PCE - 0603594-13.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/12/2022 às 10:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por GILMAR SOSSELLA, candidato eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

Passo à análise das falhas relatadas no parecer técnico conclusivo.

1. Da Omissão de Prestação de Contas Parciais

O órgão técnico identificou omissão quanto à entrega de prestação de contas parcial (art. 47, inc. II, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19), relativamente à movimentação financeira aferida até o dia 08.9.2022, porquanto “o valor total de recursos arrecadados foi de R$ 65.000,00 e o de gastos R$ 50.066,00”.

É imperioso reconhecer que tal ocorrência consiste em falha meramente formal, haja vista se tratar de simples atraso na entrega de informações, as quais constaram explicitadas nas contas finais, não impedindo a fiscalização sobre a movimentação financeira.

No aspecto, o examinador técnico consignou que “após a entrega da prestação de contas final, foi realizado o exame das contas e as impropriedades descritas não afetaram a identificação da origem das receitas e destinação das despesas, comprovadas pela movimentação bancária”.

Na mesma linha, o seguinte julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. CANDIDATO. CARGO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA E VICE. PARTIDO VERDE. IRREGULARIDADE. OMISSÃO DE RECEITAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. IRREGULARIDADE SUPERADA NA APRESENTAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS FINAL. VERIFICAÇÃO DA REGULARIDADE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DA CAMPANHA. PRECEDENTES. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS.

1. A omissão de receita ou despesa na prestação de contas parcial não acarreta, por si só, a desaprovação das contas, uma vez que a falha pode ser sanada na prestação de contas final, sem prejuízo da verificação da regularidade da movimentação financeira das campanhas, consoante jurisprudência perfilhada por este Tribunal nas Eleições 2014.

2. No caso, as receitas omissas nas contas parciais foram superadas com a apresentação das contas finais, configurando falha meramente formal que não tem o condão de macular a confiabilidade das contas e, por isso, não enseja sua desaprovação.

3. Contas aprovadas com ressalva.

(TSE - PC: 00009934920146000000 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 28.5.2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, Data 15.8.2019, Página 54) Grifei.

 

Dessa forma, o apontamento enseja apenas a consideração de ressalvas no julgamento das contas.

 

2. Do Recebimento de Recursos de Origem Não Identificada

Quanto ao ponto, o examinador técnico identificou doação financeira recebida de pessoa física de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, realizada de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, assim discriminada:

 

Em sua defesa, o prestador manifestou o seguinte:

Como no extrato bancário constou “depósito online” entendeu a Contadora tratar-se de movimentação eletrônica entre bancos de mesma bandeira, motivo pelo qual emitiu o recibo eleitoral. Outras doações financeiras recebidas foram estornadas quando constatada a irregularidade, porém como se observa nos extratos, estas demais constavam somente “depósito”. Neste caso, não pode o candidato ser penalizado pelo equívoco de tão pouca monta, e que de forma alguma comprometem a totalidade das contas prestadas.

 

Contudo, o equívoco na avaliação da regularidade do depósito não tem o condão de afastar a responsabilidade do candidato pela infração à norma.

A matéria em exame encontra-se disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…).

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Dessa maneira, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo.

Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 03.12.2018.).

2. O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.). Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e inc. II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69). Grifei.

 

Deveras, o TSE já assentou que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Relatora designada Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 20.11.2018, p. 32).

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do candidato ou do doador, e sim a observância objetiva da norma e a efetiva utilização de recursos cujo movimento não observou os ditames legais.

 

Do Julgamento das Contas

Por fim, a irregularidade constatada alcança a quantia de R$ 2.000,00, que representa apenas 0,54% do total arrecadado (R$ 370.123,33), autorizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, conforme entendimento consolidado desta Corte Regional (TRE-RS; REl n. 0600914-87.2020.6.21.0012; Redator do Acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 02.5.2022.).

Ainda, deve ser comandada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de GILMAR SOSSELLA, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação de recolhimento do valor de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.