PCE - 0603191-44.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/11/2022 às 09:00

VOTO

MARIA DO ROSARIO NUNES, candidata eleita ao cargo de deputada federal nas eleições 2022, apresentou sua prestação de contas, a qual é disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19.

Após o regular processamento dos dados, a Secretaria de Auditoria Interna considerou sanada a maioria dos apontamentos realizados em sua primeira análise devido à apresentação de esclarecimentos e documentos pela prestadora de contas.

Remanesceu, no entanto, a glosa da importância de R$ 17.131,78 relativa ao recebimento de recursos de fonte vedada. Constou no parecer (ID 45327813):

Observados os procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como, na documentação apresentada nesta prestação de contas, foram constatados o recebimento de recursos de Fontes Vedadas no Relatório de Exame de Contas (ID 45299642).

2.1. Mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do TSE (extratos eletrônicos), foi identificado indício de recebimento DIRETO de fonte vedada de arrecadação (art. 31, da Resolução TSE nº 23.607/2019), classificado da seguinte forma:

INDÍCIO DE RECURSO RECEBIDO DIRETAMENTE DE FONTE VEDADA

Data               CNPJ/CPF                 DOADOR                                      VALOR (R$) VEDAÇÃO PROCEDENTE DE

19/08/2022   19.540.550/0001-21 ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A.    12.518,04       PESSOA JURÍDICA

21/09/2022   19.540.550/0001-21 ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A.     2.980,73        PESSOA JURÍDICA

28/09/2022  19.540.550/0001-21 ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A.      1.551,08        PESSOA JURÍDICA

04/10/2022  19.540.550/0001-21 ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A.           81,93         PESSOA JURÍDICA

TOTAL 17.131,78

A candidata contratou a empresa Democratize Tecnologia Ltda, CNPJ 35.492.333/0001-60 para realizar a arrecadação por financiamento coletivo, no entanto os valores recebidos listados anteriormente ingressaram na conta bancária Doações para Campanha da candidata com o CNPJ da empresa ASAAS Gestão Financeira S.A, contrariando o disposto no art. 24, §2º e 3º da Resolução TSE nº 23.607/2019.

A candidata apresentou “Nota Técnica” (ID 45304255) da Democratize, empresa de financiamento coletivo cadastrada pelo prestador de contas, declarando que:

“...a DEMOCRATIZE abriu conta ... junto à ASAAS GESTÃO FINANCEIRA INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTOS S.A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21),“uma instituição de pagamento autorizada pelo Banco Central do Brasil”

(...)

“A DEMOCRATIZE, por outro lado, é a entidade arrecadadora (Lei nº 9.504/97, art. 23, § 4º, IV) detentora do know-how, do sistema de informática e da responsabilidade pelo serviço de arrecadação, sendo a ASAAS o banco digital onde a DEMOCRATIZE mantém conta de pagamentos, pela qual são processados os repasses dos valores arrecadados”.

Além da “Nota Técnica” da Empresa Democratize, também são apresentadas imagens da conta de pagamento e do sistema de arrecadação da Democratize (ID 45304255).

O candidato contratou a Democratize, CNPJ 35.492.333/0001-60, empresa de financiamento coletivo regularmente cadastrada pelo TSE. Ainda, as doações captadas no financiamento coletivo, foram individualizadas nesta prestação de contas, conforme determina o art. 22, inciso II da Resolução TSE 23.607/2019. No anexo I disponibiliza-se os documentos de credenciamento disponibilizados pela empresa e a autorização realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Em que pese as declarações da Democratize, o Procedimento Técnico de Exame do Tribunal Superior Eleitoral trouxe a falha referente à identificação de doação proveniente de pessoa jurídica na conta bancária do candidato, identificada com o CNPJ 19.540.550/0001-21, pertencente a ASAAS Gestão Financeira, intermediária de pagamento, que não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, conforme a exigência do art. 24, §2º da Resolução TSE 23.607/2019. Cabe referir que como base de pesquisa foi consultado a Lei 12.865/20138 que dispõe sobre os arranjos de pagamentos e Resoluções 80/20219, 81/202110 e 96/202111 do Banco Central do Brasil que disciplinam o funcionamento das instituições de pagamentos. No anexo II, disponibiliza-se o CNPJ da empresa ASAAS que nas atividades identifica-se “Holding de instituição não financeira”.

Destaca-se também o §2º do art. 6º da Lei 12.865/2013:

§ 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.

A conta intermediária que a Democratize possui na ASAAS, instituição não financeira, não é uma conta bancária de depósito à vista, como prevê o art. 24, §2º da Resolução TSE 23.607/2019, assim o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu como previsto na resolução de prestação de contas.

Como consequência, o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu dentro dos padrões definidos pelo TSE com as verificações e cruzamentos automatizados efetivados pelo Procedimento Técnico de Exame do TSE. Não é possível determinar que e receita creditada na conta bancária do prestador de contas é originado da arrecadação de financiamento coletivo captada pela Democratize, pois o crédito que seria esperado teria como identificação o CNPJ da Democratize (CNPJ 35.492.333/0001-60) e não da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21).

Cabe referir ainda, um dos principais regramentos das prestações de contas eleitorais, os créditos bancários de doações recebidos, são obrigatoriamente por créditos bancários identificados como previsto no art. 7º, §1º da Resolução TSE 23.607/2019.

§ 1º As doações financeiras devem ser comprovadas, obrigatoriamente, por meio de documento bancário que identifique o CPF/CNPJ das doadoras ou dos doadores, sob pena de configurar o recebimento de recursos de origem não identificada de que trata o art. 32 desta Resolução.

Assim, o montante de R$ R$ 17.131,78, configura-se como recursos de fontes vedadas, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 31, §4º e §10 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Como mencionado na análise técnica, a prestadora de contas contratou empresa - Democratize Tecnologia Ltda. - com a finalidade de arrecadar recursos mediante financiamento coletivo de campanha eleitoral, modalidade prevista no inc. IV do § 4º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, e os valores decorrentes dessa arrecadação foram depositados na conta de campanha por uma empresa intermediária - ASAAS Gestão Financeira S.A. -, contrariando o disposto no art. 24, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Essa questão foi recentemente enfrentada pela Corte no julgamento da PCE n. 0602477-84.2022.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, ocasião em que o relator consignou em seu voto que, “ao selecionar a empresa arrecadadora entre aquelas cadastradas no TSE, deve-se entender que o candidato agiu com probidade e boa-fé, presumindo a regularidade da constituição e o funcionamento da prestadora de serviços, de acordo com a legislação eleitoral e com as normas expedidas pelo Banco Central do Brasil”.

Transcrevo a ementa que consolidou a posição adotada pela Corte naquele julgamento:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2022. INDÍCIO DE RECEBIMENTO DE RECURSO DE FONTE VEDADA. SANEAMENTO DA INCONGRUÊNCIA. FALHAS FORMAIS E EXTERNAS À ESFERA DE RESPONSABILIDADE DO CANDIDATO. REGULARIDADE. APROVAÇÃO.

1. Arrecadação e dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022 de candidato eleito ao cargo de deputado estadual.

2. Indício de recebimento de fonte vedada de arrecadação, nos termos do art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Recursos oriundos de pessoa jurídica. Contratação de empresa, com cadastro deferido pelo TSE, para a prestação de serviços de financiamento coletivo mediante sítios eletrônicos, possibilitando o recebimento de doações de pessoas físicas por meio da internet.

3. Ainda que a empresa contratada tenha se utilizado de uma conta intermediária para captação de recursos, a qual foi aberta em entidade que, embora realize serviços de cobranças e outras atividades congêneres, não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, em descumprimento ao art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19, não se mostra razoável imputar ao candidato qualquer responsabilidade pela eventual falha apontada. Além disso, as pessoas físicas doadoras originárias estão declaradas e identificadas pelo nome, CPF e discriminação das respectivas operações.

4. A partir dos esclarecimentos e documentos acostados, consideram-se saneadas as incongruências relatadas. Falhas formais e externas à esfera de responsabilidade do candidato.

5. Aprovação das contas, com fundamento no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 0602477-84.2022.6.21.0000, Relator Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado em 17.11.2022, publicado acórdão na sessão de 18.112022)

 

Assim, em prestígio ao precedente, deve ser considerada saneada a incongruência relativa ao recebimento de R$ 17.131,78, recursos recebidos mediante financiamento coletivo e que foram creditados à candidata com indicação de procedência de instituição intermediária.

Em prosseguimento, verifico que o parecer conclusivo apontou o recebimento e a utilização de recursos, no valor de R$ 20,00, oriundos de origem não identificada, uma vez que se detectou inconsistência em relação à situação fiscal do doador.

O laudo também consignou que a “candidata promoveu o recolhimento do montante apontado, comprovantes do ID 45304259 e ID 45304260, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas”, e considerou sanado o apontamento.

Na linha do sustentado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45336755), “o valor recolhido foi recebido de origem não identificada e utilizado na campanha, pelo que, embora ínfimo o seu montante e evidente a boa-fé da prestadora, o recolhimento não tem o condão de afastar a irregularidade identificada”.

De fato, não desconheço que a jurisprudência da Corte fixou, na mesma linha do que vem adotando o TSE, que a existência de máculas de pouca relevância devem conduzir à aprovação das contas com ressalvas.

Da mesma forma, estou ciente de que o § 7º do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19 estipula que a devolução de recursos recebidos de origem não identificada não elide a mácula na contabilidade quando constatado que a candidata ou o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos valores ilícitos recebidos.

A hipótese dos autos é, entretanto, excepcional.

A mácula de R$ 20,00 (vinte reais) na contabilidade decorreu de recebimento de doação que, em cruzamento de bases de dados, foi identificada como tendo sido realizada por pessoa que apresenta a situação fiscal “cancelada por óbito sem espólio” na Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Nessa linha, é de se considerar que a candidata não teria como controlar esse tipo de situação, no sentido de ter ciência do óbito de simpatizante que realizou doação modesta a fim de efetuar o recolhimento tempestivo da verba. É caso também de se ponderar sobre a possibilidade de o falecimento do doador ter ocorrido após o depósito, mas antes do cruzamento de dados.

A prestadora de contas também demonstrou boa-fé ao efetuar o recolhimento assim que tomou conhecimento da inconsistência da situação fiscal do devedor apontada no exame técnico.

Ademais, trata-se de uma única ocorrência da espécie, em valor ínfimo. O montante da irregularidade é insignificante diante dos R$ 2.540.945,26 geridos pela candidata em sua campanha eleitoral, representando 0,0007% da receita de campanha.

Assim, em consideração a tais peculiaridades, em especial, a insignificância do valor, as contas merecem ser aprovadas sem ressalvas.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela aprovação das contas de campanha de MARIA DO ROSARIO NUNES, candidata eleita ao cargo de deputada federal nas eleições 2022, nos termos do art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.