REl - 0600234-63.2020.6.21.0122 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

A fim de examinar a tempestividade dos recursos, colho a fundamentação constante no zeloso parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que adoto como razões de decidir:

No tocante ao prazo recursal contra sentença proferida em representação sobre conduta vedada, é de 3 (três) dias, nos termos do art. 73, § 12, da Lei 9.504/97 e art. 51 da Resolução TSE n. 23.608/2019.

Nota-se que, no caso, a intimação da sentença foi expedida por meio do sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe.

Com efeito, o prazo de 10 (dez) dias para consumação da intimação tem início no dia seguinte à disponibilização do ato de comunicação no sistema (art. 55, inc. I, da Resolução TRE-RS n.º 338/2019, que regulamenta a utilização do PJE na JE do RS), sendo que a intimação se perfectibiliza no décimo dia, quando há expediente judiciário, ou no primeiro útil seguinte (art. 55, inc. II, da Resolução TRE-RS n.º 338/2019), ou ainda caso efetivada a ciência pela parte antes desse prazo (art. 56 da Resolução TRE-RS n.º 338/2019).

Sendo assim, a intimação da sentença foi disponibilizada às partes no dia 24.05.2021 (ID 42608383). Os 10 dias contados a partir de 24.05.2021 findaram em 03.06.2021, quinta-feira. Iniciada a contagem do prazo recursal em 04.06.2021, seu término caiu no dia 06.06.2021, domingo, prorrogando-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 07.06.2021, segunda-feira.

Por isso, como ambos os recursos foram interpostos no dia 09.06.2021, não teria se verificado, a princípio, a observância do tríduo legal, o que conduziria à conclusão de que os recursos seriam intempestivos.

No entanto, em consulta à movimentação do processo no primeiro grau, nota-se que o sistema PJe registrou ciência no dia 04.06.2021 e data para manifestação em 09.06.2021. Salvo para a Promotoria Eleitoral, para quem registrou ciência no dia 28.05, com prazo para manifestação no dia 02.06. Assim, em homenagem ao direito de acesso à Justiça, e aos princípios do contraditório e ampla defesa, temos que deve ser observado, no presente caso, o prazo final para a interposição recursal fixado pelo sistema, por ser mais favorável às partes. Ademais, nessa linha tem sido o entendimento dessa Eg. Corte, na aferição da tempestividade do prazo recursal, por ocasião do julgamento de casos análogos. De modo que, tendo sido ajuizados no dia 09.06.2021, ambos os recursos observaram o prazo recursal.

Logo, os recursos merecem ser admitidos.

 

Como sugerido pelo Parquet, a observação do prazo indicado no PJE recomenda que se considere os recursos tempestivos. Presentes também os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

 

Da Preliminar de Cerceamento de Defesa por Violação do Princípio da Congruência – Reenquadramento Jurídico dos Fatos na Sentença

GARDEL MACHADO DE ARAUJO, GILMAR FERREIRA DE LEMOS e a COLIGAÇÃO PRA FRENTE TAVARES COM HONESTIDADE E CONFIANÇA alegam, preliminarmente, cerceamento de defesa, uma vez que, na sentença, houve o reenquadramento jurídico do fato atinente à veiculação da propaganda da prefeitura, na programação da Rádio Tarumã, da al. “c” do inc. VI do art. 73 da Lei n. 9.504/97 para a al. “b” do mesmo dispositivo, em aventada violação do princípio da congruência.

O fato em questão restou assim descrito na petição inicial:

Observa-se, no presente caso a prática de conduta em desconformidade com o artigo 73, inciso V, alínea “c”, da Lei 9.504/97, que veda o pronunciamento em cadeia de rádio nos três meses que antecedem o pleito, ressalvado quando tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo.

Conforme áudio em anexo, o secretário de saúde Tobias Velho, juntamente com o chefe de gabinete Geferson Machado de Paiva, utilizaram, no dia 21/10/2020, programa na rádio Tarumã FM, denominado “Informativo do Poder Executivo do Município de Tavares”.

Importa mencionar que a contratação da emissora de rádio, foi realizada pelo Município de Tavares, que também efetua o pagamento das despesas cobradas pela emissora, conforme contrato de prestação de serviços nº 004/2020, em anexo.

Contudo, o secretário de saúde e o chefe de gabinete, utilizaram a programação da rádio, custeada pela administração pública, para enaltecer os atos realizados pela secretaria da saúde na atual gestão, bem como informar sobre obras realizadas no município, configurando publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas da atual gestão, em período vedado.

(…).

Em 04/11/2020, às 10:00hs, ocorreu o pronunciamento em cadeia de rádio em período fora do horário eleitoral gratuito, da secretária municipal de coordenação e planejamento e projetos, Rosimar Isidoro Machado, bem como da secretária municipal de agricultura e pesca, Jamile Brum Miranda, em que as mesmas mencionam o trabalhado realizado pelas referidas secretarias ao longo da atual gestão. (...)

 

Já as condutas vedadas em questão, descritas na Lei das Eleições, estão assim previstas:

Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

[...]

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;

 

Como se percebe, a narrativa acusatória contém todos os elementos fáticos essenciais ao exercício do contraditório e da ampla defesa pela parte representada.

Na hipótese concreta, ainda que os representantes tenham apontado que o fato se emoldurava ao art. 73, inc. VI, al. “c”, da Lei n. 9.504/97, o juízo a quo, de forma fundamentada e sem alteração do substrato fático delimitado pelos representantes, procedeu à nova qualificação jurídica, tal como previsto na alínea “b” da mesma norma, nos seguintes termos:

Da análise dos autos, observa-se que a Prefeitura Municipal manteve contrato de prestação de serviços de publicidade institucional com rádio local, mesmo durante o período eleitoral, além disso permaneceu a apresentação regular com periodicidade semanal.

Entendo, entretanto, que não se verifica violação ao disposto na alínea “c” do art. 73, inc. VI, da Lei nº 9.504/97, pois não houve pronunciamento em cadeia de rádio, fora do horário eleitoral gratuito. Mas é incontestável que se trata de publicidade institucional em período vedado.

 

Assim, é certo não houve o julgamento a partir de acontecimentos não incluídos no relato da peça inicial, mas, sim, a correção do enquadramento legal da imputação a partir do afastamento da circunstância relacionado ao “pronunciamento em cadeia de rádio”.

O princípio da congruência ou adstrição se refere aos fatos que deram causa ao pedido, ou seja, à causa petendi, independentemente da omissão ou do equívoco na capitulação jurídica do fato na exordial, pois compete ao julgador a tarefa de subsunção dos fatos à norma, tal como realizado na espécie.

Esse entendimento está consagrado no teor da Súmula n. 62 do Tribunal Superior Eleitoral, consoante a qual “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Nessa linha, o TSE já assentou que "o direito processual brasileiro adota a teoria da substanciação da causa de pedir, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, como fruto dos brocardos iuria novit curia, da mihi factum dabo tibi ius” (TSE, RP n. 298-27/DF, Relator: MINISTRO HERMAN BENJAMIN, DJe de 22.11.2017).

De igual forma, está sedimentado na jurisprudência que “não há violação ao princípio da congruência quando o órgão julgador, amparado nos fatos expostos na inicial, alicerça o decisum em fundamentação diversa da articulada pelo autor” (TSE, REspe n. 9365, Relator: MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 22.02.2018).

Assim, tendo em vista que o juízo sentenciante somente realizou a valoração do substrato fático narrado na inicial e o seu devido enquadramento jurídico, cumpre rejeitar a preliminar e afastar a alegação de cerceamento de defesa e de violação do princípio da congruência.

Deixo de destacar a preliminar, considerando que os recorrentes não postulam a anulação da decisão em razão do suposto cerceamento de defesa, mas sim sua reforma.

 

Do Mérito

Trata-se da análise de recursos interpostos em face de sentença proferida em Representação Especial por Condutas Vedadas ao Agentes Públicos proposta pelo Movimento Democrático Brasileiro - MDB de Tavares em face de GARDEL MACHADO DE ARAUJO, prefeito eleito, GILMAR FERREIRA DE LEMOS, vice-prefeito eleito, e COLIGAÇÃO PRA FRENTE TAVARES COM HONESTIDADE E CONFIANÇA (PP/PDT), em que narradas as práticas dos seguintes fatos:

a) utilização ilegal das dependências de prédio público de acesso restrito para gravação de vídeos de propaganda eleitoral, infringindo o art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97;

b) publicação e divulgação de informativos com publicidade institucional, durante o período de campanha, em desacordo com o art. 73, inc. V, al. “b”, da Lei n. 9.504/97; e

c) uso eleitoral de pronunciamentos em cadeia de rádio, nos três meses que antecedem ao pleito, descumprindo o art. 73, inc. V, al. “c”, da Lei n. 9.504/97.

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a representação eleitoral, entendendo configurada a prática apenas do terceiro fato, relacionado à publicidade institucional em programação de rádio, e o reenquadrando na conduta vedada prevista no art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei das Eleições.

Pois bem, as condutas vedadas a agentes públicos são enumeradas em rol taxativo previsto nos arts. 73 a 77 da Lei das Eleições e têm por escopo evitar a utilização da máquina pública em benefício de candidatura.

São tipos fechados que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre os candidatos, isto é, tais hipóteses possuem natureza objetiva, e, por essa razão, a caracterização de uma conduta vedada prescinde da produção do resultado naturalístico e da análise da finalidade eleitoral (TSE, AgR-AI n. 614-67/CE, Relator: MIN. LUIZ FUX, DJe de 31.8.2016).

Assim, uma vez presentes os requisitos necessários à sua caracterização, a norma proibitiva é tida por violada, cabendo ao julgador aplicar as correspondentes sanções legais, nos termos da Súmula n. 62 do TSE, observando, em todo caso, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (TSE, AC n. 210-23/PA, Relator: MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 2.5.2016).

É, pois, ante esse panorama, que, na análise das condutas vedadas, “imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (TSE, REspe n. 626-30/DF, Relatora: MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 4.2.2016).

Destarte, em um primeiro momento, basta a adequação objetiva dos fatos à moldura legal do tipo definido na lei para o reconhecimento da conduta vedada, “independe da sua potencialidade lesiva para desequilibrar/alterar o resultado do pleito ou da demonstração concreta do dano às eleições” (TSE - AI: 5197 CATANDUVA - SP, Relator: MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 22/03/2018).

A avaliação da gravidade das ações perpetradas é realizada em uma segunda etapa, não servindo, assim, à caracterização da própria infração, mas para a determinação da dosimetria do justo sancionamento aplicável ao caso em comento, exigindo um juízo de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito praticado e o sancionamento previsto, que, na espécie, consiste em multa entre R$ 5.320,50 e R$ 106.410,00, cumulada ou não com a cassação do diploma dos candidatos beneficiados.

Em outros termos, eventual cassação por conduta vedada não deflui simples e imediatamente da subsunção do fato à norma sancionatória, mas pressupõe casos extremos de violação do bem jurídico tutelado, perfeitamente demonstrados, fora dos quais a multa, isoladamente, é a penalidade de rigor (TSE, RESPE n. 00003171520126130290, Relatora: MIN. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, DJE de 04.3.2015).

Estabelecidas essas premissas, passo à análise individualizada dos fatos e das questões controvertidas.

 

1. Do uso de prédio público de acesso restrito para propaganda eleitoral

Conforme narra a peça inicial, os candidatos representados efetuaram, nas dependências de prédios públicos da Prefeitura de Tavares, a gravação de dois vídeos, publicados na página “Gardel e Pretinho 11”, nas redes sociais Facebook e Instagram, com propaganda eleitoral.

No primeiro vídeo (ID 42602483), publicado em 20.11.2020, com 5 minutos e 34 segundos de duração, os candidatos representados apresentam o andamento das obras realizadas para reforma e ampliação da sede da prefeitura, expondo imagens de diversos ambientes internos e externos da edificação, alguns com imagens comparativas da situação anterior à obra, com as seguintes falas:

Prefeito: Olá comunidade de Tavares. Hoje estamos aqui, no prédio da Prefeitura Municipal de Tavares. Onde, devido a tantas demandas, de tanto de nosso funcionalismo público, e também da sociedade e da comunidade tavarense, que era buscarmos a reforma desta então obra tão importante para o Município. De tantas reuniões e articulações com funcionário público e com a comunidade pedindo que houvesse melhoria na estrutura pública do Município, nós direcionamos forças a isso. Tanto que isso era uma promessa de governo: “buscar a ampliação e reforma do prédio da Prefeitura”. Onde nós reformamos todo o piso, que nem vocês podem ver, todas as paredes internas, portas internas, o teto que era de pinus, de madeira, com cupim, já estava caindo, colocamos gesso, toda a iluminação. Inclusive pessoal, preciso relatar isso pra vocês, da iluminação, da rede elétrica do prédio da Prefeitura, ela era externa com isoladores de cerca. Então isso nos preocupou muito, porque são a segurança do funcionalismo público e das pessoas que acessam até aqui. E assim a gente deu continuidade. Licitamos essa obra aqui, teve diversas empresas que participaram da licitação. Teve uma empresa ganhadora, que foi a Costa. E foi um processo construído, foi um processo que foi divulgado, foi um processo de licitação, foi toda a situação envolvida, toda a transparência. O mais importante foi o empenho de nós podermos trazer aqui um melhor conforto pras pessoas para que se sintam bem, porque aqui é a casa de vocês. E foi assim, que nós começamos a construir! Juntamente com cada um dos funcionários, juntamente com cada um dos munícipes que deu a sua contribuição para que isso acontecesse! E aqui, como vocês estão vendo, não só a estrutura interna, mas a externa também! Toda a acessibilidade que nós se preocupamos e soubemos da importância hoje, que todos os prédios públicos, a gente tentou de certa forma, não todos, mas 90%, atender com a acessibilidade, porque é uma realidade e isso tem que partir de nós do Poder Público. Dar este exemplo! É desta forma que nós queremos que vocês nos acompanhem e venham junto com nós. Para participar do avanço e do crescimento dessa cidade. Agora é 11. Venha junto conosco nessa caminhada!

Vice-Prefeito: Quero apresentar pra vocês, aqui, um pouquinho do que o Prefeito falou da reforma da nossa Prefeitura. Eu quero apresentar pra vocês aqui, uma parte da Prefeitura que não tinha. Nós tínhamos aqui, entre a Prefeitura e a Brigada Militar, um espaço que era da Prefeitura, não ocupado, era um terreno baldio, onde tinha grama. Então a gente criou 3 salas novas aqui! Vou convidar vocês pra apresentar o novo gabinete do nosso Prefeito. Aqui, uma sala totalmente nova, com uma estética diferente, agradável, móveis novos pra todo funcionário. Nós temos aqui também uma nova sala para a Procuradoria Jurídica. Uma belíssima sala ampla, muito agradável. Temos aqui a nova sala do nosso Chefe de Gabinete. Era uma sala que não tinha na Prefeitura, a gente fez uma reforma geral! Piso novo, paredes, teto. Só foi aproveitado as paredes e o telhado. Totalmente, tudo novo, móveis novos, enfim, e tudo isso com muito esforço! Prefeito Gardel se empenhou muito nessa obra desde o início do governo. Mas como tínhamos alguns empecilhos, Prefeitura estava no CADIN, tivemos algumas dificuldades. Após tudo isso, foi que a gente pode, quando se tirou a Prefeitura do CADIN. É que conseguimos construir essa realidade! Então, nós temos aqui uma nova cozinha para os funcionários. Mais dois novos banheiros. Todas as salas com ar-condicionados novos, móveis novos. Agora, também teremos uma sala de reunião, com um bom espaço. Temos também, ficou aqui, um novo espaço que não tinha antes, que é a Tesouraria, com uma sala de recepção. Convido a você. Venha visitar a Prefeitura. Venha aqui! Venha tomar um café conosco. Venha conversar com nós. Venha tirar suas dúvidas. Estamos aqui a sua disposição. Essa casa é sua também! É do nosso Município. Venha!

 

A segunda peça divulgada consiste em gravação, no gabinete do prefeito, com duração de 2 minutos e 50 segundos, na qual os candidatos representados emitem uma mensagem de homenagem aos servidores públicos, divulgado nas redes sociais em 28.10.2020, cabendo destacar as seguintes falas:

Prefeito: Hoje, 28 de outubro, Dia do Servidor Público, quero, aqui, fazer um agradecimento muito especial ao servidor público municipal do Município de Tavares. (...). Nós reconhecemos, pela importância de vocês, onde de forma singela, trouxemos o vale-alimentação, onde, de outra forma, melhoramos a estrutura para vocês trabalharem, e assim que vamos construindo. (...).

Vice-Prefeito: Bom dia, você, funcionário público. Hoje, eu venho, aqui, num dia muito especial, agradecer você, que, ao longo desses quase quatro anos, esteve ao lado do Gardel e do Preto. (...). Mais uma vez, venho dizer a vocês muito obrigado por serem parceiros do Gardel e do Pretinho. Venham com a gente.

Prefeito: Então, queremos dar continuidade nesse trabalho. Portanto, eu convido a vocês: venham caminhar junto com a conosco. Vamos de 11, novamente. Vamos caminhar novamente. Vamos dar seguimento neste projeto de desenvolvimento, para você cidadão e para o funcionalismo público, para o desenvolvimento dessa terra. Venham junto. Agora é 11!

 

Os vídeos foram incontroversamente produzidos e postados como peças de propaganda eleitoral, nos sítios de campanha dos candidatos, trazendo exaltação das realizações do governo, promessas futuras e pedidos de votos, inclusive com referências a número, partidos e slogan dos candidatos.

A teor do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, é proibida a cessão de bens públicos em benefício de candidato, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

Na linha da jurisprudência do TSE, o uso de bens públicos de acesso franqueado à população em geral, ou, ainda, a “mera captação de imagens de bens ou serviços públicos” não configuram a conduta vedada (TSE, Rp 3267-25/DF, Relator: MIN. MARCELO RIBEIRO, DJe de 21.5.2012).

Da mesma forma, “a mera utilização de imagem de bem público em propaganda eleitoral não configura conduta vedada, exceto na hipótese excepcional de imagem de acesso restrito ou de bem inacessível” (TSE, RO n. 0602196-65/PA, Relator: MIN. EDSON FACHIN, DJe de 14.4.2020).

Portanto, o preceito legal veda o uso de bens públicos para fins eleitorais, sejam móveis ou imóveis, cujo acesso seja restrito, afetando a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Da análise da prova acostada, verifica-se que as publicidades foram gravadas em ambientes internos e externos da prefeitura, inclusive, nas dependências de gabinetes e espaços de uso exclusivo de servidores públicos, como cozinha e banheiros.

Ressalta-se, ainda, em relação ao primeiro vídeo, é nítido que o prédio (ou parte dele) ainda prosseguia sem atividades em razão das obras, ou seja, sem o fluxo de servidores e munícipes ou realização das atividades normais da rotina administrativa do ente público.

Nesse contexto, não é possível concluir que as dependências exploradas nas peças de propaganda eleitoral poderiam ser acessadas por outros cidadãos ou candidatos alheios aos quadros da Administração Pública do Município, tanto em razão do uso de salas privativas quanto em função das reformas em andamento.

Em complemento, conforme bem apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra dos ilustres Drs. José Osmar Pumes e Fábio Nesi Venzon:

Eventual ausência de pedido de utilização do prédio para realização de propaganda eleitoral por parte da candidatura adversária e respectivo indeferimento não afasta a conduta vedada, mas pode ser sopesado quando da análise das consequências jurídicas do reconhecimento do ilícito.

 

Na mesma linha de conclusão, destaco o seguinte julgado do TSE em que se entendeu caracterizada a conduta vedada diante da prova de que a candidata circulou por áreas internas e restritas de Unidade de Saúde, a qual, diante das circunstâncias do caso, não se poderia presumir o acesso irrestrito a outros candidatos:

DIREITO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2014. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. BEM PÚBLICO. USO COMUM. CESSÃO OU USO. UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE - UBS. VISTORIA DAS DEPENDÊNCIAS. GRAVAÇÃO DE PROGRAMA ELEITORAL. PRESENÇA DA PRESIDENTE DA REPÚBLICA CANDIDATA À REELEIÇÃO. CAPTAÇÃO DE IMAGENS. REUNIÃO E ENTREVISTA COM MÉDICOS. CONDUTA VEDADA CONFIGURADA. SERVIDOR PÚBLICO. CESSÃO OU USO DE SERVIÇOS. CORPO CLÍNICO DA UBS. MERA APRESENTAÇÃO DO LOCAL A AUTORIDADES E ENTREVISTA SOBRE COTIDIANO DE TRABALHO. MINISTRO DA SAÚDE. INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CONDUTA VEDADA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE IMPACTO E DE GRAVIDADE DO ILÍCITO RECONHECIDO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. MULTA. APLICAÇÃO A CANDIDATO BENEFICIADO. (...). 2. Gravação de propaganda eleitoral nas dependências de Unidade Básica de Saúde, com presença da Presidente da República e do Ministro da Saúde, captação de imagens e concessão de entrevista, por médicos. (...). III - Mérito 5. Para fins eleitorais, entendem-se como bens públicos de uso comum os assim definidos pelo Código Civil e também aqueles aos quais a população em geral tem acesso. Escolas e bibliotecas públicas também já foram consideradas bens públicos de uso comum, desde que: (i) o local das filmagens seja de acesso livre a qualquer pessoa; (ii) o uso das dependências seja igualmente possibilitado aos demais candidatos (AgR-RO nº 1379-94/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 28.11.2016); (iii) a utilização do bem se restrinja à captação de imagens, verificada pela "ausência de interação direta entre os que são filmados e a câmera" e de encenação (RO nº 1960-83/AM, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 27.06.2017) e (iv) não haja interrupção da prestação do serviço ao público em virtude das filmagens. Precedentes. 6. Para que seja constatada a mera captação de imagens, é necessário que não haja a identificação expressa do estabelecimento público, servindo o local apenas como pano de fundo, a fim de ilustrar as propostas dos candidatos para as áreas relacionadas ao local das filmagens. 7. Art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997. O conjunto probatório demonstra que a conduta dos representados extrapolou a mera captação de imagens, uma vez que: (i) medidas preparatórias para a visita foram adotadas ante a comunicação de que um representante do Ministério da Saúde realizaria uma visita técnica no local; (ii) a candidata circulou por áreas internas da UBS e realizou reunião em sala administrativa, espaços em relação aos quais não se pode presumir acesso do público em geral; (iii) as circunstâncias não permitem concluir que outros candidatos poderiam ter acesso idêntico. Assim, ficou configurado o uso de bem público em benefício da candidatura. (...). V - Conclusão 13. Agravo interno não conhecido. 14. Pedido julgado parcialmente procedente, para aplicar, a cada representado, multa de R$ 5.320,50.

(TSE, Representação n. 119878, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 26.8.2020) (Grifei.)

 

Assim, impõe-se a reforma da sentença quanto ao ponto, uma vez que configurada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, ante a utilização de bem público de acesso restrito em benefício da campanha eleitoral dos candidatos GARDEL MACHADO DE ARAÚJO e GILMAR FERREIRA DE LEMOS, que realizaram a prática ilícita de modo direto.

No tocante à gradação da sanção, sob a incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo que o fato em análise não impactou significativamente no cotidiano de trabalho dos servidores públicos ou no funcionamento da máquina administrativa, bem como redundou em cenas de poucos minutos de propaganda dos candidatos, divulgadas em sítios próprios da campanha na internet, não havendo indicativos de repercussão anormal das suas veiculações.

Assim, é suficiente e razoável ao caso a imposição da multa em seu patamar mínimo legal, equivalente a R$ 5.320,50, aplicada individualmente a cada um dos candidatos representados, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

 

2. Publicação e divulgação de informativos com publicidade institucional durante o período de campanha

A agremiação recorrente alega a ocorrência de publicidade institucional, bem como a prática de abuso na utilização dos meios de comunicação social e infringência ao disposto no art. 40 da Lei n. 9.504/97, a partir da publicação de informativos e revistas, em versões impressas e digitais, sobre as realizações da gestão do município.

A vedação à publicidade institucional, no período de três meses da data do pleito, ou seja, a partir de 15.8.2020, no caso das eleições de 2020, encontra previsão na al. “b” do inc. VI do art. 73 da Lei n. 9.504/97, cujo teor reproduzo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(…).

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

Na dicção de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 7ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 737), essa conduta vedada estabelece uma “cláusula suspensiva do direito de divulgação de publicidade institucional pelos órgãos públicos”.

Na hipótese concreta, o primeiro material questionado envolve a divulgação, em 05.10.2020, por meio impresso e na página de campanha nas redes sociais na internet, do informativo denominado “Principais Conquistas 2017 – Informativo Gestão 2017-2020” (IDs 42605883 e 42605933).

 A elaboração de tal informativo constou registrada na prestação de contas n. 0600169-68.2020.6.21.0122, sendo pago com recursos de campanha, e está comprovada por meio da nota fiscal emitida pelo fornecedor “Lucimar Coutinho”, com a tiragem de 1.000 exemplares de 48 páginas (ID 55618758, do processo n. 0600169-68).

Constata-se, também, que o material foi produzido com a anotação do número de CNPJ da campanha e da empresa gráfica declarada como fornecedora, registrado, ainda, o mesmo quantitativo de mil exemplares constante na nota fiscal.

Da mesma forma, o informativo identificado como “Principais Conquistas 2018-2020” (ID 42602233), trazendo os nomes e número de urna dos concorrentes aos cargos majoritários, está registrado na prestação de contas n. 0600169-68.2020.6.21.0122 e o correspondente gasto eleitoral é comprovado por nota fiscal (ID 55618759, do mesmo processo).

Dessa forma, é certo que as publicações em questão foram produzidas como material de propaganda eleitoral e às expensas da campanha majoritária. Além disso, não há prova mínima de que tenha havido alguma utilização de bens ou serviços da administração pública na produção e distribuição dos informativos.

Nessas circunstâncias, os fatos relatados não caracterizam a prática de publicidade institucional, mas o exercício de mera propaganda eleitoral, pois é permitido ao prefeito e candidato à reeleição, em campanha, o enaltecimento de suas realizações pretéritas, seja em materiais impressos ou digitais, desde que não haja utilização de verbas públicas ou da estrutura administrativa com essa finalidade.

A jurisprudência reconhece como razão de ser da vedação em foco o impedimento do uso de recursos públicos para fins de promoção de candidatos, consoante ilustra o seguinte julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REDE SOCIAL. PERFIL PESSOAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EMPREGO DA MÁQUINA PÚBLICA. PROMOÇÃO PESSOAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

[...].

2. Não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais.

3. Além disso, a promoção pessoal realizada de acordo com os parâmetros legais não caracteriza conduta vedada, constituindo exercício da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral.

4. O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 151992, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 28/06/2019) (Grifei.)

 

Portanto, a publicidade institucional somente se configura quanto ao conteúdo autorizado, produzido ou publicado pelo órgão estatal.

O acervo probatório contido nos autos revela que a produção e divulgação do material ocorreu às expensas da própria campanha eleitoral dos representados, não havendo prova mínima de utilização do aparato estatal para tal finalidade.

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral menciona a existência de um terceiro impresso referido na petição inicial, intitulado “Informativo Prefeitura Municipal de Tavares”, em relação ao qual os representados não demonstraram a origem dos recursos utilizados em sua confecção.

Em vista a pertinência do caso, transcrevo o parecer ministerial quanto ao ponto:

Porém, existe um outro impresso, denominado Informativo Prefeitura Municipal de Tavares, acostado à inicial no ID 42602183. Nesse informativo, os atuais candidatos e também gestores aparecem na primeira página, mas não há qualquer referência a números de campanha. Tudo faz crer se tratar de uma publicação oficial da Prefeitura Municipal de Tavares, como o próprio nome indica, e porque os representados não afirmaram que teriam realizado um segundo informativo impresso.

Não há dúvida, igualmente, de que se trata de informativo impresso, haja vista as imagens do mesmo no ID 42602183, bem como nas fotografias em que se encontra nas mãos da Vereadora Raquel Terra conforme imagens acostadas nas fls. 7 e 8 do ID 42602083.

Assim, entendemos que, em relação ao Informativo Prefeitura Municipal de Tavares, que estava sendo objeto de divulgação na página dos candidatos em 05 de outubro, conforme print à fl. 1 do ID 42602083, efetivamente importou em publicidade institucional dentro do período vedado, dos três meses que antecedem o pleito.

 

Em sua defesa, os representados alegam que produziram toda a sua propaganda conforme a legislação eleitoral. Argumentam que “não existe “publicidade institucional” que não seja paga com recursos públicos, nem proibição de que os candidatos situacionistas demonstrem feitos da gestão na propaganda eleitoral”. Ainda, afirmam que atuaram dentro das margens da liberdade de propaganda eleitoral, que permite ao gestor/candidato, desde que pague por isso e não use símbolos oficiais, a divulgação dos feitos da sua gestão e a adoção de símbolos próprios para marcar um quadriênio. Defendem que a simbologia utilizada nas publicações era a logomarca da gestão e não guarda nenhuma semelhança com o brasão ou qualquer símbolo municipal oficial.

Analisando os autos, constata-se que não há elementos mínimos a indicar que o impresso “Informativo Prefeitura Municipal de Tavares” tenha sido distribuído no período eleitoral. Ainda que se considere, em tese, que essa publicação tenha sido custeada por recursos públicos e distribuída antes do período de campanha, a reprodução parcial do impresso em postagem de rede social do candidato não se equipara à publicidade institucional vedada, na hipótese em apreço.

Aqui, não há a distribuição de impresso, mas de imagens da publicação em perfil dos candidatos, nitidamente com finalidade de enaltecimento de suas realizações pretéritas, pois conforme declarado na postagem, “Desde o primeiro ano de gestão, alcançamos grandes conquistas, com muito empenho de todas as nossas secretarias e trabalhando junto da população…”.

A Vereadora Raquel Cristina Terra Ferreira, que mencionou os impressos em pronunciamento na Câmara de Vereadores, fato descrito na inicial, afirmou categoricamente que nenhum deles foi feito com recursos públicos. Ao exibir e tecer comentários sobre os impressos em gravação juntada aos autos (ID 42602583), entre eles o “Informativo Prefeitura Municipal de Tavares”, em nenhum momento dá a entender que o material esteja sendo distribuído em período eleitoral. A manifestação da mandatária se conduz no sentido de que, em sua campanha, carrega consigo as publicações para demonstrar as realizações da gestão, e ainda menciona “para quem não tiver acesso”, dando a entender que a distribuição não esteja ocorrendo durante a campanha.

Cumpre mencionar que o representante postulou liminarmente a busca e apreensão de todo o material impresso referente aos informativos “PRINCIPAIS CONQUISTAS 2018 – 2020”, o que foi deferido pelo juiz eleitoral (ID 42603183). O oficial de justiça não localizou o material nos endereços indicados pelo representante, mencionando ter localizado apenas bandeiras e santinhos (ID 42604933, 42604983 e 42605033). A imagem juntada no ID 42605083 também demonstra a existência de material publicitário de vários candidatos da coligação, mas nenhum impresso semelhante aos informativos.

Dessa forma, não havendo comprovação de distribuição de material de campanha custeado por meio de recursos públicos, não há espaço para caracterizar as divulgações combatidas como publicidade institucional, nos limites do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, consoante já sedimentado na jurisprudência do TSE e deste Tribunal Regional:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS. DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERFIL PESSOAL NO FACEBOOK. BRASÃO DA PREFEITURA QUE APARECE DE FORMA INCIDENTAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA AFASTADA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de agravo interno manejado em face de decisão por meio da qual foi dado provimento ao recurso especial eleitoral para reformar o acórdão regional e afastar a multa que foi imposta ao agravado, prefeito do Município de Curitiba/PR, à época dos fatos, com fundamento no art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97.2. O Tribunal de origem manteve a multa imposta na sentença, por considerar que configura publicidade institucional divulgada em período vedado, uma única postagem na rede social do recorrente, na qual aparece símbolo oficial – brasão da cidade de Curitiba/PR –, em um evento envolvendo startups que ocupam co–workings do Município. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL3. Não se vislumbra violação ao art. 73, VI, b da Lei 9.504/97, porquanto a jurisprudência desta Corte considera como exercício legítimo do direito da liberdade de expressão a divulgação de atos de realizações do governo municipal em perfil privado do gestor em rede social, desde que não haja o dispêndio de recursos públicos, o que não se verifica na espécie. 3. "Para a imposição da multa prevista no § 4° do art. 73 da Lei n° 9.504/97, pelo exercício da conduta vedada no inciso VI, b, do mesmo artigo, é necessário que se trate de propaganda institucional, autorizada por agente público e paga pelos cofres públicos" (REspe 196–65, rel. Min. Fernando Neves, DJ de 9.8.2002, grifo nosso).5. O provimento do recurso especial, na espécie, não demanda o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 24 do TSE, mas apenas o reenquadramento jurídico das premissas fáticas constantes do aresto recorrido, o que é admitido pela jurisprudência desta Corte. Precedentes. CONCLUSÃO. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060003945, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 102, Data: 03/06/2022)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO, VICE E VEREADOR ELEITOS. IMPROCEDENTE. REJEITADAS AS PRELIMINARES. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA POR AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA E SOBRE INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. OMISSÃO DA SENTENÇA NA ANÁLISE DE PROVA ACOSTADA À INICIAL. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MPE. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TRANSPORTE DE ELEITORES NA DATA DO PLEITO. DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS COM RECURSOS DO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULOS ADQUIRIDOS IRREGULARMENTE PELA PREFEITURA PARA FINS PROMOCIONAIS. USO DE PÁGINA OFICIAL DO MUNICÍPIO PARA PROPAGANDA ELEITORAL E PROGRAMA INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. REALIZAÇÃO DE DESPESAS NÃO CONTABILIZADAS EM CAMPANHA. UTILIZAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA ELEITORAL NO HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL. AUSENTE PROVAS CONCRETAS DOS ILÍCITOS IMPUTADOS. MANTIDA INTEGRALMENTE A SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

[...]

6. Da utilização de veículo adquirido irregularmente pela prefeitura para fins promocionais. Alegada violação ao art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, em virtude da divulgação da entrega de veículo novo nas redes sociais de agentes públicos simpatizantes do governo. As publicações questionadas ocorreram em perfis pessoais de apoiadores dos candidatos no Facebook, não se percebendo a utilização de recursos públicos ou instrumentos custosos de produção. A simples divulgação das realizações do Governo e o pedido de voto em período de campanha, realizada em páginas pessoais de candidatos ou de eleitores, voltada à exaltação de determinada candidatura por suas qualidades e conquistas pretéritas, sem que tenha havido a efetiva distribuição eleitoreira de bens ou serviços, não é apta à configuração de conduta vedada. Ademais, não se tratando de divulgação em página oficial e não havendo comprovação de custeio por meio de recursos públicos, não há espaço para caracterizar as divulgações combatidas como publicidade institucional, nos limites do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97.

7. Do uso da página oficial do município para propaganda eleitoral e propaganda institucional em período vedado. Utilização de duas páginas oficiais da prefeitura para a realização de publicações ilícitas com fins eleitorais. Contudo, os links apontados pelos demandantes não estão mais disponíveis e, sem terem sido certificados por ata notarial ou acautelados pelos demandantes por outros meios, não puderam ser recuperados pela empresa Facebook Brasil Ltda. As demais publicações foram veiculadas em páginas de pessoas físicas ou da Coligação, sem cunho oficial, abordando o asfaltamento de ruas, com enaltecimento e informações acerca das realizações dos gestores públicos em campanha pela reeleição.

[...]

9. Da utilização de agentes públicos em campanha eleitoral no horário de expediente. O art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/1997, impõe, para a configuração da conduta ilícita, um requisito temporal, qual seja, de que o emprego de servidor ou empregado público em serviços de campanha eleitoral dê-se durante o seu horário de expediente. A mera participação de servidor público em campanha eleitoral não conduz, necessariamente, à conclusão sobre a ocorrência de ilegalidade. A prova apresentada consiste em prints de postagens realizados fora do horário comercial e de compartilhamentos ocorridos no sábado. Ausente outras provas concretas e estando a argumentação acusatória baseada apenas em ilações e presunções, deve a decisão singular que julgou improcedente a ação ser integralmente mantida.

10. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 060069717, ACÓRDÃO de 27/04/2022, Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 24/05/2022 ) (Grifei.)

 

No que diz respeito à ausência de elementos obrigatórios da propaganda eleitoral nas revistas/informativos, esclareço que a representação por conduta vedada deve seguir o rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Portanto, não é o meio processual adequado para discutir propaganda eleitoral em desacordo com a Lei n. 9.504/97 e impor as respectivas multas, o que deve ser feito por meio de representação própria, observado o devido processo legal previsto no art. 96 e seguintes da Lei 9.504/97.

Da mesma forma, incabível a discussão acerca de suposta ofensa ao art. 40 da Lei das Eleições em sede de representação por condutas vedadas. O pedido, por envolver condenação criminal eleitoral, somente poderia ser veiculado no âmbito de ação penal própria, de titularidade do Ministério Público Eleitoral e meio processual adequado para o processamento e julgamento de pretensão dessa natureza.

Relativamente à revista chamada “16ª EXPOCACE”, divulgada na perfil “Gardel e Pretinho 11”, no dia 07.11.2020, trata-se de fato que não constou narrado na petição inicial, mas que somente foi trazido aos autos em peça ofertada após a determinação de citação dos representados, sem que tenha sido expressamente recebida como emenda à causa petendi pelo juízo da origem.

Quanto ao aspecto, adoto a judiciosa análise trazida pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer:

A referência ao informativo “REVISTA DA 16ª EXPOCACE” se deu apenas na petição acostada no ID 42603633, quando já havia sido deferida a citação dos representados. Ademais, na primeira decisão (ID 42605183) após a referida petição, houve o indeferimento do pedido para exclusão da publicação, pois as páginas não estariam mais disponíveis. É dizer, os representados não foram nem mesmo intimados para retirada dos aludidos informativos, tudo estando a indicar que não foram cientificados dos fatos novos trazidos após o deferimento da citação.

Saliente-se que o princípio da ampla defesa somente é resguardado quando ao demandado é dada certeza quanto aos fatos que compõem a causa de pedir da parte autora, o que não nos parece tenha sido obedecido no presente feito, em relação à divulgação desse último informativo.

Entendemos, contudo, que não é caso de nulidade do processo, mas sim de entender que o fato em questão não compõe a causa de pedir da parte autora, haja vista que na suposta petição de aditamento não há requerimento para citação do réu, tornando inepta a aludida petição para a finalidade de aditar a inicial.

 

Cabe ressaltar que o juiz deve decidir a lide nos limites em que foi proposta, mantendo-se adstrito à extensão do pedido formulado, por força do princípio da congruência, previsto nos arts. 128 e 460 do CPC.

Na hipótese, a matéria referente ao informativo “REVISTA DA 16ª EXPOCACE” e seguindo a mesma linha defendida no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra dos ilustres Drs. José Osmar Pumes e Fábio Nesi Venzon, entendo que o referido fato não compõe a causa de pedir da parte autora na inicial e que não foi discutido pelas partes. Ainda, observa-se que o pedido foi realizado após a citação dos representados e houve o indeferimento da exclusão da publicação, pois as páginas não estariam mais disponíveis (ID 42605183).

Logo, não vislumbro motivos para a reforma da sentença quanto aos fatos em análise.

 

3. Uso eleitoral de pronunciamentos em cadeia de rádio, nos três meses que antecedem o pleito

A petição inicial da representação relata que os agentes públicos Tobias Velho, Secretário Municipal de Saúde, Geferson Machado de Paiva, Chefe de Gabinete, Rosimar Isidoro Machado, Secretária Municipal de Coordenação, Planejamento e Projetos, e Jamile Brum Miranda, Secretária Municipal de Agricultura e Pesca utilizaram espaço de rádio, contratado pela Prefeitura de Tavares, para realizar “pronunciamento” sobre os feitos realizados na área da saúde pela atual gestão dos representados, bem como para exaltar as obras públicas efetuadas ao longo do mandato e noticiar as ações desenvolvidas nas referidas secretarias de governo, em evidente afronta à legislação eleitoral.

O magistrado a quo entendeu que as condutas narradas se enquadram na proibição prevista no art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, que veda a publicidade institucional nos três meses que antecedem ao pleito, uma vez que as manifestações em rádio extrapolaram a divulgação de informações e orientações sobre o enfrentamento da pandemia da Covid-19, alcançando menções a obras e projetos de governo municipal, sem as características de urgência e relevância que justificassem a sua divulgação às vésperas do pleito.

Na hipótese, acertada a decisão do juízo de origem.

Cabe destacar que é incontroverso que as manifestações em questão foram veiculadas no intervalo de 25.8.2020 a 04.11.2020, dentro, portanto, do período vedado no preceito legal, uma vez que, nas eleições municipais de 2020, em razão da pandemia gerada pelo Covid-19, o pleito foi adiado pela Emenda Constitucional n. 107/20 para o dia 15.11.2020.

Também é incontroverso que o aludido espaço na programação de rádio era custeado com recursos públicos do Município de Tavares, nos termos do Contrato de Prestação de Serviços de n. 004/20 (ID 42602383).

De seu turno, os representados sustentam, em razões recursais, que: a) “ainda que tivesse ocorrido uma espécie de 'propaganda institucional', consistente em transmitir uma imagem favorável da administração via rádio, tal conduta não corresponde à 'autorização de publicidade institucional”; b) que as veiculações se enquadram na exceção prevista no art. 1º, § 3º, inc. VII, da EC n. 107/20, porquanto faziam referência à pandemia de Covid-19; bem como c) que não há demonstração da responsabilidade do prefeito reeleito, que não realizou falas nas divulgações na rádio, e do vice-prefeito, que não autorizou qualquer publicidade institucional e não fez uso da palavra na programação destacada.

Não é possível acolher os argumentos.

A esse respeito, reproduz–se o esclarecedor trecho da sentença da lavra do Dr. Rogério Kotlinsky Renner, que, com propriedade bem analisou o conteúdo das divulgações:

Da análise das gravações dos programas transmitidos pela rádio Tarumã de Tavares, em carácter semanal, no período de 25.08.2020 a 04.11.2020 (juntada de diligência ID 61370250), verifica-se que os agentes públicos da Prefeitura de Tavares, em diversos momentos, excederam os limites toleráveis, enaltecendo as obras e os projetos do governo municipal, na tentativa de criar um vínculo entre a administração atual e sua pretensão de reeleição. A título exemplificativo, transcrevo trechos da gravação do programa de rádio veiculado em 21.10.2020 (petição inicial ID 38016785):

Gefferson Paiva (Chefe de Gabinete de Prefeito): Vamos fazer essa troca de informações aí, que ao longo aí, desses quatro anos de trabalho aí, foram vários os atendimentos no interior…

Tobias Velho (Secretário Municipal de Saúde): foram, foram vários os atendimentos

Gefferson Paiva (Chefe de Gabinete de Prefeito): não sei se tu tens alguma estatística, alguns dados pra trazer pra nós, pra que a gente possa também informar a comunidade da importância do trabalho que foi feito através da secretaria de saúde aí, no interior do município, levando atendimento médico até o interior do nosso município

Tobias Velho (Secretário Municipal de Saúde): é, exatamente Geferson, tu sabe que a gente fez um levantamento de dados aí, e a gente, desde 2017 a gente vem atendendo o município, o interior do município, a Praia do Farol, Capão Comprido, Vila dos Pescadores, Campo da Honra, o Posto, os Butiás, as Capororocas, a Tapera e os Olhos D’Água, então a gente fez esse levantamento de dados, até para deixar claro para a população o quanto a gestão se preocupa com o atendimento no interior, e pra ter esses atendimentos no interior a gente leva toda uma equipe, a gente leva médico, a gente leva enfermagem, técnico , e então conseguimos fazer um trabalho com a médica desde 2017 no interior... 2017 Geferson, iniciamos com 705 atendimentos no interior durante o ano, isso dá uma média de 70 atendimentos...

Nos áudios juntados ID 38044835, gravação em 04.11.2020, os agentes públicos municipais novamente excederam o limite de veiculação de propaganda institucional de assuntos de urgência e relevância, conforme se extrai dos seguintes trechos:

Rosimar Isidoro Machado (Secretária Municipal de Coordenação e Planejamento e Projetos) : agradecemos a presença também da secretária da agricultura Jamile Retornando hoje então, em mais um programa, para informar a comunidade de Tavares sobre as ações, sobre as ações, né, o trabalho que vem sendo desenvolvido nas secretarias, e que são de interesse público, interesse da comunidade. As ações, elas seguem né, um planejamento, né, que já vem há anos, há tempo, e no decorrer do tempo foram acontecendo, então nós temos mais notícia para passar para a comunidade, como por exemplo, dia nove agora de novembro, às 9:30 da manhã, nós vamos ter a licitação para a contratação de uma empresa para a instalação do cercamento eletrônico da cidade. Esse projeto de cercamento eletrônico é um projeto já antigo, desde 2017 ele já vem tramitando... Então, para informar a comunidade como que vai acontecer esse sistema, como que vai ser implantado esse sistema de cercamento eletrônico na cidade, vão ser instalados em cinco pontos nos acessos a cidade de Tavares... Eu vou passar a palavra agora, para a secretária de agricultura

Jamile Brum Miranda (Secretaria Municipal de Agricultura e Pesca): hoje eu vim aqui falar um pouquinho sobre o programa de aquisição de alimentos... O município começou a fazer a entrega desses alimentos, que são oriundos da agricultura familiar para a APAE, agora cum uma novidade, nós passamos a entregar semanalmente para a APAE... para o CRAS... e vamos começar a fazer a entrega para o Lar do Idoso em Mostardas... Eu vim hoje também falar de um outro assunto, que é referente ao saque do fundo de garantia por tempo de serviço (...)

Além disso, por meio da juntada da integralidade dos programas transmitidos em período vedado, verificou-se que, em 25.08.2020, compareceram à rádio local, no horário reservado à Prefeitura, o então candidato à reeleição ao cargo de vice-prefeito, GILMAR FERREIRA DE LEMOS, registrado na urna com o nome Pretinho, e o Secretário Municipal de Saúde, Tobias Velho, e salientaram que durante a explanação das ações do município no enfrentamento a pandemia houve divulgação da contratação de médico, de projetos na área da saúde mental e demais informativos que ultrapassaram o limite permitido de publicidade institucional, nos termos da EC 107/2020. Vejamos parte desse trecho:

Tobias Velho (Secretário Municipal de Saúde): saindo um pouco do coronavírus Pretinho, eu queria passar contigo algumas ações que estão sendo realizadas pela secretaria, com aval do gabinete. A gente, como já tinha passado aqui, há quinze dias atrás, a gente contratou um médico psiquiatra. Pois então, sexta-feira, ele já começa a atender no município Tavares, Pretinho. Sexta-feira, então já estamos com uma ideia Pretinho, como a gente conversou na última reunião da gestão da secretaria, a gente está tentando se cadastrar no A Mente, que é um programa pra saúde mental. Então já contratamos o psiquiatra, já temos uma psicóloga, agora “tamos” vendo a questão da assistente social. Então, o município já conta com uma equipe de saúde mental. Dando tudo certo, a gente já tá com o projeto em andamento na décima oitava, só que em questão da pandemia é tudo bem mais lento. (…) Pretinho, na próxima semana já vamos contar com o dentista também atendendo nos Olhos D’Água. Então, isso tudo são ações que a secretaria, junto com a prefeitura, vem fazendo paralelo ao coronavírus, é o que a gente fala, a gente não pode parar né Pretinho. Como a prefeitura não para, com certeza tem várias ações de outras secretarias também que estão tendo que andar.

 

Da análise dos trechos, não há dúvida de que o conteúdo das veiculações visou também promover outras ações ordinárias da Secretaria de Saúde, sem relação direta com o enfrentamento da Covid-19, incluindo a assistência psiquiátrica e odontológica, dentre projetos de outros órgãos da prefeitura, como o “cercamento eletrônico da cidade” e o “programa de aquisição de alimentos”. Todos apresentados com caráter basicamente publicitário, visto que foram destacados os esforços da administração pública e os benefícios à população.

De acordo com o art. 1º da Emenda Constitucional n. 107/20, foi autorizada a realização de publicidade institucional no período vedado, independentemente de necessidade de reconhecimento pela Justiça Eleitoral, quando relacionada ao enfrentamento da pandemia, in verbis:

 

Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo.

(…).

VIII - no segundo semestre de 2020, poderá ser realizada a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

 

Logo, não há dúvida que as divulgações de programas e serviços da prefeitura destacadas na sentença não se enquadram nas ressalvas legais, pois desbordam da permissão de informar sobre o enfrentamento à pandemia da Covid-19 e orientar a população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia.

No tocante à responsabilidade do prefeito, quanto ao prévio conhecimento, autorização e anuência, o entendimento do TSE é de que “o chefe do Poder Executivo é responsável pelos atos e procedimentos praticados durante sua gestão, independentemente de eventual delegação administrativa”, pois, “na condição de chefe do Poder Executivo municipal e, portanto, gestor desse ente federativo, o prefeito possui o dever de zelar pelos atos e procedimentos administrativos levados a efeito durante sua gestão, dentre os quais se inclui a divulgação de publicidade institucional” (TSE, AgR–REspEl n. 841–95/MG, Relator: MIN. OG FERNANDES, DJe de 21.8.2019).

Assim, sobressai dos autos que, no período de 25.8.2020 a 04.11.2020, os representados, por intermédio de agentes públicos da Prefeitura de Tavares/RS, em ao menos três oportunidades, veicularam em programação da Rádio Tarumã FM, contratada e paga com recursos públicos, publicidade institucional no período vedado, infringindo o art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97.

Assim, a ilicitude é extraída objetivamente da divulgação das matérias com exaltação das ações da administração pública municipal em período vedado, independentemente de promoverem a imagem de autoridades, da intenção ou finalidade eleitoreira da conduta ou do seu alcance sobre o eleitorado, na esteira de iterativa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER. CONDENAÇÃO. AGRAVO DO PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL (PROS). REQUERIMENTO DE INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES NO FEITO, COM A FINALIDADE DE ASSEGURAR O DEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA DE AFILIADO EM ELEIÇÃO SUBSEQUENTE À TRATADA NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO NA DEMANDA. AGRAVO DE NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. ART. 73, VI, b, DA LEI DAS ELEIÇÕES C/C O ART. 22, XIV, DA LEI DAS INELEGIBILIDADES. IDENTIFICAÇÃO DE BENS E DE SERVIÇOS PÚBLICOS COM A LOGOMARCA E AS CORES DA GESTÃO. ASSOCIAÇÃO À PESSOA DO PREFEITO. PERMANÊNCIA DURANTE O PERÍODO ELEITORAL. FATO INCONTROVERSO. ILÍCITO DE NATUREZA OBJETIVA. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS, AFETANDO A NORMALIDADE E A LEGITIMIDADE DO PLEITO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS CANDIDATOS. REEXAME DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. AGRAVOS DESPROVIDOS. (…). 4. Registre-se, ademais, que o art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997 veda, no período de três meses que antecede o pleito, toda e qualquer publicidade institucional, independentemente de termo inicial de veiculação e de suposta falta de caráter eleitoreiro, com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado e os casos de grave e urgente necessidade pública, reconhecida previamente pela Justiça Eleitoral. Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - AI: 49130201661900000027 NOVA IGUAÇU - RJ, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 01/07/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 156, Data 06/08/2020.) (Grifei.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, B, DA LEI 9.504/97. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO VEDADO. ILÍCITO DE CARÁTER OBJETIVO. MULTA. BENEFICIÁRIO. INCIDÊNCIA. REJEIÇÃO.

(...). 5. A divulgação de publicidade institucional em período vedado constitui ilícito de natureza objetiva e independe de conteúdo eleitoreiro. Precedentes. 6. Para incidência da sanção, não se exige que a conduta tenha sido praticada diretamente por partidos políticos, coligações e candidatos, bastando que qualquer um deles figure como beneficiário, nos termos do art. 73, § 8º, da Lei 9.504/97 e de precedentes desta Corte. Conclusão. 7. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Embargos de Declaração em Recurso Ordinário n. 378375, Acórdão de 27.09.2016, Relator: MIN. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 199, Data 17.10.2016, Páginas 36-37.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, "B" DA LEI 9.504/1997. SÚMULAS 24, 28 E 30/TSE. DESPROVIMENTO1.

[…]

5. A conduta vedada prescrita no art. 73, VI, "b"", da Lei 9.504/1997 possui natureza objetiva, caracterizado o ilícito mediante a simples veiculação ou permanência da publicidade institucional dentro do período vedado, independente do intuito eleitoral.

6. O afastamento das premissas fixadas pelo Tribunal de origem acerca da existência de publicidade institucional em período vedado demandaria o reexame da prova dos autos, providência vedada em sede especial, a teor da Súmula 24 do TSE.

7. Agravo Regimental desprovido.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060003965, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 117, Data 23/06/2022)(Grifei.)

 

Nesse contexto, está caracterizada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, sem contudo configurar a gravidade necessária para a aplicação das penas mais severas, a cassação dos diplomas, a declaração de inelegibilidade e a perda da função pública, sendo perfeitamente adequada a imposição da multa de forma individual a cada um dos recorridos, conforme determinado pelo magistrado.

Portanto, deve ser integralmente mantida a sentença em relação ao presente tópico.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição da preliminar, pelo desprovimento do recurso dos candidatos representados e pelo parcial provimento do recurso interposto pelo partido político representante, a fim de reformar em parte a sentença para reconhecer a prática de condutas vedadas previstas no art. 73, incs. I e IV, al. “b”, da Lei das Eleições, relativamente aos fatos analisados no item “1” e “3” da fundamentação, e para:

a) condenar GARDEL MACHADO DE ARAUJO e GILMAR FERREIRA DE LEMOS ao pagamento de multa em seu patamar mínimo legal, equivalente a R$ 5.320,50, aplicada individualmente a cada um dos candidatos representados, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, em razão da prática da conduta vedada pelo art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97;

b) manter a sentença que aplicou multa no valor de R$ 7.000,00, de forma individualizada para GARDEL MACHADO DE ARAUJO e GILMAR FERREIRA DE LEMOS, em razão da prática da conduta vedada pelo art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97 e determinou a perda dos recursos do Fundo Partidário dos partidos políticos que compõem a COLIGAÇÃO PRA FRENTE TAVARES COM HONESTIDADE E CONFIANÇA, nos termos do art. 73, § 9°, da Lei n. 9.504/97.