REl - 0600245-27.2020.6.21.0079 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/12/2022 às 10:00

VOTO

I - Da Admissibilidade

Os recursos são tempestivos e, preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, comportam conhecimento.

 

II – Das Preliminares

II.1 – Da Ilicitude das Gravações Ambientais

Os recorrentes aduzem a ilicitude da gravação ambiental realizada por Rosalina Gonçalves Messa, por se tratar de flagrante preparado no qual os candidatos teriam sido induzidos às declarações buscadas pela interlocutora, caracterizando, assim, prova ilícita, decorrendo, daí, a nulidade de todo o acervo probatório dela derivada.

Conforme relatado na petição inicial, a investigação relacionada ao caso iniciou a partir de denúncia de Rosalina Gonçalves Messa, acompanhada de áudios e vídeos, envolvendo possível prática de captação ilícita de votos, o que também foi apresentado por meio de uma “live” realizada pela denunciante em rede social, na noite de 10.11.2020.

Com base em tais elementos de informação, o Ministério Público Eleitoral instaurou o Procedimento Investigatório Criminal n. 00881.001.148/2020, para apurar as eventuais ilícitos penais, no qual houve o requerimento de interceptação telefônica e telemática, autorizadas judicialmente, de Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Ananias Dorneles Soares Sobrinho (ID 44850913), todas deferidas com base nas gravações ambientais e em mensagens de Whatsapp entregues por Rosalina.

Com base nos elementos colhidos a partir das conversas telefônicas interceptadas, o Ministério Público Eleitoral requereu a apreensão e extração de dados dos telefones celulares de Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira, Ananias Dorneles Soares Sobrinho, Nara Hidê Luiz dos Santos Silveira e Rosalina Gonçalves Messa (ID 44850914, fls. 6-13), medida igualmente deferida pelo Juízo de origem.

Houve, ainda, a instauração do Procedimento Preparatório Eleitoral n. 01870.000.399/2020, no qual o Promotor de Justiça Eleitoral colheu o depoimento da denunciante Rosalina (ID 44850835), a qual relata que, há cerca de três anos, sua sobrinha teve câncer, quando foi feita uma campanha na rádio para angariar recursos em seu favor, por meio de Vanderlei, Robert e Jeremias. Ao final da campanha, disse que foi entregue cerca de R$ 800,00 à beneficiária. Porém, conta que tomou conhecimento de um “caderno” em que se registrava outros R$ 600,00 e uma “carga de gás” que foram arrecadados, mas que não teriam sido entregues à sua sobrinha e que a depoente julgava que teriam ficado com o Jeremias. Assim, admite que agiu por vingança ou retaliação contra Jeremias, pretendendo testar o caráter do candidato, razão pela qual gravou as conversas.

Conclui-se do autos que Rosalina, desde o início, agiu imbuída da intenção de juntar provas em desfavor dos candidatos, ganhou a confiança de Vasco e Ananias e passou a atuar como “cabo eleitoral” da campanha, fomentando e intermediando a negociação de vantagens entre os eleitores, muitos por ela própria cooptados, e os candidatos.

Agiu, assim, como uma “agente infiltrada”, com participação ativa e relevante na realização dos fatos.

Ao final de empreitada, Rosalina divulgou, em 10.11.2020, uma live na internet, na qual narra os fatos, suas motivações e pede votos para o “11”, adversários dos candidatos recorrentes.

Tal conclusão é depreendida, igualmente, do conteúdo do Áudio 11, a partir do tempo 02:20, em que Ananias transmite a Vasco a sua confiança em “Rosa”, dizendo “ela era PP, né, e desde a eleição passada ela assumiu para o Paulinho”, ao que ela justifica: “eu assumi por causa do que aconteceu com o meu filho, que faltou recurso no hospital e eu culpo a falta de recurso no hospital”, referindo-se a um filho falecido.

No áudio “Voz 014.m4a”, envolvendo encontro ocorrido em 09.11.2020, a gravação é iniciada pela voz de Rosalina, antes da chegada de Vasco, dizendo “Peguei a fera, tão chegando! Agora já era!”. Em seguida, o candidato parece adentrar o ambiente, quando afirma que não fala muito no telefone porque pode ser grampeado e explica que é difícil conseguir material de construção solicitado pela interlocutora, por ser “muito perigoso”, “estão em cima de nós” e “vão me cassar por um saco de cimento”. Rosalina, atuando como cabo eleitoral dos candidatos, solicita mais R$ 100,00 para gasolina, em razão dos deslocamentos em campanha, consoante o seguinte trecho transcrito:

VASCO: Viu? Essa semana eu vo te dá, eu te dô um troco pra ti botar gasolina.

ROSALINA: Mas.

VASCO: Cem, cem pila, mas só me espera, porque vai me entrar um dinheiro quinta-feira, eu acho. Entendeu? Que hoje eu não tenho. Mas eu não posso me comprometer. Contigo eu vou te ajudar, eu vou te dar pra ti botar.

ROSALINA: Não, eu to batalhando, cara!

VASCO: Eu sei, eu sei.

ROSALINA: Ontem tapo minha frente de gente aqui

VASCO: Só que assim, o que o Ananias puder fazer ele vai fazer.

ROSALINA: Eu sei, eu sei.

VASCO: Eu não to me metendo porque eu fico fora.

ROSALINA: Claro, claro.

VASCO: Depois que eu tiver na câmara tu vai ser minha parceira.

ROSALINA: Eu sei. Se Deus quiser!

VASCO: Tu vai ver! Eu quero te dizer assim: eu só não quero muita, dando um toque muito assim que eu to dando (inaudível), me cassam, e eu to com a eleição meio garantida.

 

Em sequência, Rosalina justifica o pedido de outros materiais dizendo que gostaria de “de levar a essas pessoas que de promessa tão cheios”, “que vão ficar tudo em casa no dia da eleição”. Assim, pede que o candidato se comprometesse, ao menos, em entregar após as eleições, dizendo que uma eleitora solicitou “me traz o vice-prefeito aqui, ao menos que ele me garanta”. Em sequência, anuncia as dificuldades vividas pela sobrinha, que não pode se mudar por falta de vidro nas portas da casa e pede que Jeremias disponibilize os recursos para tanto.

Cabe ressaltar que Rosalina estava autuando para a campanha, circunstância que justificaria o pedido reposição do combustível gasto em seus deslocamentos.

Como se percebe, a eleitora desde o início da reunião pretendia induzir o interlocutor a se comprometer com alguns dos pedidos para si e para terceiros, produzindo relatos sobre eleitores que poderiam ser atingidos a partir das entregas e promessas de benesses.

De modo geral, durante a conversa, o interlocutor, Vasco, apenas reage às revindicações e narrativas de Rosalina, promete que analisará as situações e confirma que trará os R$ 100,00 para a gasolina, sempre recomendando cuidado e reforçando o temor de eventual cassação.

O próprio Ministério Público Eleitoral relata na petição inicial de não utilizou o áudio como fundamento para os pedidos de interceptação telefônica e buscas e apreensões de aparelhos celulares na esfera penal, “justamente pelos indícios de que Rosalina teria forçado o representado a prometer algo”, porquanto “o Ministério Público Eleitoral não utilizaria uma prova manifestamente ilícita para sustentar uma investigação com relativização de direitos dos investigados, como a privacidade de suas conversas”, bem como “que não se está negando a intenção maculada da eleitora ao gravar as conversas, extraída do próprio áudio acima comentado, que inicia com Rosalina comentando ‘peguei a fera!”.

Verifica-se que a gravação foi preparada e a conversa induzida por Rosalina com o propósito de acusar os candidatos da prática de ilícitos na seara eleitoral, dos quais ela própria teria alguma participação.

Dessa forma, é evidente que o arquivo em questão foi obtida por meio análogo ao “flagrante preparado”, do que resulta a ilicitude da prova.

Paralelamente, a autorização para as medidas cautelares de interceptações telefônicas e de apreensão de aparelhos celulares, nos autos do PIC n. 00881.001.148/2020, teve como base inicial também a gravação contida no arquivo “Voz 011.m4a”, na qual Ananias e Vasco, na data de 07.11.2020, visitam Rosalina em sua residência, ocasião na qual Vasco teria se oferecido para pagar uma conta de água de interlocutora, consoante a seguinte transcrição parcial:

[…].

ROSALINA: Aí ontem eu falei com o Vasco lá embaixo, tava lá na Vila Nova, e fui a noite, era 11 hora, meia noite quase quando eu cheguei em casa. Porque eu conheço todo mundo, né? Eu tinha bar, eu tive restaurante lá nos Aguiar. O pessoal me conhece muito. E aí eu andei por meio dessas pobreza por aí, cara! Tem gente que se paga água não tem pra comprar uma comida pros filho, tem outros que não tem nem pra água nem pra comida, tão com aviso de corte. Eu disse “não vão longe, eu também to” (risos). É, eu ando bem ruim, né? E pagando exame. A gente ganha um salário mínimo, né? Não consegue, o remédio que eu to tomando, na Farmassis saiu 47, mas se não fosse aposentada era 70. Mas eu tenho uma caixa de remédio ali, ó. Aí me apertei, to com uns nódulo no seio, né? Tenho uma prótese que tá sol... froxa, to com pedra no rim que tem que fazer cirurgia, então eu to gastando um monte com remédio. Aí me apertei, ai eu disse pra Jô, daí ela (inaudível) disse “vó segunda eu vou dar jeito de pagar uma dessas, senão vão te cortar mesmo”.

VASCO: Que que é isso aí?

ROSALINA: Eu to com um aviso de corte de água (risos).

VASCO: Mas quanto que é isso aí?

ROSALINA: 47 pila uma e 38 outra.

VASCO: Não, uma eu pago pra ti, mas não dá nem pra dizer, né?

ROSALINA: Não, mas é falta, mas imagina, nós ganhamo 500 pila.

VASCO: Eu vou, eu vou pra cadeia!

ROSALINA: Não, capaz!

VASCO: Me cassam a candidatura.

ROSALINA: Deus o livre!

VASCO:E eu posso te ajudar muito ainda.

ROSALINA: mas Vasco, capaz.

VASCO:e até pra, pra…

ROSALINA: Não, daí assim ó.

VASCO: eu ah, qual é que... me dá uma

ROSALINA: a Jo disse que ela pagava uma pra mim segunda pra não me cortarem.

VASCO: tá, então essa aqui eu pago, eu pago a outra, eu te ajudo

ROSALINA: uma de 48 e uma quarenta e, essa aqui é 42. Mas me dá o dinheiro que daí eu pago

VASCO: Mas eu não tenho aqui, então eu venho te pegar amanhã aqui, segunda.

ROSALINA: Segunda, daí.

VASCO: Pode ser? Então eu venho pegar segunda aqui.

ROSALINA: Isso

VASCO: Pode deixar. Fica aí, é bom tu ficar contigo…

ANANIAS: Mas é melhor tu levar e manda alguém pagar.

ROSALINA: Mas e se alguém vê ele com isso?

VASCO: Não não.

ANANIAS:Manda alguém da tua confiança pagar.

ROSALINA: Aham.

ANANIAS: Claro.

ROSALINA: Né?

ANANIAS: Tu guarda esse papel e manda alguém da tua confiança pagar.

VASCO: E a água tão cortando!

ROSALINA: Tão, e aí não, eu contando pra ele, eu fui por essas casinha aqui pra…

VASCO: Eu peço pros guri pagá. Depois (inaudível) pagando fica (inaudível).

ROSALINA: Sabe? Tem gente aqui em roda.

VASCO: Mas fica na tua, né?

ROSALINA: Mas capaz! Eu sou cancheira véia.

VASCO: Eu sei, eu sei, eu sei.

ROSALINA: Vocês me conhecem!

VASCO: Eu sei, te conheço, ela é 15.

 

O Magistrado a quo entendeu que essa última gravação consiste em prova lícita uma vez que a oferta de pagamento da fatura de água ocorreu de forma autêntica e voluntária, sem qualquer tipo de induzimento ou instigação. Outrossim, compreendeu que o contexto não revela uma expectativa de privacidade ou sigilo por parte dos candidatos, embora a gravação tenha ocorrido no interior de residência particular, cabendo reproduzir o seguinte excerto da decisão recorrida:

Da análise de tal gravação, é perfeitamente verificada a situação de espontaneidade e voluntariedade de como o encontro ocorreu. Além disso, a gravação se deu em local em que somente se poderia atingir a privacidade de Rosa - sua casa -, e não a dos outros dois interlocutores, não havendo que se falar em dimensão de privacidade dos interlocutores a ser protegida, pois eles foram ao encontro de Rosa na residência desta.

Considero que o entendimento da origem comporta reforma, uma vez que o pagamento oferecido por Vasco, candidato a vereador, foi, efetivamente, decorrência de induzimento da própria beneficiária, que, inclusive, planejou as circunstâncias para a captação da conversa pretendida em desfavor dos interlocutores, situação suficiente para que se conclua pela ilicitude da prova, na esteira da remansosa jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PREFEITO. VICE. ELEITOS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA CONSIDERADA ILÍCITA PELO TRE/SC. HODIERNO ENTENDIMENTO DO TSE: LICITUDE, EM REGRA, DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AMBIENTE PÚBLICO OU PRIVADO. EXCEPCIONALIDADES QUE OBSTAM A ADMISSIBILIDADE DESSE MEIO DE PROVA ANALISADAS CASO A CASO. MANIPULAÇÃO DO MEIO DE PROVA. INDUZIMENTO DO CANDIDATO À PRÁTICA DO ILÍCITO. INADMISSIBILIDADE DO CONTEÚDO DA GRAVAÇÃO. ILICITUDE. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO VERBERADA. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. A jurisprudência desta Corte, para os feitos referentes às eleições 2016 e seguintes, firmou-se no sentido de admitir, em regra, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições. 2. No caso, do contexto fático constante do acórdão regional, extrai-se que o encontro entre candidato e eleitor foi fruto de conversas e acordos prévios em que se expôs a necessidade deste em receber ajuda financeira para custeio de despesas médicas, de modo que o benefício oferecido pelo candidato foi decorrência de induzimento do próprio beneficiário, que obteve auxílio de adversários políticos dos agravados, os ora agravantes, no planejamento dos fatos e na obtenção e instalação dos equipamentos necessários para a realização da gravação. 3. Essas circunstâncias, portanto, maculam o conteúdo da gravação ambiental e a torna inócua para a comprovação da captação ilícita de sufrágio imputada aos agravados. 4. Agravos internos aos quais se nega provimento.

(TSE - AI: 00002862920166240102 AURORA - SC, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 12/11/2019, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 027) Grifei.

 

Além disso, a despeito das precauções assumidas pelos interlocutores, não se vislumbra o elemento subjetivo, consistente no dolo de comprar o voto de Rosalina, a qual, consoante anteriormente exposto, já trabalhava como cabo eleitoral dos próprios acusados. Desse modo, ainda que houvesse uma intenção de garantir a simpatia ou lealdade da eleitora, não se mostra plausível a caracterização do crime na tentativa de compra de voto de quem já se mostrava engajada na eleição do suposto corruptor.

Anoto, ainda, que ambas as gravações foram realizadas na residência de Rosalina e sem o conhecimento dos interlocutores.

Em relação ao tema, para as eleições anteriores a 2016, nos feitos cíveis eleitorais, o TSE reconhecia a ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando-a lícita somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovido de qualquer controle de acesso.

Desde as eleições de 2016, inclusive, em atenção à compreensão do STF firmada no RE n. 583.937/RJ (Tema 237), a Corte Superior Eleitoral passou a entender, em regra, como lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial em ambiente público ou privado (TSE, REspe n. 408-98, Relator: Min. Edson Fachin, julgado em 09.05.2019).

Um novo elemento foi agregado ao debate com a instituição da Lei n. 13.964/19, denominada de “Pacote Anticrime”, inserindo-se o art. 8-A na Lei n. 9.296/96, que regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5° da Constituição Federal.

A partir disso, a questão foi novamente analisada no âmbito do TSE, em 07.10.2021, no julgamento de três recursos eleitorais (processos ns. 0000293-64.2016.6.16.0095, 0000634-06.2016.6.13.0247, 0000385-19.2016.6.10.0092), nos quais se firmou o entendimento de que são ilícitas as provas obtidas por meio de gravação ambiental clandestina feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores.

Por elucidativa, reproduzo a ementa pertinente a primeiro julgado acima relacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021) Grifei.

 

Nos referidos julgamentos, por maioria (4x3), prevaleceu o entendimento esposado pelo Ministro Alexandre de Moraes, no sentido de serem provas ilícitas as gravações clandestinas de conversas ante o primado da privacidade e da intimidade, direitos fundamentais garantidos pela Constituição, mormente quando colhidas em ambiente privado, sob o risco de incentivar práticas ardilosas e violadoras de direitos fundamentais em cenário de disputa acirrada como o eleitoral.

Não se trata de uma ampla e irrestrita proscrição de gravações clandestinas de qualquer espécie como meio de prova nas diversas searas do Direito. Consoante apontado expressamente no voto e na ementa do acórdão, o reconhecimento da ilicitude se delimita à captação e gravação de conversa pessoal realizada a fim de formar provas sobre supostos ilícitos cíveis de cunho eleitoral, consideradas as repercussões sociais e políticas do processo eleitoral, não abrangendo, assim, outras hipóteses de captura de sons e imagens e nem se estendendo à seara processual penal comum.

Sobre o aspecto, reproduzo, por pertinente, trecho do voto proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes no caso em comento:

No que toca à prova obtida por meio de gravação ambiental, diversamente da posição firmada na decisão agravada, entendo como clandestinas aquelas em que a captação e gravação da conversa pessoal ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores, implicando inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5°, da Constituição Federal.

 

Isto porque a tutela constitucional das comunicações pretende tomar inviolável a manifestação de pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoal ou pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatário da transmissão.

 

Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado.

 

Reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas s clandestinas. pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais sofisticadas viabilizadas por equipamentos moderníssimos que ao fim podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas.

 

Como afirma Luiz Flávio Gomes, "o que cabe realçar na gravação clandestina é a sua surpresa, o que a toma moralmente reprovável. Uma coisa é expressar o pensamento sem saber da gravação, outra bem distinta é quando se toma conhecimento dela. Não se nega que existe uma escolha da pessoa a quem se confia o conteúdo de uma comunicação. Mas o comunicador, até essa altura, tem controle da informação" (GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônicas: comentários à Lei n° 9.296, de 24.07.1996. 2° edição. São Paulo: RT, 2013, p. 29).

 

E uma vez mais realçando o respeito a eventual posição divergente, impõe-se destacar que a compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO- RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final), ainda que também sob este enfoque guardemos reservas quanto à posição assentada.

 

[...].

 

E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, apta a instruir ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República, (...).

 

Grifei.

 

A orientação havida não consiste em mero casuísmo, mas representa efetiva modificação da orientação jurisprudencial da Corte Superior, a partir do julgamento de três processos afetos ao tema, envolvendo o pleito de 2016, oriundos de São Pedro da Água Branca (MA), Santa Inês (PR) e São José da Safira (MG), e do confronto do entendimento jurisprudencial até então majoritário com as novas disposições da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), que inseriu o art. 8-A na Lei n. 9.296/96, expressamente restringindo o alcance da captação ambiental clandestina como prova processual, in verbis:

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º (VETADO).

§ 2º A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

Grifei.

 

Posteriormente, em novos e recentes julgamentos, o tema foi revisitado pelo Plenário do TSE, que tem ratificado a nova orientação jurisprudencial decorrente das alterações legais trazidas pela Lei n. 13.964/19, consoante ilustram as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER. PREFEITO. VICE–PREFEITO.

Recurso de Samuel Garcia Salomão

Ausência. Interesse recursal. Inexistência. Condenação. Participação. Fatos abusivos. 1. O recorrente não possui interesse recursal ante a ausência de sucumbência nos autos. 2. Recurso desprovido.

Recurso especial de Norair Cassiano da Silveira e outro

3. "São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral" (AgR–AI nº 293–64/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7.10.2021, DJe de 9.11.2021). 4. Nos termos do art. 368–A do Código eleitoral, "a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato". 5. Recurso provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060070930, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 145, Data 02/08/2022) Grifei.

 

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVIMENTO.

I – Hipótese

1. Recurso especial eleitoral interposto contra acórdão regional que: (i) reconheceu a perda de objeto em relação ao pedido de condenação por captação ilícita de sufrágio; (ii) considerou ilícitas as gravações ambientais realizadas em ambientes particulares, sem autorização judicial e sem conhecimento de todos os interlocutores, bem como a prova testemunhal dela derivada; e (iii) manteve a improcedência do pedido em relação ao abuso do poder econômico.

[…].

III – Gravação ambiental como meio de prova das condutas tidas por ilícitas.

8. Nos termos do voto proferido pelo Min. Alexandre de Moraes, esta Corte considerou ilícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial. Afastou–se, assim, a possibilidade de sua consideração, bem como das provas porventura derivadas destas gravações ilícitas, para o fim de aferição da conduta dos representados.

[…].

(TSE; REspEl 0000385-19.2016.6.10.0092, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31.3.2022) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. CARGOS PROPORCIONAIS. COTA DE GÊNERO. SUPOSTA FRAUDE. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CASSAÇÃO DOS REGISTROS DE CANDIDATURA NA AIJE. MANUTENÇÃO PELA CORTE REGIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO PARA IMEDIATO JULGAMENTO DO ESPECIAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA ILÍCITA. ORIENTAÇÃO VIGENTE NA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. PROVAS REMANESCENTES. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. RECURSO ESPECIAL NA AIME. DETERMINAÇÃO, PELO JUIZ ELEITORAL, DE APENSAMENTO AOS AUTOS DA AIJE. REMESSA À INSTÂNCIA SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 55, § 1º, DO CPC. VIOLAÇÃO. PROVIMENTO. RESTITUIÇÃO AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA REGULAR INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.1. A orientação jurisprudencial vigente neste Tribunal Superior é no sentido da ilicitude da gravação ambiental como meio de prova para fins de comprovação da prática de ilícito eleitoral, ainda que captado o áudio por um dos interlocutores, mas sem a aceitação ou ciência dos demais partícipes do diálogo (AgR–AI n. 0000293–64/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 9.11.2021, por maioria). 2. No que concerne à AIJE, as provas remanescentes, consideradas conforme a moldura do acórdão regional, não se revestem da robustez necessária à confirmação do decreto condenatório por suposta fraude à cota de gênero, razão pela qual a improcedência do pedido se impõe.3. O apensamento dos feitos eleitorais por conexão, à luz do disposto no art. 96–B da Lei n. 9.504/97, deve obedecer à diretriz processual estabelecida no art. 55, § 1º, do CPC, de modo a ser inviável a remessa à superior instância de autos de ação em curso no primeiro grau de jurisdição.4. No caso, portanto, viola o art. 55, § 1º, do CPC, a determinação, pelo juiz eleitoral e confirmada pelo TRE, de apensamento dos autos da AIME, pendente de instrução, aos da AIJE, devidamente sentenciada e relativamente à qual tramitava recurso eleitoral na Corte Regional.5. Agravo e recurso especial formalizados por Eliel Prioli e outro providos para julgar improcedentes os pedidos formulados na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), determinando–se, independentemente da publicação do acórdão, o restabelecimento da totalização das eleições proporcionais de Monte Azul Paulista/SP, computando–se como votos válidos os votos recebidos pelos partidos e por seus candidatos a vereador. Recurso especial formalizado por Fabio Aparecido Balarini e outro provido, para determinar o desapensamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e seu retorno ao juízo eleitoral para regular processamento e julgamento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060053094, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 59, Data 01/04/2022) Grifei.

 

Não ignoro que este Tribunal Regional tem entendido por manter o posicionamento pelo reconhecimento da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, sob o argumento principal que o STF ainda definirá a questão nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.040.515, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, interposto em sede de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME).

Na hipótese concreta, porém, há um fator adicional que distingue dos anteriores, qual seja, a captação clandestina na conversa no interior da residência de eleitora.

Trata-se de abrigo que somente permite a intrusão na privacidade ou intimidade mediante autorização judicial, em proteção à expectativa que não se restringe ao proprietário ou habitante permanente do domicílio, mas alcança todos aqueles que estão, ainda que momentaneamente, sob o seu abrigo.

Por esse conjunto de razões, entendo pela ilicitude das gravações clandestinas contidas nos arquivos “Voz 011.m4a” e “Voz 014.m4a” como meio de prova na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

O mesmo se estende aos arquivos de áudios identificados com os números 02, 03 e 04, enviadas por Ananias, por meio do aplicativo Whatsapp, à Rosalina, pois obtido com violação à intimidade e à privacidade da comunicação particular, sem autorização judicial prévia e sem o conhecimento de um dos interlocutores.

Outrossim, cabe observar que a decisão que autorizou as interceptações telefônicas, antecedente à busca e apreensão de aparelhos celulares, está motivada de modo genérico nos “áudios e imagens”, sem fundamentação concreta e individualizada sobre a necessidade das diligências, sem especificação das provas que levaram ao convencimento do Magistrado e sem referência mínima à dinâmica dos fatos supostamente ilícitos, conforme se observa de seu inteiro teor (ID 44850914):

Vistos.

 

Trata-se de requerimento do Ministério Público Eleitoral para interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas dos investigados Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Ananias Dorneles Soares Sobrinho.

 

Em breve síntese, afirmou que recebeu denúncia da Sra. Rosalina Gonçalves Messa, cidadã do Município de São Francisco de Assis, contendo imagens, áudios e vídeos que indicariam a prática do crime de corrupção eleitoral. Nesse sentido, foi instaurado, no Ministério Público, o Procedimento Investigatório Criminal nº 00881.001.148/2020, no qual são investigados como possíveis autores de corrupção eleitoral o candidato a vereador Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, o candidato a vice-prefeito Jeremias Izaguirre de Oliveira, Ananias Dorneles Soares Sobrinho (apoiador do candidato Vasco), Nara Hidê Luiz dos Santos Silveira (irmã do candidato a vereador Antônio Ebertom Luiz dos Santos) e Rosalina Gonçalves Messa (eleitora que teria vendido seu voto).

 

Juntou a mídia pertinente e fez referência, no requerimento, aos pontos mais importantes que demonstram a prática, em tese, das condutas descritas no tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

 

É o breve relato.

 

Fundamento e DECIDO.

 

O art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal preconiza ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, excepcionando, neste último caso (comunicações telefônicas), a existência de ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

 

Nota-se que o próprio texto constitucional relativiza o âmbito de proteção do direito fundamental ao sigilo das comunicações telefônicas ao elencar restrições constitucionalmente justificadas. Portanto, desnecessário tecer maiores ilações para apontar que o aparente conflito de direitos deverá ter solução voltada à sociedade, uma vez que o direito à intimidade e ao sigilo das comunicações telefônicas/telemáticas não pode ser usado para a prática e ajuste de crimes.

 

Assim, visando regulamentar o mandamento constitucional em apreço, foi publicada a Lei n.º 9.296/96 que estabelece, dentre outras questões, os critérios e requisitos que serão observados para (in)deferir o pedido, quais sejam: i) finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal; ii) indícios razoáveis de autoria ou participação; iii) inexistência de outros meios de prova disponíveis para a obtenção das informações; iv) elucidação de infrações penais punidas com pena de reclusão.

 

No caso vertente, verifico que se encontram presentes os requisitos legais que autorizam o deferimento da interceptação telefônica.

 

O requerimento ministerial objetiva a interceptação telefônica dos suspeitos visando a investigação da prática, em tese, dos crimes insculpidos no art. 288

do Código Penal (associação criminosa) e no art. 299 do Código Eleitoral (corrupção eleitoral), ambos punidos com reclusão.

 

Quanto aos indícios de autoria para fins de determinação da interceptação, é cediço que não se faz necessário um juízo de certeza a respeito do envolvimento dos investigados, sendo suficiente que se detecte a plausibilidade da participação.

 

No caso em questão, os elementos apresentados na documentação encartada no presente expediente, mormente os áudios e imagens, apontam indícios acerca da prática dos crimes em comento perpetrados, em tese, pelos suspeitos, porquanto configurariam as condutas de dar, oferecer e prometer, além de solicitar e receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem para obter ou dar voto na Eleição Municipal que está na iminência de acontecer, bem como a conduta de associarem-se para o fim de cometer crimes.

 

Por fim, é evidente a dificuldade de investigação criminal em crimes desta espécie, na medida em que se houver a presença de agentes de investigação diante dos fatos (como ocorre em qualquer outra investigação tradicional), certamente haverá a adaptação dos suspeitos com vistas a manter as atividades criminosas, frustrando, assim, o trabalho.

 

Portanto, com base nos documentos apresentados, verifica-se a existência de indícios sérios a respeito da prática de delitos que causam prejuízos de grande monta à sociedade e ao processo democrático eleitoral.

 

Por estes fundamentos, estão preenchidos os requisitos para o deferimento da interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas dos respectivos telefones celulares interceptados.

 

Ante o exposto, DEFIRO o requerimento formulado pelo Ministério Público, DETERMINANDO e AUTORIZANDO a interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas dos terminais a seguir indicados e de seus respectivos números de serial ou IMEI, pelo prazo de 15 (quinze) dias a contar da efetiva interceptação: (…).

 

Como se observa, sequer há de se falar em fundamentação per relationem, posto que a decisão não faz referência específica a provas, peças ou argumentos que sustentariam a sua conclusão, já tendo entendido o STJ que é nula a decisão que sequer transcreve as razões expendidas pelo Ministério Público que pretende adotar:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO. JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO BASTANTE. RATIFICAÇÃO DA SENTENÇA E ADOÇÃO DO PARECER MINISTERIAL. NULIDADE. NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE OFÍCIO. 1. É nulo, por falta de fundamentação, o acórdão de apelação que se limita a ratificar a sentença e adotar o parecer ministerial, sem sequer transcrevê-los, deixando de afastar as teses defensivas ou apresentar fundamento próprio. 2. A jurisprudência tem admitido a chamada fundamentação per relationem, mas desde que o julgado faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo delas partes que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão a que se quer chegar. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, reconhecendo nulo o acórdão que julgou apelação da defesa, determinar ao Tribunal de origem que refaça o julgamento.

(STJ - HC: 214049 SP 2011/0172178-2, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 05/02/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2015) Grifei.

 

Evidente, portanto, a violação ao art. 93, inc. X, da CF/88 e ao art. 5º da Lei n. 9.296/92, da qual decorre a nulidade da decisão inicial de interceptação telefônica e de todas as demais provas colhidas ao longo da instrução, pois dela derivadas.

Nessa linha, os seguintes julgados do STJ:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 69, VII, E 84 DO CPP. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTS. 2º E 5º DA LEI N. 9.296/1996. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO PRIMEVA. ILEGALIDADE E CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DERIVADAS. CORRÉUS EM SITUAÇÃO IDÊNTICA. EXTENSÃO. ART. 580 DO CPP. (...). 2. É exigida, não só para a decisão que defere a interceptação telefônica, como também para as sucessivas prorrogações, a concreta indicação dos requisitos legais de justa causa e imprescindibilidade da prova, que, por outros meios, não pudesse ser feita, conforme determina o art. 5º da Lei n. 9.296/1996. 3. Diante da ausência de fundamentação concreta e válida, deve-se considerar eivada de ilicitude a decisão inicial de quebra do sigilo, bem como as sucessivas que deferiram as prorrogações da medida, pois fundadas apenas nos pedidos formulados pela autoridade policial, sem nenhuma indicação específica da indispensabilidade da medida constritiva. 4. Nulidade que contamina as demais provas colhidas ao longo da investigação e da instrução, pois delas derivadas. (...).

(STJ - AgRg no AREsp: 1360839 RJ 2018/0235908-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 07/12/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2022) Grifei.

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. FALSA IDENTIDADE. DECISÕES DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PROVAS AUTÔNOMAS. CONDENAÇÃO. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. 1. Diante da ausência de fundamentação casuística, em genérico decreto de quebra de sigilo e de busca e apreensão, passível de ser utilizada em qualquer procedimento investigatório, é de ser reconhecida a nulidade dessa decisão. (...). 4. Ordem concedida, em parte, para declarar nulas as decisões que determinaram a quebra de sigilo telefônico e de busca e apreensão, assim como das provas decorrentes, devendo esse material probatório ser extraído dos autos.

(STJ - HC: 374585 SC 2016/0268967-6, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/03/2017) Grifei.

 

Dessa forma, reconheço a ilicitude dos arquivos de áudio entregues por Rosalina, captados mediante induzimento e sem o conhecimento dos interlocutores, bem como a nulidade da decisão que autorizou as interceptações telefônicas, as quais contaminam todas as demais provas derivadas, inclusive as apreensões de telefones celulares e as extrações de dados dos aparelhos, que tiveram por fundamento as diligências anteriores.

 

DESTACO.

 

CASO ACOLHIDO O DESTAQUE, PROSSIGO:

 

Estão prejudicadas as demais preliminares suscitadas pelos recorrentes, uma vez que a sentença condenatória ampara-se exclusivamente na prova cuja invalidade é, aqui, reconhecida.

Desse modo, no mérito, subtraídos as gravações clandestinas e os arquivos de WhatsApp entregues por Rosalina, com infração ao art. 5º, incs. II e XII, da CF/88, bem como as demais provas que derivaram diretamente da prova ilícita, remanescem apenas os depoimentos pessoais e oitivas das testemunhas arroladas pelos demandados, as quais não são suficientes para comprovar a captação ilícita de sufrágio ou as condutas abusivas narradas na petição inicial, pois nada aduzem sobre as supostas ilicitudes dos fatos.

Por outro lado, o alegado incremento dos gastos com o programa social de distribuição de cestas básicas, que teria subido em 38% no mês de setembro do ano de 2020 em comparação com os meses anteriores, não estampa por si só, a prática de compra de votos ou abuso de poder.

No aspecto, os demandados demonstram que a distribuição de alimentos possuía amparo legal, especialmente em razão do estado de calamidade sanitária e social produzido pela pandemia de Covid-19 (ID 44850916), exemplificando a regularidade do cadastramento de beneficiados com relatórios técnicos de levantamento social das famílias agraciadas (IDs 44851003 e 44851004), não havendo elementos que atestem, com segurança e certeza, sobre o desvirtuamento ou utilização eleitoreira da política pública.

De acordo com a jurisprudência sedimentada do TSE, para as condenações pretendidas, exige-se que a comprovação dos elementos que integram o ilícito se dê por meio de prova robusta, “não sendo suficientes meros indícios ou presunções” (TSE - AgR-REspe n. 471-54; Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 19.9.2019; e AgR-REspe 272-38, Relator: Min. Jorge Mussi, DJe de 2.4.2018), bem como, no atinente à comprovação da prática de abuso, “a jurisprudência exige a presença de prova segura e inequívoca (o que se convencionou chamar de ‘prova robusta’), sobre a qual não pairem dúvidas acerca da gravidade das circunstâncias do ato abusivo” (TSE - REspe n. 23854, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 04.06.2021).

Assim, ante todo o exposto, julgo que o conjunto probatório, no caso concreto, não é robusto e inconteste quanto à ocorrência de fatos caracterizadores de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder de autoridade ou econômico, de modo que se impõe a reforma da sentença, a fim de julgar improcedente a ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO, preliminarmente, pelo reconhecimento da ilicitude das gravações ambientais clandestinas e da nulidade de todo o acervo probatório delas derivado e, no mérito, pelo provimento dos recursos interpostos, a fim de julgar improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.

 

OU,

 

CASO VENCIDO O DESTAQUE, PROSSIGO COM O MÉRITO:

 

II.2 – Da Nulidade do Procedimento de Espelhamento de Whatsapp

Paulo Renato Cortelini e Jeremias Izaguirre de Oliveira suscitam a ilegalidade da prova obtida mediante espelhamento de mensagens de Whatsapp, sob ao argumento de que os prints que constam anexados à petição inicial foram produzidos por terceiros, sem que houvesse autorização judicial, e ressaltam que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela ilicitude de tal meio de prova, nos autos do AgRg no RHC 133430, dada a possibilidade de manipulação.

Ocorre que a hipótese fática é diversa, pois a prova não foi obtida por mero espelhamento através do aplicativo WhatsApp Web.

O precedente citado envolve caso em que o investigador, tendo acesso ao aparelho telefônico do investigado, realiza o espelhamento do aplicativo WhatsApp em outro computador, tendo acesso a todas as conversas passadas e futuras, podendo, inclusive, enviar e excluir mensagens, sem deixar evidências de quer foram manipuladas por terceiros.

No caso sob exame, por outro lado, as mensagens foram extraídas pelos técnicos do Ministério Público Eleitoral, a partir dos aparelhos celulares apreendidos com autorização judicial, nos autos do processo 0600242-72.2020.6.21.0079, culminando com os relatórios de extração que acompanham a petição inicial.

Assim, não há evidências mínimas a demonstrar que houve o mencionado espelhamento do WhatsApp que tornaria a prova editável por terceiros, cumprindo, portanto, a rejeição da preliminar.

 

II.3 – Da Preliminar de Cerceamento de Defesa pela Decretação de Suspeição das Testemunhas na Sentença

Os recorrentes Vasco Henrique Asambuja De Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Paulo Renato Cortelini destacam que, após o encerramento da instrução, com a prolação da sentença, foram surpreendidos com a decretação de suspeição das testemunhas arroladas pela defesa, sem que tivesse havido qualquer contradita por parte do Ministério Público Eleitoral.

A questão assim constou analisada na sentença:

As provas produzidas nos autos são documentais e orais, as quais passam a ser examinadas doravante, mediante a análise individualizada das condutas imputadas aos representados.

 

Antes disso, se faz necessária uma observação quanto à prova oral produzida, principalmente no que tange aos depoimentos prestados pelos eleitores que estariam envolvidos nas condutas ilícitas, arrolados como testemunhas pelos representados.

 

Nesse ponto, cabe admitir, com humildade, que, por inexperiência em ações eleitorais de tal relevância e complexidade e acostumada a compromissar testemunhas, principalmente em processos criminais, esta magistrada se limitou a questionar aos depoentes se seriam amigos íntimos, inimigos ou parentes dos representados, o que se costuma fazer nas instruções criminais e na maior parte das cíveis.

 

No entanto, no presente caso, não restam dúvidas que tais depoentes são suspeitos, nos termos do art. 447, §3º, inciso II, do Código de Processo Civil, por ser nítido o interesse deles no litígio, uma vez que, demonstrado que tais pessoas solicitaram ou receberam alguma vantagem para dar voto a candidato, está configurado o crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

 

Portanto, tais depoimentos devem ser vistos com parcimônia, prevendo o próprio §5º do art. 447 do CPC que o juízo lhes atribuirá o valor que possam merecer.

 

Não assiste razão aos recorrentes.

Além disso, nos termos do art. 371 do CPC, cabe ao Juiz avaliar todos os elementos de convicção coligidos aos autos e atribuir a eles maior ou menor eficácia probatória, explicitando os motivos que o levaram à conclusão adotada.

Embora o momento próprio para a apresentação de contradita à testemunha seja aquele compreendido entre a sua qualificação e o início do depoimento, sob pena de preclusão (art. 457 do CPC), nada obsta que, diante do todo o acervo probatório produzido, o Julgador, na valoração da prova realizada na sentença, considere, de ofício, a suspeição da testemunha, desde que o faça motivadamente.

É exatamente essa a hipótese que se verifica nos autos, pois a Magistrada a quo colheu regularmente as oitivas e conferiu aos depoimentos, de forma fundamentada, o valor que entendeu possuírem, de acordo com as circunstâncias concretas extraídos dos autos.

Outrossim, a força probatória dos depoimentos é questão de mérito, a ser analisada no momento devido, razão pela qual rejeito a preliminar em tela.

 

II.4 – Da Preliminar de Negativa de Prestação Jurisdicional

Os recorrentes Jeremias Izaguirre de Oliveira e Paulo Renato Cortelini narra que “opuseram embargos de declaração objetivando que o Juízo de primeiro grau se manifestasse sobre questões essenciais ao deslinde do feito, sobre a qual a sentença restou omissa, bem como, para que sanasse as obscuridades apontadas na decisão, de forma a possibilitar o efetivo contraditório”. Assim, ante o desacolhimento dos aclaratórios, entendem que a sentença é nula, porquanto deixou de esclarecer aspectos da apreciação da prova, em diversos pontos que indica, e “faz conclusões dissociadas da realidade posta”.

A alegação não prospera, uma vez que a sentença avaliou e cotejou todo o conjunto probatório de acordo com o valor probatório atribuído a cada elemento, consignando suas conclusões de forma fundamentada.

No ponto, cumpre destacar que a sentença está devidamente motivada na apreciação das captações ambientais realizadas, dos relatórios de interceptações telefônicas, das extrações de dados dos aparelhos celulares apreendidos e dos demais documentos acostados, de modo suficiente para embasar as conclusões do Juízo.

Os demais pontos suscitados pelos recorrentes, relativos à gravação “voz 11”, aos prints de WhatsApp e Facebook Messenger, aos relatórios de visitas sociais e decretos municipais, traduzem questões a serem enfrentadas, em uma perspectiva material, no mérito do recurso.

Ante o exposto, rejeito a presente prefacial.

 

II.5 – Da Preliminar de Ausência de Individualização das Condutas de Cada Demandado

Jeremias Izaguirre de Oliveira e Paulo Renato Cortelini arguem preliminar de nulidade da sentença por ausência de individualização das condutas de cada condenado, afirmando que não restam demonstrados os atos pessoais praticados, o que ganha especial relevância sobre o recorrente Paulo, em relação ao qual não há sequer imputação na inicial.

Não lhes assiste razão.

Em relação à captação ilícita de sufrágio, a sentença elencou tópicos para tratar, individualmente, da atuação de cada um dos condenados Vasco e Jeremias, cujas análises foram desmembradas em subtópicos por eleitor atingido, constando expressamente, ainda, que a condenação de Paulo ocorre “em razão do litisconsórcio passivo necessário existente entre os integrantes da chapa majoritária”.

O mesmo ocorreu por ocasião da abordagem do abuso de poder econômico, em que o envolvimento de cada demandado restou explicitado de forma suficiente em relação dos recorridos Vasco, Ananias e Jeremias, com favorecimento conjunto da candidatura de Paulo.

As demais discussões envolvendo a participação e responsabilização de cada um sobre o fatos apurados relaciona-se com o mérito, devendo se analisada em momento oportuno.

Assim, rejeito também a presente preliminar.

 

III – Do Mérito

No mérito, com fundamento nas mensagens trocadas com eleitores via WhatsApp, a sentença recorrida reconheceu a prática de captação ilícita de sufrágio pelos candidatos Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, concorrente ao cargo de vereador, Jeremias Izaguirre de Oliveira, então na disputa pelo cargo de vice-prefeito, e Paulo Renato Cortelini, então vice-prefeito e candidato ao cargo de Prefeito.

Concomitantemente, o Juízo a quo condenou Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira, Paulo Renato Cortelini e Ananias Dorneles Soares Sobrinho, por abuso de poder econômico, “uma vez que se verificam doações de bens e vantagens a eleitores consistentes em dinheiro e cestas básicas, fornecimento de gasolina e o oferecimento de transportes de eleitores (inclusive no dia da eleição), em troca de votos”.

Finalmente, Jeremias Izaguirre de Oliveira, com base nas mesmas circunstâncias fáticas analisadas em relação à captação ilícita de sufrágio, foi condenado por abuso de poder político, porquanto “utilizou de sua influência, do seu cargo e da sua posição de candidato a vice-prefeito para beneficiar eleitores, disponibilizando retroescavadeira de propriedade do Município para a execução de obras em propriedades rurais particulares com indevida vinculação ao seu nome e de Paulo Renato (Gambá)”, bem como, igualmente, Vasco Henrique Asambuja de Carvalho e Ananias Dorneles Soares Sobrinho, em razão de ações que acarretaram o aumento de número de cestas básicas distribuídas pelo Município de São Francisco de Assis durante os meses de campanha eleitoral, a fim de favorecer as campanhas dos recorrentes.

Passo à análise.

 

III.1 – Da Distribuição de Combustíveis e Serviços de Retroescavadeiras

 

III.1.1 – Da Captação Ilícita de Sufrágio de Eleitores

Em relação à captação ilícita de sufrágio, o art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97, estabelece que:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

 

Quanto aos requisitos para a configuração da captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral exige cumulativamente, o cumprimento dos seguintes requisitos: “(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41-A A da Lei nº 9.504 4/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (TSE - REspEl: 06007755920206080025 LINHARES - ES 060077559, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 09/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 152).

Sabe-se, ainda, que a jurisprudência do TSE não exige, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, o pedido expresso de votos, bastando a evidência do fim especial de agir, quando as circunstâncias do caso concreto indicam a prática de compra de votos (TSE - RESPE: 000059915/MA, Relatora: Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE de 06.04.2016).

Expostas tais premissas, examino cada um dos fatos alegados sob o prisma dos ilícitos imputados aos recorridos.

 

III.1.1.1 Vasco Henrique Asambuja de Carvalho

Colho da sentença o trecho que analisa os fatos e provas relacionados ao recorrente:

2.2.1.1- Vasco Henrique Asambuja de Cavalho – vereador e candidato reeleito

 

a) Eleitor – Odilon Cristiano dos Santos de Lima

 

A representação aponta que, em 29/09/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Vasco prometeu vantagem pessoal para o eleitor Odilon, mediante troca de mensagens pelo aplicativo WhatsApp, com a intenção de obter-lhe o voto.

 

Na audiência de instrução, Odilon negou que o pedido de gasolina feito a Vasco seria em troca de apoio político. Indagado pelo Promotor Eleitoral sobre ter referido em mensagem de WhatsApp que usaria o adesivo de Vasco e que “sabe que sou Vasco”, em troca do combustível, declarou que apenas falou isso porque procuraria ajuda de Vasco em qualquer momento.

 

No entanto, como se pode observar das mensagens constantes no item 1.2.1 “a” da petição inicial, obtidas por meio da extração de dados do telefone do representado, o eleitor solicitou o fornecimento de gasolina, por baixo dos panos, para ir à cidade de Santiago fazer um exame, afirmando que Vasco poderia contar com ele, pedindo um adesivo da campanha e dizendo que “sabe que sua Vasco” (sic). Tais circunstâncias deixam clara a vinculação da vantagem solicitada com o voto no candidato. Diga-se ainda que o eleitor fala em uma das mensagens “daí é só arrumar teu adezivo” (sic).

 

Em resposta, Vasco disse que não conseguiria fornecer gasolina, mas que ajeitaria um carro para levar o eleitor, indicando que o contatariam em seguida e confirmando que “dru certo amigo” e “sim mas amanhã acerta” (sic).

 

Portanto, está clara a prova documental que demonstra a “negociação” entre o candidato e o eleitor beneficiário, o qual confirma seu apoio político na eleição, vinculando-o ao benefício solicitado, bem como a promessa, por parte de Vasco, de fornecimento de um carro para levá-lo à cidade de Santiago.

 

b) Eleitora – Francieli da Silva Garcia

 

A representação aponta que, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, em 08/10/2020, Vasco prometeu R$ 50,00 (cinquenta reais) para Francieli da Silva Garcia, mediante troca de mensagens pelos aplicativos facebook messenger e Whatsapp, e, em 12/10/2020, prometeu e doou quantidade não especificada de gasolina, em ambos os casos com a intenção de obter o voto da eleitora.

 

Na audiência de instrução, Francieli negou condicionar seu voto em troca do recebimento de dinheiro, tendo declarado que não recebeu o valor de R$ 50,00 solicitado, nem a gasolina para participar da carreata, a qual custeou de seu próprio bolso.

 

Mais uma vez se nota depoimento com conteúdo que se opõe às mensagens descritas no item 1.2.1 “b” da petição inicial e extraídas do celular do representado.

 

Nelas, se verifica que, em 08/10/2020, Francieli fez contato com Vasco pedindo dinheiro para gasolina para levar uma sobrinha a Santa Maria, ao que ele responde para procurá-lo na Câmara até as 14h, pois, pelo aplicativo, seria “difícil falar” e a eleitora diz “Ja vou ai” (sic). Cerca de uma hora depois, a eleitora faz novo contato pedindo um pouquinho mais, o que já ajudaria e ela daria jeito no resto, perguntando se poderia ir pegar. Ato contínuo, Vasco responde “sim 50,00 arrumei” e a eleitora confirma “Ta bom” “Ja me ajudou” “Daqui apoquinho vou ai” (sic).

 

Já no dia 12/10/2021, Francieli solicitou gasolina para participar de carreata, sendo que Vasco prometeu lhe dar 5 litros. Disse que daria 20 reais para que ela colocasse a gasolina e, em seguida, mencionou que deixaria pago no Posto do Índio, pedindo a placa do carro para deixar autorizado e tendo confirmado, em seguida, que estaria autorizado.

 

Ressalte-se que tal gasto com combustível não foi discriminado na prestação de contas da campanha de Vasco (processo 0600172-55.2020.6.21.0079).

 

A vinculação entre o voto e as vantagens obtidas é extraída do contexto no qual foi realizado e atendido o pedido da eleitora, sendo importante mencionar que, no dia da eleição, após a divulgação do resultado, Francieli enviou mensagem a Vasco dizendo “Meus parabéns meu candidato tu merece” (sic).

 

É de se observar, das mensagens extraídas, que Francieli faz dois pedidos a Vasco em dias diversos, sendo que, no segundo, nada diz sobre não ter recebido o primeiro, o que corrobora o entendimento de que, de fato, recebeu a vantagem solicitada, o que sequer seria necessário para a configuração da captação ilícita de sufrágio por parte do representado, bastando a promessa de fazê-lo.

 

c) Eleitor – Charles Eduardo Merck Barbo

 

A representação aponta que, em 10/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Vasco prometeu a doação de dinheiro para Charles Eduardo Merck Barbo, mediante troca de mensagens pelo aplicativo facebook messenger, com a intenção de obter o voto do eleitor e de parentes dele.

 

Na audiência de instrução, Charles declarou que reside há 12 anos em Caxias do Sul e, até o momento, não transferiu o seu domicílio eleitoral para aquela cidade para ter um motivo para vir a São Francisco de Assis visitar a família e amigos e como justificativa para a ausência ao trabalho. Confirmou que solicitou o valor para gasolina a Vasco porque tem custo de deslocamento, mas disse que o pedido não foi aceito. Disse não se lembrar de ter passado os seus dados bancários em mensagem de WhatsApp para Vasco.

 

Conforme se extrai do tópico 1.2.1 “c” da petição inicial, Vasco, em sua primeira mensagem enviada a Charles já menciona que está “atrás de voto”. Em seguida, o eleitor diz que está pensando em ir a São Francisco de Assis votar, mas se preocupa com o gasto, acrescentando que “Lá em casa estamos todos sem definição” e “Somos em 7 lá e daqui vai 3” (sic). Algumas mensagens da conversa são apagadas por orientação de Vasco, mas se pode ler que Charles fala que “O gasto de gasolina é 300 reais ida e volta da 810 km”, ao que se seguem mensagens de Vasco que foram apagadas e Charles responde “Ajuda sim” “Daí vamos contigo todos la” (sic).

 

Além disso, consta dos autos mensagem encaminhada por Vasco à sua assessora Geiza com os dados bancários de Charles, além de seu nome completo, o que demonstra que tal mensagem foi encaminhada por algum contato para Vasco e por ele à Geiza, bem como individualiza que os dados bancários são da mesma pessoa que havia trocado mensagens com o candidato. Tudo ocorreu na mesma data e em um intervalo de, aproximadamente, uma hora.

 

Apesar de algumas mensagens terem sido apagadas por Vasco, fica clara a configuração de promessa de dar dinheiro para que o eleitor viesse a São Francisco de Assis e, em conjunto com mais 9 membros de sua família, todos ainda sem definição de candidato para as eleições, votassem no representado.

 

d) Eleitores – Márcio José Lunardi Paz e outros

 

A representação aponta que, em 10/11/2021, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Vasco prometeu a quantia de R$ 90,00 (noventa reais) a Márcio José Lunardi Paz, mediante troca de mensagens pelo aplicativo facebook messenger e encontro na Câmara de Vereadores de São Francisco de Assis, com a intenção de obter o voto do eleitor e de cinco conhecidos dele.

 

Na audiência de instrução, questionado pela defesa, Márcio confirmou que havia solicitado o valor de R$ 90,00 a Vasco. No entanto, disse que o valor se referia a um serviço de pedreiro que havia realizado cerca de um mês e meio antes das eleições e que, até aquele momento, não havia sido pago. Confirmou que foi até a Câmara de Vereadores pegar R$ 50,00 com Vasco e que o restante do valor (R$ 40,00) não foi pago. Sustentou que os votos que conseguiria para o vereador seriam de sua esposa e familiares.

 

A versão apresentada em audiência não se mostra crível se confrontada com as mensagens juntadas no item 1.2.1 “d” da petição inicial. Isso porque Márcio inicia dizendo que Vasco sabe que pode contar com ele e garante conseguir cinco votos na obra, no entanto, em seguida e na mesma mensagem, complementa dizendo que queria ver se podia contar com o representado para lhe dar a quantia de R$ 90,00, a qual precisaria que fosse fornecida até as 14 horas daquela data. Vasco respondeu algo e apagou a mensagem, mas, em seguida, consta que Márcio perguntou “pego com o senhor ai na camara” (sic), ao que Vasco respondeu que sim.

 

Portanto, a intenção de obtenção de voto, bem como a promessa de vantagem por parte de Vasco estão caracterizadas, pois Márcio afirma que garante seu voto e de mais cinco eleitores que trabalham em sua obra, condicionando ao fornecimento do valor de R$ 90,00 do candidato.

 

Nas mensagens trocadas, Márcio nada fala sobre a prestação de serviços de pedreiro a Vasco, tampouco sobre os votos que garantia serem de seus familiares, conforme sustentado em audiência; pelo contrário, afirma expressamente que os votos seriam de pessoas de sua obra.

 

e) Eleitores – Vilma Montanha Viana, Gilberto e Liane

 

A representação aponta que, em 15/11/2020, dia do pleito municipal, Vasco prometeu o pagamento de dinheiro para custear a viagem de eleitores de Porto Alegre, consistentes em familiares de Vilma Montanha Viana, mediante conversas mantidas com Vilma através do telefone celular cadastrado no nome da irmã de Vilma, Rozângela, com a intenção de obter o voto da eleitora Vilma Montanha Viana e de seus familiares, incluindo nestes as pessoas identificadas na ligação como Gilberto (que falou em duas oportunidades com Vasco) e Liane.

 

Na audiência de instrução, Vilma negou que Vasco tenha pago algum valor para que Gilberto e Liane retornassem a Porto Alegre. Disse que pediram ajuda apenas porque o combustível é muito caro, mas Vasco não ajudou.

 

Em sede de alegações finais, o Ministério Público Eleitoral mencionou que tal fato não foi suficientemente confirmado na audiência de instrução, tendo em vista que, apesar de haver a confirmação da promessa feita por Vasco, a única prova consistente do fato data de 16/11/2020, isto é, dia seguinte às eleições.

 

Portanto, sem maiores delongas, acolhendo a fundamentação ministerial, deixo de reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio quanto ao presente fato.

 

f) Eleitora – Rosalina Gonçalves Messa (Rosa)

 

A representação aponta que, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, em 07/11/2020, Vasco prometeu o pagamento de uma conta de água, no valor de R$ 47,52, para Rosalina, e, em 09/11/2020, prometeu a entrega de mais R$ 100,00, em ambos os casos com a intenção de obter o voto da eleitora.

 

As provas destes fatos estão contidas nos arquivos de áudio “Voz 011” e “Voz 014”, respectivamente, gravados pela eleitora em visitas realizadas por Vasco à sua residência.

 

Reputadas lícitas tais gravações, conforme fundamentado no tópico 2.1.4 da presente sentença, da leitura da transcrição se extrai a prática de captação ilícita de sufrágio, conforme descrito no item 1.2.1 “f” da petição inicial.

 

Isso porque, na primeira oportunidade, sem prévio pedido da eleitora, Vasco, espontaneamente, questionou o valor das contas de água em atraso e se comprometeu a pagar uma delas. O candidato também mencionou que ainda poderia ajudar muito a eleitora e demonstrou ter consciência da ilicitude de sua conduta, uma vez que afirma, a partir do minuto 04:30, que “(…) mas não dá nem pra dizer, né?”, “Eu vou, eu vou pra cadeia” e “Me cassam a candidatura”.

 

Já no dia 09/11/2020, Vasco prometeu a entrega de R$ 100,00 para Rosa abastecer o tanque (minutos 02:13 e 05:10 do arquivo “Voz 014”), também de forma espontânea, referindo, ainda, que procurava falar pouco ao telefone pois tinha receio de ser “grampeado” (minuto 00:29 do arquivo “Voz 014”) e de ser “cassado por um saco de cimento” (minuto 00:55 do arquivo “Voz 014”). Na mesma gravação, seguiu afirmando, com naturalidade, a partir do minuto 02:27 a 02:32, que “o que o Ananias puder fazer ele vai fazer, eu não tô me metendo porque eu fico fora”, novamente afirmando que “me cassam” (minuto 02:44), e que preferia ir até a casa de Rosa em vez de falar ao telefone (minuto 02:56). No momento, disse que “eu venho, prefiro vir aqui falar tête-à-tête contigo”, demonstrando temer que suas conversas telefônicas pudessem ser “grampeadas”.

 

De ambas as situações apresentadas se extrai a intenção de captar votos (de Rosa e dos destinatários das cestas básicas) mediante o oferecimento de vantagens. E mais, o temor manifestado pelo representado, quanto a ser preso ou cassado, demonstra a plena consciência da ilicitude da sua conduta, pois, caso contrário, não haveria motivos para não tratar as questões por telefone ou pedir sigilo quanto às tratativas e intermediação por terceiros (em relação às cestas básicas, o que será melhor analisado a seguir, em relação ao representado Ananias).

 

g) Eleitora – Elhanara Lopes de Carvalho

 

A representação aponta que, em 13/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Vasco prometeu o pagamento de passagem para deslocamento de Elhanara, com a intenção de obter o voto da eleitora.

 

Na audiência de instrução, Elhanara, quando questionada pela defesa de Vasco se o conhecia, disse que apenas “de rua”, mas não eram amigos de “se visitar um na casa do outro”. Na sequência, quando questionada se havia solicitado gasolina ou passagem a Vasco, no intervalo 01:53 a 01:56, confirmou o pedido, mas disse que era “de brincadeira com ele”. Quando indagada pelo Promotor Eleitoral, no intervalo 04:16 a 04:34, reafirmou que não era amiga íntima de Vasco. Perguntada, respondeu que não fez esse tipo de brincadeira com nenhum outro candidato.

 

Dos elementos descritos no item 1.2.1 “g” da petição inicial, verifica-se que, em 08/11/2020, a eleitora perguntou ao candidato se ele conseguiria gasolina para domingo, do que não obteve resposta. Em nova tentativa, em 13/11/2020, perguntou se Vasco lhe daria a gasolina ou a passagem. Em resposta, Vasco, orientou a eleitora a apagar a mensagem e dar um toque para ele, o que ocorreu cerca de uma hora depois, conforme registro de chamadas do celular do candidato, que, em seguida, retornou com uma chamada de duração de 01min13seg.

 

Já no dia da eleição, Elhanara mandou mensagem a Vasco pedindo que ele fosse pagar a passagem a ela, o parabenizando pelo resultado.

 

Portanto, perfeitamente demonstrado que, a fim de não produzir provas contra si, ciente da ilicitude do ato, Vasco pede para Elhanara apagar a postagem e ligar para ele, tratando da vantagem por meio de ligação, o que fica claro que foi negociado pela cobrança feita pela eleitora no dia da eleição, requerendo que o representado fosse até ela pagar-lhe a passagem. Ressalte-se que a extração de dados demonstra que não houve outras mensagens trocadas pelos interlocutores, o que descredibiliza a versão apresentada em audiência de que seria apenas uma brincadeira (até porque, conforme já mencionado, a eleitora afirmou que não tinha intimidade com o representado).

 

h) Eleitora – Vânia Maria Soares Otarão

 

A representação aponta que, em 03/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Vasco prometeu a doação de gasolina para deslocamento de Vânia para a cidade de Santa Maria, com a intenção de obter o seu voto.

 

Das mensagens juntadas no item 1.2.1 “h” da petição inicial, constata-se que a eleitora menciona que o “medico e particular”, que não gostava de ir na “Van da Saúde” porque o procedimento era “muito dolorido” e que tinha que ficar esperando (provavelmente pelo fato de ser necessário aguardar as demais pessoas se consultarem para que todos retornassem juntos na Van).

 

Na audiência de instrução, Vânia confirmou que havia solicitado dinheiro para gasolina, mas negou ter condicionado o seu voto ao atendimento do pedido. Declarou que se encontrava em desespero, pois precisava fazer uma biópsia e que fez tal pedido sem se dar conta de que era período eleitoral. Disse que não foi a Santa Maria por não ter conseguido o dinheiro. Declarou, ainda, que Vasco lhe disse para ir na “Van da Saúde”. Afirmou que só foi na consulta médica “bem depois”, quando conseguiu “levantar o dinheiro” e que não votou no pleito municipal porque não se sentia bem (“tava ruim mesmo” - intervalo 04:10 a 04:12).

 

Em alegações finais, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo não reconhecimento da captação ilícita de sufrágio quanto a este fato.

 

Dentre as mensagens constantes no item 1.2.1 “h” da petição inicial, há uma em que Vasco menciona “Mas eu arrumo aqui”. No entanto, logo em seguida, Vasco diz que “sim deixa eu ver de tarde se fala pode ser”. Depois disso, não há diálogo entre os interlocutores que confirme a efetiva promessa de vantagem à eleitora, de modo que não há conduta ilícita a ser reconhecida.

 

Com efeito, as reproduções de mensagens enviadas via WhatsApp, revelam que o eleitor Odilon Cristiano dos Santos de Lima solicitou auxílio para ir ao Município de Santiago, com a finalidade de realizar um exame médico e que o candidato Vasco prometeu um carro para levar o eleitor, sendo que a contrapartida do voto ressai do pedido de adesivo e da garantia pontuada pela frase “sabe que sou Vasco”.

Sobre Francieli da Silva Garcia, as conversas demonstram que, em 08.10.2020, a eleitora se apresenta como “filha da zena” e solicita ajuda para a gasolina, pois precisa ir para Santa Maria, dizendo “Vasco precizaria duma ajuda ninguém quer me ajudar” e “Precizo ir a santa maria amanha to sem dinhiro para por gasolina no carro vc nao, vc e minha ultima salvação, me da essa força meu amigo”. Em sequência, Vasco questiona se é para “consulta”, sendo respondido que é para levar a sobrinha, que, por ser “menor”, não poderia viajar sozinha, sendo-lhe, então, prometido o auxílio de R$ 50,00 (ID 44850843).

Em todos as aspectos da conversa, não há evidências de que a liberalidade tenha sido efetivada em troca do voto, uma vez que não há qualquer referência, ainda que implícita, nesse sentido.

Ainda que, em 15.11.2020, a eleitora tenha parabenizado o candidato pelo resultado do pleito, referindo: “Meus parabéns meu candidato”, tal mensagem não demonstra a captação ilícita, que exige prova cabal do fim específico de obter voto do eleitor beneficiário.

Posteriormente, em 12.10.2020, consta o pedido e a promessa de 5 litros de gasolina, a ser obtida no “Posto do Índio”, a pretexto da realização da carreata na Coligação “UPA”, embora o suposto gasto de campanha não tenha sido declarado à Justiça Eleitoral (PCE n. 0600172-55.2020.6.21.0079).

Conforme as mensagens trocadas (ID 44850844), Francieli pede gasolina para o fim específico de participar da carreata, ao que Vasco responde: “te dou uns 5 litros eles não estao dando”. Após, a eleitora pede um pouco mais de combustível, alegando que “com 50 reais eu faço toda carreata”, porém o candidato recusa uma entrega maior, apontando que “com 5 litros tu faz tranquilo”. Ante a insistência de Francioli (“Deixa 30 amigo. Como ele tá na reserva tenho medo de ficar na rua”), Vasco afirma: “não posso eu tenho limite de gasto”. Ao final, a eleitora pergunta: “Tu não me concegui uma bandeira da upa”.

Logo, a prova dos autos revela o fornecimento de combustível deu-se, de fato, para a participação de ato de campanha, estando o benefício limitado a tal contexto, o que desconfigura a captação ilícita de sufrágio, especialmente ante a ausência de qualquer pedido implícito ou explícito de voto.

Nessa linha, a jurisprudência tem o entendimento pacífico que, quando o fornecimento de combustível se restringir a abastecer veículos de apoiadores e pessoal de campanha, em quantidade razoável à realização dos atos de mobilização e propaganda, hipótese dos autos, não há prática de ilícitos (TSE - RESPE: 53865/MS, Relator: Min. Jorge Mussi, DJE de 24.10.2019; e AgR-AI: 11434/RJ, Relator: Min. Laurita Hilário Vaz, DJE de 11.02.2014).

Por sua vez, o eleitor Charles Eduardo Merck Barbo solicitou R$ 300,00 para se deslocar com sua família de Caxias do Sul até São Francisco de Assis para o voto, dizendo “somos em 7 lá” e “daqui vai 3”, bem como que “daí vamos contigo todos lá”.

Em sequência, a secretária do candidato, Geiza, recebe o encaminhando dos dados bancários de Charles, circunstância suficiente para que se conclua que o pedido foi aceito em alguma extensão, sendo despicienda a demonstração de que o pagamento tenha sido efetivamente realizado para a caracterização da captação ilícita de sufrágio.

Depreende-se que a solicitação de R$ 300,00 teve como evidente contrapartida os votos da família e que a proposta foi aceita pelo candidato.

Em relação a Márcio José Lunardi Paz, consta que o eleitor solicitou R$ 90,00 até as 14 horas do dia 10.11.2020, acrescentando a afirmação: “pode contar comigo e le garanto 5 votos aqui na minha hobra”. Em sequência, o eleitor questiona: “pego com o senhor ai na camara”, obtendo como resposta do candidato: “sim”, restando inequívoca a negociação financeira sob a oferta de votos.

Entretanto, entendo que não há provas suficientes em relação à captação ilícita do voto de Rosalina Gonçalves Messa, mediante a promessa de pagamento de uma conta de água, no valor de R$ 47,52.

Retomo a transcrição da referida conversa:

[…].

 

ROSALINA: Aí ontem eu falei com o Vasco lá embaixo, tava lá na Vila Nova, e fui a noite, era 11 hora, meia noite quase quando eu cheguei em casa. Porque eu conheço todo mundo, né? Eu tinha bar, eu tive restaurante lá nos Aguiar. O pessoal me conhece muito. E aí eu andei por meio dessas pobreza por aí, cara! Tem gente que se paga água não tem pra comprar uma comida pros filho, tem outros que não tem nem pra água nem pra comida, tão com aviso de corte. Eu disse “não vão longe, eu também to” (risos). É, eu ando bem ruim, né? E pagando exame. A gente ganha um salário mínimo, né? Não consegue, o remédio que eu to tomando, na Farmassis saiu 47, mas se não fosse aposentada era 70. Mas eu tenho uma caixa de remédio ali, ó. Aí me apertei, to com uns nódulo no seio, né? Tenho uma prótese que tá sol... froxa, to com pedra no rim que tem que fazer cirurgia, então eu to gastando um monte com remédio. Aí me apertei, ai eu disse pra Jô, daí ela (inaudível) disse “vó segunda eu vou dar jeito de pagar uma dessas, senão vão te cortar mesmo”.

VASCO: Que que é isso aí?

ROSALINA: Eu to com um aviso de corte de água (risos).

VASCO: Mas quanto que é isso aí?

ROSALINA: 47 pila uma e 38 outra.

VASCO: Não, uma eu pago pra ti, mas não dá nem pra dizer, né?

ROSALINA: Não, mas é falta, mas imagina, nós ganhamo 500 pila.

VASCO: Eu vou, eu vou pra cadeia!

ROSALINA: Não, capaz!

VASCO: Me cassam a candidatura.

ROSALINA: Deus o livre!

VASCO:E eu posso te ajudar muito ainda.

ROSALINA: mas Vasco, capaz.

VASCO:e até pra, pra…

ROSALINA: Não, daí assim ó.

VASCO: eu ah, qual é que... me dá uma

ROSALINA: a Jo disse que ela pagava uma pra mim segunda pra não me cortarem.

VASCO: tá, então essa aqui eu pago, eu pago a outra, eu te ajudo

ROSALINA: uma de 48 e uma quarenta e, essa aqui é 42. Mas me dá o dinheiro que daí eu pago

VASCO: Mas eu não tenho aqui, então eu venho te pegar amanhã aqui, segunda.

ROSALINA: Segunda, daí.

VASCO: Pode ser? Então eu venho pegar segunda aqui.

ROSALINA: Isso

VASCO: Pode deixar. Fica aí, é bom tu ficar contigo…

ANANIAS: Mas é melhor tu levar e manda alguém pagar.

ROSALINA: Mas e se alguém vê ele com isso?

VASCO: Não não.

ANANIAS:Manda alguém da tua confiança pagar.

ROSALINA: Aham.

ANANIAS: Claro.

ROSALINA: Né?

ANANIAS: Tu guarda esse papel e manda alguém da tua confiança pagar.

VASCO: E a água tão cortando!

ROSALINA: Tão, e aí não, eu contando pra ele, eu fui por essas casinha aqui pra…

VASCO: Eu peço pros guri pagá. Depois (inaudível) pagando fica (inaudível).

ROSALINA: Sabe? Tem gente aqui em roda.

VASCO: Mas fica na tua, né?

ROSALINA: Mas capaz! Eu sou cancheira véia.

VASCO: Eu sei, eu sei, eu sei.

ROSALINA: Vocês me conhecem!

VASCO: Eu sei, te conheço, ela é 15.

 

Além disso, a despeito das precauções assumidas pelos interlocutores, não se vislumbra a finalidade específica de prometer vantagem em contrapartido do voto de Rosalina, a qual, consoante anteriormente exposto, já trabalhava como cabo eleitoral dos próprios demandados.

Desse modo, ainda que houvesse uma intenção de garantir a simpatia ou lealdade da militante, não se mostra plausível a caracterização de captação de sufrágio de quem já se mostrava engajada na eleição do suposto corruptor e, inclusive, cooptava outros eleitores com a entrega de cestas básicas, consoante se analisará adiante.

No tocante à eleitora Elhanara Lopes de Carvalho, a troca de mensagens obtida demonstra que a eleitora solicitou combustível ou passagem a fim de votar no Município no dia do pleito. A aceitação da proposta em troca do voto é aferida pela própria orientação de Vasco para que apagasse a mensagem e ligasse para ele, expondo a precaução de não produzir registros que pudessem representar prova do ilícito.

Posteriormente, no dia da eleição, a eleitora cobrou a promessa: “vem pagar a passagem pra mim”.

Além disso, em audiência judicial, Elhanara confirmou que foi votar de ônibus, porém disse que fez apenas uma brincadeira com o candidato, o que não se coaduna com a afirmação anterior de que não é amiga íntima de Vasco, mas apenas o conhece.

Por outro lado, os fatos envolvendo as eleitoras Vilma Montanha Viana e Vânia Maria Soares Otarão foram consideradas pela sentença sem suporte probatório suficiente para um juízo de certeza sobre a captação ilícita de sufrágio, não cabendo maiores digressões sobre tais pontos ante o recurso exclusivo dos candidatos.

 

III.1.1.2 Jeremias Izaguirre de Oliveira

Em relação ao recorrente Jeremias Izaguirre de Oliveira, assim fundamentou a decisão combatida:

2.2.1.2- Jeremias Izaguirre de Oliveira

 

a) Eleitoras – Maria de Fátima Soares de Almeida e Monique de Almeida Frigo

 

A representação aponta que, em dia não especificado, mas certamente entre os dias 20 de outubro e 13 de novembro de 2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Jeremias prometeu emprego ou função pública para Monique, mediante troca de mensagens SMS com a genitora dela, Maria de Fátima, com a intenção de obter o voto da eleitora Maria de Fátima e de seus familiares, inclusive de Monique.

 

Maria de Fátima não foi arrolada como testemunha. Já Monique, que o foi, na audiência de instrução, negou que sua mãe ou ela própria tivessem solicitado estágio para ela em troca de voto da família. Quando indagada pelo Promotor Eleitoral se havia participado das conversas de sua mãe com Jeremias, declarou que participou de algumas, mas que não orientava sua mãe a falar, não sabendo o conteúdo das conversas.

 

Conforme mensagens juntadas no item 1.2.2 “a” da petição inicial, em 20/10/2020, a eleitora Maria de Fátima enviou SMS para o candidato a Vice-prefeito Jeremias, cobrando visitas suas e do candidato a Prefeito, Paulo Renato. Na oportunidade, escreveu que “Boa tarde resolvi nao vou votar em vcs motivo candidato prefto nao fez uma visita o pai falava nele agora o pai piorou nao anda e fala muito pouco geralment visitamos os contras n aqueles q sao nossos. Esperavamos a visita dele mas nao tivemos o previlegio. Por um voto se ganha e por um se perde pensa nisso. Abracos” (sem grifo no original).

 

No dia 13/11/2020, o representado Jeremias enviou mensagem ao representado Paulo Renato pelo aplicativo Whatsapp, informando que “tu vai ter que visitar a Fatima ptofessora. Irma do seu Airton motorista”.

 

Posteriormente, em troca de mensagens realizada em 13/11/2020, antevéspera da eleição, Maria de Fátima perguntou ao representado “Oi jeremias preciso saber se q tu falou esta d pe a monique fzer estgio da fculdad na prefeitura? E se nao tens alguma coisa la tbem mas q seje remunerado me rspnd por favor. Abraco”. Em resposta, Jeremias enviou mensagem dizendo “Firme o estagio”.

 

Das poucas mensagens trocadas entre os interlocutores, às vésperas da eleição, verifica-se que Maria de Fátima, na primeira, diz que não vai votar nos representados e alerta Jeremias quanto à possibilidade de se perder uma eleição pela diferença de um voto. Diante das mensagens, com finalidade certa de angariar votos, o que se extrai do próprio contexto e do momento em que trocadas, Jeremias pede que Paulo Renato visite a residência (o que não configura qualquer ilícito eleitoral) e também promete vaga de estágio para a filha da eleitora dizendo que ele estaria “firme”.

 

b) Eleitores – Simiele de Lima Medeiros, Rozane Teresinha Carvalho de Lima e outros.

 

A representação aponta que, em 08/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Jeremias prometeu dinheiro para eleitores vinculados a Simiele, incluindo sua genitora, mediante troca de mensagens pelo aplicativo Whatsapp, com a intenção de obter o voto da eleitora Simiele de Lima Medeiros, da mãe dela, Rozane Teresinha Carvalho de Lima e de outros membros do núcleo familiar.

Na audiência de instrução, Simiele declarou que trabalhou na campanha eleitoral do candidato a vereador Bordelinha de forma voluntária. No entanto, no intervalo 02:24 a 02:31, confirmou que pediu gasolina a Jeremias, pois ele sempre foi o seu candidato e agora sua mãe estava morando “para fora” (leia-se, no interior do município). Negou ter recebido qualquer auxílio para combustível, tanto que sua mãe não teria votado em razão disso (intervalo 02:52 a 03:15). Ainda, quando questionada pela defesa se o pedido de ajuda para a gasolina seria em troca de voto, declarou que não porque sempre votavam em Jeremias. A partir do minuto 5:44, quando indagada pelo Promotor Eleitoral sobre as mensagens trocadas com Jeremias, confirmou que havia pedido o auxílio para seus familiares. Recordou da promessa de Jeremias de entregar a gasolina, bem como da vinculação a um candidato a vereador.

 

Em seu depoimento pessoal, realizado a pedido do próprio representado, Jeremias confirmou que prometeu gasolina a Simiele, justificando que, como ela tinha ajudado durante a campanha, não poderia negar ajuda a sua família.

Contudo, os depoimentos prestados em juízo, ambos por interessados no deslinde da causa, sendo um deles o representado, não afastam o conteúdo das mensagens descritas no item 1.2.2 “b” da petição inicial.

 

Nelas fica evidente o pedido de benefício em troca de votos. A própria eleitora menciona, de antemão, que, se não fosse dada a gasolina, os eleitores não teriam condições de ir votar: “Viu vamos ter que consegui uma gasolina pra vir 4 la de fora votar pra nós eles não vao vim votar porque não tem gasolina”. Em resposta, Jeremias disse “Te dou a grana”, “Mas em parceria com o Rudi”, “Rudinei Cortrse”, “Meu ex assessot”, “Candidato do PDT”, “To ajudando ele”, “Ta. Eu consigo a gasolina”, “Deixa quieto que te dou”, “E tu pede uma mao pro Rudi”, referindo, ao final, o número do candidato a vereador pelo PDT Rudinei Cortese “12222”. Na conversa, Simiele chega a referir que “eles” (seus familiares) votariam em “melo” (que foi candidato a vereador pelo MDB), mas, após a confirmação da promessa de recebimento da gasolina por Jeremias e do seu pedido de voto para Rudinei, ela referiu expressamente que “Sim 2 votos eu consigo pra ele”.

 

Dessa forma, caracterizada a captação ilícita de sufrágio.

 

c) Eleitores – Enajara Lanes Velho e outros

 

A representação aponta que, em de 28/10/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Jeremias prometeu transportar a adolescente Dandara Velho Pinto, filha de Enajara, mediante troca de mensagens pelo aplicativo Whatsapp, com a intenção de obter o voto da eleitora Enajara e de outros membros do núcleo familiar.

 

Na conversa referida no item 1.2.2 “c” da petição inicial, Dandara Velho Pinto solicitou a Jeremias auxílio para conseguir um veículo e motorista para levá-la a um torneio de futebol em outra cidade, sendo que ela própria arcaria com o custo do combustível. Em resposta, Jeremias disse que “Quantos votos me arruma? Te levo”. Ato contínuo, a adolescente enviou as seguintes mensagens “todo mundo aqui de casa” e “Família grande né kkkk”.

 

Na audiência de instrução, Marlei Teresinha Lanes Velho, avó de Dandara e sua guardiã, declarou que a acusação não procedia porque Dandara e Jeremias eram amigos e jogavam juntos. Relatou que Jeremias não levou Dandara ao torneio, pois fora cancelado em razão da pandemia. Mencionou que tinha ciência da negociação do transporte entre a neta e Jeremias, mas que ele já havia ajudado em outras oportunidades.

 

O Ministério Público Eleitoral, em memoriais, sustentou a improcedência da representação no ponto, pela ausência de comprovação nos autos de que Dandara, adolescente, que não é eleitora, transmitiu as mensagens de Jeremias aos seus familiares.

 

De fato, direcionada a mensagem a adolescente que não é eleitora e sem a demonstração cabal de que o seu conteúdo sequer chegou ao conhecimento de eleitores, não há captação ilícita de sufrágio.

 

d) Eleitores não determinados, mas determináveis – irmã de Lucinara de Lima Kister e o indivíduo identificado como “Li”

 

A representação aponta que, em 05/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, o representado Jeremias prometeu R$ 200,00 para que a eleitora identificada como irmã de Lucinara de Lima Kister, contato gravado pelo representado como “Prima da M8ma”, se deslocasse de Chapecó – SC para São Francisco de Assis – RS, mediante troca de mensagens com a irmã da eleitora pelo aplicativo Whatsapp, com a intenção de obter o voto dela e da pessoa identificada como “Li”.

 

Na audiência de instrução, Ibraima Lanes de Oliveira, tia de Jeremias e avó de Lucinara, declarou que Jeremias não pagou o valor de R$ 200,00. Mencionou que suas netas tinham lhe dito que pediriam dinheiro para Jeremias, o que ela não aceitou, afirmando, ainda, que foi ela própria, Ibraima, que custeou a viagem de Chapecó/SC até São Francisco de Assis/RS para as netas virem votar em Jeremias. Indagada pelo Promotor Eleitoral se, mesmo diante da informação de que a vó custearia a viagem, Jeremias havia conversado com as primas, respondeu que “acho que ele nem conversou com elas”, nada referindo sobre a troca de mensagens que relatada no item 1.2.2 “d” da petição inicial.

 

Conforme consta, Lucinara encaminhou a Jeremias, pelo Whatsapp, um áudio de autoria de sua irmã, cujo conteúdo é o seguinte: “Oi, Lu. Viu, vê se tu consegue a passagem com o Jeremias que daí eu e o Li vamo ir pra votar, mas daí tem conseguir nem que seja a metade, né, porque a gente gasta um monte pra ir até aí. Se tu conseguir, daí a gente vai ir...” (sem grifos no original). Em seguida, Lucinara disse a Jeremias “a mana mandou eu ver contigo” “Se tu não conseguiria”. Ato contínuo, Jeremias perguntou onde ela estava e, diante da resposta, prometeu arrumar R$ 200,00 para ela. Em 13/11/2020, antevéspera da eleição, a interlocutora confirma que “A mana já veio”.

 

Portanto, resta demonstrada a promessa do representado de fornecer R$ 200,00 para viabilizar o deslocamento da irmã de Lucinara e de “Li” de Chapecó/SC a São Francisco de Assis/RS para votar nele, o que não aconteceria sem a mencionada ajuda financeira, de acordo com a própria interlocutora.

 

e) Eleitores – Erecina Miller e outros

 

A representação aponta que, em 04/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Jeremias prometeu vantagem para a eleitora identificada como sendo Erecina Miller Hemann, mediante troca de mensagens pelo aplicativo Whatsapp, com a intenção de obter o voto da eleitora e de outros membros do núcleo familiar em troca de conseguir um serviço de retroescavadeira na propriedade rural dos eleitores.

 

Na audiência de instrução, Erecina declarou que Jeremias não havia a procurado prometendo que encaminharia uma retroescavadeira se ela votasse nele, mas, sim, que ela havia procurado por ele. Em sequência, mencionou que ela e seus vizinhos precisavam de água e havia uma retroescavadeira próxima da localidade onde moram, de modo que enviou mensagem a Jeremias para solicitar o serviço, pois ele era o único político de quem tinha o contato. Questionada pela defesa se havia dito que se ele não providenciasse a retroescavadeira não votaria nele, respondeu que é conhecida de Jeremias desde que era criança, afirmando ainda, que a conversa dela com Jeremias “é num tom de brincadeira”. Indagada pelo Promotor Eleitoral se o tom de brincadeira se referia à eleição, confirmou que sim. Perguntada se mencionou a Jeremias que ele teria que enviar a retro antes da eleição, confirmou que sim. Questionada se referiu que tinham falado que não votariam em Jeremias e que ela enviaria mensagem, confirmou que sim. Por fim, indagada se mencionou que “Ma daí vamo vê se salvemo esses teus voto aqui, né? Pelo menos se vão votá pra ti são cinco voto...”, novamente confirmou, aduzindo que essa e as outras vezes tinha falado em tom de brincadeira.

 

O item 1.2.2 “e” da petição inicial explicita a troca de mensagens entre a eleitora e o representado, entre os dias 03 e 04/11/2020, na qual a eleitora solicita a intervenção do representado para providenciar o serviço de uma retroescavadeira para sua propriedade rural, tendo em vista que precisaria fazer um poço de água. Na conversa, Erecina menciona que Jeremias teria que mandar a retroescavadeira ao local antes da eleição e alerta “Oia que ta chegando a eleição”. A eleitora vincula diretamente o pedido às eleições, mencionando ao então candidato que as pessoas estariam dizendo que não sabiam se votariam nele. Após, Jeremias envia áudio a Erecina dizendo que “Olha só, o caminhão já foi praí carregar essa retro. É, saiu agora de manhã daqui. Aí ela tá tentando ver se consegue contato com ele pra tentar interferir. Seria o último serviço pra ti então, aí. Só porque ele concluiu o trabalho aí e não tava escrito esse teu pedido aí, nessa situação, nessa equipe da retro, ta na outra, né? Mas aí, se, se conseguir intervir, o Paulinho mesmo vai ligar, tá tentando ligar pro cara, pra ver se consegue intervir fazer pra ti antes de saírem.”. Erecina responde a Jeremias “Tá, tá bem, Jeremias! Qualquer coisa aí se falemo, então. Se conseguir ta bem melhor, senão fica pra outra vez, mas daí na outra vez que vim...” e “Ma daí vamo vê se salvemo esses teus voto aqui, né? Pelo menos se vão votá pra ti são cinco voto. De repente. Ma daí se falemo, então.”.

 

A representação demonstra, ainda, quanto ao ponto, que, enquanto trocava mensagens com a eleitora, Jeremias fez contato com “Wladi” para quem repassou os áudios dela, além de ter mandado mensagem pedindo “Me ajuda aí” e “Veja com a Carine”, se referindo a Karine Lanzanova dos Santos, Secretária Municipal de Agricultura.

 

“Wladi”, então, enviou a Jeremias o contato da Secretária Municipal, para quem o representado ligou em seguida, conforme consulta às ligações telefônicas do representado.

 

Karine foi ouvida em juízo e afirmou que não havia influência de outras pessoas na execução de serviços da Secretaria de Agricultura. No entanto, entendo que, seu depoimento deve ser considerado com ponderação, possuindo baixa carga probante, por se tratar de pessoa diretamente interessada no resultado do processo – uma vez que continua sendo Secretária Municipal na atual gestão, capitaneada por dois dos representados –, além de ser filiada ao partido político MDB e de ter confirmado, quando questionada pelo Promotor Eleitoral, que possui interesse pessoal no processo.

 

Portanto, se mostra inequívoca a intervenção do representado na ordem de prestação de um serviço público, tentando favorecer a eleitora Erecina mediante, a quem prometeu auxílio diante das ameaças de perda de votos caso não o fizesse, motivo pelo qual verifico a configuração da captação ilícita de sufrágio.

 

f) Eleitora – Rosângela

 

A representação aponta que, em 06/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Jeremias prometeu doações/colaboração para a eleitora identificada como Rosângela, mediante troca de mensagens pelo aplicativo Whatsapp, com a intenção de obter o voto da eleitora.

 

Na audiência de instrução, Rosângela Perroni declarou que não condicionou o seu voto ou o de demais integrantes da Igreja Assembleia de Deus – Ministério de Madureira à aquisição de risoto pelo representado. Declarou que Jeremias sempre colaborou com a Igreja e que ela contata os seus conhecidos, por meio de mensagens de WhastApp, oferecendo risoto e galeto, para levantar fundos para a Igreja. Indagada pelo Promotor Eleitoral acerca da mensagem de Jeremias em que ele diz “colabora comigo domingo...”, Rosângela confirmou que se referia à eleição, que os membros da igreja já teriam se comprometido verbalmente a votar em Jeremias, mas não em razão de ajuda específica nesse risoto, mas sim porque ele ajudava em outras oportunidades.

 

O Ministério Público, em memoriais, pugnou pela improcedência do pedido quanto ao presente fato em razão da inexistência de uma promessa específica, individualizada, havendo, no ponto, apenas uma promessa abstrata de sempre auxiliar a eleitora.

 

Portanto, acolhendo tal argumentação, entendo que não restou configurada captação ilícita de sufrágio.

 

g) Eleitora – Edila Batista

 

A representação aponta que, em 08/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Jeremias doou R$ 30,00 para Edila Batista, com a intenção de obter o seu voto.

 

Na audiência de instrução, Edila negou que Jeremias tenha pago ou prometido pagar a sua conta de luz. Em relação ao pedido de R$ 30,00 que fez, mencionando que seria “bem escondido”, negou ter relação com a eleição. Negou, também, que Jeremias tivesse doado ou prometido alguma vantagem durante o período eleitoral em troca de voto. Indagada pelo Promotor Eleitoral sobre as mensagens enviadas a Jeremias referindo que estava com dificuldade para pagar as contas de água e luz e sobre o pedido de cesta básica a Vasco, declarou que lhe disseram para procurar a Assistência Social. Na sequência, confirmou que Jeremias disse que o candidato a vereador Dilamar iria na sua casa, mas que este não foi. Confirmou que contatou novamente Jeremias e que este lhe perguntou se Dilamar teria ido, respondendo negativamente, ao que Jeremias disse que mandaria “outro”, mas não foi ninguém. Sobre o pedido da quantia de R$ 30,00, que Jeremias respondeu dizendo para abater do saldo dele, referiu que, na época, vendia frutas, e Jeremias havia deixado dinheiro para ela levar frutas para a mãe dele, sendo, então, dito por ele para abater o valor do montante que já estava em sua posse.

 

Consta no item 1.2.2 “g” da petição inicial que, em 08/11/2020, Edila enviou mensagem a Jeremias pedindo “Viu me consegue 30 reais de gazolina bem escondido preciso vender ums pessegos na rua e to sem gasolina”, ao que o representado respondeu “Pega daquele” “Abate do meu saldo”.

 

De fato, tomadas isoladamente, tais mensagens seriam insuficientes para configurar a prática de captação ilícita de sufrágio por parte do representado. No entanto, é necessário analisar todo o contexto. Primeiramente, as mensagens foram trocadas a poucos dias da realização da eleição. Além disso, a eleitora pede os R$ 30,00 de gasolina bem escondido. Caso abatimento referido nas mensagens trocadas se referisse a eventual negociação prévia de valor de crédito para a compra de frutas, não haveria a necessidade de o pedido de gasolina ser “bem escondido”. Tal circunstância também não restou satisfatoriamente esclarecida na audiência. No mais, o histórico das mensagens trocadas entre os interlocutores possui conteúdo que complementa a interpretação aqui dada, pois, em 01/10/2020, a eleitora pediu ajuda para o pagamento de uma conta de água e uma conta de luz, além de mencionar ter pedido uma cesta básica ao vereador Vasco, oportunidade na qual Jeremias informou que o “Dila” (Dilamar Salbego, candidato a vereador pelo PDT) iria até a casa da eleitora. Consta ainda, na representação que, na data de 05/10/2020, Jeremias questionou à eleitora sobre a visita de Dilamar, afirmando que se ele não tivesse comparecido, “arrumaria com outro”, sendo que o áudio enviado em resposta pela eleitora foi apagado. Em sequência, em outros dias, a eleitora pediu camisetas, uma bandeira e informações sobre a carreata da coligação.

 

Portanto, as mensagens constantes no anexo ID nº 59720030 da petição inicial e o contexto apresentado são esclarecedores quanto à ilicitude do fato e à configuração de captação ilícita de sufrágio.

 

h) Eleitor – Leonardo Lopes

 

A representação aponta que, em 05/11/2020, durante o período de campanha eleitoral, após o registro da sua candidatura, Jeremias prometeu vantagem pessoal ao eleitor Leonardo Lopes, com a intenção de obter o seu voto.

 

O item 1.2.2 “h” da petição inicial imputa ao representado a promessa de apoio para conseguir uma retroescavadeira para limpar um açude do eleitor. Os áudios foram degravados:

 

Áudio PTT-20201105-WA0029.opus

 

Leonardo: Ô Jeremias, comé que tá? É o Leonardo, tudo bem? Jeremias, já tentei de tudo que é ponta ali nã, tentiar uma retroescavadeira pra mim? Eu tenho uma chacrinha ali no Cinamomo, vou me apertar de água. Eu precisava duma retro só pra me limpar um açudizinho ali, eu tenho só uma bolinha, sabe? De água ali, de água não, é um... era um açude antigo ali tapou tudo, tem grama. Olha, uma hora ali já me resolvia. Ó já falei com Vasco, falei com Piruca, falei com todo mundo...vai lá nos lá naquela secretaria lá em cima ô, nunca tem ninguém, tu não me ajeita isso aí? Até mandei uma mensagem no facebook do Paulinho, do Paulinho Salbego agora também, nãm sei se ele vai vê. Eu to sem telefone, mas funciona só o whatsapp agora, não consigo fazer ligação, me botaram a tesoura nele. Maí tu vê, vê pra mim aí se tu não consegue me quebrar esse galho aí. Eu precisava até o final de semana, se consiguisse.

 

Áudio PTT-20201105-WA0030.opus

 

Leonardo: Eu falei com o Gambá também, mandei uma mensagem pru Gambá ali, daí ele disse que ia vê nas obra, num sei que lá, eu sei que vocês tão tocado de...de campanha, né? Fica até chato tá ficar xaropeando , má eu só to xaropeando pru que to precisando mesmo, se não, não, nem incomodava, né? Porque daí, se não, se não tiver como fazer até o fim de semana, eu vô te que paga uma retro pra ir lá pra mim.

 

Áudio PTT-20201105-WA0071.opus

 

Jeremias: Leonardo... tá na mão, Leonardo. Falei com o Gambá, aí nós tava sem nada, má daí vamo mandá um caminhão buscar uma retro lá fora... e aí depois vamo só te passa os horário que ela vai ficar a tua disposição, má tá na mão, viu? Vocês merecem, tá bom meu amigo? Um abraço.

 

Áudio PTT-20201105-WA0079.opus

 

Leonardo: Tá bem Jeremias, muito obrigado... é que já eu tinha pulado pra tudo que era lado e os lado errado... meu lado forte sempre foi tu. Vou te gavar um pouquinho agora tu me arrumou essa agora... não, má tá bem, temo que se ajudar, né?

 

Áudio PTT-20201105-WA0080.opus

 

Jeremias: Nosso lado forte é o PDT, Leonadro. (risos) Com nois não tem tranqueira. Qualquer coisa que precisar e eu puder, tamo junto, viu?

 

Do contexto trazido aos autos pela degravação dos áudios, tenho que aqui, mais uma vez, se configura infração eleitoral de captação ilícita de sufrágio.

Não há nada de ilícito na prestação de serviço pelo Município a produtores rurais em obras de melhoria nas suas propriedades, que produzem e geram renda no campo, desde que não haja vinculação eleitoral, a qual ficou clara no presente caso, uma vez que Jeremias faz questão de ressaltar que falou com Paulo Renato (Gambá) e que foram eles que conseguiram a retroescavadeira, encerrando o com a frase “Nosso lado forte é o PDT”. Note-se, também, que os fatos se deram 10 dias antes do pleito municipal, sendo que as providências foram adotadas por Jeremias com tamanha agilidade, no mesmo dia do pedido.

 

Sobre as eleitoras Maria de Fátima Soares de Almeida e Monique de Almeida Frigo, entendo que a prova dos autos é insuficiente para que se vincule o pedido de estágio a eventual compra de votos.

Embora as mensagens trocadas, de fato, revelem que Maria de Fátima cobrou a visita dos candidatos Paulo e Jeremias durante a campanha e que houve alguma tratativa envolvendo um futuro estágio de Monique na Prefeitura, não há elementos que permitam relacionar os fatos entre si e muito menos que o estágio tenha sido prometido em contrapartida do voto.

Destaca-se que, ouvida em juízo, Monique negou qualquer negociação do voto e afirmou que não está fazendo estágio, pois somente logrou o terceiro lugar na seleção pública realizada, conforme, inclusive, confirma o edital de seleção n. 002/2021 (ID 44850999).

Tal fato, não contestado pelos demandantes, é suficiente para que se conclua que o estágio não foi utilizada como moeda de troca por votos e que a eleitora não teve nenhum favorecimento em relação à vaga, afastando-se e elemento subjetivo exigido pelo tipo do art. 41-A da Lei das Eleições.

Entretanto, no tocante à eleitora Simiele de Lima Medeiros e sua família, dos diálogos acostados demonstram que houve o pedido de gasolina para que, no mínimo, quatro pessoas pudessem comparecer ao Município a fim de votar em Paulo e Jeremias.

A contrapartida do voto está estampada na promessa de Jeremias de “te dou a grana” e na afirmação de que a benesse estava sendo ofertada em “parceria com o Rudi”, ou seja, que Rudinei Cortese, candidato ao cargo de vereador, também deveria receber voto em troca da vantagem alcançada. Tal conclusão é corroborada pelo subsequente envio de mensagem com o respectivo número de urna do concorrente: “12222”.

De outra banda, não vislumbro elementos cabais para a procedência da demanda em relação aos diálogos mantidos com Lucinara de Lima Kister.

Embora seja inequívoco o pedido de ajuda financeira para deslocamento entre Chapecó-SC e São Francisco de Assis-RS, a partir do áudio encaminhada e da expressa promessa de “arrumar” R$ 200,00 por parte de Jeremias, o candidato afirmou que a auxílio material foi dado em razão do parentesco com as eleitoras Danyelle e “Li”, que seriam beneficiadas.

De fato, o Ministério Público Eleitoral informa que as eleitoras são netas da tia do candidato, chamada Ibraima, não sendo incomum, em especial em pequenos Municípios do Interior, que parentes com vínculo sanguíneo distante mantenham relações estreitas, o que vem corroborado, na hipótese, pelo tratamento íntimo exposto nas mensagens.

Assim, ausentes outros elementos que evidenciam de forma clara e cabal a negociação do voto em troca de vantagens, entendo pela verossimilhança das alegações do recorrido em relação à motivação da conduta pelo vínculo de parentesco existente, esvaziando o dolo específico exigido para a caracterização da captação ilícita de sufrágio.

No concernente à eleitora Erecina Miller Hemann, tenho que comprovado benefício em troca de votos. O pedido de auxílio está evidenciado pelas mensagens de áudio enviados pela eleitora ao candidato, nos quais solicita providências para que a Prefeitura disponibilize uma retroescavadeira em sua propriedade (áudios PTT-20201103-WA0076.opus, PTT-20201103-WA0077.opus e PTT-20201104-WA0014.opus), a seguir transcritos:

Boa tarde, seu Jeremias. Como é que tao por aí? E aí, me conta, como é que tá a política? E aí, tu Tá te achando muito ou não? Hein, Jeremias, me diz uma coisa, tu não sabe se tem uma reta aqui pra banda do Beluno? Se tiver tu me manda aqui que eu to precisando pra fazer um poço de água, viu? Hoje eu vi uma reta passar por aqui, não ataquei porque não sabia pra onde tava indo o troço.

“oia, Jeremias, oia, ta apertando a coisa aqui, viu. Nossos poço tão secando. Tu vai ter que me mandar uma reta aqui essa semana pra… antes da eleição. Oia que ta chegando a eleição. Tu tem que mandar uma reta aqui pra fazer um buraco pra fazer uma água pra nós, nós temo quase sem água, homem. Oia que o pessoal tá apavorado aqui, hein?

(…) tavam me dizendo que até nem sabiam se iam votar pra ti. Eu digo, ‘não, ma deixa que eu vou mandá uma mensagem pro home, aí nóis vamo vê se ele, se ele dá, se essa reta tá por aí de repente ele dá um alô pro home da reta e eles vêm aqui.

 

A intervenção direta de Jeremias junta à Prefeitura para a obtenção do serviço é manifesta no áudio por ele enviado (áudio PTT-20201104-WA0020.opus):

Olha só, o caminhão já foi praí carregar essa retro. É, saiu agora de manhã daqui. Aí ela tá tentando ver se consegue contato com ele pra tentar interferir. Seria o último serviço pra ti então, aí. Só porque ele concluiu o trabalho aí e não tava escrito esse teu pedido aí, nessa situação, nessa equipe da retro, ta na outra, né? Mas aí, se, se conseguir intervir, o Paulinho mesmo vai ligar, tá tentando ligar pro cara, pra ver se consegue intervir fazer pra ti antes de saírem.

 

Finalmente, a finalidade eleitoral da ação é confirmada pela eleitora cooptada, que anuncia pelo menos 5 votos em favor do candidato (áudio PTT-20201104-WA0020.opus):

Tá, tá bem, Jeremias! Qualquer coisa aí se falemo, então. Se conseguir ta bem melhor, senão fica pra outra vez, mas daí na outra vez que vim…”

“Ma daí vamo vê se salvemo esses teus voto aqui, né? Pelo menos se vão votá pra ti são cinco voto. De repente. Ma daí se falemo, então.”

 

De modo semelhante, sobre a eleitora Edila Batista, consta que ela solicitou ajuda para o pagamento de uma conta de água e uma conta de luz e uma cesta básica, sendo que, em resposta, Jeremias lhe disse que mandaria “Dila”, identificado como Dilamar Salbego, candidato a vereador, até a casa da eleitora.

Posteriormente, Jeremias questiona se Dilamar havia comparecido ou “arrumaria com outro”, ou seja, enviaria outro candidato para intermediar a cooptação conjunto do voto, tal como ocorrido em relação a Simiele de Lima Medeiros, em que o atendimento da solicitação teve por contrapartida o voto casado aos candidatos majoritários e ao candidato proporcional.

A prova dos autos, porém, não permite concluir se, de fato, Dilamar cumpriu a promessa, pois não é possível atestar se ele ou outro emissário efetivamente estiveram na casa da eleitora para a conclusão das negociações.

A despeito da dúvida sobre esse último fato, houve a clara promessa de benefício, sendo a compra do voto também evidenciada com o desdobramento subsequente, no qual a eleitora envia a seguinte mensagem: “Viu me consegue 30 reais de gazolina bem escondido preciso vender ums pessegos na rua e to sem gasolina”, solicitação claramente aceita pelo candidato ao dizer: “Pega daquele”, “Abate do meu saldo”, isto é, para descontar do crédito existente na venda de frutas.

De seu turno, as conversas travadas com Leonardo Lopes, igualmente, demonstram a compra do voto mediante o apoio para conseguir uma retroescavadeira para limpar um açude. As mensagens de áudio trocadas demonstram que o eleitor, após a obtenção do serviço, agradeceu a Jeremias: “Tá bem Jeremias, muito obrigado... é que já eu tinha pulado pra tudo que era lado e os lado errado... meu lado forte sempre foi tu. Vou te gavar um pouquinho agora tu me arrumou essa agora... não, má tá bem, temo que se ajudar, né?”, ao que é ratificado o caráter eleitoreiro do fato por Jeremias: “Nosso lado forte é o PDT, Leonadro. (risos) Com nois não tem tranqueira. Qualquer coisa que precisar e eu puder, tamo junto, viu?”.

No tocante aos fatos envolvendo as eleitoras Enajara Lanes Velho e Rosângela, tais foram consideradas pela sentença sem suporte probatório suficiente para um juízo de certeza sobre a captação ilícita de sufrágio, não cabendo a reanálise dos fundamentos sentenciais, uma vez advinda a preclusão da matéria, ante o recurso exclusivo dos candidatos.

 

III.1.1.3 Paulo Renato Cortelini

Em relação ao recorrente Paulo Renato Cortelini, não há prova de qualquer participação direta ou indireta do candidato nas condutas de captação ilícita de sufrágio.

Nenhuma das testemunhas ou mensagens obtidas atesta a participação ou anuência mínima do então candidato a Prefeito nas condutas práticas por Vasco e Jeremias, ainda que seja indubitável o seu favorecimento, especialmente em razão da unicidade da chapa lançada com Jeremias, seu candidato a vice-prefeito.

Logo, a sua condição nos autos é de mero beneficiário da ação de terceiros.

A afinidade política e o favorecimento não são causas suficientes para concluir pela ciência ou participação de Paulo Cortelini nos atos ilícitos praticados por pessoas a ele relacionados, dada a natureza personalíssima da sanção de inelegibilidade e multa resultantes da pretensão condenatória, exigindo prova segura da responsabilidade subjetiva do candidato (TSE - RO-El: 000224688/AP, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 08.09.2022).

Com o mesmo entendimento, colho o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Por fim, tem-se que merece acolhida a pretensão de afastamento das sanções de inelegibilidade e de multa aplicadas ao réu Paulo Renato Cortelini, visto que tais penas têm natureza personalíssima, ou seja, incidem apenas em relação a quem efetivamente praticou ou anuiu com o ilícito, fato não ocorrido no que diz respeito ao réu Paulo, que somente figurou no polo passivo da demanda em decorrência da indivisibilidade da chapa majoritária, não sendo imputada diretamente a ele nenhuma prática delituosa passível de sanção perante essa Justiça especializada.

 

Assim, não havendo prova firme e segura da participação de Paulo Renato Cortelini nas práticas analisadas, merece reforma a sentença que o condenou por incurso nas disposições do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90.

Nessa passo, a cassação de seu mandato não decorre do reconhecimento de prática de ato ilícito de sua parte, mas é consequência lógico-jurídica da própria deslegitimação do pleito e do princípio da indivisibilidade e unicidade da chapa majoritária, nos termos do art. 91 do Código Eleitoral.

Com essas considerações, entendo pelo parcial provimento do recurso de Paulo Renato Cortelini para afastar a condenação às sanções de inelegibilidade e multa contra ele impostas.

 

III.2 – Da Distribuição de Cesta Básicas em Ano Eleitoral: Abuso de Poder Econômico e Político

No tópico, a sentença concluiu pela ocorrência de abuso de poder político e econômico ante a utilização de recursos públicos do Município, por meio de programa social de distribuição de cestas básicas, as quais foram utilizadas para favorecer os candidatos recorrentes.

O documento acostado às folhas 148 do ID 44850835, emitido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de São Francisco de Assis, registra que houve um incremento da distribuição dos benefícios entre a partir de julho de 2020, atingindo seu ápice em setembro daquele ano:

Tal evidência, por si só, não caracteriza prova de abuso, especialmente ante o contexto excepcional de acirramento da crise social e sanitária advindo da pandemia de Covid-19.

Com efeito, a norma contida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 permite a distribuição gratuita de bens pela Administração Pública, mesmo no período vedado, desde que atenda casos de calamidade pública/estado de emergência ou que seja oriundo de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária em exercícios anteriores.

Entretanto, haverá abuso quando, ao lado da majoração dos benefícios na época de campanha, restar demonstrado que a execução do programa social se apartou da lei que o legitima e do fim público que lhe é necessário, a fim de proporcionar vantagem eleitoral indevida.

Quanto ao tema, Edson de Resende Castro (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018, p. 402) leciona que, apesar da aparente legalidade:

Com desvio de finalidade administrativa, o ato vai caracterizar a conduta vedada, passível de suspensão imediata e de apuração em Representação Especial (com o procedimento do art. 22, da LC n. 64/90, para aplicação da multa e cassação) ou em AIJE (para decreto de inelegibilidade, quando a sua gravidade indicar afetação da normalidade e legitimidade das eleições).

 

No aspecto, os demandados alegam que a distribuição de alimentos possuía amparo legal, especialmente em razão do estado de calamidade sanitária e social produzido pela pandemia de Covid-19 (ID 44850916), exemplificando a regularidade do cadastramento de beneficiados com relatórios técnicos de levantamento social das famílias agraciadas (IDs 44851003 e 44851004).

Por outro lado, os dados extraídos dos aparelhos celulares demonstram que distribuição pública de cestas básicas foi usada com desvirtuamento e desvio de finalidade, a fim de obtenção de proveito eleitoral, e que a seleção de parte dos beneficiários ocorreu por critérios meramente eleitoreiros.

De acordo com o Ministério Público Eleitoral, “Ananias, servidor público e presidente do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, utilizou a influência que tinha com a Secretária do Desenvolvimento Social, Marize Cristina Sudati Silva, e com a servidora da mesma pasta, Elaine Maria Bianchini, para intermediar a entrega de cestas básicas para eleitores, vinculando-as aos candidatos”.

A importância do candidato Ananias é bem pontuada na sentença, a partir de suas participações em grupos para a tomada de decisões sobre a campanha:

Neste ponto, importante se discorrer sobre a atuação de Ananias Soares como coordenador de campanha de Vasco Carvalho, do partido MDB, e da chapa majoritária para o Poder Executivo local, composta por Paulo Renato (Gambá) e Jeremias. Dos elementos coligidos aos autos, pode se extrair que o representado Ananias era pessoa de confiança dentro do partido MDB e da Coligação União do Povo Assisense (UPA), formada pelo MDB e PDT, sendo coordenador de campanha do MDB e, consequentemente da campanha do então candidato a prefeito Gambá, e dos vereadores do MDB, pessoa com voz ativa e poder de influência na tomada de decisões da Coligação UPA, agindo em benefício desta e dos seus candidatos. Verifica-se que Ananias participava de grupos de Whatsapp relacionados à campanha, como o intitulado “Comissão UPA 2020”, nome posteriormente alterado para “Coordenação UPA 2020”, no qual foi incluído pela Secretária de Desenvolvimento Social, que também fazia parte dos organizadores da campanha.

 

Isso posto, tem-se que os pedidos de interceptações telefônicas, que antecederam a busca e apreensão de aparelhos celulares, foi embasado também nas gravações de áudios enviadas por Ananias, por meio do aplicativo Whatsapp, à Rosalina, então cabo eleitoral dos recorrentes, contidos nos arquivos de áudios identificados com os números 02, 03 e 04.

No áudio 03, Ananias confirma que “recebeu o ok da Secretaria da Assistência Social”, mas que as próprias pessoas deveriam buscar as cestas básicas e que os candidatos não poderiam aparecer. No final do áudio, Ananias diz: “a minha parte está OK, agora é com o Vasco, o Gambá e o Jeremias”.

Áudio 3:

Viu, Rosa, é o seguinte, ó: eu recebi o “ok” lá da secretaria de assistência social. Tudo ok! Só que essas pessoas têm que ir elas buscarem. Não dá pra nós ir de jeito nenhum! Tá. Então, nós vamos ter que dar “ok”… Aqueles nomes que tu me deu tá “ok” lá com a Elaine. Tá? Então tu vai ter que pedir para essas pessoas irem lá pegá. Tu não pode nem chegar na frente de carro. Se tu quiser levar... Acho que é melhor que elas vão lá buscar, pra nós não nos… Já pensou nós, na última semana, nós ser cassado. Então, não é pra nós ir buscar. Foram bem claro comigo. A Elaine me passou. Tá? Então, assim, ó. Tu avisa essas pessoas que vão lá buscar. Se tu quiser dar carona para alguma pessoa, eu não posso, porque eu sou até da coordenação da campanha. Tá? Se tu quiser ir levar as pessoas até um pedaço, depois, né, tu que sabe, tu fica na praça, tu deixa o teu carro num lugar e elas descarregam no carro… Daí tu vê. Tem que ter muito cuidado, não pode ter aglomeração até sexta-feira. Tá? A minha parte tá ok. Agora o resto é com o Gambá, o Vasco e o Jeremias. Tá? Eu vou aparecer aí na tua casa. Tá? Um abraço.

 

No áudio 04, Ananias refere que a correlegionária não poderia buscar as cestas básicas para os eleitores e que alguns desses já estavam cadastrados na Assistência Social e que, quanto a eles, não haveria problemas, uma vez que se enquadravam como pessoas socialmente vulneráveis:

Áudio 4:

Não. Nós não podemos te levar. Imagina! Deus u livre! Como é que nós vamô descarregar as cestas básicas pra ti? Tu tem que mandar as pessoas irem pegar. Inclusive, tem uns que são cadastrados já e já tá na época de pegar. Então, não tem problema, né? Tem uns três ou quatro que são cadastrados. Tá? Então, pode… Não tem como nós levar. De jeito nenhum. De maneira nenhuma.

 

No arquivo identificado como “AUDIO (5)”, Ananias adverte: “(…) as pessoas podem ir com quem quiser. Tá? Só nós não podemos aparecer, nem eu nem tu, né!”. E, no “AUDIO (6)”, consta a afirmação: “Rosa, tu não entendeu. Cada pessoa tem que pegar a sua. Pode um carro ir e levar essas pessoas, mas cada um tem que pegar a sua. E não pode ir todo mundo ao mesmo tempo, por favor!”.

Na visita à casa de Ananias e Vasco à casa de Rosa, cuja gravação está contida no arquivo “Voz 011.m4a”, percebe-se claramente a participação e ingerência de ambos os candidatos no expediente de distribuição de cestas básicas, depreendendo-se, também, detalhes do modus operandi, em que Ananias combinava na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social os nomes das pessoas que retirariam as cestas básicas, valendo-se da sua condição de Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social:

Vasco: Cestas básicas não sei como nós vamos conseguir. Isso que é ruim.

Rosalina: O problema é o seguinte: vocês deixaram lá na Jô. Ninguém desconfia. Trazer na vila que é o brabo.

Vasco: Quantas cestas são?

Rosalina: Se conseguisse, no mínimo, umas dez.

Vasco: Báh, mas não tem como.

(…).

Ananias: Não tem como nos dá os nomes dessas família?

(…).

Ananias: Tu me dá o nome completo e o endereço. Porque, daí, eu te aviso e essas pessoas vão buscar lá. Não podemo carrega, entendeu.

Rosalina: Não, mas eu posso carregar.

Ananias: Mas tem que ir com eles lá. Porque tem que dar o nome.

(…).

Rosalina: Mas eu levo. Eu me garanto. Eu carrego de uma em uma para disfarçar.

Ananias: Porque eu sou o Presidente do Conselho Municipal de Assistência Social.

Vasco: Ele é o Presidente do Conselho. Ele tem acesso, mas tem que sê, quem tem que retirar é a pessoa. Não é tu, não é eu, não é ele, nada.

Ananias: Nem a Secretaria fica sabendo.

Vasco: É só nós que vamo ficar sabendo.

 

A extração de dados dos aparelhos celulares também revela a troca de mensagens entre Ananias e Rosalina, na data de 10.11.2022, em que tratam da reposição de gasolina para as visitas de campanha e liberação de mais cestas básicas (ID 44850851):

Ananias: Vou autorizar tu ir no posto aí perto e encher o tanque do teu carro....ok

Rosalina: Ok

Ananias: A Marize não me avisou ainda, vamos esperar.....ok

Rosalina: Ok tá más eas cestas ñ tão autorizada depois tu cobra do gambá essa gasolina obrigado

Ananias: Já autorizei, pode ir lá no posto....ok

Te acalma, elas ainda não autorizaram......kkkkkkkkk

Mas as pessoas terão que vir buscar, ok

Nem que eu carregue alguns.....certo

Se não hoje sai amanhã....ok

Rosalina: Ok.Obrigado

E material ñ vai sair nada??

Ananias: Esse passei para os grandes....kkkkkkk

Creio que irão falar contigo.…

 

Na mesma data, Ananias troca mensagens com Jeremias, na qual são noticiadas a busca de eleitores por parte de “Rosa” e a obtenção de cestas básicas (ID 44850848):

Ananias: Boa tarde.

Tu chegou voltar beijos Rosa Messa

Jeremias: Foi uma nossa la

Levoi mais

(…).

Mas vou hoje

Jeremias: Dei outro

Velha puçuca

Ananias:

Arrumei umas cestas básicas também

É

(…).

Ananias: Mas ela quer ir numas casas com vocês...ok

Jeremias: Quer mais dinheiro isso sim

Ananias: Vão ser entregues para as pessoas na Assistência, não terá problemas

Não dêem mais dinheiro

Jeremias: Ok

Ananias: Quem disse que ia dar uma gasolina para o Noronha

(…).

Foib tu ou o Vasco?

Jeremias: Eu não

Ananias: Foi o Vasco

Já falei pra ele...

Mas voltem lá ok

 

Além disso, após Roseli ter denunciado o esquema de captação ilícita de sufrágio, Vasco de Carvalho travou uma conversa pessoa identificada como sua sobrinha Milene, na qual novamente explicita que a sua ciência sobre os fatos envolvendo a distribuição de cestas básicas (ID 44850866):

Alvo: Vasco H. Asambuja de Carvalho - (55) 99975-2258

Dia 17/11/2020, 08h01min33s, duração 01min58s.

(…).

MILENE: Oi.

VASCO: Oi. Tu tá dormindo ainda?

MILENE: Não, tô dando mamá.

VASCO: Ah, tá, viu? Ontem eu tive dando uma olhada nos meus coisa... o... eu falei com o Ananias sim, mas só assim, o Ananias me falava que tinha conseguido os rancho e coisa e tal, mas eu nunca dei bola pro tal de rancho do Ananias, né?

MILENE: Hunrum.

VASCO: Eu disse, "Ananias, a... ela eu acho que eu co... dá pra confiar nela, dá pra dar uma gasolina", como se fosse que ela trabalhava pra mim na campanha. A única coisa que eu disse, é... é... acho que dá pra… ela é confiável, dá pra dar uma gasolina que ela tá... no sentido de trabalhar, mas jamais falei... é... eu até... ela me pedia pra levar o gambá, o Jeremias, que ele já tinha feito tudo, eu digo, "tá, eu vou tentar conseguir levar ele", entendeu? Nada além daquilo que já tava gravado com a... a minha conversa com o Ananias.

MILENE: Ah...

VASCO: A minha sorte eu não falar nos rancho, nunca falei nos rancho, ele me dizia assim, "eu já falei com a Secretária (ininteligível)", agora ele vai dizer que tudo é mentira, que ele inventava pra nós pra ficar bem na foto com nós.

MILENE: Pois é, que horror. Mas aí agora depois a gente olha, não vai apagar.

VASCO: Eu... ma... eu... quem sabe eu te mando?

MILENE: Me manda.

VASCO: Tá, vou te mandar. Ele falava em rancho, falava em tudo, tudo, tudo... E eu nunca dei bola pro tal de rancho, né?

MILENE: Claro.

VASCO: Eu só dizia, "Ananias, ela é confiável", aí vão me perguntar porque que eu levei o [Ananias], foi o que eu achei na rua o dia que eu fui lá. Foi, foi, e foi mesmo, é esse não é nada de mentira, foi o que eu achei na rua o dia que fui lá e ele... e ele que foi se fazer essas loucura de rancho, coisa assim, que eu não tenho nada que ver, não é?

MILENE: Claro.

VASCO: Aí ele me dizia que tinha conseguido, coisa e tal, mas problema é dele. Eu só disse pra ele que ele era confiável, tu vai ver minhas… eu vou passar todas as mensagens que eu falei com ele nesse sentido, tá?

MILENE: Tá, me manda.

VASCO: Te passar aí, tchau.

MILENE: Tá.

 

Como se percebe, a distribuição de cestas básicas consistiu em uma ação planejada e reiterada, que atingiu um razoável número de eleitores, valendo-se das posições públicas exercidas para influenciar a aplicação de recursos da Assistência Social com viés eleitoral, tendo os seus autores plena ciência do caráter ilícito dos fatos, tanto, assim, que, seguidamente, Ananias advertia Rosalina sobre a necessidade de serem tomadas cautelas para não serem descobertos e cassados.

Trata-se de flagrante entrelaçamento do abuso de poder econômico, marcado pela utilização de recursos patrimoniais públicos, sob poder ou gestão dos candidatos, para proveito eleitoral (TSE - REspe: 191868/TO, Relator: Min. Gilson Lagaro Dipp, DJE de 22.08.2011), com o abuso de poder político, em que os candidatos usam indevidamente o cargo ou função pública com a finalidade de influenciar o pleito de modo ilícito, por meio do aparato público (TSE - RO: 288787/RO, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 13.02.2017).

Cabe considerar, ainda, o efeito multiplicar da distribuição de tais benesses, que alcançam toda a família dos eleitores carentes e pessoas próximas, gerando relevante repercussão e benefício eleitoral ao mandatário candidato à reeleição, com gravidade para comprometer a legitimidade do pleito.

Dessa forma, sob a perspectiva da gravidade da conduta, entendo que a distribuição de benefícios assistenciais à margem do procedimento e da finalidade legais, no período eleitoral, em valores consideravelmente superiores aos manejados em meses anteriores, a partir de programa social de grande e inequívoca repercussão, em atos praticados no seio da máquina estatal, configura fato grave que compromete o equilíbrio e a normalidade da escolha popular, a ensejar a aplicação das sanções insculpidas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/1990.

Por outro lado, não vislumbro elementos mínimos que comprovam a participação efetiva ou anuência de Paulo Renato Cortelini nos fatos relacionados à distribuição de cestas básicas com fins eleitorais, pois pontuais referência à pessoa de “Gambá” são meramente retóricas em não se atrelam de forma concreta ao contexto fático em discussão.

Assim, a participação de Paulo Renato não pode ser simplesmente presumida ou suposta a partir da ligação entre os recorrentes ou pelo benefício alcançado para as candidaturas, sob pena de chancelar-se a responsabilização objetiva, que não se coaduna com a legislação eleitoral.

Dessa forma, tenho que a sentença merece reforma no ponto em que condenou Paulo Renato Cortelini à inelegibilidade por abuso de poder político, posto que, na linha da remansosa jurisprudência, “a sanção de inelegibilidade exige prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva, ao passo que para a aplicação da pena de cassação do registro ou de diploma basta a mera condição de beneficiário do ato de abuso, sem necessidade da prova do elemento subjetivo” (TRE-RS - RE: 19847/RS, Relator: Des. Eleitoral Jorge Alberto Zugno, DEJERS de 18.04.2013).

III.3 Do Abuso de Poder Político e Econômico

Em razão dos mesmos fatos relacionados à captação ilícita de sufrágio, a sentença condenou Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Paulo Renato Cortelini por abuso de poder econômico, bem como estes dois últimos também por abuso de poder político.

Conforme compreensão sedimentada na jurisprudência do TSE, o abuso do poder econômico “caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa” (TSE, AIJE n. 0601851-89/DF, j. 23.12.2018, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 12.3.2019). Assim, “o ilícito se caracteriza pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho” (TSE, AI n. 685-43/PA, j. 4.3.2021, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 19.3.2021).

Logo, a configuração do abuso de poder econômico não se delimita a uma constatação de meramente aritmética sobre aportes financeiros, importando aferir também a finalidade da norma, porquanto “a vedação ao uso abusivo do poder econômico, prevista no art. 22 da LC n° 64/90, visa a tutelar a igualdade de oportunidades entre os candidatos e o livre exercício do direito de sufrágio a fim de salvaguardar a normalidade e a legitimidade das eleições e, a despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da gravidade é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, em face das circunstâncias do caso concreto suscetível a adelgaçar a igualdade de chances na disputa eleitoral” (AgR-REspe n. 452-83, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.2.2020, e AgR-REspe n. 419-16/RO, j. 19.5.2020, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe 19.6.2020).

Não ignoro que a simples oferta de combustível ou disponibilização da estrutura administrativa, realizados de maneira pontual e em patamares diminutos, embora possam caracterizar captação ilícita de sufrágio, não é, por si só, suficiente para comprovar o abuso de poder de autoridade ou econômico para fins de procedência da AIJE.

Ocorre que as gravações ambientais e as mensagens extraídas dos aparelhos celulares de Ananias e Jeremias comprovam o uso de valores particulares (“caixa 2”) para oferecer vantagens a diversos eleitores e instrumentalizar a compra de votos, com reiteração de condutas bastante graves e aptas a afetar a normalidade e legitimidade do pleito.

Cabe ressaltar que, em relação aos fatos em tela, a condenação por abuso de poder político ocorre pelos fatos envolvendo as compras de votos dos eleitores Erecina Miller e Leonardo Lopes, por meio de serviços de retroescavadeiras, pelos quais a sentença condenou Jeremias e Paulo Cortelini, uma vez que o primeiro candidato “utilizou da sua influência e poder perante a Administração Pública Municipal” para intermediar a disponibilização de bens públicos retroescavadeira para referidos eleitores em troca de votos, com anuência de Paulo.

A questão foi assim analisado na sentença:

Neste ponto, os fatos narrados na petição inicial que foram enfrentados nos itens 2.2.1.2“e” e “h” da captação ilícita de sufrágio, configuram, também, abuso de poder político, pois, para a efetivação da conduta, o agente público e político Jeremias, então vereador e candidato a vice-prefeito, utilizou de sua influência, do seu cargo e da sua posição de candidato a vice-prefeito para beneficiar eleitores, disponibilizando retroescavadeira de propriedade do Município para a execução de obras em propriedades rurais particulares com indevida vinculação ao seu nome e de Paulo Renato (Gambá).

 

O representado Jeremias utilizou da sua influência e poder perante a Administração Pública Municipal para direcionar uma retroescavadeira para a pessoa de Erecina Miller, dizendo à eleitora beneficiada que o próprio prefeito na época, Paulinho Salbego, entraria em contato com o motorista para levar a máquina até a sua propriedade. Na oportunidade, Erecina lhe referiu que se não viesse a retroescavadeira para as pessoas daquela localidade rural, ela teria que tentar “salvar” os votos dos vizinhos em favor de Jeremias e Gambá. É nítida a indevida influência política exercida pelo representado, pois era vereador do mesmo partido que a chapa eleita para o mandato no Poder Executivo Municipal entre os anos de 2017 a 2020 e, conforme dito pelo próprio em mensagens extraídas de seu celular, providenciaria a máquina sob autorização de Paulo Renato, também representado e, à época, vice-prefeito e candidato a prefeito.

 

Em defesa, os recorrentes acostaram a Lei Municipal n. 1.082/2017 (ID 44850917), que tem por objeto programa de infraestrutura rural para a prestação de serviços de implementos agrícolas para produtores rurais, mediante a cobrança de custos, bem como o “diário de bordo” do equipamento, em que consta o nome de Leonardo Lopes, com a data de 18 e 31.08.2020 (ID 44850915).

Ocorre que as mensagens obtidas por meio das diligências cautelares deixam cristalino que houve a exploração eleitoreira da máquina administrativo, beneficiando eleitores específicos e em caráter particular, em troca do voto na chapa majoritária integrada por Jeremias, ao qual eram pessoalmente realizadas as solicitações, encaminhadas de maneira aparentemente direta e informal pelo candidato, em detrimento de outros expedientes administrativos que garantissem a transparência e isonomia da prestação do serviço público.

Além disso, não há demonstração de que os préstimos da Prefeitura foram efetuados mediante a cobrança de taxa ou custas, tal como prevê a pertinente legislação acostada aos autos.

Consoante se verifica da prova acostada, a intermediação indevida para o alcance dos serviços públicos abrangeu somente dois eleitores, o que, porém, não mitiga a gravidade ante o contexto geral dos fatos.

Na hipótese, as condutas realizadas pelos recorrentes não podem ser individualmente consideradas, porquanto integravam um conjunto contumaz, sistematizado e conjugado de ações ilícitas visando a captação de sufrágio por meio da doação de combustíveis e da intermediação de serviços de retroescavadeiras, utilizando, para esses últimos, de recursos públicos, em atos graves e ofensivos à normalidade e à legitimidade das eleições, configurando a prática de abuso de poder econômico por Vasco e Jeremias e abuso de poder político por Jeremias.

Contudo, em decorrência da mesma análise efetuada quanto ao exame dos fatos na perspectiva da captação ilícita de sufrágio, inviável a extensão da responsabilidade pela prática de abuso de poder econômico ao candidato Paulo Renato Cortelini.

A mesma conclusão é aplicável em relação à suposta prática de abuso de poder político, porquanto a participação de Paulo Renato Cortelini, vulgo Gambá, é apenas presumida em razão de breves referências realizadas entre Jeremias e Leonardo de que teriam falado com o “Gambá” ou lhe enviado uma mensagem para agilizar a liberação da máquina da Prefeitura.

Ressalta-se que, nas falas em que é mencionado o nome “Paulinho”, é possível depreender que se trata do então Prefeito Rubemar Paulinho Salbego, e não o candidato recorrente: “(…) o Paulinho mesmo vai ligar, tá tentando ligar pro cara, pra ver se consegue intervir fazer pra ti antes de saírem” (Erecina) e “Até mandei uma mensagem no facebook do Paulinho, do Paulinho Salbego agora também, não sei se ele vai vê” (Leonardo).

O elemento é meramente indiciário e não demonstra, de modo concreto, a efetiva participação ou sequer a ciência de Paulo Cortelini sobre o desvio de finalidade das providências que lhe teriam sido demandadas.

Assim, do conjunto probatório delineado nos autos não é possível constatar, de forma cabal, a participação ou anuência do candidato, descabendo a condenação nos termos do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 ao mero beneficiário do ato abusivo.

 

Conclusão

Dessa forma, embora julgue que a prova não permite a caracterização de captação ilícita de sufrágio em relação aos eleitores Maria de Fátima Soares de Almeida, Monique de Almeida Frigo, Lucinara de Lima Kister, Francieli da Silva Garcia e Rosalina Gonçalves Messa, os demais fatos reconhecidos pelo Juízo a quo como captação ilícita de sufrágio estão cabalmente demonstrados.

Outrossim, ainda em relação aos eleitores cujas circunstâncias fáticas não preenchem todos os requisitos para a configuração do previsto no art. 41-A da Lei das Eleições, é patente que houve uma ampla, indiscriminada e substancial distribuição de vantagens a diversos eleitores, em inequívoco abuso do poder econômico.

Assim, impositiva a manutenção da sentença no ponto em que condenou Jeremias Izaguirre de Oliveira e Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, com base no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90, à cassação dos diplomas, à sanção de inelegibilidade pelo prazo de 8 anos e à multa, individual, no valor de 25.000 UFIRs, equivalente a R$ 26.602,50, quantia que se revela adequada e proporcional à gravidade, à reiteração de condutas, ante um conjunto de ações organizadas e sistematizadas para a perpetração de ilícitos eleitorais, e à condição econômica dos candidatos.

Igualmente, deve ser confirmada a condenação de Jeremias Izaguirre de Oliveira, por abuso de poder político, com esteio no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90, porquanto “utilizou de sua influência, do seu cargo e da sua posição de candidato a vice-prefeito para beneficiar eleitores, disponibilizando retroescavadeira de propriedade do Município para a execução de obras em propriedades rurais particulares com indevida vinculação ao seu nome e de Paulo Renato (Gambá)”, sendo de rigor a cassação de seu diploma e a decretação de inelegibilidade pelo prazo de 8 anos.

Igualmente, não merece reforma a decisão em relação à condenação de Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, Jeremias Izaguirre de Oliveira e Ananias Dorneles Soares Sobrinho, com fulcro no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90, por abuso de poder econômico e político, em razão de ações que se utilizaram do programa de distribuição de cestas básicas do Município de São Francisco de Assis durante os meses de campanha eleitoral, a fim de favorecer as campanhas dos recorrentes.

Apenas em relação ao candidato a prefeito Paulo Renato Cortelini, o recurso interposto comporta parcial provimento para afastar as condenações à multa e inelegibilidade impostas, uma vez que, ausentes provas seguras e cabais de sua participação ou anuência nos ilícitos imputados, a cassação de seu diploma decorre do benefício obtido pelas condutas ilícitas e do princípio da indivisibilidade e da unicidade da chapa majoritária, razão pela qual inaplicáveis sanções de caráter personalíssimo contra o recorrente.

Finalmente, registro que este Tribunal, em casos análogos, tem aplicado o art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, que prescreve a anulação para todos os efeitos dos votos dados a candidato cujo registro venha a ser cassado após a eleição, em ação autônoma, implicando, assim, no recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Trata-se de entendimento também confirmado pelo TSE no julgamento do RO n. 060390235/BA, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 12.11.2020.

 

Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por Paulo Renato Cortelini e pelo desprovimento dos demais recursos, a fim de julgar parcialmente procedente a ação, para:

a) cassar os diplomas de Paulo Renato Cortelini (prefeito), Jeremias Izaguirre de Oliveira (vice-prefeito) e Vasco Henrique Asambuja de Carvalho (vereador), com fundamento no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90;

b) decretar a inelegibilidade de Jeremias Izaguirre de Oliveira, Vasco Henrique Asambuja de Carvalho e Ananias Dorneles Soares Sobrinho, pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes à eleição municipal de 2020, com fundamento no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90;

c) condenar Jeremias Izaguirre de Oliveira e Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, individualmente, à multa no valor de R$ 26.602,50 (vinte e seis mil seiscentos e dois reais com cinquenta centavos), com fundamento no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97; e

d) afastar a condenação de Paulo Renato Cortelini às penas de inelegibilidade e multa aplicadas na sentença.

Ressalvado meu entendimento pessoal de que a decisão deveria ser cumprida após a publicação do acórdão que julgasse eventuais embargos declaratórios, adoto o posicionamento do Tribunal e determino que, após a publicação do presente acórdão, seja comunicado ao Juízo Eleitoral de origem para que adote providências para:

i) cassar os diplomas de Paulo Renato Cortelini (prefeito), Jeremias Izaguirre de Oliveira (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de São Francisco de Assis;

ii) efetuar recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, considerando nulos para todos os efeitos os votos atribuídos a Vasco Henrique Asambuja de Carvalho, nos termos da fundamentação; e

iii) realizar novas eleições municipais majoritárias no Município, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal, mantidos os demais termos da sentença.