REC no(a) Rp - 0603603-72.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente. Eminentes Colegas.

Analiso como matéria preliminar a insurgência recursal contra o indeferimento do pedido de desistência da ação, formulado pelas partes do processo.

O tema foi assim enfrentado pela decisão recorrida:

 

Inicialmente, há de se verificar a validade do documento sob ID 45299934 e que tem o seguinte teor:

EDUARDO FIGUEIREDO CAVALHEIRO LEITE, ONYX DORNELLES LORENZONI, GABRIEL VIEIRA DE SOUZA, CLAUDIA PELEGRINO JARDIM PEREIRA, COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE (FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA / MDB / PSD / PODEMOS / UNIÃOBRASIL) e COLIGAÇÃO PARA DEFENDER E TRANSFORMAR O RIO GRANDE (PL / REPUBLICANOS /PATRIOTA / PROS), reconhecendo a legitimidade do processo eleitoral que resultou na eleição de Eduardo Leite e Gabriel Souza ao executivo estadual, comunicam a Vossa Excelência a desistência recíproca de todos os processos judiciais eleitorais ajuizados entre si durante a campanha eleitoral, permitindo-se o livre exercício dos mandatos e do direito de oposição nos espaços políticos.

Assim, e com a anuência dos representados, os representantes requerem seja homologada a desistência desta ação, sem a imposição de quaisquer penalidades.

Foram listados os processos entre as partes, atingidos pela desistência recíproca: 0603561-23.2022.6.21.0000, 0603567-30.2022.6.21.0000, 0603570-82.2022.6.21.0000, 0603573-37.2022.6.21.0000, 0603574-22.2022.6.21.0000, 0603586-36.2022.6.21.0000, 0603592-43.2022.6.21.0000, 0603599-35.2022.6.21.0000, 0603601-05.2022.6.21.0000, 0603603-72.2022.6.21.0000, 0603617-56.2022.6.21.0000 e 0603619-26-2022.6.21.0000.

O pedido não comporta deferimento, considerando haver previsão expressa no art. 11 da Resolução TSE n. 23.478/16, que disciplina a aplicabilidade do CPC no âmbito desta Justiça Especializada, vedando o procedimento entabulado pelas partes: “Na Justiça Eleitoral não é admitida a autocomposição, não sendo aplicáveis as regras dos arts. 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil.”

Dessa forma, não é possível a homologação do pedido de desistência formulado, pois a apuração de ilícitos eleitorais constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que, não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações.

Com esses fundamentos, indefiro o pedido de desistência da ação.

 

Ressalto que o caso em tela difere do ocorrido nos autos do processo Rp n. 0603617-56.2022.6.21.0000, também da minha relatoria, julgado na sessão de 17.11.2022, em que o pedido de desistência foi formulado após o julgamento do mérito da ação, em violação ao art. 485, § 5°, do CPC, conforme observa-se da respectiva ementa:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PARCIALMENTE PROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRELIMINAR. INDEFERIDO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO. SIMPLES REITERAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS. REDUZIDO O VALOR DA MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra decisão que julgou parcialmente procedente representação por propaganda irregular, por descumprimento da ordem de proibição imediata de distribuição do material tido como ilícito. Aplicação de multa.

2. Preliminar. Pedido de desistência. Acordo de desistência recíproca entre as partes. O art. 485, § 5°, do CPC dispõe, expressamente, que “a desistência da ação pode ser apresentada até a sentença”, sendo, portanto, intempestivo o requerimento apresentado na fase recursal, oportunidade em que cabe à parte recorrente tão somente a desistência do apelo, na forma do art. 998 do CPC. A apuração de ilícitos eleitorais constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações. Indeferido pedido de desistência da ação.

3. Liminar integralmente mantida. Flagrante de descumprimento de ordem judicial. Considerando que houve apenas um descumprimento, e que a parte, espontaneamente, trouxe a esse Tribunal, vários exemplares da propaganda irregular, demonstrando colaboração processual, reduzido o valor da multa imposta.

4. Provimento parcial. Rejeitado pedido de desistência da ação.

(TRE-RS, Rp n. 0603617-56.2022.6.21.0000, da minha relatoria, Publicado Acórdão Sessão em 18/11/2022) (Grifei.)

 

Entretanto, ainda que o pedido de desistência tenha sido formulado de forma tempestiva, entendo, após muito refletir sobre o tema, que deve ser mantido o juízo de rejeição, com fundamento nos princípios da isonomia de tratamento aos candidatos do pleito, na igualdade de oportunidades e, principalmente, na natureza pública e indisponível do Direito Eleitoral, pelas razões que passo a expor.

Primeiramente, consigno que, quando do ajuizamento da presente ação, em 28.10.2022, a coligação representante, pela qual concorreu o candidato eleito ao cargo de governador Eduardo Leite, e o candidato a vice-governador, Gabriel Souza, referiu que os representados “omitiram da Justiça Eleitoral e do controle social” a página de Facebook (perfil do candidato Onyx Lorenzoni) “em que realizaram todos os impulsionamentos durante o primeiro e segundo turnos da eleição”.

A falta de informação sobre o perfil da rede social foi reconhecida no processo Rp n. 0603592-43.2022.6.21.0000, também ajuizado pela coligação representante, da relatoria do Desembargador Luiz Mello Guimarães, por decisão mantida nesta Corte, quando do julgamento do recurso (publicado o acórdão na Sessão em 18/11/2022).

A inicial postulou a condenação dos representados, por divulgação de postagem de texto e vídeo impulsionada (anúncio pago), contendo propaganda negativa contrária à candidatura de Eduardo Leite e Gabriel Souza, prática expressamente vedada pelo art. 29, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta o art. 57-C da Lei das Eleições:

 

Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 2º).

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º). (grifei)

 

Nesses termos, nota-se que a normatização de regência veda a divulgação de propaganda eleitoral paga na internet, ressalvado o impulsionamento de conteúdo, o qual deve se destinar apenas a promover ou beneficiar candidaturas ou suas agremiações, condenando a realização de propaganda negativa à pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

O vídeo impugnado possui a seguinte legenda: “O governador que decretou o fecha-tudo e acabou com a renda da população, só esqueceu de fechar uma coisa: as contas do seu governo!”, e a gravação traz o seguinte conteúdo negativo:

 

Eduardo, a gente sabe que o senhor gosta de fechar tudo.

Vamos ver se os seus números fecham?

[imagens com mensagens:

“Educação: Desvio de R$ 4,3 bilhões do FUNDEB.”, “Saúde: 1 Bilhão de dívidas no IPE Saúde”, “Economia: 200 mil empresas quebradas só em 2021”]

Pois é, ex-governador que renunciou, por mais que o senhor tente, tem coisas no seu governo que não fecham!

Chega, Eduardo, os gaúchos querem a verdade.

Agora é ONYX governador.

 

Reproduzo as imagens da publicidade:

 

 

 

Ao julgar procedente o pedido condenatório, acolhi a tese contida na inicial, no sentido de que a propaganda carrega em si, exclusivamente, um ataque à candidatura do adversário, procedimento que pode ser adotado por intermédio de publicação de internet, mas não sob a forma de impulsionamento, de acordo com a norma legal, a doutrina, e a jurisprudência.

Veja-se que a biblioteca de anúncios do perfil do candidato Onix aponta que o valor gasto com a publicidade negativa, dedicada ao não voto em Eduardo Leite, foi de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), e teve tamanho estimado de público, de mais de 1 milhão de pessoas, além de impressões de 500 a 600 mil:

 

 

Além da expressividade do alcance da postagem, tem-se que a infração foi praticada entre 22 e 29 de setembro de 2022, conforme consta nas informações do anúncio, ou seja, durante o primeiro turno da eleição majoritária, na qual concorriam 12 chapas.

Daí porque concluo que, uma vez praticada a infração, reconhecida por decisão judicial que fixou multa aos representados, que o acolhimento do pedido de desistência representaria inegável ofensa aos princípios da isonomia de tratamento aos candidatos e da igualdade de oportunidades na disputa, com manifesta disparidade de armas entre os concorrentes do pleito que, respeitando a legislação eleitoral, não realizaram publicidade por intermédio de modalidade vedada.

Além disso, entendo que em virtude da natureza pública de que se reveste o Direito Eleitoral, não se mostra cabível que candidatos ou partidos pratiquem, durante a campanha, condutas previstas como ilícitas na legislação eleitoral, ajuizando demandas para a interrupção e punição das infrações, movimentando todo o aparato da Justiça Eleitoral, seus Juízes e servidores e, posteriormente, postulem a desistência e a ausência de cominação de sanções por acordo particular, a exemplo do que ocorre entre litigantes, no âmbito do direito privado.

Saliento que a situação concreta não se trata de arrependimento, de ajuizamento da ação por erro ou vício de vontade. Na inicial, a parte autora apresenta legislação, doutrina e jurisprudência, demonstra que a conduta se amolda ao dispositivo legal tido por violado e postula a condenação.

Portanto, concluo que a apuração de ilícitos eleitorais constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito o pedido de desistência da ação.

Destaco.