PCE - 0602663-10.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2022 às 10:00

 VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

Após exame da contabilidade e manifestação do candidato, a Secretaria de Auditoria Interna do TRE-RS identificou remanescentes irregularidades quanto ao ingresso de fontes vedadas, ao uso de recursos de origem não identificada e inconsistências quanto à comprovação de gastos com valores do FEFC.

Em relação aos ingressos provenientes de fontes vedadas, a matéria vem disposta no art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 31 É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

II - origem estrangeira;

III - pessoa física permissionária de serviço público.

 

Do acervo colacionado, constam aportes realizados pela empresa ASAAS Gestão Financeira, CNPJ n. 19.540.550/0001-21, prática vedada nos termos do inc. I do artigo supracitado.

A questão restou assim relatada no parecer conclusivo:

O candidato contratou a empresa DEMOCRATIZE TECNOLOGIA LTDA., inscrita no CNPJ sob nº 35.492.333/0001-60, para realizar a arrecadação por financiamento coletivo, a qual conta com o devido registro junto ao TSE para exercer a referida atividade. No entanto, os valores recebidos listados acima ingressaram na conta bancária Doações para Campanha do candidato com o CNPJ da empresa ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A, contrariando o disposto no art. 24, §§2º e 3º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Por sua vez, o candidato apresentou esclarecimentos e comprovantes do ID 45320373 ao ID 45320382, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas, os quais, contudo, tecnicamente não alteram as falhas apontadas.

O candidato apresentou “Contrato de Prestação de Serviço de Arrecadação de Valores para Financiamento de Campanha Eleitoral – Eleições 2022” (ID 45320369) da DEMOCRATIZE TECNOLOGIA LTDA., empresa de financiamento coletivo cadastrada pelo prestador de contas, declarando que:

“A empresa ASAAS GESTÃO FINANCEIRA foi terceirizada pela empresa DEMOCRATIZE, conforme contrato em anexo, sendo que a terceirização da referida tarefa foi de responsabilidade exclusiva da DEMOCRATIZE, em que se executou a transferência da “vaquinha online de arrecadação”, sendo a referida ação transparente e de fácil visualização contábil.

O valor arrecadado pelo DEMOCRATIZE, foi exatamente o transferido pela ASAAS GESTÃO FINANCEIRA.”

As doações captadas no financiamento coletivo foram individualizadas nesta prestação de contas, conforme determina o art. 22, inciso II da Resolução TSE 23.607/2019. No Anexo I deste Parecer Conclusivo, disponibiliza-se os documentos de credenciamento disponibilizados pela empresa7 e a autorização realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Em que pese as declarações, o Procedimento Técnico de Exame do Tribunal Superior Eleitoral trouxe a falha referente à identificação de doação proveniente de pessoa jurídica na conta bancária do candidato, identificada com o CNPJ nº 19.540.550/0001-21, pertencente a ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A., que não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, conforme a exigência do art. 24, §2º da Resolução TSE 23.607/2019.

Cabe referir que como base de pesquisa foi consultada a Lei 12.865/2013, que dispõe sobre os arranjos de pagamentos, e Resoluções 80/20219 , 81/202110 e 96/202111 do Banco Central do Brasil, que disciplinam o funcionamento das instituições de pagamentos. No anexo II, disponibiliza-se o CNPJ da empresa ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A. que nas atividades identifica-se “Holding de instituição não financeira”. Destaca-se o §2º do art. 6º da Lei 12.865/2013:

“§ 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.”

Com efeito, a conta intermediária que a DEMOCRATIZE TECNOLOGIA LTDA. possui na ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A., instituição não financeira, não é uma conta bancária de depósito à vista, contrariando o que determina art. 24, §2º12, da Resolução TSE 23.607/2019, assim o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu de acordo com a referida Resolução.

Como consequência, o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu dentro dos padrões definidos pelo TSE com as verificações e cruzamentos automatizados efetivados pelo Procedimento Técnico de Exame. Sucessivamente, não é possível determinar que e receita creditada na conta bancária do prestador de contas é originado da arrecadação de financiamento coletivo captada pela DEMOCRATIZE TECNOLOGIA LTDA., pois o crédito que seria esperado teria como identificação o CNPJ da DEMOCRATIZE TECNOLOGIA LTDA. (CNPJ 35.492.333/0001-60) e não da empresa ASAAS GESTÃO FINANCEIRA S.A. (CNPJ nº 19.540.550/0001- 21).

Cabe referir ainda que os créditos bancários de doações recebidos no âmbito da campanha eleitoral são obrigatoriamente por créditos bancários identificados, tal como previsto no §1º do art. 7º da Resolução TSE n. 23.607/2019. Colaciona-se:

“§1º As doações financeiras devem ser comprovadas, obrigatoriamente, por meio de documento bancário que identifique o CPF/CNPJ das doadoras ou dos doadores, sob pena de configurar o recebimento de recursos de origem não identificada de que trata o art. 32 desta Resolução.”

Assim, o montante de R$ 5.960,21, referente ao item 2.1, configura-se como recurso de fonte vedada, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 31, §§4º e 10 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Segundo o prestador, a empresa ASAAS GESTÃO FINANCEIRA foi terceirizada pela empresa DEMOCRATIZE, conforme contrato em anexo, sendo que a prática foi de responsabilidade exclusiva da DEMOCRATIZE, que executou a transferência da “vaquinha online de arrecadação”, sendo a referida ação transparente e de fácil visualização contábil.

Pois bem.

A empresa Democratize Tecnologia Ltda. consiste em uma empresa de arrecadação de recursos pela modalidade de financiamento coletivo via internet, com cadastro deferido pelo TSE, para a prestação de serviços a partidos e candidatos no pleito de 2022 (https://financiamentocoletivo.tse.jus.br/fcc.web/#!/publico/lista-empresa), nos exatos termos estipulados pelo art. 22, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 22. O financiamento coletivo, se adotado, deverá atender aos seguintes requisitos:

I - cadastro prévio na Justiça Eleitoral pela instituição arrecadadora, observado o atendimento, nos termos da lei e da regulamentação expedida pelo Banco Central do Brasil, dos critérios para operar arranjos de pagamento;

 

Logo, ao selecionar a empresa arrecadadora entre aquelas cadastradas no TSE, deve-se entender que o candidato agiu com probidade e boa-fé, presumindo a regularidade da constituição e funcionamento da prestadora de serviços, de acordo com a legislação eleitoral e com as normas expedidas pelo Banco Central do Brasil.

Em consulta ao sítio eletrônico da Democratize (https://democratize.com.br/), inclusive, vê-se, ao final da página, quando aponta seu nível de segurança, o destaque “Homologado pelo TSE”.

Ainda, as informações publicadas no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022) registram que a Democratize foi contratada por 1.489 candidatos nas eleições de 2022, em todo o território nacional, a exemplo dos candidatos Jair Bolsonaro, Antônio Hamilton Mourão, Fernando Haddad e João Edegar Pretto, de modo que seus serviços não se circunscreveram a uma região específica ou a determinado grupo.

Ocorre que a empresa se utilizou de uma conta intermediária para captação de recursos, a qual foi aberta na ASAAS Gestão Financeira, que, embora realize serviços de cobranças e outras atividades congêneres, não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, razão pela qual o órgão técnico indicou o descumprimento ao art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 24. Havendo conta intermediária para a captação de doações por financiamento coletivo, a instituição arrecadadora deve efetuar o repasse dos respectivos recursos à conta bancária de campanha eleitoral da candidata ou do candidato ou do partido político (conta "Doações para Campanha").

§ 1º No momento do repasse à candidata ou ao candidato ou ao partido político, que deverá ser feito obrigatoriamente por transação bancária identificada, a instituição arrecadadora deverá identificar, individualmente, as doadoras ou os doadores relativas(os) ao crédito na conta bancária da destinatária ou do destinatário final.

§ 2º A conta intermediária de que trata o caput deste artigo, uma vez aberta, deve observar a modalidade de conta bancária de depósito à vista, em instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil.

§ 3º Os créditos recebidos na conta intermediária de que trata o caput deste artigo devem ser realizados por meio de transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado. (Grifei.)

 

Consoante exposto, a Democratize detinha cadastro deferido junto ao TSE e efetivamente captou recursos para diversos concorrentes, induzindo à firme convicção de sua qualificação e idoneidade para o serviço contratado.

O atendimento, por parte das instituições arrecadadoras, aos requisitos previstos no art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser analisado em procedimento específico por parte do TSE, competente para o deferimento de seu cadastro prévio.

Além disso, o órgão técnico bem atestou que “as doações captadas no financiamento coletivo foram individualizadas nesta prestação de contas, conforme determina o art. 22, inciso II da Resolução TSE 23.607/2019”, cujo teor transcrevo:

Art. 22. O financiamento coletivo, se adotado, deverá atender aos seguintes requisitos:

[…].

II - identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de cada pessoa doadora, o valor das quantias doadas individualmente, a forma de pagamento e as datas das respectivas doações;

 

Nessa esteira, não havendo quaisquer outros indícios de fontes vedadas, os apontamentos resumem-se ao fato de a conta intermediadora não ser mantida por instituição bancária e, consoante descreveu o parecer conclusivo, “o crédito que seria esperado teria como identificação o CNPJ da Democratize (CNPJ 35.492.333/0001-60), e não da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21)”.

Entretanto, ao sopesar os esclarecimentos e o acervo acostado, julgo saneadas as incongruências relatadas, ressaltando, como já o fez o douto Procurador Regional Eleitoral, que a DEMOCRATIZE prestou esclarecimentos no processo de prestação de contas em que firmado precedente (ID 45338512 dos autos n. 0602477-84.2022.6.21.0000), no sentido de que, "conforme fluxograma acima, todas as doações quando processadas, são custodiadas nesta conta mantida junto ao Banco Inter, até que o(a) candidato(a) cliente solicite o saque dos recursos arrecadados na Democratize, para a sua conta de campanha".

Portanto, infere-se que os recursos captados pela empresa são de fato direcionado para uma instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, no caso o Banco Inter, atendendo ao disposto no § 2º do art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No que toca ao uso de recursos de origem não identificada (RONI), o vício foi detectado quando do cotejo entre as despesas arroladas no feito e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, na medida em que verificada a omissão de gastos eleitorais, os quais foram quitados com valores sem demonstração de sua fonte.

Em manifestação, o candidato teceu argumentos quanto aos dispêndios realizados junto à empresa Dutra Auto Posto Ltda., Loja e ao Restaurante 44 Appetite Ijui Ltda., Jolcimara Gaidarji, e Medeiros & Nascimento Comércio de Alimentos Ltda.

No que atina aos gastos feitos com a empresa Dutra Auto Posto Ltda., o prestador aduz se tratar, em realidade, de nota, no valor de R$ 7.000,00, englobando o total de abastecimentos.

Ocorre que, do batimento entre as NFC-e (notas fiscais de consumidor eletrônicas) e as chaves de acesso indicadas, verifica-se que na NF-e 50990 não consta nenhuma das notas suscitadas no item 3.2 do Relatório da unidade técnica, emitidas pelo fornecedor DUTRA AUTO POSTO LTDA., o que impossibilita a confirmação do esclarecimento prestado pelo candidato, inviabilizando, nesses termos, a aferição dos documentos fiscais. A corroborar, o somatório das quantias apontadas junto ao referido fornecedor não coincide com o valor da nota (NF-e) de R$ 7.000,00, perfazendo um total de R$ 5.264,60.

Quanto às demais empresas, Loja e Restaurante 44 Appetite Ijui Ltda., Jolcimara Gaidarji, e Medeiros & Nascimento Comércio de Alimentos Ltda., o prestador limitou-se a informar que não reconhece os gastos supostamente realizados junto aos referidos estabelecimentos, sem, contudo, colacionar documentação a lastrear sua tese, devendo, nessa linha, ser mantida a glosa no valor de R$ 420,60.

Nesse norte, não sanadas as questões quanto aos dispêndios quitados com valores à margem do controle financeiro desta Justiça Eleitoral, resta configurado o uso de recursos de origem não identificada, na quantia total de R$ 5.685,20 (R$ 5.264,60 + R$ 420,60), a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. 

Com relação ao uso indevido de verbas do FEFC, persistem falhas junto ao fornecedor Sergio Luiz Water – Gráfica WR e ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

Remanesce a mácula derivada de serviços de impressão, visto que não discriminadas as dimensões das “colinhas” no documento fiscal da empresa.

O candidato limitou-se a indicar que no corpo da nota consta a descrição do item, contudo, ainda que os demais impressos apresentem suas medidas, as referidas “colinhas” não ostentam a mesma definição, pois apresentados somente a quantidade e o valor do material (R$ 13.380,00).

A Resolução TSE n. 23.607/19, em art. 60, § 8º, dispõe que o material impresso de campanha deve vir, no corpo das notas fiscais, acompanhado de suas dimensões, de modo que, não atendido o comando legal, o valor deve ser devolvido ao erário.

Foi verificada, ainda, inconsistência relativa a despesas junto ao Facebook, visto que o somatório dos gastos declarados é superior ao custo das notas fiscais apresentadas. A cifra irregular, somada, alcança R$ 1.405,71, montante cuja destinação não foi esclarecida na contabilidade apresentada.

O prestador trouxe ao feito nota fiscal no valor de 405,71, de sorte que calha analisar o valor pendente de R$ 1.000,00.

A unidade técnica destacou que, "em que pese constar no SPCE uma duplicata/boleto de R$ 1.000,00 emitido contra o CPF do candidato (ID 45173954), acompanhada de um comprovante de pagamento que indica também o CPF do candidato como pagador (idem), depreende-se do Extrato da Prestação de Contas Final (ID 45174002) que o total da despesa com impulsionamento digital perfaz o valor de R$ 8.200,00, valor que coincide com o total dos comprovantes de pagamento vinculados ao fornecedor em questão". E, ainda, que “constam nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE todas as saídas financeiras correspondentes aos pagamentos das duplicatas/boletos em favor de DLOCAL BRASIL PAGAMENTOS”.

Quanto ao ponto, o prestador alegou que “foi identificado neste momento da intimação que o boleto foi feito de forma equivocada com o CPF do candidato PAULO AFONSO BURMANN, e não com o seu CNPJ, razão pela qual não foi comprovado este valor nas despesas do CNPJ.”

Com efeito, o prestador conseguir sanar parcialmente a demanda, visto que trouxe ao feito nota fiscal de R$ 405,71, contudo, persiste a lacuna de R$ 1.000,00 restantes, na medida em que não houve retificação das contas, no intuito de adequá-las ao gasto, tampouco foi carreado aos autos documento a atestar a regularidade da aplicação dos recursos públicos.

Da fundamentação, restaram configurados o uso de recursos de origem não identificada, na casa de R$ 5.685,20 (R$ 5.264,60+ R$ 420,60); e a malversação de verbas do FEFC, na ordem de R$ 14.380,00 (R$ 13.380,00 + R$ 1.000,00), totalizando o montante de R$ 20.065,20 a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Por fim, considerando que o valor irregular, no montante de R$ R$ 20.065,20, representa apenas 4,27% das receitas declaradas pelo candidato (R$ 468.913,00), entendo pela aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, consoante consolidada jurisprudência desta Corte.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de PAULO AFONSO BURMANN, candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal pelo PDT, e pelo recolhimento da quantia de R$ 20.065,20 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.