PCE - 0600419-79.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2022 às 14:00

VOTO

O parecer conclusivo aponta a existência de falhas na presente prestação de contas relativas à: a) omissão de gastos verificados a partir da emissão de notas fiscais; b) divergência entre os valores declarados pela agremiação e o constante em documentos fiscais; e c) aplicação irregular de recursos públicos nas cotas de gênero e racial.

 

a) Omissão e Divergência de Registro Financeiro nas Contas

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) apontou, inicialmente, no exame preliminar, item 2, a existência de notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ da agremiação em favor de Impressos Portão Ltda., indicando indícios de omissão de gastos eleitorais, no montante de R$ 460.000,00 (ID 44907261 pp. 15 a 22), e no item 3, do mesmo relatório, assinalou a divergência entre os valores das notas fiscais encontradas e os dados constantes na contabilidade do prestador, no valor de R$ 449.280,00, como segue:

A unidade técnica, no parecer conclusivo, verificou a possibilidade de analisar, em conjunto, os itens 2 e 3 do exame preliminar por se tratar de mesmo fornecedor e mesmos documentos.

O prestador juntou aos autos tabelas elaboradas pela grei e imagem da tela do sistema SPCE (ID 44862589) com suas somas e respectivas datas de pagamento, indicando que a pretensão seria efetuar o pagamento em lote, e não por nota fiscal emitida.

Entretanto, mesmo após a apresentação de Prestação de Contas Retificadora e manifestação do prestador, não foram juntadas as notas fiscais elencadas como irregulares.

Além disso, as notas fiscais emitidas pelo fornecedor Impressos Portão Ltda., CNPJ n. 88.263.942/0001-03, indicadas no Divulga Cand Contas no endereço (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/partido/2020/2030402020/RS/3/12/nfes),  não possuem as chaves para consulta on line, as quais totalizam R$ 484.960.00, sendo que, desta soma, o partido somente declarou o valor de R$ 474.240,00 (ID 44860975 e 44860946).

Esta falha, no montante de R$ 484.960,00, compõe-se de R$ 474.240,00 em razão da não apresentação dos documentos fiscais na prestação de contas com verbas do FEFC – R$ 320.880,00 e do FP – R$ 153.360,00 e de R$ 10.720,00 relativos a recursos de origem não identificada (RONI).

 

b) Divergência entre o valor constante na nota fiscal e o declarado nas contas a título de serviço advocatício

A grei partidária declarou em sua prestação de contas o pagamento da quantia de R$ 42.056,00 a título de honorários advocatícios; entretanto, as notas fiscais juntadas aos autos (ID 12802283) são nos valores de R$ 7.356,00 e R$ 34.700,00, cuja descrição dos serviços foi considerada precária pela área técnica.

Na primeira, declara “Prestação de Serviços – contas Eleições 2020”; na segunda, “Prestação de serviço referente às prestações de contas Diretório Estadual eleições 2020”, sem qualquer alusão ao trabalho de advogado.

A SAI refere que, em consulta à Prestação de Contas Retificadora, Relatório de Despesas Efetuadas (ID 44860946), a inconsistência persistia.

Todavia, compulsando os autos, foi verificado que consta a despesa com serviço advocatício nos valores registrados de acordo com as notas fiscais no Relatório de Despesas Efetuadas, veja-se:

 

 Dessa forma, entendo que a descrição está condizente com a função exercida pelo advogado, pois, a meu sentir, não há necessidade de ser pormenorizada, e que os valores estão referidos adequadamente, cuja soma é de R$ 42.056,00.

Portanto, tenho como esclarecida a irregularidade, devendo ser subtraída do montante a ser recolhido ao erário.

 

c) Ausência de destinação do percentual mínimo do Fundo Partidário às candidaturas por questão de gênero e racial

A última irregularidade constatada refere-se à ausência de destinação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas e de pessoas negras.

O partido recebeu verbas do Fundo Partidário no total de R$ 178.360,00 e deveria ter aplicado nas campanhas de candidatas o valor de R$ 60.606,73, correspondente a 33,98%, e nas candidaturas de pessoas negras a quantia de R$ 7.394,02, correspondente a 12,20% do montante destinado à cota de gênero, somando R$ 68.000,75.

Em relação à cota de candidaturas masculinas de pessoas negras, deveria ser aplicado R$ 12.352,32, correspondentes a 10,49% da quantia destinada à cota de gênero, R$ 117.753,27, totalizando R$ 80.353,07 (R$ 60.606,73 + R$ 7.394,02 + R$ 12.352,32).

A área técnica registrou que apenas um candidato autodeclarado negro recebeu a cifra de R$ 5.000,00, restando pendente o repasse na quantia de R$ 7.352,32 para fins de cumprimento da norma aplicada ao caso.

Constou nos autos a informação da grei partidária sobre doações de materiais de publicidade efetuadas a candidatos para compor as cotas. Contudo, foi referido, tanto no relatório preliminar quanto no parecer conclusivo, que essa mera informação declaratória não tem o condão de regularizar o apontamento, pois ausentes documentos comprobatórios de distribuição de materiais às campanhas para candidaturas femininas e de pessoas negras.

Ademais, relativamente a esse apontamento, o prestador de contas não se manifestou após os pareceres técnicos, merecendo ser acolhida a conclusão da unidade contábil:

Ainda, para a comprovação do atendimento das cotas de gênero e raça, faz-se necessária a apresentação de documentação que comprove a remessa do material de publicidade para os(as) candidatos(as) beneficiados(as) pelo Estado, com comprovante de entrega e comprovação material do referido gasto por meio da apresentação de um exemplar de cada item produzido para aferição do cumprimento dos requisitos legais dispostos nos art. 19, §6º, e no art. 35, inciso I e §7º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Nesse contexto, ressalta-se que a guarda e conservação de documentos relativos às contas eleitorais, até a decisão final, estão previstas no art. 28, da Resolução TSE n. 23.607/201919; e ainda, a comprovação material é fundamental para demonstrar o efetivo gasto com publicidade e sua veiculação, pois vinculam-se a uma eleição atípica imposta por restrições sanitárias decorrentes da COVID-19, conforme o disposto na Emenda Constitucional n. 107/2020.

Finalmente, relativamente a este item 5 do Relatório de Exame, verificou-se que o prestador de contas não se manifestou, mantendo-se as irregularidades quanto à aplicação dos recursos públicos de fundo partidário em candidaturas femininas, candidaturas de mulheres pretas e pardas e candidaturas masculinas de pretos e pardos, estando sujeito ao recolhimento no valor de R$ 74.993,07 ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 19, § 9º e art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas no art. 30-A da Lei nº 9.504/199720 aos responsáveis e beneficiários.

 

Desse modo, a irregularidade não foi sanada.

Em relação ao repasse do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, não há previsão legal atinente à cota de gênero e racial, como ocorre no caso do Fundo Partidário.

Contudo, em conformidade com a resposta à Consulta exarada pelo Tribunal Superior Eleitoral, o repasse será analisado na prestação de contas do órgão doador, nos termos explicitados pelo órgão técnico, que abaixo transcrevo:

Transcreve-se, por relevante, trechos do Parecer da Assessoria Especial do TSE, nos quais são analisados os critérios para verificação da regularidade da aplicação de recursos oriundos do FEFC e Fundo Partidário nas candidaturas de pessoas negras, em conformidade ao acórdão exarado pelo TSE na Consulta nº 600306-47/DF e aos esclarecimentos prestados pelo Min. Ricardo Lewandowski, na ADPF nº 738/DF:

“(i) aferição do percentual de pessoas negras, compreendendo pretas e pardas, com base na previa divisão das candidaturas por gênero; (ii) utilização da informação do Sistema de Candidaturas (CAND) para a identificação do gênero e das pessoas autodeclaradas negras; (iii) observância as “particularidades do regime de distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o regime de aplicação dos recursos do Fundo Partidário (FP)”, de modo que a) a regularidade do FEFC seja apurada em âmbito nacional, com base em percentuais nacionais, (…)

(…) a correta aplicação dos recursos do Fundo Partidário será verificada na prestação de contas de campanha do órgão partidário doador, com base nos percentuais aferidos no território respectivo (municipal, para órgãos partidários municipais; estadual, para órgãos partidários regionais e nacional, para órgãos partidários nacionais);”

Isso posto, esclarece-se que o repasse de recursos do FEFC destinados ao cumprimento da cota racial será objeto de análise na prestação de contas dos diretórios nacionais, assim como já ocorre com a cota de gênero, não sendo tema para apuração no presente parecer conclusivo.

 

Para afastar as irregularidades, cumpriria ao prestador apresentar documentos que justificassem a movimentação financeira dentro dos termos legais, capazes de demonstrar que os valores foram empregados em conformidade com o declarado nas contas.

Tratando-se de recursos públicos, é exigida não só a transparência, mas a possibilidade de rastreio desde a origem do valor utilizado até seu destino, o que não foi atendido.

Portanto, do total das irregularidades apontadas no parecer conclusivo, R$ 602.009,07, deve ser subtraída a quantia de R$ 42.056,00, atinente a gasto com serviços advocatícios, considerados regulares.

Desse modo, remanescem as seguintes falhas, que perfazem o total de R$ 559.953,07 (item A – R$ 484.960,00, sendo 320.880,00 do FEFC, R$ 153.360,00 do Fundo Partidário (FP), e R$ 10.720,00 de RONI; e item C – R$ 74.993,07 referente a cotas de gênero e raciais), soma que representa 52,70% das receitas financeiras (R$ 1.062.402,60), não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade e a transparência da movimentação financeira.

Anoto que não está em discussão, neste feito, a intencionalidade no cometimento da falha (dolo) ou a má-fé da agremiação, mas o mero descumprimento de regra cogente aplicável a todos os partidos.

Destarte, as contas merecem ser desaprovadas.

Sobre as sanções, de acordo com o disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez utilizados recursos do Fundo Partidário indevidamente, deve ser recolhido o valor ao erário.

Mas, quanto ao dever de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, deve ser decotada da condenação a quantia de R$ 74.993,07, relativa à irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário no sistema de cotas de gênero e racial, nos termos do disposto pela Emenda Constitucional n. 117, a qual expressamente estabelece que suas disposições têm aplicabilidade retroativa:

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

De acordo com o TSE, as novas normas “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (Prestação de Contas n. 060176555, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06/05/2022).

No acórdão em questão, o Relator, Min. Mauro Campbell Marques, apontou que a EC n. 117 não incide sobre a fase em que o juízo eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas para concluir pela sua aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação, nem excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

Assim, em face da EC n. 117, ainda que a falhas sejam consideradas para efeito da desaprovação das contas, deve ser excluída do cálculo de recolhimento a quantia de R$ 74.993,07, permanecendo a determinação quanto ao valor de R$ 484.960,00 (559.953,07 – R$ 74.993,07), que representa 45,64% do total das receitas financeiras (R$ 1.062.402,60).

Por fim, os §§ 5º e 7° do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19 preveem a perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) a 12 (doze) meses se o partido descumprir as normas referentes à arrecadação e à aplicação de recursos.

Em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a sanção deve ser fixada no patamar de 5 meses, uma vez que foram comprometidos 45,64% da arrecadação, em quantia significativamente expressiva (R$ 484.960,00), e que o prazo máximo de 12 meses deve ser reservado a falhas que alcancem 100% das receitas auferidas.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT/RS, determino o recolhimento da quantia de R$ 484.960,00 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 5 (cinco) meses, nos termos da fundamentação.