REl - 0600021-66.2022.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/11/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Cuida-se de recurso interposto por NEREU DAVILA em Ação Declaratória de Nulidade (ID 45012983) no intuito de afastar decisão que extinguiu o feito, ao argumento de que a demanda já foi objeto de análise na sua prestação de contas referente ao pleito de 2020, a qual restou desaprovada.

No caso, o recorrente visa desconstituir sentença exarada nos autos da prestação de contas n. 06000887-40.2020.6.21.0001, pois entende prejudicado seu direito de defesa, na medida em que não intimado, na figura de seu advogado, sobre os principais atos processuais, dentre eles os pareceres técnicos e a própria decisão que considerou as contas desaprovadas.

Passo à analise.

No direito processual eleitoral, como nos ensina Frederico Franco Alvim (Curso de Direito Eleitoral. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 54-55), vigora o princípio da tipicidade das ações eleitorais:

[…]

o arcabouço legislativo eleitoral estabelece um rol numerus clausus de instrumentos passíveis de ser invocados, cada qual com as suas especificidades. No campo em estudo, em princípio, inadmite-se o ajuizamento de ações genéricas (ou ordinárias), de modo que o controle jurisdicional da regularidade dos pleitos eletivos somente se exerce nos estritos termos das fórmulas processuais constantes do catálogo normativo. Assim, de acordo com o TSE, Não há como se admitir ilimitado exercício do direito de ação na Justiça Eleitoral porque isso implicaria a insegurança dos pleitos, comprometendo o processo eleitoral como um todo, também regido por normas constitucionais, que atendem ao interesse público, daí decorrendo a tipicidade dos meios de impugnação que vigora nesta Justiça Especializada. (AAG 4598/PI. DJ,13.08.05)

 

O fundamento de validade desse princípio está na preservação da estabilidade e segurança jurídica do processo eleitoral. De sorte que, não constando a Ação Anulatória no catálogo das ações eleitorais, o caminho da presente demanda é sua inexorável extinção.

O que embasa a também denominada querela nullitatis é a ausência de pressupostos processuais e, por conseguinte, a inexistência de relação processual, como define Alexandre Freitas Câmara (Lições de direito processual civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. v. I, p. 229-230):

Pressupostos de existência são os elementos necessários para que a relação processual possa se instaurar. A ausência de qualquer deles deve levar à conclusão de que não há processo instaurado na hipótese. Assim, e sem nos preocuparmos (por enquanto) com a enumeração dos pressupostos processuais, pode-se dizer que é inexistente o processo se o mesmo se desenvolve fora de um órgão estatal apto ao exercício da jurisdição (juízo). Com isso, verifica-se que não é processo o que se desenvolve perante o professor da Faculdade de Direito, com fins meramente acadêmicos, objetivando mostrar aos estudantes como se desenvolve um processo real.

 

No caso, o processo desenvolveu-se de forma regular e válida, pois, ainda que a tese recursal aponte vício quanto à intimação do seu procurador, houve a intimação do autor para todos os atos do processo e a formação da coisa julgada material, diante da natureza jurisdicional dos feitos de prestações de contas, implementada a partir do texto do art. 37, § 6º, da Lei n. 9.096/95, trazido pela Lei n. 12.034/09.

A ilustrar a moldura fática do caso, no que toca às intimações do causídico outorgado pelo recorrente, segue trecho do diligente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

O processo de prestação de contas nº 0600887-40.2020.621.0001 iniciou-se por iniciativa do candidato, que prestou informações e juntou documentos no SPCE. Em que pese tenha se omitido em fazer-se representar em juízo por advogado regularmente constituído, foi determinada a sua citação para suprir a irregularidade (ID 57776690), a qual se efetivou mediante contato por Whatsapp (ID 64853574), com o subsequente comparecimento aos autos e juntada de procuração (ID 70529145). Ou seja, não se pode falar da revelia do prestador, pelo que os pressupostos processuais de existência estão presentes, devendo-se afastar o cabimento da ação anulatória.

Cabe registrar que a discussão sobre a validade das intimações realizadas ao advogado do recorrente não é possível no âmbito da ação anulatória, pois tais atos processuais somente se realizaram porque o candidato foi integrado ao processo e se fez representar por procurador.

Nada obstante, ressalta-se que, consoante se pode observar na funcionalidade “expedientes” dos autos citados, o recorrente foi regularmente intimado, na forma estabelecida na Resolução TRE-RS nº 347/2020, mediante expedição eletrônica, até o início da vigência da Resolução TRE-RS nº 375/2021, que ocorreu em 1º de janeiro de 2022, e mediante publicação no DJe/TRE-RS a partir dessa data. Foi intimado, portanto, para se manifestar sobre o exame preliminar das contas e sobre o teor da sentença. Apenas não houve intimação acerca do parecer conclusivo, pois não há previsão para tanto na Resolução TSE nº 23.607/2019. (Grifei.)

 

Recentemente, em situação análoga, o Tribunal Superior Eleitoral, em sede de agravo em recurso especial, declarou que “a questão relativa à validade da citação do autor no processo de prestação de contas já foi apreciada em processo anterior, em decisão transitada em julgada. A existência de fundamentos para nova querela nullitatis não afasta a coisa julgada, pois, segundo o que constou do acórdão do TRE, a causa de pedir em ambas as ações é a mesma: a nulidade da citação do recorrente no processo de prestação de contas” ((TSE - AREspEl: 06003316120216190000 RIO DE JANEIRO - RJ 060033161, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 16/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 183).

Segue ementa do aresto combatido quando da prolação do TSE no expediente supra:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CITAÇÃO. DEMANDA ANTERIORMENTE AJUIZADA E DECIDIDA. COISA JULGADA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Pretendida a declaração de nulidade por vício de citação em processo de prestação de contas julgadas não prestadas. Matéria anteriormente apreciada na Pet nº 0600657–89.2019.6.19.0000, ajuizada pelo mesmo postulante e já transitada em julgado, cujo pedido, aliás, foi julgado improcedente. 2. Assim, repete o autor ação que já foi decidida por V. Acórdão transitado em julgado (art. 337, VII e §§ 2º e 4º, do CPC), ainda que às vezes com acréscimo de simples alegações argumentativas, todavia afins com os fundamentos da ação anterior ou deles derivadas, incidindo a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508 do CPC). 3. Extinção do processo sem apreciação do mérito (art. 485, V, do CPC)

 

O case enfrentado pela Corte Superior, tal qual a decisão aqui hostilizada, foi objeto de embargos de declaração, o qual foi desprovido:

ELEIÇÕES 2020. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO EM ACÓRDÃO QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM OMISSÃO JÁ QUE O ACÓRDÃO VERGASTADO NÃO ENFRENTOU O MÉRITO DO PROCESSO. AS CINCOS QUESTÕES LEVANTADAS PELO EMBARGANTE DIZEM RESPEITO A MATÉRIA DE MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS.

 

Prossigo.

A ação anulatória está prevista no art. 966, § 4º, do CPC/15, ao disciplinar a invalidação de atos processuais não decisórios praticados pelas partes ou por auxiliares da justiça, reportando-se a dois momentos, fase do conhecimento e fase executiva, conforme segue:

[…]

§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

 

Aqui, a demanda não se amolda a nenhuma dessas hipóteses, porquanto o recorrente não aponta ter transcorrido o feito à sua revelia, sem o seu conhecimento, mas sim a inobservância das regras atinentes à intimação de seu procurador constituído, do que se depreende correta a extinção do presente feito por sua inadequação.

Em desfecho, ensina o escólio de José Jairo Gomes que "o objeto da ação em exame é a invalidação de ato processual praticado pela parte no processo e homologado pelo juízo. Não se trata de invalidação do ato judicial de homologação, mas sim do ato dispositivo praticado pela parte, tais como transação e renúncia de direito" (Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 18. ed. Barueri-SP. Atlas, 2022).

Concluindo, sobre a ação de anulação, o autor refere que "a ação em exame tem pouco ou nenhum interesse nos domínios eleitorais. Isso porque nessa seara não há que falar em direito disponível ou que possa ser objeto de disposição da parte".

A título de argumento, mesmo adotado-se o princípio da fungibilidade para apreciar a presente ação como rescisória, melhor sorte não socorreria o autor, visto que o Código Eleitoral destina a ação rescisória apenas para os casos relativos à inelegibilidade ajuizada no prazo de 120 dias do trânsito em julgado da decisão, sendo ressalvada a competência exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral para examinar esses feitos, em face de seus próprios julgados.

Essa a dicção do art. 22, inc. I, al. “j”, do Código Eleitoral:

Art. 22 - Compete ao Tribunal Superior:

I - Processar e julgar originariamente:

[...]

j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado. (Incluído pela LCP nº 86, de 14.5.1996).

 

O mesmo teor é enunciado pela Súmula n. 33 do TSE:

Somente é cabível ação rescisória de decisões do Tribunal Superior Eleitoral que versem sobre a incidência de causa de inelegibilidade.

 

Nessa linha de entendimento, o seguinte julgado deste Tribunal:

Agravo regimental. Ação rescisória. Extinção sem apreciação do mérito. Art. 22, I, "j", do Código Eleitoral. Apelo que tem por finalidade dar prosseguimento à ação que busca rescindir sentença que julgou procedente representação por doação acima do limite legal, determinando a aplicação de multa ao agravante. A rescisória somente é admissível no âmbito do TSE para desconstituir julgados que versem sobre causa de inelegibilidade, não se prestando para desconstituir acórdãos de regionais (exceto em matéria não eleitoral), tampouco decisões monocráticas. Inarredável a natureza eminentemente eleitoral da sentença prolatada. Corolário é a confirmação da sentença agravada. Negado provimento.

(Agravo Regimental n 21560, ACÓRDÃO de 28/01/2016, Relator(a) DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Tomo 18, Data: 3/2/2016, Página 6)

 

Por fim, transcrevo ementas de decisões do TSE na mesma direção:

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. ACÓRDÃO RESCINDENDO. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. NÃO CABIMENTO.

1. O agravante se limitou a reproduzir os argumentos lançados na petição inicial da ação rescisória, deixando de infirmar o fundamento da decisão agravada - não cabimento de ação rescisória contra acórdão proferido por Tribunal Regional Eleitoral -, o que atrai a incidência da Súmula 26/TSE.

2. Na linha da jurisprudência consolidada desta Corte, a ação rescisória na Justiça Eleitoral, nos termos do art. 22, I, j, do Código Eleitoral, somente é cabível contra decisão deste Tribunal Superior, não sendo admitida a sua propositura para rescindir acórdão proferido por Tribunal Regional Eleitoral.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Ação Rescisória nº 53561, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 15/12/2016)

 

Agravo regimental. Recurso especial. Representação por doação acima dos limites legais. Ação rescisória. Cabimento.

1. Nos termos do art. 22, I, j, do Código Eleitoral, a ação rescisória somente terá cabimento perante o Tribunal Superior Eleitoral e em casos que versarem sobre inelegibilidade, não se prestando, portanto, a rescindir acórdão proferido em sede de representação por doação acima dos limites legais já transitado em julgado. Precedentes: AgR-AR nº 169-27, rel. Min. José de Castro Meira, DJE de 28.8.2013; AgR-AR nº 9-02, relª. Minª. Luciana Lóssio, DJE de 26.8.2013.

2. É incabível o ajuizamento de "ação declaratória de nulidade", que pretende, na realidade, a rescisão de acórdão proferido em sede de representação por doação acima dos limites legais - já transitado em julgado -, com fundamento na ilicitude da prova e na não ocorrência do ilícito, matérias já amplamente discutidas e fundamentadamente decididas no âmbito da referida representação. Agravo regimental não provido.

(AgR-AI 499467 GO, rel. Min. Henrique Neves, julgamento: 20.02.2014, publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 070, Data: 11.04.2014, Página 92-93)

 

Dessarte, pondero que o juízo a quo agiu com acerto ao extinguir o feito sem resolução do mérito, pois a questão aqui posta já fora analisada e decidida na ação de prestação de contas.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto,  revogando a decisão liminar de suspensão dos atos executórios proferidos na Ação de Prestação de Contas Eleitorais n. 0600887-40.2020.6.21.0001, e mantenho a decisão que extinguiu o feito pelos seus próprios fundamentos.

Comunique-se a presente decisão ao juízo a quo.

É como voto, senhor Presidente.