REl - 0600427-95.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2022 às 10:00

 VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Inicialmente, destaco que os recorrentes acostaram documentação em fase recursal, consistente em um recibo e uma nota fiscal, circunstância que, na classe processual sob exame, prestação de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

No mérito, JUAREZ PETRY DE SOUZA e FERNANDA CAMPOS MEIRELES, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeita nas eleições de 2020 no Município de Tapes, recorrem contra a sentença que desaprovou a prestação de contas, determinou o recolhimento de R$ 5.250,00 ao Tesouro Nacional e aplicou multa solidária aos recorrentes no valor de R$ 4.984,52.

Observo que após o exame das contas os prestadores apresentaram manifestação, o Ministério Público exarou parecer e, com autos conclusos, houve a prolação da sentença sem que fosse apresentado parecer conclusivo. No entanto, julgo não haver prejuízo aos recorrentes, pois a decisão hostilizada examinou a petição com esclarecimentos dos prestadores e considerou a documentação complementar apresentada, sem inovar quanto às irregularidades apontadas no exame preliminar. Noto, inclusive, que a sentença afastou apontamento do parecer preliminar, ao analisar os recibos de pagamento e os cheques juntados aos autos, pois entendeu que

“ainda que não tenham sido cruzados, em manifesta contrariedade à legislação vigente, o que caracteriza falha de natureza grave, tenho que a irregularidade apontada no item 1, relativamente aos gastos com recursos públicos nos valores de R$ 200,00 (duzentos reais), resta sanada, na medida em que a utilização de tais recursos restou comprovada nos autos”

Destaco: não é este o entendimento da Corte.

Porém, julgo que o item resta precluso ante a ausência de recurso de parte do Ministério Público Eleitoral da origem e em respeito ao princípio non reformatio in pejus.

Assim, passo à análise das irregularidades que deram ensejo à desaprovação: (1) ausência de comprovação de regular pagamento de despesa com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, (2) extrapolação do limite de gastos e (3) omissão de gastos eleitorais.

1. Ausência de comprovação de regular pagamento de despesa com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

A análise técnica apontou despesas com verbas do FEFC, nas quais os prestadores não comprovaram a regularidade da quitação por meio de documentos fiscais e cheques nominais cruzados, nas quantias de R$ 3.050,00, fornecedor registrado Lamarca Luís Carlos Gomes; R$ 1.200,00, fornecedor registrado Gregori Forli Braz; e R$ 1.000,00, fornecedora registrada Brenda Menezes Amaral.

A soma total das falhas alcança o montante de R$ 5.250,00.

A matéria, regulada na Resolução TSE n. 23.607/19, determina os meios para realização dos gastos eleitorais, de modo taxativo:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

No concernente à operação na quantia de R$ 3.050,00, foi acostada ao recurso nota fiscal emitida por Lamarca, empresa de Luís Carlos Gomes.

No entanto, na mesma linha do parecer do órgão ministerial, julgo que permanece não comprovada a despesa, pois o cheque emitido para pagamento foi preenchido de forma não cruzada, e o extrato bancário deixa de apresentar a contraparte sacadora do valor.

Igualmente, não há comprovação do gasto de R$ 1.000,00, realizado a título de despesas com pessoal, pois a prestação de contas registra, como fornecedora, a pessoa física Brenda Menezes Amaral, em nome de quem o cheque é nominalizado. No entanto, o beneficiário indicado no extrato bancário é pessoa jurídica, qual seja, ALEGRIA COML COMBUSTIVEIS LTDA.

A falha grave decorre, portanto, da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais, cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária. Fossem atendidas as regras, estariam identificados os beneficiários e regulares as contas, como esclarece o d. Procurador Regional Eleitoral, em trecho do parecer que, por elucidativo, adiciono expressamente às razões de decidir:

Repise-se, os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a exigência de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), obrigação que não existia anteriormente e foi introduzida para as eleições de 2020 pela Resolução TSE nº 23.607/2019, assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A realização de gastos com recursos do FEFC mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

De outra banda, no referente à despesa de R$ 1.200,00, tenho como validamente comprovada, no que merece parcial provimento o recurso. 

Isso porque, no extrato de prestação de contas entregue em 26.11.2021, há expresso registro de despesa com assessoria jurídica (valor de R$ 1.200,00) e nos IDs 44964824 e 44964788 constam procurações outorgadas aos advogados Gregori Forli Braz e Pedro Gonzalez por ambos os recorrentes – diga-se, aliás, os mesmos profissionais que representaram os candidatos em todos os atos processuais dos presentes autos, inclusive subscrevendo o recurso ora sob exame.

Ademais, os prestadores juntaram cópia do cheque relativo à despesa em questão, nominal a Pedro Gonzalez, e, embora não cruzado, o extrato bancário indica o nominado como contraparte beneficiada, em operação de pagamento que julgo suficientemente esclarecida, pois também foi acostado ao recurso o recibo da operação, assinado pelo primeiro procurador.

Entendo, dessarte, dado o quadro fático específico do caso posto, que o cheque ser nominal a procurador diverso daquele que assinou o recibo não é suficiente para retirar a credibilidade da operação, pois, conforme o instrumento de representação, os dois outorgados mantêm endereço profissional conjunto, sendo razoável crer que se trata de ajuste de honorários a ser realizado entre os profissionais envolvidos.

Logo, por meio do registro do gasto, do cheque e do extrato bancário, é possível estabelecer o vínculo entre o valor despendido e o credor, restando demonstrada a regularidade da operação.

Assim, tenho que estes elementos são suficientes à comprovação da despesa, mesmo que o recibo trazido no recurso não carregue “certeza quanto ao tempo de sua elaboração”, no entender do d. Procurador Eleitoral. Concluo desta forma também porque a data de depósito do pagamento, comprovada por meio do extrato bancário, foi 23.11.2020, guardando coerência com a data de preenchimento da cártula, 20.11.2020, mesma data do recibo trazido aos autos.

Portanto, dou provimento parcial ao recurso, e afasto a quantia de R$ 1.200,00 da ordem de recolhimento.

2. Extrapolação do limite de gastos de campanha

A sentença reconheceu a “extrapolação do limite de gastos, na medida em que o valor dos recursos próprios supera em R$ 2.492,26 (soma RP menos 10% do limite de gastos fixados para a candidatura) o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.”.

Em sua defesa, os recorrentes alegam que não houve excesso, pois seus rendimentos tributáveis auferidos no ano-calendário anterior à eleição alcançaram R$ 28.559,70, dos quais poderiam ter sido doados 10%, ou seja, R$ 2.855,97, nos termos do art. 27, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sem razão.

Explico.

De fato, o dispositivo indicado autoriza a doação de até 10% dos recursos brutos tributáveis granjeados no ano anterior à doação. Contudo, a legislação de regência há de ser observada de modo sistêmico. No ponto, o preceito que foi afrontado é o do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(…) (Grifei.)

Logo, tem-se que se trata de outro limite imposto pela Resolução, esse com base no teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.

Aponto que o teto de gastos para o cargo de prefeito no Município de Tapes nas Eleições 2020 foi de R$ 123.077,42, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 12.307,74. No entanto, o candidato aplicou recursos financeiros próprios no valor de R$ 14.800,00, excedendo em R$ 2.492,26 o limite.

E também aqui entendo que merece ser reformada a decisão da origem, pois houve a aplicação de multa (em razão da irregularidade quanto ao excesso de autofinanciamento) de forma solidária no valor de R$ 4.984,52.

Ora, se o valor doado excessivamente foi de R$ 2.492,26, e, nos termos da legislação, o infrator fica sujeito ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, conclui-se que o valor doado em excesso estabelece o limite da multa a ser aplicada, de modo que é inviável, mesmo em tese, que a multa no caso concreto ultrapasse exatos R$ 2.492,26 - seriam esses os 100%.

Mas não é só.

A par da adequação hipotética, tenho que não há circunstâncias graves a ponto de que se estabeleça a multa no equivalente a 100%, e entendo que tanto o caráter pedagógico quanto o viés repressivo do sancionamento serão alcançados com a fixação do patamar intermediário de 50% (cinquenta por cento), ou seja, R$ 1.246,13 (um mil, duzentos e quarenta e seis reais e treze centavos) de multa.

3. Omissão de gastos eleitorais

Por fim, a sentença registra,

“compulsando os autos verifico ainda que, de fato, há irregularidades graves consubstanciadas na omissão de prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, conforme apontado no exame técnico de ID 103503952, em manifesta contrariedade ao disposto na Resolução nº 23.607/2019.”.

Observo que o recorrente não esclareceu ou apresentou justificativa para os apontamentos enumerados no parecer técnico, referentes às despesas declaradas na prestação de contas em exame e àquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, devendo permanecer a indicação da irregularidade.

O item, portanto, é de ser mantido como tópico desabonador às contas do prestador recorrente.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, reduzir o recolhimento à quantia de R$ 4.050,00 (R$ 5.250 – R$ 1.200,00) ao Tesouro Nacional e adequar a multa ao patamar intermediário, R$ 1.246,13, a ser destinada ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, mantendo a desaprovação das contas.