4.048,00 ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060851176, Acórdão, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data 09.09.2022.) Grifei.

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2018. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IRREGULARIDADE GRAVE. SÚMULA 24/TSE. IRREGULARIDADES. PERCENTUAL E VALOR ABSOLUTO ELEVADOS. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INAPLICÁVEIS. DÍVIDA DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. NÃO CABIMENTO. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RESTITUÍDO. PARCIAL PROVIMENTO. (...). 7. Este Tribunal, no julgamento do REspEl 0601205–46/MS, sessão de 8/2/2022, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, decidiu ser incabível determinar–se o recolhimento ao erário dos valores de dívida de campanha não paga, por inexistir respaldo normativo para se presumir que o débito será pago em momento futuro com recursos de origem não identificada. 8. Desse modo, impõe–se descontar do valor a ser recolhido ao Erário, fixado em R$ 70.324,67 pelo TRE/SP, a quantia de R$ 48.105,80, que, de acordo com o aresto regional, corresponde a dívida de campanha não quitada. (…).

(TSE - REspEl: 06053401420186260000 SÃO PAULO - SP, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 10.03.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 55.) Grifei.

 

Por elucidativas, cumpre destacar as razões expostas no julgamento paradigma para o tema, REspEl 0601205–46/MS, julgado na sessão de 8.2.2022, a partir de voto-vista proferido pelo eminente Ministro Luís Roberto Barroso, designado redator para o acórdão, e bem sintetizadas na seguinte ementa:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada.

3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada.

4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse.

5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro.

6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

 

Com essas considerações, reconheço a irregularidade em questão, porém julgo incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ante a ausência de previsão normativa expressa, na linha do recente posicionamento do TSE.

 

Do Julgamento das Contas

Por fim, o total das irregularidades alcança R$ 17.197,29 (R$ 4.956,95 + R$ 12.240,34) e representa 4,64% do montante de recursos recebidos (R$ 370.430,69), autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, conforme entendimento consolidado desta Corte Regional (TRE-RS; REl n. 0600914-87.2020.6.21.0012; Redator do Acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 02.05.2022).

Ainda, deve ser comandada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, na quantia de R$ 4.956,95 (tópico 1), com fundamento no art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de SALMO DIAS DE OLIVEIRA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação de recolhimento do valor de R$ 4.956,95 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.