REl - 0600245-27.2020.6.21.0079 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 02/12/2022 às 10:00

Adianto que minha divergência é parcial, apenas para considerar válida a decisão que deferiu a interceptação telefônica e, por via de consequência, as provas dela decorrentes.

Foi destacada a preliminar “da ilicitude das gravações ambientais”, constando no bojo dessa preliminar a interceptação telefônica deferida em Procedimento Investigatório Criminal, prova autônoma, cuja validade deve ser apreciada de forma destacada.

O eminente Relator sustenta a ilicitude das gravações clandestinas contidas nos arquivos de “Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a” e também “dos arquivos de áudios identificados com os números 02, 03 e 04, enviados por Ananias, por meio do aplicativo Whatsapp à Rosalina, pois obtido com violação à intimidade e à privacidade da comunicação particular, sem autorização judicial prévia e sem o conhecimento de um dos interlocutores. Outrossim, cabe observar que a decisão que autorizou as interceptações telefônicas, antecedente à busca e apreensão de aparelhos celulares, está motivada de modo genérico nos “áudios e imagens”, sem fundamentação concreta e individualizada sobre a necessidade das diligências, sem especificação das provas que levaram ao convencimento do Magistrado e sem referência mínima à dinâmica dos fatos supostamente ilícitos, conforme se observa de seu inteiro teor (ID 44850914)”.

Ocorre que a qualidade de cada prova merece tratamento diverso.

Os arquivos de voz “Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a” efetivamente são gravações realizadas por Rosalina, sem o conhecimento dos demais interlocutores. O “Voz 011.m4a” decorre de uma visita de Ananias e Vasco, no dia 07.11.2020, na casa de Rosalina e o “Voz 014.m4a” refere-se à visita de Vasco, no dia 09.11.2020, igualmente na casa de Rosalina.

Relativamente a essas duas gravações (“Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a”), acompanho o Eminente Relator.

É bem verdade que esta Corte tem reconhecido a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, para as eleições de 2020, como evidenciam os seguintes julgados: REl 0600581-56, Relator Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, sessão de 20.10.2021; REl 0601196-63, Relator Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, sessão de 16.12.2021, e REl 0600469-75, de minha relatoria, julgado na sessão de 28.11.2021.

A matéria é deveras controvertida e está pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.040.515 (Tema 979), em que se analisa a necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação cível-eleitoral, à luz do art. 5º, incs. II e XII, da Constituição da República.

Ocorre que o TSE tem mantido posição pela ilicitude de tais gravações, sendo que, em recente feito de minha relatoria, confirmou concessão de efeito suspensivo deferido pela Presidência desta Corte nos autos da Tutela Antecipada Antecedente n. 0601906-98.2022.6.00.0000, em decisão da lavra do Min. Sérgio Silveira Banhos, nos seguintes termos:

[…]

Em um primeiro exame, típico das medidas de urgência, não é possível extrair que a decisão objurgada tenha ignorado o óbice das súmulas 24, 26 e 30 do Tribunal Superior Eleitoral.

Ao contrário, também nesse exame prefacial, considero relevante, na mesma linha da decisão regional, a alegada ofensa ao art. 8-A da Lei 9.296/96, incluído pela Lei n. 13.964/19, tendo em vista a recente alteração na jurisprudência desta Corte Superior, no sentido da ilicitude da prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial prévia.

Cito, a esse propósito: “São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral”

(AgR-AI 293-64, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 9.11.2021).

Igualmente: “A orientação jurisprudencial vigente neste Tribunal Superior é no sentido da ilicitude da gravação ambiental como meio de prova para fins de comprovação da prática de ilícito eleitoral, ainda que captado o áudio por um dos interlocutores, mas sem a aceitação ou ciência dos demais partícipes do diálogo” (REspEl 0600530-94, red. para o acórdão Ministro Carlos Horbach, DJE de 1º.4.2022.).

Portanto, ainda que eventualmente se revele profícua a discussão acerca da natureza pública ou privada do ambiente em que a conversa foi gravada – gabinete de vereador –, tão somente a mudança jurisprudencial acima aparenta ser suficiente para interditar a imediata execução do acórdão regional e o afastamento do titular eleito.

Pelo exposto, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, nego seguimento à tutela antecipada antecedente ajuizada por Cauê Fuhro Souto Martins. (grifo nosso)

 

Diante dessas considerações, pedindo vênia ao entendimento até agora agasalhado pela Corte, tenho que é prudente, por razões de segurança jurídica e alinhamento ao decidido pela instância superior, alterar o entendimento para considerar ilícitas as gravações clandestinas contidas nos arquivos “Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a”, para não as admitir como meio de prova na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

Entrementes, divirjo do posicionamento do Eminente Relator quando “afirma a nulidade de todo o acervo probatório”, que “O mesmo (raciocínio quanto às gravações) se estende aos arquivos de áudios identificados com os números 02, 03 e 04, enviadas por Ananias, por meio do aplicativo Whatsapp, à Rosalina, pois obtido com violação à intimidade e à privacidade da comunicação particular, sem autorização judicial prévia e sem o conhecimento de um dos interlocutores” (inclusive da interceptação telefônica deferida).

Isso porque os arquivos de WhatsApp identificados com os números 02, 03 e 04, enviados por Ananias Dorneles Soares Sobrinho à Rosalina Gonçalves Messa, não se equiparam à captação clandestina, pois foram produzidos e enviados pelo próprio recorrente, obviamente com pleno conhecimento de sua própria fala que estava sendo gravada por ele mesmo. E, como adiante será demonstrado, a interceptação telefônica autuada sob n. 0600242-72.2020.6.21.0079 é válida.

Como esclarecido no voto do Relator, a investigação relacionada ao caso iniciou a partir de denúncia de Rosalina Gonçalves Messa, acompanhada de áudios e vídeos, envolvendo possível prática de captação ilícita de votos, o que também foi apresentado por meio de uma “live” realizada pela denunciante em rede social, na noite de 10.11.2020.

Com base em tais elementos de informação, o Ministério Público Eleitoral instaurou o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) n. 00881.001.148/2020, para apurar os eventuais ilícitos penais, no qual houve o requerimento de interceptação telefônica e telemática, autorizadas judicialmente, de Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Ananias Dorneles Soares Sobrinho.

Como constou na sentença , o Ministério Público Eleitoral instaurou o PIC para apurar a prática, em tese, do crime de corrupção eleitoral, no qual foram investigados como possíveis autores dos fatos, o candidato a vereador Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, o candidato a vice-prefeito Jeremias Izaguirre de Oliveira, Ananias Dorneles Soares Sobrinho (apoiador do candidato Vasco), Nara Hidê Luiz dos Santos Silveira (irmã do candidato a vereador Antônio Ebertom Luiz dos Santos) e Rosalina Gonçalves Messa (eleitora que teria vendido seu voto).

A instauração do PIC se deu em razão de denúncia efetuada por Rosalina, a qual compareceu na Promotoria Eleitoral, prestou depoimento e forneceu imagens, áudios e vídeos da possível prática de crimes de corrupção eleitoral.

Com base em tais elementos, o MPE ajuizou ação de quebra de sigilo, autuada sob o n. 0600242-72.2020.6.21.0079, visando à interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas de Vasco, Jeremias e Ananias. O pedido de interceptação telefônica, cuja peça inicial foi juntada na própria defesa de Jeremias Izaguirre de Oliveria e Paulo Renato Cortelini (ID 44850911), fundamentou-se em vários outros elementos de prova, que de forma autônoma e independente seriam suficientes ao deferimento da medida, mesmo desconsiderados os arquivos de áudios denominados “Voz 011” e “Voz 014”.

Refiro-me a três arquivos de mensagens de áudio (áudio 02, 03 e 04) com o seguinte teor:

3) Os áudios de conversas do WhatsApp também merecem destaque, estando

incluídos no link do Google Drive. Neles, há mensagens do representado Ananias para Rosalina.

No áudio 02, Ananias diz que o representado Jeremias autorizou a colocar gasolina no carro de Rosalina. Comentários: consta no Google Drive uma cópia do cupom fiscal do combustível colocado no veículo de Rosalina, emitido no nome de Ananias.

No áudio 03, Ananias confirma que “recebeu o ok da Secretaria da

 

Assistência Social”, que os nomes estariam OK com a “Elaine”, mas que as próprias pessoas deveriam buscar as cestas, não podendo os candidatos aparecerem. No final do áudio, Ananias diz “a minha parte está OK, agora é com o Vasco, o Gambá e o Jeremias”.

No áudio 04, o representado Ananias refere que alguns dos beneficiários das cestas são cadastrados na assistência social e que quanto a eles não haveria problema.

Comentários: o que o representado quis dizer é que em razão de alguns dos beneficiários estarem cadastrados como pessoas vulneráveis na assistência social, a doação não levantaria suspeitas.

 

Registro que esses áudios acima referidos foram produzidos e enviados pelo próprio recorrente Ananias à Rosalina, hipótese que não se equipara à gravação clandestina. Note-se que neles já é possível verificar indícios de cometimento do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Soma-se que no link em que armazenados os arquivos que fundamentaram o pedido de interceptação telefônica (ID 44850913 – https://drive.google.com/drive/folders/1cYQAQTypQdhmyMXE0zMYj3TWl4QfwkXa?usp=sharing) há vídeo de Rosalina Messa relatando o oferecimento de remédios, cestas básicas e diversas vantagens a eleitores, hipótese que também não se equipara à gravação clandestina, assim como a “live” realizada pela denunciante Rosalina em rede social, na noite de 10.11.2020.

Com base nesses indícios, houve o deferimento da interceptação telefônica (ID 44850914) que não está contaminada pela ilicitude das gravações de “voz 11” e “voz 14”, pois fundamentada no conjunto de elementos trazidos.

Registro que para o deferimento da interceptação telefônica não se exige juízo de certeza quanto à autoria e materialidade dos delitos, porque justamente se trata de meio de investigação.

Ainda que eventualmente utilizados os conteúdos do áudios de “voz 11” e “voz 14” para formação do juízo de deferimento da medida (o que não está expresso na decisão de ID 44850914), não foram essas gravações utilizadas como fundamento da condenação dos recorrentes.

Há de ser feita essa distinção: se as gravações foram utilizadas como prova direta da condenação dos recorrentes ou apenas como indícios para deferimento da interceptação telefônica.

Há limites à aplicação da teoria da ilicitude por derivação, decorrente da aplicação da doutrina dos "frutos da árvore envenenada" (fruits of the poisonous tree), trazida pela Suprema Corte norte-americana, segundo a qual “o vício da planta se transmite a todos os seus frutos”. O escopo da teoria era o de evitar que as forças policiais praticassem ilícitos no curso de suas investigações.

Nem mesmo na Suprema Corte norte-americana, onde foi concebida, a adoção da teoria significou uma proibição absoluta de aquisição das provas ilícitas por derivação.

No nosso ordenamento jurídico, dispõe o art. 157 do CPP:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei n. 11.690/08)

§ 1 São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei n. 11.690/08)

§ 2 Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

 

A exceção da fonte independente preconiza que, quando informações ou provas forem obtidas tanto por meios ilícitos como mediante uma fonte independente lícita, a prova ou informação não deverá ser excluída do processo.

O fundamento da exceção da fonte independente é que, havendo concretamente duas origens - uma lícita e outra ilícita -, ainda que suprimida a fonte ilegal, as provas trazidas ao processo pela fonte lícita subsistem, podendo ser validamente utilizada para todos os fins.

A outra limitação diz com o nexo de causalidade, significa dizer, mediante circunstâncias que façam supor que os efeitos da ilicitude original tenham se “atenuado” ou “enfraquecido”, quando o nexo causal entre a prova ilícita originária e a obtenção da prova derivada possa ser considerado como quebrado. Nessas hipóteses, a prova derivada não seria mais considerada como”contaminada” pelo veneno da árvore, sendo, portanto, admissível no processo.

Tenho que, no caso em apreço, houve a ocorrência das duas exceções, pois acaso suprimidas as gravações, o deferimento da interceptação era de rigor e os fatos a que forem condenados os recorrentes não possuem relação direta com as mencionadas gravações, o que pode ser constatado com a mera leitura da sentença sob ID 44851009.

Além disso, cuida-se de processo de natureza eleitoral, no qual é tutelada a legitimidade, a normalidade da eleição e a liberdade de voto, interesses e valores constitucionais que devem preponderar quando em conflito com direito individual.

Ainda é importante examinar a alegação dos recorrentes de que as gravações de áudio feitas por Rosalina poderiam ser equiparadas a flagrante preparado e que teria atuado como uma “agente infiltrada”.

A tese é fantasiosa porque o Ministério Público destaca, desde a inicial, que não utilizou as gravações da conversa havida entre Rosa e Jeremias como fundamento para postular a condenação dos recorrentes ou a interceptação telefônica, ao entendimento de que realmente naquela situação Rosalina teria tentado fazer com que Jeremias prometesse a entrega de bens e vantagens, o que enfraquecia a denúncia realizada, “quase equiparando o caso a uma espécie de flagrante forjado” (ID 44850834).

Contudo, nos áudios de “Voz 11” e “Voz 14”, os interlocutores agem de forma espontânea, sem que se possa cogitar de flagrante preparado, sendo que não serão considerados apenas porque a jurisprudência do TSE firmou-se no sentido da ilicitude pelo motivo de que um dos interlocutores não teria conhecimento, independentemente da espontaneidade ou não da conversa.

Na hipótese concreta, como acima articulado, porque os áudios enviados por Ananias à Rosalina e o vídeo com depoimento gravado desta última já seriam suficientes para o deferimento da interceptação telefônica, considero o ato perfeitamente válido e destituído de qualquer vício, reconhecendo como observados os pressupostos objetivos dispostos nos arts. 2º e 8-A da Lei n. 9.296/96:

Art. 2º - Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção;

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

 

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando: (Incluído pela Lei n. 13.964/19)

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e (Incluído pela Lei n. 13.964/19)

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas. (Incluído pela Lei n. 13.964/19)

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei n. 13.964/19)

 

A propósito, em relação à possibilidade de utilização da interceptação telefônica deferida em processo criminal nos processos eleitorais, colaciono julgado do TSE:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. AIJE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41–A DA LEI N. 9.504/97). CAPTAÇÃO E GASTO ILÍCITO DE RECURSOS (ART. 30–A DA LEI N. 9.504/97). ABUSO DO PODER ECONÔMICO (ART. 22, CAPUT, DA LC N. 64/90). AUSÊNCIA DE OFENSA AOS DISPOSITIVOS INVOCADOS. ALEGAÇÕES DEFENSIVAS AFASTADAS. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL COMO INSTRUMENTO DE APURAÇÃO DE ILÍCITOS ELEITORAIS. LICITUDE. COMPARTILHAMENTO DE MEIOS DE PROVA EM AIJE. POSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DAS RAZÕES SUSCITADAS NO RECURSO ANTERIOR. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. No caso, a Corte Regional manteve a parcial procedência da AIJE pela prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41–A da Lei n. 9.504/97) e de captação e gastos ilícitos de recursos (art. 30–A da Lei das Eleições) e por abuso do poder econômico (art. 22, caput, da LC n. 64/90), tendo sido negado seguimento aos recursos especiais interpostos contra o acórdão regional.

2. A decisão agravada negou seguimento aos agravos em recurso especial considerando que as teses defensivas foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal local e a incidência dos Verbetes Sumulares nºs 24 e 30 do TSE.

3. Repetição, no agravo interno, das mesmas alegações versadas no recurso especial quanto à suposta violação aos arts. 5º, incs. X, XII e LV, da CF, 105–A, da Lei das Eleições, e 6º, da Lei n. 9.296/96, as quais foram fundamentadamente rechaçadas na decisão agravada.

4. Os agravantes não lograram afastar a aplicabilidade ao caso do entendimento desta Corte Superior segundo o qual "não é ilegal a prova obtida por meio de interceptação telefônica conduzida diretamente pelo Ministério Público", sendo "possível a utilização em AIJE de prova (interceptação telefônica) produzida legalmente em procedimento investigatório criminal" (REspe nº 652–25/GO, rel. designada Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.5.2016.).

5. Conforme entende esta Corte Superior, "[...] a reiteração das teses [...] arguidas no recurso especial, sem infirmar os fundamentos adotados na decisão monocrática, importa em ofensa ao princípio da dialeticidade e enseja a manutenção desta pelos fundamentos nela consignados" (AgR–REspe nº 383–84, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 28.10.2020.).

6. A mera alegação genérica de que não se pretende nova análise do conjunto probatório dos autos é insuficiente para afastar os fundamentos da decisão agravada quanto à incidência do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

7. A análise do alegado dissídio pretoriano se mostra despicienda, na medida em que o meio de prova questionado foi considerado lícito pela Corte Regional, haja vista que a interceptação telefônica controvertida foi obtida a partir de representação homologada por autoridade judicial competente, em sede de procedimento investigatório criminal, cujo compartilhamento é permitido em âmbito de AIJE, conforme a jurisprudência do TSE.

8. Assim como consignado na decisão agravada, o acórdão regional está em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o que atrai a incidência do verbete sumular 30 do TSE, o qual "pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial" (AgR–AI nº 152–60/MS, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 27.4.2017.). Além disso, "não cabe o recurso especial eleitoral, mesmo com base na alegação de dissídio pretoriano, quando a decisão objurgada estiver calcada no revolvimento do conjunto fático–probatório constante dos autos" (AgR–REspe nº 237–18/SP, rel. Min. Laurita Vaz, PSESS de 23.10.2012.).

9. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos, não merece ser provido o agravo interno, tendo em vista a ausência de argumentos hábeis para modificá–la.

10. Negado provimento ao agravo interno.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 47194, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 107, Data 10.6.2022.) (grifo nosso)

 

Ante o exposto, VOTO no sentido de acolher, EM PARTE, a preliminar suscitada pelo douto Relator, no sentido de reconhecer como ilícitas as gravações ambientais realizadas por Rosalina Gonçalves Messa nos arquivos denominados “Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a”, tendo como válida a interceptação telefônica e todas as demais provas constantes nos autos.

 

Das Preliminares de Nulidade da Extração de Dados dos Aparelhos Celulares, de Suspeição Irregular das Testemunhas, de Negativa de Prestação Jurisdicional e de Ausência de Individualização das Condutas

 

Em relação às demais prefaciais, acompanho a análise do Relator.

As informações extraídas dos aparelhos celulares, mediante autorização judicial, decorreram de perícia técnica realizada por órgão especializado, e não por simples “espelhamento” do aparelho como defendem os recorrentes.

Igualmente, não vislumbro irregularidade na sentença em relação à fundamentação sobre o valor probatório atribuído a cada depoimento colhido, apondo suspeição sobre algumas testemunhas, bem como em relação à apreciação das captações ambientais realizadas, dos relatórios de interceptações telefônicas e das extrações de dados dos aparelhos celulares apreendidos, utilizados como razões suficientes para a condenação, cujos conteúdos não teriam sido infirmados pelas provas produzidas em defesa.

Finalmente, as condutas individualizadas de cada demandado constaram adequadamente descritas na peça inicial e na sentença, não havendo vícios a macularem o processo.

Consoante bem observou o Relator, as preliminares aduzidas envolvem, em realidade, a avaliação da prova e da conduta pessoal de cada agente, questões a serem resolvidas no exame de mérito da demanda.

 

Do Mérito

No mérito, julgo que o caderno probatório foi exaustiva e criteriosamente analisado no voto do ilustre Relator, impondo-se a conclusão sobre a prática de generalizada captação ilícita de sufrágio, por meio de fornecimento de apoio material para transporte, cestas básicas e outras benesses a diversos eleitores de São Francisco de Assis.

Igualmente, resta comprovado que Ananias Dorneles Soares Sobrinho utilizou-se de sua posição de presidente do Conselho Municipal de Assistência Social para a distribuição indiscriminada de cestas básicas do município com finalidade eleitoral, com o conhecimento e em benefício de Vasco de Carvalho e Jeremias de Oliveira, todos bem cientes do caráter ilícito do esquema arquitetado.

Ressalta-se que, por diversas oportunidades, Ananias recomendou precauções para que as condutas não despertassem a atenção e para que os candidatos beneficiados não fossem com elas relacionados.

No contexto dos autos, as interceptações telefônicas são, intrinsecamente, prova robusta e vigorosa de abusos de poder político e econômico praticado por Ananias, Jeremias e Vasco, pois se observa os demandados trocando ideias livremente sobre um sistemático e amplo processo de desvio das cestas básicas da Assistência Social com objetivos eleitorais.

Por outro lado, não se vislumbra neste processo demonstração cabal e inconteste de que Paulo Renato Cortelini, então candidato ao cargo de prefeito, participou ou detinha prévio conhecimento das condutas de captação ilícita de sufrágios ou de abusos de poder político e econômico.

DIANTE DO EXPOSTO, no mérito, bem avaliados os fatos, provas e sanções aplicadas, acompanho integralmente o voto do douto Relator para dar parcial provimento ao recurso interposto por Paulo Renato Cortelini e pelo desprovimento dos demais recursos.