RecCrimEleit - 0000037-34.2015.6.21.0155 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2022 às 14:00

VOTO

1. Passo ao enfrentamento das preliminares arguidas:

 

1.1 Nulidade do feito

Inicialmente, rejeito a preliminar de nulidade do feito em razão da falta de intimação da defesa de Darci Sallet sobre a decisão a quo que considerou intempestivo o seu recurso criminal.

O recorrente afirma que contra a denegação caberia recurso em sentido estrito (art. 581, inc. XV, primeira parte, CPP), sustenta a violação ao devido processo legal e à ampla defesa, invoca a aplicação subsidiária do CPC ao processo eleitoral e as disposições previstas nos arts. 15 e 1.003, § 4º, do CPC, a fim de que a contagem do prazo recursal seja realizada da data da postagem do apelo nos Correios, e sustenta a tempestividade do recurso.

Requereu seja desconsiderado o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral nesta instância, o retorno dos autos à origem para sanar a falta de intimação ou, subsidiariamente, o provimento do recurso, com a sua consequente absolvição.

Contudo, a alegação de nulidade não prospera em virtude da ausência de prejuízo, uma vez que o magistrado de piso remeteu o recurso a esta Corte apesar de ter consignado que as razões são intempestivas.

Aplica-se à hipótese dos autos o art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual “na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

Nesse sentido, colho no último parecer emitido pela douta Procuradoria Regional Eleitoral os bem-lançados argumentos:

O objetivo do RSE fundado no art. 581, XV, primeira parte, do CPP é justamente permitir a análise do órgão colegiado do recurso denegado na origem. No caso, todos os recursos subiram à Corte, por meio dos autos digitalizados, o que afasta a necessidade de RSE. Ademais, por meio da referida petição, a defesa do recorrente agregou novos elementos a serem considerados para a solução da controvérsia. Logo, não vislumbramos prejuízo apto a fundamentar uma declaração de nulidade. Finalmente, oportuno mencionar que a ausência de intimação do MPE com atuação em primeiro grau para juntada de contrarrazões não tem nenhuma consequência, já que tal peça não é obrigatória.

Portanto, rejeito a preliminar.

 

1.2 Intempestividade do recurso criminal interposto por Darci Sallet

Do exame dos autos observa-se que Darci Sallet opôs embargos de declaração contra a sentença condenatória, os quais foram desacolhidos, tendo o recorrente sido intimado pessoalmente da decisão, em Cartório, no dia 23.11.2020 (ID 44846658, p. 8).

A publicação da decisão que rejeitou os declaratórios ocorreu em 02.12.2020 (ID 44846658, p. 20), encerrando-se o prazo recursal de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral, para a interposição de recurso criminal, em 14.12.2020 (ID 44846658, p. 21).

O recurso criminal interposto pelo réu foi protocolado em Cartório em 12.01.2021 (ID 44846659), e o recorrente alega que o apelo foi recebido na Zona Eleitoral um dia antes, em 11.01.2021.

O juízo a quo e a Procuradoria Regional Eleitoral entendem que o recurso é intempestivo de acordo com precedentes do TSE que, ao julgar recursos especiais relativos a representações por propaganda eleitoral irregular, consideram ser inaplicável ao processo eleitoral a regra prevista no art. 1.003, § 4º, do CPC, a qual dispõe que, “para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem”, na forma da jurisprudência consolidada no sentido de que tal procedimento não se coaduna com a especialidade dos processos eleitorais.

Transcrevo, nesse sentido, o acórdão do TSE, prolatado no ano de 2022, trazido à colação pela Procuradoria Regional Eleitoral, referente a recurso interposto em 2020, depois da vigência do Código de Processo Civil de 2015:

AGRAVO INTERNO. RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. CANDIDATOS E RESPECTIVAS COLIGAÇÕES MAJORITÁRIAS E PROPORCIONAIS. DERRAME DE SANTINHOS. VÉSPERA DO PLEITO. PRAZO RECURSAL. ART. 96, § 8º, DA LEI 9.504/97. INOBSERVÂNCIA. INTEMPESTIVIDADE REFLEXA. ART. 1.003, § 4º, DO CPC/2015. INAPLICABILIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, não se conheceu do recurso especial interposto pelo Diretório Municipal do Partido Verde (PV) e por candidatos não eleitos aos cargos de prefeito, vice–prefeito e vereador de Cristalina/GO nas Eleições 2020, tendo em vista sua intempestividade reflexa, porquanto extemporâneo o recurso eleitoral interposto contra a sentença perante o TRE/GO. 2. O TRE/GO não conheceu do recurso do Partido Verde – Municipal e outros em razão de sua intempestividade, porquanto a sentença fora publicada no DJE em 30/5/2018, ao passo que o protocolo ocorreu apenas em 29/6/2018, ou seja, após o prazo de 24 horas previsto no § 8º do art. 96 da Lei 9.504/97. 3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no tocante à inaplicabilidade, aos feitos eleitorais, do disposto no § 4º do art. 1.003 do CPC/2015, que estabelece o dia da postagem no correio como data de interposição do recurso. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 39212, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 145, Data: 02/08/2022).

 

Ocorre que, em acórdão de 28.3.2022, o TSE consignou que a jurisprudência de que “a tempestividade do recurso deve ser aferida pela data do protocolo em cartório, e não pela data de envio da petição pelo correio”, foi firmada em feitos estritamente eleitorais, e aplicou o art. 1.003, § 4º, do CPC a processo de execução fiscal que obedece ao regramento disposto na Lei n. 6.830/90, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil:

PETIÇÃO CÍVEL. LIMINAR DEFERIDA. REQUISITOS ATENDIDOS. REFERENDO. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 1.003, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. RISCO IMINENTE DE GRAVE LESÃO A DIREITO. SÍNTESE DO CASO1. Trata-se de requerimento de atribuição de efeito suspensivo ativo aos recursos especiais eleitorais já interpostos em face dos Acórdãos do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, nos autos dos Embargos à Execução 0000034-92.2016.6.13.0276 e 0000035-77.2016.6.13.0276, por meio dos quais não se conheceram dos embargos de declaração opostos, sob o fundamento de intempestividade .2. Na origem, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ajuizou execução fiscal em face de Boiaves Comércio e Indústria de Carnes Ltda., em razão de multa aplicada por doação eleitoral acima do limite legal, na qual, diante da ausência de bens suficientes para garantia da execução, foi reconhecida a existência de grupo econômico integrado pela devedora originária e pelas empresas requerentes, sendo determinada a penhora de imóvel de propriedade da primeira requerente, do qual é locatária a segunda, sobrevindo a oposição de embargos à execução, que se encontram em grau de recurso especial e aos quais se pretende a atribuição de efeito suspensivo. EXAME DA PRETENSÃO3. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, em decisão tomada por maioria, não conheceu dos embargos de declaração opostos em recurso eleitoral na execução fiscal, por entender inaplicável o disposto no art. 1.003, § 4º, do Código de Processo Civil. 4. Segundo o voto condutor na origem, à míngua de convênio entre a Justiça Eleitoral e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafo, a tempestividade do apelo deve ser aferida pela data de protocolo em cartório, e não pela data de postagem da respectiva correspondência. 5. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada em feitos estritamente eleitorais, é no sentido de que "a tempestividade do recurso deve ser aferida pela data do protocolo em cartório, e não pela data de envio da petição pelo correio. O art. 1.003, § 4º, do CPC/2015, relativo à contagem de prazos processuais, é inaplicável à Justiça Eleitoral" (AgR-REspe 526-07, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.6.2018) .6. Em que pese a ausência de precedente específico acerca do tema nesta Corte Superior, é assente o entendimento segundo o qual os processos relativos à execução fiscal, na Justiça Eleitoral, notadamente quanto à cobrança judicial de dívida decorrente de multa eleitoral, obedecem ao regramento disposto na Lei 6.830/90, aplicando-se subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil .7. Há julgado no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, "com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 e do seu art. 1.003, § 4º, este Tribunal Superior firmou posição no sentido de que a tempestividade do recurso remetido pelo correio será aferida pela data da postagem" (AgRg-AREsp 1.470.980/SP, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJE de 20.11.2019) .8. Sem prejuízo de reflexão mais aprofundada acerca da matéria, afigura-se plausível a tese recursal de aplicação subsidiária do disposto no art. 1.003, § 4º, do Código de Processo Civil às execuções fiscais de multa eleitoral processadas na Justiça Eleitoral, tese suficiente para afastar a intempestividade dos embargos de declaração opostos na origem. 9. Verifica-se na espécie grave risco de lesão à esfera jurídica das requerentes, ante a iminência de atos de expropriação de imóvel de alto valor, no qual, segundo noticiado nos autos, a segunda requerente exerce a sua empresa. CONCLUSÃO: Decisão liminar referendada.

(TSE - PetCiv: 06000743020226000000 UBERABA - MG, Relator: Min. Sérgio Banhos, Data de Julgamento: 17/03/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 54) (Grifei.)

 

Com efeito, não se desconhece que os processos de propaganda eleitoral têm rito sumaríssimo e demandam tramitação e julgamento céleres, razão pela qual não se coadunam com a disposição estabelecida no art. 1.003, § 4º, do CPC em virtude da possibilidade de atraso no processamento dos feitos.

Contudo, tratando-se de processo-crime eleitoral, como ocorre no caso dos autos, não se verifica incompatibilidade ou prejuízo que impeça a aplicabilidade da regra em questão, mormente tendo-se em conta que a Corte Superior Eleitoral já considerou o tema na apreciação de recurso em processo cível de execução fiscal, o qual guarda consequências bem menos gravosas para a parte.

Com esses fundamentos, divirjo da Procuradoria Regional Eleitoral e rejeito a preliminar de intempestividade.

 

1.3 Não conhecimento do recurso interposto por Iris Nadir Wille, por falta de interesse recursal

A sentença condenou a recorrente Iris Nadir Wille pela prática do crime de corrupção eleitoral ativa (CE, art. 299) à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mas, devido ao implemento da prescrição retroativa, foi declarada a extinção da sua punibilidade e dos réus Solange Maria Madke Aires, André dos Santos Bueno, Andréia dos Santos Pavani, Clarice Costa Alves, Rosane dos Reis e Sueli Teresinha dos Santos Oliveira (ID 44846658, p. 31).

Assim, embora Iris Nadir Wille tenha interposto razões recursais conjuntas com Daniel Rodrigues Machado e Arnelio Jantsch, deve ser reconhecida a sua ausência de interesse recursal, uma vez que foi ultrapassado o prazo prescricional entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória, ficando prejudicado o exame do mérito do recurso. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PERDA DE OBJETO. JULGAMENTO PREJUDICADO. A jurisprudência construiu o entendimento de que a extinção da punibilidade pela superveniência da prescrição da pretensão punitiva prejudica o exame do mérito do recurso criminal, em face da perda do objeto da ação penal. Prescrição da pretensão punitiva declarada. Recurso especial prejudicado.

(REsp 298189/DF, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª Turma, Data do Julgamento 07/11/2002, Data da Publicação/Fonte DJ 02/12/2002 p. 332).

 

Com essas considerações, acolho a preliminar e não conheço do recurso interposto por Iris Nadir Wille, por ausência de interesse recursal.

 

1.4 Ofensa à identidade física do juiz

O recorrente Darci Sallet afirma que o juiz prolator da sentença não acompanhou a instrução processual, circunstância que teria maculado o princípio da identidade física do juiz na forma do § 2° do art. 399 do CPP:

Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

(...)

§ 2° O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

 

Além disso, alega que o prejuízo é manifesto uma vez que a sentença é nula porque a decisão é contrária à prova existente nos autos em decorrência de o julgador não ter presidido os atos instrutórios.

Do exame dos autos, observa-se que o Juiz Eleitoral que presidiu a instrução foi o Dr. Rodrigo Kern Faria, o qual foi sucedido pelo Dr. Tomás Silveira Martins Hartmann em razão do término de sua jurisdição eleitoral junto à 155ª Zona de Augusto Pestana.

Nessas circunstâncias, não há nulidade, pois o princípio em questão é aplicado de forma mitigada no âmbito da Justiça Eleitoral, respeitando-se a temporariedade da designação dos juízes para atuar nesta Justiça Especializada, a exemplo do que ocorre nos casos de redistribuição, na linha da jurisprudência:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDADE E DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. RECURSO QUE NÃO IMPUGNA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182⁄STJ. SONEGAÇÃO FISCAL. VIOLAÇÃO DO ART. 399, § 2º, DO CPP. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em atenção aos princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas, admite a conversão de embargos de declaração em agravo regimental.

2. É inviável o agravo regimental que não impugna especificamente os fundamentos da decisão agravada. Aplicação do disposto na Súmula 182⁄STJ.

3. De acordo com entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, admite-se a redistribuição da ação penal em razão da criação de novas Varas Criminais ou alteração das competências das preexistentes, mediante a edição de Resolução do respectivo Tribunal, sem que isso importe em violação do princípio do Juiz natural.

4. Embargos declaratórios, opostos por Vagner Fernandes, recebidos como agravo regimental conhecido em parte e improvido.

(STJ - AgRg no REsp: 1476752 RS 2014/0186062-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 04/08/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2015) (Grifei.)

 

A Procuradoria Regional Eleitoral de igual modo aponta precedentes que relativizam a aplicação do referido princípio. Transcrevo:

O Supremo Tribunal Federal já adotou interpretação semelhante, conforme se observa na seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. NULIDADE PROCESSUAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. DECLARAÇÃO DA VÍTIMA. SUPRIMENTO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE EM SEDE DE WRIT. 1. O princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto, comportando as exceções do artigo 132 do Código de Processo Civil, aplicado analogicamente ao processo penal. Precedentes. 2. No caso, a alegação de que a situação processual dos autos não se enquadraria nas hipóteses do artigo 132 do Código de Processo Civil veio destituída de elementos que a corroborassem ictu oculi, não sendo viável a presunção da ocorrência de nulidade ou mesmo a dilação probatória pela via estreita do writ. 3. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que ‘nos delitos materiais, de conduta e resultado, desde que desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal pode suprir o auto de corpo de delito’. Precedentes. 4. A via estreita do habeas corpus não admite revolvimento aprofundado do conjunto fático-probatório originário, a fim que aferir a suficiência do acervo que deu causa à condenação. Precedentes. 5. Agravo regimental conhecido e não provido.

(HC 133493 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 11-09-2019 PUBLIC 12-09-2019)

 

Além disso, a mesma Corte Superior já reconheceu, em diversas outras oportunidades, que “O princípio da identidade física do juiz comporta relativização. Precedentes: HC 174.412-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 29/10/2019; RHC 129871-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/6/2016” (HC 185744 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 03-07-2020 PUBLIC 06-07-2020).

No caso concreto, entendemos que, para o acolhimento da alegação de ofensa ao princípio da identidade física do juiz, cabia ao recorrente ter demonstrado que na época da prolação da sentença o magistrado que presidiu a instrução permanecia exercendo a jurisdição eleitoral no município de Augusto Pestana mas não sentenciou o feito.

Não tendo o réu se desincumbido da produção dessa prova, o fato da sentença ter sido proferida por magistrado diverso, que sucedeu regularmente o primeiro na jurisdição da 155ª Zona Eleitoral, não ofendo o princípio em questão.

 

Por fim, a alegação de que a sentença é contrária à prova dos autos é matéria afeta ao mérito e que com este será analisada.

Com essas considerações, afasto a preliminar.

 

1.5 Omissão da sentença quanto às alegações de nulidade e de inépcia da denúncia, de ilegitimidade de parte, e de “errôneo e absurdo emprego da Teoria do Domínio dos fatos”

Embora o recorrente Darci Sarlet afirme que não foram analisadas as prefaciais arguidas pela sua defesa, a própria sentença refere: “As preliminares - inépcia da exordial, nulidade da denúncia e ilegitimidade passiva - foram analisadas e afastadas na decisão de fls. 1056-1058, razão pela qual, para evitar tautologia, remeto-me àquela decisão, passando, diretamente, à análise do mérito”.

A matéria foi muito bem analisada em primeira instância:

1) Quando à alegação de inépcia da exordial .

A inicial acusatória atendeu a todas as exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal, pois identificou os acusados, classificou o delito por eles perpetrados, narrou os fatos oferecendo descrição de modo a englobar a atividade por eles desenvolvidas, o que não importa em inépcia da peça acusatória. Percebe-se, portanto, que a denúncia descreveu os fatos, mencionado a conduta dos acusados, descrevendo a exposição do fato criminoso e as suas principais circunstâncias. Assim, os acusados tiveram perfeita ciência dos fatos que lhe são imputados, não podendo falar em cerceamento de defesa sob fundamento de inepta a denúncia.

Nesse particular, merece transcrição a lição de José Antônio Paganella Boschi, na obra Ação Penal, ed. AIDE 1993, onde afirma: ¿Como se vê, a denúncia deve narrar fatos e estes fatos devem se ajustar aos elementos normativos do tipo, ainda que a narrativa ou descrição desses fatos seja sucinta. Desde que a inicial forneça indicações suficientes para que o réu conheça a amplitude da pretensão acusatória e exerça plenamente sua defesa, não há como rejeitar por inepta a denúncia redigida em termos mais comedidos¿.

Desse modo, a indefinição da data e horário e a indeterminação da conduta praticado por cada réu, em caso de concurso de agentes, não é causa para a rejeição da denúncia.

 

2) As preliminares - inépcia da exordial, nulidade da denúncia e ilegitimidade passiva - foram analisadas e afastadas na decisão de fls. 1056-1058, razão pela qual, para evitar tautologia, remeto-me àquela decisão, passando, diretamente, à análise do mérito.

Da alegação de nulidade da denúncia e ilegitimidade de Darci Sallet.

As teses aventadas dizem respeito ao mérito do caso, pois negam a prática dos fatos imputados pela denúncia. Nesta etapa processual, a análise do mérito somente pode ser efetivada nos termos do artigo 397 do CPP, vale dizer quando presente uma daquelas hipóteses estabelecidas. Em não havendo elementos concretos que confirmem a ocorrência de uma dessas excludentes, a relação jurídico-processual deve ter normal seguimento. Isto porque, a absolvição sumária coloca fim ao processo. É decisão, portanto, de mérito que julga improcedente a pretensão punitiva do Estado, motivo pelo qual se exige a prova cabal - cujo ônus incumbe a quem o fato alegado aproveitar.

Não havendo a comprovação de qualquer das hipóteses legalmente previstas, de ser afastada a alegação.

 

3) Da inépcia da exordial quanto ao crime do artigo 288 do CP.

Da mesma forma, de ser rejeitada a alegação. Com efeito, pelas provas dos autos, mostra-se inquestionável a manutenção em empresa criminosa pelos acusados. O antigo tipo de quadrilha ou bando exige, para a sua formação, a presença de três elementos: (a) a associação estável ou permanente, (b) composta por mais de três pessoas e (c) com o fim de praticar crimes. A caracterização do tipo penal de quadrilha ou bando, ademais, independente dos crimes que venham a ser praticados pelos seus componentes, pois é qualificado com um delito autônomo, servindo de meio aos intensos delituosos em comum. Basta, portanto, que se estabeleça vínculo com caraterísticas de permanência e estabilidade, com o fim de praticar crimes.

Por isso, a narrativa formulada pela denúncia contém todas as elementares do tipo imputado, de maneira que a preliminar deve ser rejeitada.

 

4) Por outro lado, verifico que elementos de prova colhidos na fase inicial da persecução criminal indicam indícios suficientes a justificar a judicialização do procedimento, de modo que rejeito a alegação de falta de justa causa.

 

Ressalto, por fim, que é assente o entendimento jurisprudencial de que, após a prolação da sentença condenatória, se torna preclusa a análise acerca da inépcia da denúncia:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTOS QUALIFICADOS CONSUMADOS E TENTADOS (ART. 155, § 4°, I E II, C.C. O ART. 14, II DO CP). CAIXAS ELETRÔNICOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

Não é inepta a denúncia que preenche todos os requisitos legais e descreve a contento a conduta dos acusados, permitindo a correta compreensão dos crimes imputados e permite o amplo exercício do direito de defesa.

A superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal (STJ, AgRg no AREsp 537.7701SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 4.8.2015, DJe 18.8.2015).

 

Os demais argumentos referem-se ao mérito da ação e com estes serão analisados.

Com esses fundamentos, rejeito a preliminar.

 

2. Mérito

No mérito, inicialmente consigno que, na forma da análise realizada pela Procuradoria Regional Eleitoral, não há prescrição a ser declarada neste feito.

Quanto à questão de fundo, conforme consta dos autos, os fatos narrados no presente processo foram apurados nesta Corte  por meio do recurso eleitoral RE 252-15, da relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado em 11.6.2020, interposto contra a sentença que cassou o diploma concedido a Darci Sallet e Nelson Wille nos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Augusto Pestana, declarou a inelegibilidade e fixou pena de multa aos candidatos e a Daniel Rodrigues Machado, Arnélio Jantsch e Neri Zardin por prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A), abuso de poder econômico e de autoridade, devido ao oferecimento de dinheiro e vantagens em troca de votos, consistente em esquema de distribuição maciça de ranchos e carne “in natura”, bem como oferta de emprego dirigida a determinado eleitor, no período que antecede ao pleito. Transcrevo a ementa:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio – art. 41-A da Lei n. 9.504/97, abuso de poder econômico e de autoridade. Eleições 2012.

Parcial procedência no juízo originário. Cassação do diploma do prefeito e vice-prefeito, declaração de inelegibilidade e cominação de multa pecuniária pelo julgador originário.

Prefaciais afastadas. Compete ao magistrado a presidência da audiência de instrução e julgamento. O instituto da 'suspeição' destina-se a evitar que o juiz suspeito prolate a sentença, tendo modo e tempo adequados para ser intentado. Não é plausível ajuizar a exceção em momento quase coincidente com a sentença. A conexão é medida de racionalização processual, sendo inviável a vinculação destes autos com outra demanda em que são partes figuras distintas, fatos diferentes e pedidos diversos. Integram o polo passivo da demanda o candidato e qualquer pessoa que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito. A coautoria ou a participação torna possível a inclusão de terceiro que não detém a condição de candidato. Inexistência de prejuízo à defesa por quaisquer dos pontos articulados em preliminar.

No mérito, imputações que oscilam entre duas ilicitudes, quais sejam, a capitulada no art. 41-A e as hipóteses de abuso de poder político e econômico. Reconhecido o oferecimento de dinheiro e vantagens em troca de votos. Esquema de distribuição maciça de ranchos e carne "in natura", bem como oferta de emprego dirigida a determinado eleitor, no período que antecede ao pleito. Sólido conjunto de testemunhos que corrobora a prática de tais doações, vinculadas expressamente ao voto.

Afastada, todavia, a condenação por propaganda política por ocasião da inauguração de templo religioso. A fala de agradecimento ao candidato, realizada por terceiro, não pode lhe causar prejuízo.

Inarredável o benefício angariado pelos candidatos majoritários por meio das práticas ilícitas e com elas revelaram anuência. A vinculação entre os candidatos majoritários e os demais representados exsurge dos autos.

A gravidade das circunstâncias afetaram, inexoravelmente, a normalidade da eleição, abalaram a moralidade pública e a legitimidade democrática.

Reforma da sentença quanto ao valor da sanção cominada, exclusivamente pelo expurgo de um dos fatos que ensejou a condenação, restando mantida às cassações e as declarações de inelegibilidade.

Determinada a realização de novas eleições majoritárias no município.

Provimento negado ao recurso ministerial.

Parcial provimento ao apelo dos candidatos da chapa majoritária.

 

No caso em apreço, a sentença recorrida acolheu em parte a denúncia para reconhecer que os recorrentes se associaram para o fim específico de cometer crimes (art. 288 do Código Penal, na sua redação original vigente à época dos fatos), para o cometimento reiterado de delitos de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), nas eleições municipais majoritárias de 2012, porquanto deram a eleitores produtos do Mercado Zardin - ranchos - em troca de votos (ID 44846641).

Passo ao enfrentamento das razões recursais.

 

2.1 Crime de corrupção eleitoral ativa (art. 299 do Código Eleitoral)

Os recorrentes Darci Sallet (Fato n. 36), candidato a prefeito, Nelson Wille (Fatos n. 32 e 36), candidato a vice-prefeito, o pastor e apoiador de campanha Daniel Rodrigues Machado (Fatos n. 2, 4, 9, 10 e 34), a apoiadora de campanha Leonair de Barros Sost (Fatos n. 6 e 7) e Neri Zardin (Fatos n. 02, 04, 07, 09, 10, 32, 34, 36, 37), proprietário de estabelecimento comercial, foram condenados pela prática do crime de corrupção eleitoral ativa tipificado no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

 

A decisão recorrida concluiu que os recorrentes, na condição de cabos eleitorais, Arnélio Jantsch, Daniel Rodrigues Machado e Leonair de Barros Sost, e os recorrentes Neri Zardin, Nelson Wille e Darci Sallet, “associaram-se, na última semana da campanha eleitoral das Eleições Municipais de 2012, para cometer crimes de corrupção eleitoral, oferecendo benesses, em especial ranchos, a eleitores para que votassem na chapa majoritária composta pelos réus Darci, como candidato a Prefeito Municipal, e Nelson, candidato a Vice-Prefeito na mesma chapa”.

A decisão recorrida aponta que, “ao contrário do que asseverado pela defesa, em memoriais, o réu não possui um ‘mercadinho’, ao menos não para Augusto Pestana, pois o estabelecimento é, além de situado numa das principais ruas da cidade, o segundo maior estabelecimento do gênero (mercado) da cidade, quiçá, o primeiro, ao menos visualmente dimensões do estabelecimento e produtos expostos”.

A entrega dos alimentos foi realizada por intermédio do Mercado Zardin, de propriedade do recorrente Neri Zardin, que “abriu conta, em seu nome, no próprio estabelecimento, sendo que, nela, foram registradas diversas vendas, entre 04 e 07/10/2012 - período imediatamente anterior à data da eleição, ocorrida em 07/10/2012 -, em nome eleitores distintos, e uma última na data de 08/10/12 (segunda-feira após a eleição)”.

Os recorrentes afirmam a ausência de provas da autoria e da materialidade delitivas.

A decisão está fundamentada nas seguintes provas: a) perícia realizada nos computadores do Mercado Zardin; b) apreensão de cartões-fidelidade do referido estabelecimento, emitidos para uso eleitores a fim de que recebessem a doação de alimentos; c) quebra de sigilo de registro de ligações telefônicas (APENSO II); d) prova emprestada procedente da AIJE 252-15; e) prova oral coletada na investigação extrajudicial realizada pelo Ministério Público; f) depoimentos realizados no inquérito policial, e demais provas orais e documentais colhidas ao longa da instrução.

A prova pericial mencionada pelo magistrado foi obtida mediante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, demonstrando que Neri Zardin criou um cartão fidelidade em seu nome para registrar as despesas relacionadas à compra de votos, e neste foram inseridas cerca de 50 compras, no período de 04.10.2012 a 08.10.2012, totalizando R$ 5.927,47, sendo que os eleitores agraciados assinavam o ticket do cartão-fidelidade (ID 44846676, p. 43).

A partir da apreensão desses cartões-fidelidade confeccionados pelo Mercado Zardin, verificou-se que diversas pessoas efetuaram, na semana em que antecedeu às eleições, aquisição de ranchos alimentícios de diversos valores, com um padrão entre R$ 80,00, R$ 100,00 e R$ 150,00.

O esquema criminoso consubstanciou-se no fato de que os eleitores faziam compras e “passavam pelo caixa, com anotação num cartão em nome de um dos proprietários do estabelecimento, o corréu Neri Zardin”.

Consoante refere o magistrado, “compulsando o APENSO I, verifica-se, com facilidade, que existiram 5 compras de R$ 80,00, 9 compras de R$ 100,00 (e outras 6 em valores aproximados, de R$ 99,00 e alguns centavos), 9 compras de R$ 150,00 (e outras duas de R$ 150,00 e uns centavos), tudo corroborando a narrativa acusatória de que haviam vales-ranchos de 3 valores distintos”.

Conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, “Há referências tanto a 49 como a 50 compras, uma divergência pouco significativa para lançar dúvida sobre os fatos julgados. A divergência está relacionada a uma compra registrada em 08.10.2012, dia posterior às eleições de 2012, no valor de R$ 100,00. Todas as demais são anteriores ao dia 08”.

Foram ouvidos em juízo eleitores que confirmaram a oferta de benefícios em troca de votos na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie, nas eleições municipais de 2012.

Passo ao exame das razões recursais.

2.1.1 Daniel Rodrigues Machado (Fatos 2, 4, 9, 10 e 34)

Daniel Rodrigues Machado, vulgo Batatinha, foi condenado pela prática dos Fatos 2, 4, 9, 10 e 34, e a Procuradoria Regional Eleitoral opina pela sua absolvição relativamente aos Fatos 9 e 34, por ausência de provas, na forma do art. 386, inc. V, do CPP, uma vez que a condenação está baseada em prova testemunhal frágil, sem base documental.

O Fato 9 trata da suposta oferta de rancho alimentício aos eleitores Edison de Almeida e Nelci dos Anjos, que em juízo negaram o recebimento da oferta, e o Fato 34 refere-se à alegada doação de rancho a Janine Haupt, apontada em depoimento prestado pelo seu irmão, Giovane Haupt, e também sem prova documental alguma a amparar a condenação.

A sentença condenatória, quanto a tais fatos, ampara-se em prova testemunhal que não convence, de modo seguro, sobre a prática dos ilícitos:

A existência do FATO 34, no qual Daniel corrompeu eleitoralmente Janine Haupt com a entrega de rancho no Mercado Zardin, embora não haja recibo de cartão-fidelidade assinado, advém de todo o contexto probatório narrado na PARTE UM, em especial depoimento da própria Janine e, diga-se, do irmão desta, Geovani Haupt, como será apreciado.

Janine Haupt (FATO 34), em juízo (fl. 2045), afirmou conhecer o réu Daniel Rodrigues Machado e admitiu ter recebido um rancho no Mercado Zardin; entretanto, afirma ser de um sorteio que participou - porém, não comprova a existência do referido do sorteio, sua origem, nem que tenha sido premiada.

Todavia, em depoimento a autoridade policial, em 24/09/2014 (fl. 38), a eleitora Janine confirmou o recebimento de benesses, salientando que Daniel pegou os produtos no Zardin e os levou até a sua residência no Bairro Esperança. Ademais, nunca demonstrou a existência do suposto sorteio, de modo que não merece crédito referida alegação.

Some-se a isso o depoimento do irmão de Janine, Giovane Haupt, em juízo, que referiu recordar muito pouco sobre os fatos. Disse que não ganhou rancho no Mercado Zardin, mas que se falou em seu depoimento prestado no Ministério Público que sua irmã, Janine Haupt, ganhou, é verdade.

Confirmou seu depoimento prestado no Ministério Público. Ainda, disse que ficou sabendo que sua irmã ganhou rancho no Mercado Zardin conversando com ela, sendo que a mesma lhe contou.

A existência do FATO 9, cujos corrompidos foram Edison Luis Lima de Almeida e Nelci de Fátima dos Anjos, a despeito da negativa destes em juízo, advém dos seu depoimentos na Promotoria de Justiça, onde ambos (fls. 31/32v) afirmaram, de maneira clara, precisa e veemente, que Daniel lhes ofereceu rancho para votarem na chapa à majoritária, das eleições municipais de 2012, de Augusto Pestana, composta por Darci e Nelson.

Os depoimentos extrajudiciais, ao contrário das versões apresentadas em juízo, apresentam maior credibilidade porque encontram suporta no contexto probatório examinado nas PARTE UM e PARTE DOIS desta sentença, notadamente os testemunhos de Gilson Leônidas, afilhado de Daniel, Simone Klein, caixa no Mercado Zardin).

A testemunha Gilson Leônidas Costa Santos, ouvido por precatória (fl. 1976), além de, como visto, confirmar o recebimento de um vale-rancho, no valor de R$ 100,00 (fl. 148), de seu padrinho Daniel Rodrigues Machado, disse que ele Daniel trabalhava como cabo eleitoral dos corréus Darci e Nelson, andando “pra cima e pra baixo com os cara”.

Simone Klein, em juízo (fl. 1967), caixa no Mercado Zardin na época dos fatos, confirmou que conhece Daniel Rodrigues Machado, que o réu era cliente do Mercado Zardin e que estava seguidamente lá no mercado naquele período eleitoral.

 

De se destacar que a testemunha Nelci de Fátima Anjos, vizinha do recorrente Daniel Rodrigues (vulgo “Batatinha”), reconheceu ser sua a assinatura do ticket do cartão fidelidade constante do Apenso 1, circunstância que enfraquece o depoimento prestado em juízo no sentido de “não recordar de ter dito, na Promotoria, que ‘Batatinha’ mandou dizer que, se os chamassem no fórum, era para falar que não sabiam nada, que não ganharam nada, que não foi oferecido nada”.

Quanto aos demais fatos, a denúncia narra que Daniel ofereceu aos eleitores Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis (Fato 2), Simone Fátima dos Santos (Fato 4), e Paulo Rogério Aquinos (Fato 10), ranchos a serem retirados no Mercado Zardin, para que votassem na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie.

A prova da autoria e da materialidade dos delitos foi assim descrita na sentença condenatória:

A existência dos fatos resta demonstrada pelo recibos de retirada de ranchos, em 06/10/2012, às 17h46min45s, no valor de R$ 102,41, por Solange, às 17h52min22s, no valor de R$ 135,06, por Gilson (Fato 02), às 13h55min08s, no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), e às 17h57min43s, no valor de R$ 80,00, por Simone (FATO 04), todos no Mercado Zardin, em conta aberta em nome do proprietário do estabelecimento, Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I), assim como pelos depoimentos de Gilson, Simone, Paulo e Janine, que também demonstram o dolo específico do tipo e a autoria, por parte de Daniel Rodrigues Machado.

(…)

Sobre a autoria destes fatos, em relação a Daniel, veja-se os depoimentos testemunhais dos corréus.

Gilson Leônidas Costa Santos (FATO 02), em juízo (fl. 1976), confirmou o recebimento de um vale-rancho, no valor de R$ 100,00 (fl. 148), de seu padrinho Daniel Rodrigues Machado. Verbis:

Testemunha: O que tá aí é verdade né, não tem nada. O que tá aí foi o que eu falei e continuo sendo a minha palavra.

Juiz: Esses fatos que eu acabei de lê-los, o senhor confirma a veracidade deles, ou seja ,efetivamente o Daniel no dia 6, foi até o ginásio, ofereceu as pessoas lá presentes uma oferta, cesta básica, especificamente, ao senhor e a Solange que era para ser retirado no mercado, para o senhor e a Solange votarem nos candidatos Darci Sallet e Nelson Wille, o senhor confirma isso então?

Testemunha: Confirmo.

Juiz: É uma verdade?

Testemunha: É uma verdade.

Juiz: Ocorreu?

Testemunha: Ocorreu.

Juiz: Ok.

A testemunha Simone Fátima dos Santos Pavani (FATO 04), também na instrução do presente feito(fl. 1967), afirmou que que recebeu um vale-rancho, no valor de R$ 80,00, do réu Daniel e retirou produtos no Mercado Zardin e que isso ocorreu nas eleições de 2012.

A testemunha Paulo Rogério de Aquinos - FATO 10 - confirmou judicialmente (fl. 1964) que Daniel Rodrigues Machado, mais conhecido como Batatinha, ofereceu um rancho para que votasse em Darci Sallet e Nelson Wille, quando retornava de um culto, à noite, na localidade da Sede Velha, interior do município, sendo que não aceitou a benesse.

Sobre a alegação defensiva de ser Paulo inimigo do réu, como alegado no interrogatório, tenho que isso, por si só, não afasta a veracidade do testemunho, lembrando que Paulo prestou depoimento coerente também na fase extrajudicial, junto à Promotoria, além do que sua versão está em consonância com o contexto probatório e demais testemunhos que comprovam o fato.

Em relação ao FATO 4, Janine Haupt, ao depor neste processo (fl. 2045), afirmou conhecer o réu Daniel Rodrigues Machado e admitiu ter recebido um rancho no Mercado Zardin; entretanto, afirma ser de um sorteio que participou. Todavia, em depoimento a autoridade policial em 24/09/2014 (fl. 38), a eleitora Janine confirmou o recebimento de benesses do réu, salientando que o réu que levou os produtos até a sua residência no Bairro Esperança.

A testemunha Giovane Haupt, irmão de Janine, referiu recordar muito pouco sobre os fatos. Disse que não ganhou rancho no Mercado Zardin, mas que se falou em seu depoimento prestado no Ministério Público que sua irmã, Janine Haupt, ganhou, é verdade. Confirmou seu depoimento prestado no Ministério Público. Ainda, disse que ficou sabendo que sua irmã ganhou rancho conversando com ela, sendo que a mesma lhe contou.

(…)

Importante gizar que, todos, Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis (FATO 02), Simone Fátima dos Santos (FATO 04), Edison Luis Lima de Almeida e Nelci de Fátima dos Anjos (FATO 09), Paulo Rogério Aquinos (FATO 10) e Janine Haupt (FATO 34) eram eleitores de Augusto Pestana, em 2012, e foram identificados, na denúncia, pelo número do título eleitoral.

Resta, pois, caracterizada, com estes elementos, que destaquei para fins didáticos, o oferecimento de vantagem ilícita a eleitores, por Daniel, com o dolo específico de que votassem, nas eleições municipais 2012, de Augusto Pestana, na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie, devendo-se observar que houve o exaurimento do crime porque os eleitores efetivamente aceitaram as ofertas ilícitas.

A negativa do réu, em seu interrogatório, resta, pois, isolada nos autos, não passando de mera tentativa de escusar-se à responsabilização criminal.

Permito-me transcrever a análise que fiz das teses de defesa de Daniel que fiz na PARTE 02, quando do exame do crime de formação de quadrilha, que são as mesmas:

Em seu interrogatório (fl. 2090), Daniel Rodrigues Machado afirmou que não realizou campanha para nenhum candidato e que, nas eleições de 2012, estava envolvido com a construção de uma igreja no Bairro Esperança; negou que tenha oferecido vantagens para algum eleitor; disse que é filiado no PMDB e vota no PMDB e que tem uma desavença com Paulo de Aquinos que o acusou, há anos atrás, de tentativa de homicídio e que foi absolvido dessa acusação. Relatou que utilizava o veículo de Nelson Wille para transportar cimento na época da construção da igreja, que foi inaugurada antes das eleições de 2012. A defesa técnica, por sua vez, discorreu que, enquanto pastor de Igreja, é comum que o acusado faça doações de ranchos e outros atos beneficentes, sendo que nada disso tinha haver com compra de votos.

As versões do acusado - autodefesa e defesa técnica -, entretanto, resta isolada nos autos, pois ficou evidenciado, pelo contexto probatório, que o acusado cooptou diretamente eleitores, prometendo e concedendo dádivas, para que votassem na chapa majoritária composta pelos corréus Darci e Nelson, nas eleições municipais de 2.012, tudo ultrapassando uma mera e inocente atuação como pastor de Igreja.

Deve, pois, o réu Daniel ser condenado pela prática de corrupção eleitoral descritas nos fatos 02, 04, 09, 10 e 34 da inicial acusatória.

Por fim, entendo que os cinco crimes de corrupção eleitoral praticados por Daniel o foram em continuidade delitiva, pois é evidente que o réu se aproveitou das mesmas "(...) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes (...)" (art. 71 CP), havendo, contudo, concurso material com o crime de formação de quadrilha, de espécie diferente.

 

Com esse entendimento, colho na primeira manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

De todo modo, parte dos fatos imputados a DANIEL estão documentalmente comprovados, tendo em vista os recibos de retirada de “ranchos”, em 06.10.2012, um no valor de R$ 102,41, por Solange Costa dos Reis, e outro no valor de R$ 135,06, por Gilson Costa Santos (FATO 02); um no valor de R$ 80,00, por Simone dos Santos Pavani (FATO 04); e um no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), todos no Mercado Zardin, com utilização do cartão-fidelidade em nome de Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I – ID’s 44846673 e 44846674).

O já citado Gilson Costa Santos (FATO 02) confirmou textualmente em juízo o teor da denúncia (ID 44846631, p. 21). No ato de inquirição judicial, após ouvir o relato constante da peça processual, de que ele e Solange teriam recebido produtos do Mercado Zardin no valor de R$ 100,00, oferecidos por DANIEL, em troca do voto em DARCI e NELSON, Gilson afirmou: “O que tá aí é verdade, né, não tem nada… O que tá aí foi o que eu falei e continua sendo a minha palavra. (…) Confirmo. (…) É verdade.”

Paulo Rogério de Aquinos (FATO 10) confirmou ter sido abordado por “Batatinha”, apelido de DANIEL, o qual lhe ofereceu um rancho para votar no 15 (partido da chapa dos réus), como se verifica de seu termo de depoimento (ID 44846630, p. 55-59), não obstante afirme que não aceitou a oferta.

Embora Simone dos Santos Pavani (FATO 04) não tenha confirmado o vínculo entre a oferta de DANIEL e a pretensão eleitoral de DARCI e NELSON, trata-se de depoimento isolado, destoante dos demais, que atestaram a existência da corrupção eleitoral. Cumpre ressaltar que Graciele dos Santos Pavani, filha de Simone, afirmou que recebeu rancho em troca de voto nas eleições de 2012, mas que assinou a nota no lugar de sua mãe, sendo que, na verdade, foi ela quem recebeu o rancho, e que a autorização foi dada por “Batata”, Daniel Machado (ID 44846641, p. 38).

Teresinha de Fátima dos Anjos (ID 44846633, p. 26-32), por sua vez, disse que “Batatinha” lhe “incomodô” para dar-lhe o rancho, em troca de votar em um número, do qual não lembrava mais, o que é natural, após tantos anos e considerando a simplicidade da depoente, mas não afasta a certeza de que a entrega do “rancho” tinha finalidade eleitoral.

Já Andréa de Jesus, ex-nora de DANIEL MACHADO, foi suficientemente clara em seu depoimento (ID 44846631, p. 13-19) ao vincular o recebimento de um “rancho”, no valor de R$ 150,00, à campanha política. Evidentemente constrangida em indicar o seu ex-sogro como a pessoa que lhe indicou o comparecimento ao Mercado Zardin, a fim de receber seu “rancho”, afirmou que eu fui lá (Mercado Zardin) e eles deram, só que eu não sei por intermédio de quem, eu só fui lá no mercado e eles deram, eles estavam fazendo campanha política, aqueles que tavam na rua, né. Acrescentou que eu fui lá no mercado, daí eles falaram que tavam dando rancho, daí pra votar pra eles, daí eu fui lá e peguei o rancho, só que não falei com ninguém, eu só assinei uma notinha ali na frente, no caixa, daí a guria perguntou. Ou seja, ainda que não se refira a DANIEL, Andréa deixa muito claro que a entrega de “ranchos” no Mercado Zardin nada tinha a ver com ação filantrópica, estando relacionada à compra de votos.

 

Como se vê, além da prova documental relativa à entrega dos ranchos do Mercado Zanin, os eleitores corrompidos confirmaram o recebimento do benefício, de modo harmônico, sendo a prova contundente no sentido de que havia a relação de troca entre os alimentos e o voto nos candidatos Darci e Nelson.

Desse modo, o recurso criminal merece ser provido nesse ponto, com a absolvição de Daniel Rodrigues Machado relativamente aos Fatos 9 e 34, em face da insuficiência de provas para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP), mantida a sua condenação quanto aos Fatos 2, 4, e 10.

2.1.2 Leonair de Barros Sost (Fatos n. 6 e 7) e Neri Zardin (Fato n. 7)

Leonair Sost foi condenada pela prática de corrupção eleitoral ativa quanto à eleitora Isabel de Fátima dos Santos (Fato 6) e quanto às eleitoras Cristina Costas Alves, Luciana Alves Telles e Clarice Costa Alves, juntamente com o recorrente Neri Zardin (Fato 7).

Ocorre que no Fato 6 a denúncia narra que a recorrente ofereceu para Isabel “a construção de uma casa de alvenaria para que votasse nos candidatos Darci Sallet e Nelson Willie”, enquanto que a sentença entendeu comprovado que Leonair corrompeu o voto da eleitora por meio da entrega de rancho no valor de R$ 100,00. Veja-se a sentença:

FATOS 06 - CORRUPÇÃO ELEITORAL ATIVA PRATICADA POR SOLANGE MARIA MADKE AIRES, LEONAIR DE BARROS SOST e IRIS NADIR WILLIE:

Narra a denúncia que Solange Madke, Leonair Sost e Iris Willie ofereceram à eleitora Isabel de Fátima dos Santos dádiva ilícita, consistente na construção de uma casa de alvenaria, para que votasse na chapa majoritária composta por Darci Sallet e Nelson Willie, respectivamente, candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito Municipais de Augusto Pestana, nas eleições de 2012.

A existência dos fatos resta demonstrada pelo depoimento de Isabel nos autos do IP e, também, pelo recibo de retirada de rancho, em 06/10/2012, às 17h56min39s, no valor de R$ 100,00 no Mercado Zardin, em conta aberta no nome do proprietário do estabelecimento, Neri Zardin (fl. 33 do APENSO I).

Embora a denúncia não narre o recebimento de rancho, como em outros casos, é certo que essa retirada demonstra, indiretamente - sobre a prova indireta já delineei acima -, que foi cooptada ilicitamente para votar na chapa composta por Darci e Nelson, nas eleições municipais de 2012, dando ainda respaldo ao depoimento extrajudicial da mesma.

 

Na hipótese, não houve mera modificação da capitulação jurídica atribuída ao fato, o que ensejaria simples emendatio libelli, possível de ser feita tanto pelo juiz quanto pelo Tribunal. Ao contrário, constata-se que a condenação indicou fato não descrito na denúncia, traduzindo verdadeira mutatio libelli.

A mutatio libelli (art. 384 do Código de Processo Penal) trata da hipótese de a denúncia trazer fatos diversos da realidade. Ou seja, a denúncia decorre de uma narrativa fática errônea, mas na instrução criminal se tem conhecimento do que realmente ocorreu, ensejando mudança na acusação.

O aditamento compete exclusivamente ao Ministério Público Eleitoral, enquanto autor da ação penal eleitoral, e, uma vez alterada a acusação, deve ser concedido novo prazo para apresentação de defesa, pois o fato mudou.

Colho a lição doutrinária:

“São ofensivas à regra da correlação entre acusação e sentença as alterações pertinentes ao elemento subjetivo (transformação do crime de doloso para culposo ou vice-versa,) as que disserem respeito ao momento consumativo (transformação de crime consumado para tentado ou vice-versa), bem como as que fizerem incluir fatos não conhecidos da defesa, ainda que possam parecer irrelevantes, como a mudança do endereço onde o delito ocorreu”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, p. 680).

“Por princípio da correlação entende-se que deve haver uma correlação entre o fato descrito na denúncia ou queixa e o fato pelo qual o réu é condenado. O juiz não pode julgar o acusado extra petita, ultra petita ou citra petita; vale dizer, não pode desvincular-se o magistrado da inicial acusatória julgando o réu por fato do qual ele não foi acusado”(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 372).

 

Desse modo, diante da inexistência de descrição, na denúncia, do fato que deu suporte à conclusão do magistrado de primeiro grau a respeito da tipificação, impõe-se reconhecer a violação ao princípio da correlação ou correspondência.

É inviável a aplicação da mutatio libelli em segundo grau, por força do enunciado n. 453 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”.

Resta imperiosa a absolvição da recorrente quanto ao Fato 6, não sendo caso de anulação da sentença em face da orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “verificada em apelação da defesa prova de fatos diversos daqueles delineados na denúncia, com possibilidade de nova definição jurídica, não é possível anular a sentença, de ofício, para determinar a observância do art. 384 do CPP. Se não ocorreu a mutatio libelli em primeiro grau, o Ministério Público não recorreu e não comprovou a acusação, a única solução viável é absolver o réu, pois o Tribunal não pode reconhecer nulidade não arguida em seu prejuízo. Súmula n. 160 do STF.” (AgRg no AREsp 1530852/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 30/06/2020, DJe 04/08/2020).

No Fato 7 a denúncia narra que as eleitoras Cristina Costa Alves, Clarice Costa Alves, irmã de Cristina, e Luciana Fernanda Alves Telles, sobrinha de Cristina, foram até o Comitê da Coligação 15 Augusto Pestana Pode Mais, ocasião em que Leonair telefonou para o recorrente Neri Zardin, proprietário do Mercado Zardin, solicitando que este liberasse três “ranchos” (“cestas” de produtos alimentícios) em seu mercado para beneficiá-las em troca do voto em Darci e Nelson.

Os telefonemas foram confirmados mediante quebra de sigilo de registro de ligações telefônicas dos denunciados (Apenso II), pois no dia 06.10.2012 (véspera da eleição) Leonair ligou 5 vezes para Neri Zardin, às 14h08min, às 14h43min, às 14h53min, às 15h12min e às 16h14min.

Relativamente a essa prova, a Procuradoria Regional Eleitoral bem refere a validade e confiabilidade para a comprovação dos fatos:

Embora exista um único depoimento apontando a atuação de LEONAIR, os registros telefônicos entre ela e NERI ZARDIN confirmam que, no dia 06.10.2012, véspera das eleições, houve intensa comunicação entre ambos, por meio de sete ligações telefônicas, realizadas naquela tarde de sábado (ID 44846675, p. 18), o que está em consonância com a dinâmica dos fatos relatados por Cristina Costa Alves, que revelou o telefonema de LEONAIR para NERI, ao encaminhá-la para o recebimento de produtos no Mercado ZARDIN.

Tais registros telefônicos dão suporte à caracterização dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção eleitoral, relacionado este às eleitoras Cristina Costa, Clarice Costa e Luciana Alves.

Repita-se: não obstante em juízo Cristina Costa tenha se negado a falar, quando do depoimento perante o Ministério Público Eleitoral confirmara ter se deslocado até o comitê de campanha de DARCI e NELSON, onde se comprometeu, assim como sua irmã Clarice e sua sobrinha Luciana, a votar nos referidos candidatos, em troca de “ranchos” no valor de R$ 80,00. E tais afirmativas não foram posteriormente negadas por ela.

Registre-se que a dúvida levantada pela defesa quanto à data da ligação telefônica havida entre LEONAIR e NERI não permite afastar a convicção de que a recorrente participou dos atos de corrupção eleitoral, uma vez que a ordem judicial de fornecimento dos registros telefônicos abrangeu apenas o período entre 03.10.2012 e 07.10.2012 (ID 44846675, p. 9), razão pela qual não é possível sustentar que não houve contato telefônico no dia 29.09.2012 (pouco mais de uma semana antes das eleições – ID 44846675, p. 6).

 

Leonair afirma que era amiga próxima de Neri e que por isso realizou as ligações, mas, conforme entende a sentença, não há “justificativa plausível para comunicação tão incomum”, sendo que a perícia apurou que o dia 6.10 foi a data de maior fluxo de compras do Mercado Zardin, na conta em nome de Neri Zardin.

As eleitoras compareceram ao mercado, escolheram mercadorias até o valor de R$ 80,00 (oitenta reais) cada uma, constando dos autos o recibo de retirada de rancho, em 06.10.2012, às 18h12min53s, no valor de R$ 80,00, pelo esposo de Cristina, Adilson dos Santos (APENSO I).

Perante a Promotoria de Justiça, Marilei Alves Costa Ribas, irmã da eleitora Clarice, afirmou que sabia que Cristina, Luciana e Clarice tinham recebido rancho no Mercado Zardin, entregue por Leonair, mas em juízo não confirmou os fatos:

A informante Marilei Alves Costa Ribas disse que é casada com Leonildo Alves Ribas, sendo que, na época dos fatos, recém tinham ganho uma casa popular, que não tinha cerâmica, não tinha pintura nas paredes... Que seu marido estava trabalhando nas Lojas Kronbauer, e, a única coisa que sabe, é que Fábio, genro dos donos, ligou oferecendo toda a pintura da casa, a cerâmica para o chão, mas teriam que votar no Darci e colocar uma placa no lugar da placa que tinham. Disse que tinham a placa do 11, então, teriam que colocar do partido contrário, 15 ou 25, pelo que lembra. Questionado se era Darci Sallet para prefeito e Nelson Wille para vice, disse que sim. Que não aceitaram a oferta. Disse não desejar falar sobre fatos envolvendo outras pessoas.

 

A eleitora Cristina Costa Alves também foi ouvida perante a Promotoria de Justiça e prestou depoimento judicial nos autos da AIJE 252-15, ocasiões nas quais confirmou que “pegou o rancho de Leonair e o retirou no mercado Zardin, que ela, a irmã Clarice e Luciana receberam um vale no valor de R$ 80,00” em troca de votos nos candidatos, narrando que “Leonair ligou para Neri e disse que tinha mais um pessoal indo pegar rancho”.

Transcrevo o seguinte trecho de seu depoimento prestado na AIJE 252-15, contido na sentença:

A testemunha Cristina Costa Alves relatou que pegou rancho no mercado Zardin, sendo que quem lhe deu fora Leonair, quando foi ao comitê, em um sábado. Que sua irmã Clarice Costa Alves e sua sobrinha, Luciana Costa Teles, estavam junto, sendo que as mesmas também ganharam. Que Leonair lhe perguntou quantos votos "tinha" , sendo que mentiu, afirmando que seriam dois, uma vez que seu marido não vota, então, a mesma lhe disse que seria um rancho de R$80,00, no mercado do Neri Zardin. Que saíram do comitê e foram direto ao mercado. Que viu Leonair ligando para alguém, que acredita ser Neri, pois quando chegou ao mercado e procurou o mesmo, este já sabia do que se tratava, não lhe deixando nem falar. Que gastou os R$ 80,00, mas o rancho passou esse valor, então, seu marido pagou a diferença em dinheiro. Que Luciana ganhou um vale rancho de Daniel e outro de Leonair, para votar no "15" . Que não tem conta no mercado Zardin, sendo que seu marido Adilson Moreira dos Santos assinou um papel. Mostrada a assinatura constante em um ticket acostado aos autos, no valor de R$141,90, confirmou ser de seu marido, mas referiu que se tratava de outro rancho que o mesmo ganhou, pois o botijão de gás Neri deu com válvula, tudo junto, sendo que seu marido comentou que o mesmo pediu um ajuda para o 15 em troca. Confirmou, do mesmo modo, a assinatura no ticket de R$80,00 como sendo de Adilson. Que não veio nota fiscal nem com o rancho, nem com o botijão, bem como não pagaram por nenhuma das compras. Que tinha 03 caixas funcionando no mercado, sendo que em um estava Neri, onde quem havia ganhado rancho deveria passar, sendo que passou ali, assim como sua irmã e sua sobrinha. Que André Bueno também estava na fila, após a declarante. Que viu Arnélio Jantsch entregar carne para Clarice e para Rosane, suas vizinhas, sendo que Rosane, inclusive, lhe deu um pouco da carne. Que era dez ou quinze quilos para Rosane e quinze quilos para a sua irmã, sendo que comentaram que era em troca de votos para o 15. Confirmou que Homero Camargo, Edir Carvalho, Salete Pavani e Andréia Pavani ganharam carne de Arnélio Jantsch. Que Andréia Pavani lhe disse que também ganhou rancho, sendo que inclusive conversou com a mesma, aduzindo que, mesmo tendo ganho rancho do 15, era do 11 e votaria nesse partido, pois dinheiro não compra tudo. Disse que " Batatinha" seguidamente está na vila, sendo que vira a volta em frente a sua casa e fica "toureando" e que, no período de campanha, ia com o carro do réu Nelson Wille. Disse que, no dia em que foi buscar o rancho, no comitê, tinha bastante gente esperando, sendo que viu a "mulher do Lampert" , sua tia, Lorena Camargo, Salete Pavani, Graciele Pavani, André Bueno, entre outros.

 

Acerca da falta de confirmação dos depoimentos em juízo, na presente ação penal, o magistrado consignou que, na data da audiência, o advogado Paulo Roberto de Medeiros, que representa o réu Neri Zardin, “dirigiu-se às pessoas ali presentes dizendo que elas (...) deveriam falar que não lembravam mais o que haviam dito nos outros depoimentos, que haviam esquecido, pois já havia decorrido muito tempo, conforme documentos amealhados pelo MP (fls. 1571 e ss.)”.

O julgador informa que “a partir disso, nesta audiência, muitas testemunhas, obviamente sentindo-se constrangidas, embora não negassem seus depoimentos anteriores - na fase extrajudicial, na Promotoria de Justiça, no IP e na ação judicial para cassação de mandatos -, realmente mencionaram que haviam esquecidos os fatos, pois havia se passado muito tempo, o que não ocorreu, como regra, com testemunhas ouvidas por precatória e em outras audiências na fase judicial”.

Além disso, consta da sentença que antes da audiência judicial, durante a coleta de depoimentos no inquérito policial, “Cristina afirmou ter sido ameaçada por Leonair para retornar ao Fórum e mudar o depoimento, sendo que Leonair pagaria advogado e ainda daria uma recompensa a Cristina, fatos relatados também no depoimento judicial prestado no processo de investigação judicial eleitoral (fl. 91)”.

Contudo, diante da harmonia da prova oral produzida extrajudicialmente e dos registros de ligações telefônicas, da assinatura do ticket do cartão-fidelidade pelo esposo de Cristina, tem-se por comprovada a corrupção eleitoral exclusivamente quanto a ela, ausente provas do delito praticado contra Clarice Costa Alves, irmã de Cristina, e Luciana Fernanda Alves Telles, sobrinha de Cristina.

Nesses termos, o recurso comporta parcial provimento neste ponto para considerar-se comprovada a prática de corrupção eleitoral ativa por Leonair e Neri tão somente quanto à eleitora Cristina Costa Alves, devendo ser mantida a condenação dos recorrentes quanto ao Fato 7, e afastada a condenação de Leonair pelo Fato 6.

 

2.1.3 Darci Sallet (Fato n. 36) e Nelson Wille (Fatos n. 32 e 36)

Darci Sallet e Nelson Wille foram condenados pela corrupção eleitoral ativa descrita no Fato 36 relativamente à oferta de R$ 120,00 em troca do voto do eleitor Jonas Remi Spies, enquanto Nelson Wille também foi condenado pela corrupção eleitoral ativa narrada no Fato 32, referente à promessa de 10Kg de carne em troca do voto do eleitor Eliton Lamberti.

Ocorre que a condenação pela corrupção eleitoral descrita no Fato 32 está amparada exclusivamente no depoimento do eleitor Eliton Lamberti colhido na fase extrajudicial, sem confirmação em juízo, ocasião em que Eliton afirmou ter realizado “o pedido a Nelson Wille no jovem, conseguindo a promessa de que ganharia 10 quilos de carne para realizar um churrasco; que retirou a carne no dia 29/09 daquele ano, no Mercado Zardin, conversando lá com a esposa de Cesar, que é sócio de Neri Zardin no estabelecimento comercial; afirmou ainda que Nelson Wille teria pedido ‘uma mão’, após a confirmação de que receberia a benesse”.

A sentença consigna que “em juízo, Eliton não confirmou, mas também não negou o depoimento prestado extrajudicialmente”, mas tal raciocínio é frágil para fundamentar o juízo condenatório, conforme bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu primeiro parecer.

O Fato 36, por sua vez, foi considerado comprovado pelo depoimento de Jonas Remi Spies, em juízo, concluindo o magistrado que Jonas Remi Spies relatou “que recebeu oferta de R$ 120,00 reais de Darci Sallet e Nelson Wille para dar uma força na campanha de ambos”. Colho na sentença:

MPE: Tá. O seu Nelson foi na sua casa?

Testemunha: Sim e o Sallet.

MPE: E o seu Darci também, os dois?

Testemunha: Sim. (...)

MPE: Os dois desceram do carro foram conversar com o senhor?

Testemunha: Sim.

O depoimento de Jonas, prestado nesta ação penal está em consonância, embora com pequenas, mas não relevantes distinções, com o depoimento que prestou também na ação de investigação judicial eleitoral, no qual afirmou que Darci também desceu do carro e foi até sua residência, juntamente com Nelson, sendo que ambos lhe ofereceram dinheiro para que neles votassem.

A divergência existente é que, em um dos depoimentos, afirmou que quem ofereceu o dinheiro foi Nelson, noutro que foi Darci. Não vejo relevância nisso porque, em ambos, afirmou que os dois candidatos foram até sua residência, desceram do carro e lhe ofereceram dinheiro para neles votar, sendo que a inconsistência decorre, certamente, do fato de que ambos compunham a mesma chapa majoritária, tanto que muitas testemunhas confundiam quem era o candidato a Prefeito, até mesmo porque Nelson, nas eleições de 2008, havia sido o cabeça de chapa, tendo como candidato a vice o réu Neri. E, mais, não é crível que, tendo ambos ido até o portão da residência conversar com Jonas, somente um deles tenha falado, sem que o outro réu, ao menos, corroborasse a proposta.

Em seus interrogatórios, os réus Darci e Nelson negam os fatos, afirmando, ainda, que Jonas estava bêbado e, Darci, ainda, alega que Jonas praticou falso testemunho, pois Darci teria ficado no carro e apenas Nelson teria ido falar com o mesmo no portão da sua casa.

Veja-se que é normal os réus tentarem desfazer a credibilidade de testemunha que depõe em seu desfavor, embora, no caso, o réu Darci imputa o crime de falso testemunho a Jonas Remi, o que ultrapassa a mera autodefesa e tem repercussão na fixação da pena, como será analisado no momento oportuno.

Ainda, o fato de que Jonas era alcóolatra na época, por si só, não infirma seus depoimentos porque, quando depôs, estava sóbrio e não há prova de que estivesse embrigado no momento em que conversou com os acusados.

Destaco, ainda, que a versão de Jonas, além de coerente entre seus diversos depoimentos, está em consonância, ademais, com todo o contexto probatório delineado na PARTE UM, razão pela qual prepondera sobre a versão defensiva dos acusados.

Revela notar que, quanto a este fato específico, porque cometido sem provas materiais e com a presença apenas dos corruptores e da vítima - Jonas não foi denunciado porque não aceitou a oferta ilícita - que a palavra desta tem especial relevância, tal qual ocorre nos crimes contra a liberdade sexual.

 

Apesar dos argumentos invocados pelo magistrado, entendo que deve ser acolhida a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, abaixo transcrita, no sentido de que a prova é frágil para a condenação, uma vez que o eleitor não confirmou de forma direta a prática de corrupção eleitoral:

Por outro lado, relativamente à imputação de corrupção eleitoral praticada por NELSON WILLE (FATOS 32 e 36), os fatos consistem na oferta de 10 Kg de carne ao eleitor Eliton Lamberti e na oferta de R$ 120,00 a Jonas Spies.

Nesse ponto é de se reconhecer a fragilidade da prova utilizada para a condenação do réu, na medida em que esta se limita aos relatos de Eliton Lamberti e de Jonas Spies, ambos colhidos em depoimentos que se furtaram a fornecer respostas diretas às perguntas feitas em juízo (ID 44846644, p. 13-19).

Deve-se salientar que tais atos de corrupção eleitoral não estão ligados (diretamente) aos inequívocos atos de corrupção eleitoral praticados mediante o fornecimento dos “ranchos” pelo Mercado Zardin. Nesse sentido, não há como deixar de reconhecer que as provas testemunhais acima citadas, materializadas em depoimentos vagos prestados em sede judicial, não são acompanhadas de prova documental ou de outra natureza que as corrobore.

Cumpre ressaltar que, ainda que esteja evidenciado que NELSON WILLE e DARCI SALLET são coautores dos atos de corrupção eleitoral praticados com o fornecimento de “ranchos” do Mercado Zardin, uma vez que agiram por intermédio de seus cabos eleitorais e de NERI ZARDIN, sua participação nesses crimes não foi descrita na denúncia, o que impede que ambos respondam por tais fatos.

 

Assim, o recurso comporta provimento, com a absolvição dos recorrentes quanto aos Fatos 32 e 36, por insuficiência probatória para a condenação, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP.

 

2.1.4 Neri Zardin (Fatos n. 02, 04, 07, 09, 10, 11, 32, 34, 36, 37)

No Fato 37 a denúncia narra que o recorrente Neri Zardin, na condição de cabo eleitoral da Coligação Augusto Pestana Pode Mais e proprietário do Mercado Zardin, deu dádiva ilícita a 49 eleitores, com o fim de obter-lhes o voto para os candidatos à majoritária de Darci Sallet e Nelson Wille e para a candidata à vereadora já falecida, Iclê Rodhen.

Neri Zardin criou uma conta no cartão fidelidade, em seu próprio nome, na qual foram debitados as compras no período de 04.10.2012 e 08.10.2012, que foram distribuídas aos eleitores em troca de obter-lhes os votos aos candidatos.

O julgador de primeiro grau aplicou o instituto da emendatio libelli na sentença e considerou que “a narrativa fática do FATO 37, no sentido de que Neri deu 49 nove ranchos a eleitores diversos, no período de 04 a 08/10/2012, todos crimes de corrupção eleitoral ativa onde se constatou que as dádivas ilícitas foram retiradas no Mercado Zardin, permite a aplicação do art. 383 do CPP, para fins de condená-lo pelos FATOS 02, 04, 09, 10, 32 e 34, nos quais foram dados ranchos e carne a eleitores a partir do referido estabelecimento comercial”.

Desse modo, ponderou que a condenação “deve abranger apenas os fatos comprovadamente praticados de corrupção eleitoral ativa em concurso com os demais réus condenados por esse crime, onde houve a identificação dos eleitores corrompidos, notadamente os fatos 02, 04, 09, 10 e 34, praticados por Daniel Machado, 32, praticado por Nelson Willie (pelo Fato 07, o réu Neri foi diretamente imputado em concurso com Leonair)”.

Neri Zardin foi candidato à majoritária como vice-prefeito, juntamente com o denunciado Nelson Wille, no pleito anterior a 2012, nas eleições municipais de 2008, tendo relação de extrema proximidade com os candidatos.

No caso em tela, o Fato 7, que trata da corrupção eleitoral ativa praticada contra a eleitora Cristina Costa Alves, já foi analisado na presente decisão e foi devidamente comprovado, restando mantida a sentença, tendo sido afastada a condenação de Daniel Machado quanto aos Fatos 09 e 34, e mantida a decisão recorrida em relação aos Fatos 02 (eleitores Gilson Leônidas Costa dos Santos e Solange Costa dos Reis), 04 (eleitora Simone Fátima dos Santos) e 10 (eleitor Paulo Rogério Aquinos).

Quanto à análise da prática delitiva por Neri Zardin relativamente aos Fatos 02, 04 e 10, entendo que a decisão recorrida acerta ao consignar que a existência do crime resta demonstrada pelos recibos de retirada de ranchos, em 06.10.2012, às 17h46min45s, no valor de R$ 102,41, por Solange, às 17h52min22s, no valor de R$ 135,06, por Gilson (Fato 02), às 13h55min08s, no valor de R$ 150,00, por Paulo Rogério Aquinos (FATO 10), e às 17h57min43s, no valor de R$ 80,00, por Simone (Fato 4), todos no Mercado Zardin, em conta aberta em nome do proprietário do estabelecimento, Neri Zardin (fls. 32/37 do APENSO I).

Já foi exaustivamente referido que, a partir da perícia realizada nos HDs da empresa Mercado Zardin, verificou-se que Neri Zardin, na semana que antecedeu as eleições, mais precisamente em 04.10.2012, abriu uma conta, em seu próprio nome, na qual foram registradas 49 compras, totalizando R$ 5.827,47 (cinco mil, oitocentos e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos), até 07.10.2012 (dia da eleição), e uma última em 08.10.2012, um dia após o pleito, para favorecer inúmeros eleitores, que apenas assinaram os recibos de recebimento dos ranchos.

Conforme também já apontado quando do exame dos referidos delitos, os eleitores corrompidos comprovaram a oferta do benefício em troca do voto, sendo manifesta a finalidade eleitoral da conduta, merecendo ser transcrita a síntese da sentença quanto ao caderno probatório:

Some-se a isso, ainda, o testemunho de Simone Klein, em juízo, que relatou ter trabalhado, durante dez meses, como caixa no Mercado Zardin e que, antes da semana da eleição, não existia uma conta no nome do proprietário do mercado, Neri Zardin. Relatou ainda que as pessoas compravam um valor X e que era anotado na conta de Neri, no cartão-fidelidade, e a pessoa assinava o comprovante. Relatou ainda que, após aquela semana, não viu mais o nome de Neri na lista de clientes; que o réu atendeu como caixa também naquele sábado anterior a eleição, fato que ocorria somente quando havia muito movimento ou em domingos. Neri e Cesar, segundo a testemunha, que autorizavam colocar a compra no cartão do proprietário; disse que os clientes nada falavam e que as compras eram de 80, 120 ou 150 reais e, caso não fechasse o valor combinado, os clientes pegavam mais produtos. Relatou ainda que o proprietário, réu na presente ação, não tinha conta em seu nome no período anterior a esse e que não sabe se o valor total da conta foi quitado ou não.

Também Eunice Luciane Zardin Mainardi (fl. 1947) que relatou ser parente distante do réu (Neri Zardin) e não ter convívio familiar; que trabalhou como caixa no Mercado Zardin na época dos fatos e que não possuía poder para abrir conta no cartão-fidelidade já existente no mercado; que quem realizava a análise e abertura do crédito eram os chefes, sendo o réu um deles. Que percebeu, somente na semana das eleições, uma conta de cartão-fidelidade em nome de Neri Zardin; que só tinham acesso a lista de clientes quando faziam marcações no cartão. Que só podia lançar o crédito de compras realizadas pelos clientes no cartão de Neri se ele autorizasse, fato que somente ocorreu naquela semana anterior as eleições; que eventualmente recebia pagamentos referentes a compras no sistema cartão-fidelidade, mas que não recebeu nenhum pagamento referente aos lançamentos realizados na conta de Neri Zardin.

Em seu interrogatório, Neri negou os fatos e, resumidamente, disse que o cartão fidelidade em seu nome existe até hoje, para utilização eventual, para algum cliente que, em algum momento, dê problema com seu cartão ou com crédito, mas seja cliente rotineiro do estabelecimento. Ainda, sobre a baixa ter ocorrido todas no mesmo dia, o réu tentou infirmar a perícia técnica realizada, dizendo que o técnico "se enrolou" todo.

Primeiro, quanto à perícia, realizada judicialmente, não passa de alegação desprovida de qualquer embasamento técnico, não tendo a defesa técnica do acusado, durante a instrução ou em memoriais, infirmado as conclusões do perito, razão pela qual a alegação é uma mentira (processual), que se traduz em elemento de prova contra o acusado, pois, quem mente, quer esconder a verdade - não apenas negar um fato -, sendo, pois, importante elemento indicativo de que a versão acusatória é veraz, no sentido de verdade possível no processo e capaz de gerar a condenação.

(...)

Segundo, a perícia e mesmo os testemunhos das ex-caixas, infirmam a versão do réu de que a conta existe para eventualidade casuais, pois, embora aberta até hoje, segundo a perícia, até o momento em que elaborada, nenhuma outro lançamento havia ocorrido, salvo aqueles 49 entre a data de abertura, 04/10/2012, e a data das eleições, 07/10/2012, e um único, em 08/10/2012.

Ainda, a participação do réu, plasmada pela prova constante e ora analisada, justifica-se (motivo) também pelo fato de que, na eleição anterior, 2008, Neri Zardin concorreu como vice-prefeito na chapa que tinha como cabeça Nelson Willie, corréu, sendo ambos derrotados naquele pleito, circunstância indireta que comprova a ligação entre os réus, segundo revelado por Neri em seu depoimento - sobre a prova indireta, para evitar tautologia, reitero as fundamentações alhures, quando analisei, nesta sentença, a prova de participação de Nelson e Darci.

Aliás, ao contrário do que asseverado pela defesa, em memoriais, o réu não possui um "mercadinho" , ao menos não para Augusto Pestana, pois o estabelecimento é, além de situado numa das principais ruas da cidade, o segundo maior estabelecimento do gênero (mercado) da cidade, quiçá, o primeiro, ao menos visualmente dimensões do estabelecimento e produtos expostos.

Os corrompidos eram, indubitavelmente, como demonstrado na inicial acusatória, eleitores de Augusto Pestana.

 

A Procuradoria Regional Eleitoral, de igual modo, concluiu pela manutenção da condenação uma vez que Neri Zardin arcou com o custo econômico da compra de votos, atuando em coordenação com os demais réus, que lhe enviavam eleitores previamente comprometidos em votar nos candidatos Darci Sallet e Nelson Wille:

Como antes demonstrado, NERI ZARDIN acompanhou pessoalmente a utilização dos “vales” pelos eleitores no seu mercado, determinando, para fins de registro e controle, que todas as compras fossem lançadas em cartão-fidelidade emitido pelo Mercado Zardin constando seu nome como titular, com a aposição de assinatura pelos beneficiados nos recibos de entrega.

NERI ZARDIN, ademais, insere-se no circuito político de NELSON WILLE e DARCI SALLET, na medida em que participou das eleições de 2008, candidatando-se a vice-Prefeito, na chapa em que NELSON WILLE figurou como candidato a Prefeito.

A finalidade eleitoral da doação dos “ranchos” está evidenciada em diversos depoimentos colhidos durante a instrução processual, como antes demonstrado. E, de igual modo, as circunstâncias que envolveram as compras realizadas no Mercado Zardin, bem como a estabilidade do concerto criminoso, no espectro do processo eleitoral – acima suficientemente descritas –, evidenciam a prática dos crimes imputados ao recorrente.

Nesse contexto, não prospera a alegação recursal de que o recorrente merece ser absolvido por falta de provas que ensejem o juízo condenatório ou mesmo insuficiência delas nos autos.

 

Ressalto que não há falar em ofensa ao art. 155 do CPP, visto que todos os elementos colhidos em fases prévias à judicial foram submetidos ao contraditório e à ampla defesa.

De se ressaltar, conforme bem refere a Procuradoria Regional Eleitoral, que a imparcialidade do julgador não resta abalada por ter se convencido da conclusão pela condenação, sendo certo que “o fato de ter havido a citação de trechos de livros jurídicos escritos por membros do Ministério Público tampouco confere viés acusatório à sentença. A condenação não tem como supedâneo a doutrina. Ela tem por fundamento o reconhecimento dos fatos. A doutrina é citada para explicitar (conforme exigido constitucionalmente) os pressupostos teóricos que levam o(a) decisor a considerar os elementos de prova por ele descritos como relevantes para fundamentar o decreto condenatório”.

Do exame da sentença, bem se vê que a referência a outros julgamentos, como o caso do “mensalão”, foi realizada para explicar o raciocínio percorrido pelo julgador, e em nada importa em decisão contrária à prova dos autos.

De igual modo, considerando que a condenação está amparada nos fatos e provas existentes nestes autos, é descabido o pedido de absolvição com fundamento na sentença prolatada em outros feitos.

Portanto, o recurso merece provimento parcial, a fim de que seja mantida a sua condenação somente quanto à corrupção eleitoral ativa narrada nos Fatos 2, 4, 7 e 10, com a absolvição de Neri Zardin pela prática dos Fatos 09, 11, 32, 34, 36, 37, por não existir prova suficiente para a condenação (art. 386, inc. VII, do CPP).

 

2.2 Crime de formação de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal (Fato n. 1).

Os recorrentes Darci Sallet (candidato a prefeito), Nelson Wille (candidato a vice-prefeito), Daniel Rodrigues Machado, Arnelio Jantsch, Leonair de Barros Sost, e Neri Zardin foram condenados pela prática dos crimes de formação de quadrilha descrito no Fato n. 1.

Cumpre transcrever a redação original do delito, prevista no art. 288 do Código Penal, vigente à época dos fatos (2012) e aplicável ao caso em tela, que difere da redação atual, dada pela Lei n. 12.850/13, ao prever “3 (três) ou mais pessoas” em vez de “mais de 3 (três)”:

Art. 288. Associarem-se mais de 3 (três) pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos previsto na redação original do artigo 288 do Código Penal

 

A configuração do tipo penal prescinde da efetiva prática dos crimes visados, in casu, a corrupção eleitoral ativa prevista no art. 299 do Código Eleitoral. Conforme apontado na sentença, é tão somente necessário que “haja associação estável para o cometimento de crimes”.

O crime é autônomo em relação ao delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, consumando-se com a associação permanente, estável e duradoura de ao menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes, pois a prática efetiva de infração penal não constitui elementar do tipo do art. 288 do Código Penal (Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, 14ª ed. Ed. Forense, p. 1194).

A decisão recorrida concluiu que os recorrentes Arnélio Jantsch, Daniel Rodrigues Machado e Leonair de Barros Sost, na condição de cabos eleitorais, os recorrentes Darci Sallet e Nelson Wille, enquanto candidatos a prefeito e vice, e o recorrente Neri Zardin, proprietário do Mercado Zardin “associaram-se, na última semana da campanha eleitoral das Eleições Municipais de 2012, para cometer crimes de corrupção eleitoral, oferecendo benesses, em especial ranchos, a eleitores para que votassem na chapa majoritária composta pelos réus Darci, como candidato a Prefeito Municipal, e Nelson, candidato a Vice-Prefeito na mesma chapa”.

 

Considerou que os candidatos detinham “a coordenação e comando”, pois “possuíam o domínio dos fatos”, e que os demais integrantes da quadrilha, Arnélio, Daniel, Leonair, na condição de cabos eleitorais e sob coordenação de Darci e Nelson, “cooptavam eleitores, aliciando-os e encaminhando-os para a retirada de ranchos junto ao Mercado Zardin, onde atuavam na entrega Daniel, Arnélio e Neri”.

Todavia, do exame da decisão verifica-se que a conclusão de que os candidatos detinham o domínio dos fatos e o controle da atuação dos demais denunciados não se extrai da prova colhida durante a instrução, sendo mera decorrência da circunstância de serem os principais beneficiários da prática ilícita.

Relativamente a Darci e Nelson, a decisão referiu ter restado comprovada a prática do crime de quadrilha em virtude da corrupção eleitoral ativa perpetrada por Daniel Rodrigues Machado, o qual atuava como cabo eleitoral dos candidatos, nos termos do testemunho prestado por Gilson Leônidas Costa Santos (Fato 2), e apontou que as negociações para compra de votos ocorriam junto ao Comitê Eleitoral da campanha majoritária, “consoante depoimentos de Altanir Antônio Lopes, extrajudicialmente, em investigação promovida pelo Ministério Público, e também em depoimento no processo de investigação judicial eleitoral, que culminou com a cassação dos mandatos de Darci e Nelson”.

Ainda, reportou-se ao Fato 36, já afastado nesta decisão por insuficiência probatória, quanto à suposta oferta de R$ 120,00 que teria sido realizada pelos candidatos ao eleitor Jonas Remi Spies, ao depoimento judicial da testemunha Tassiana Moreira dos Santos Amarante, relatando que teria recebido de Nelson e de Darci a oferta de benefícios em troca de votos, como o valor de R$ 300,00, uma prova isolada e não corroborada por qualquer outro elemento, e às declarações de Eliton Miguel Lamberty, na fase extrajudicial, junto à Promotoria de Justiça, no qual afirmou ter recebido de Nelson Wille, no comitê jovem, 10 quilos de carne para realizar um churrasco que teria sido retirada no Mercado Zardin, em troca de “uma mão”, descrita no Fato 32, o qual também está sendo considerado não comprovado.

Tais provas indiretas, não confirmadas de forma uniforme em juízo, não atraem a convicção necessária de que Darci e Daniel tenham se associado às ações praticadas pelos demais acusados, sendo o vínculo de proximidade um elemento indiciário que não tem força suficiente para amparar a condenação nesse ponto.

Portanto, ainda que os candidatos tenham sido os maiores beneficiados das práticas ilícitas reconhecidas na sentença e ora mantidas, relativamente à corrupção eleitoral ativa praticada por Daniel, Leonair e Neri Zardin, não há provas suficientes da formação de quadrilha alegada na inicial.

No que se refere a Arnélio Jantsch, a condenação está fundamentada no depoimento judicial da testemunha Odair dos Santos, o qual narrou que um dia Arnélio combinou de lhe entregar carne para fazer churrasco, em troca de votos em Darci e Nelson, mas que a carne não foi entregue; na prova emprestada consistente no depoimento prestado por Cristina Costa Alves na AIJE 252-15, que disse ter visto Arnélio entregar 15kg de carne para a eleitora Rosane, e no depoimento extrajudicial prestado por Altanir Antonio Lopes perante a Promotoria de Justiça, no qual declarou que ouvia as pessoas falando sobre a entrega de carne por parte de Arnélio e de seu cunhado, Amauri.

Quanto a Arnélio, de igual modo como concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, a condenação também deve ser afastada diante da ausência de provas de que o recorrente tenha atuado na distribuição de ranchos a eleitores, em troca do voto. Transcrevo:

Tais elementos, na avaliação desta Procuradoria Regional Eleitoral, revelam-se frágeis para sustentar a condenação de ARNÉLIO JANTSCH. Considerando que a quadrilha estava delineada em torno do fornecimento de “ranchos” pelo Mercado Zardin, mediante a utilização de um cartão-fidelidade em nome de NERI ZARDIN, beneficiando eleitores que prometiam votar em DARCI SALLET e NELSON WILLE, não há provas suficientes para sustentar que ARNÉLIO JANTSCH participou dessa quadrilha mediante entrega de carnes.

Ademais, a denúncia oferecida pelo MPE descreve a atuação de ARNÉLIO JANTSCH na distribuição de “vales” a eleitores, que – comprometidos com a citada chapa majoritária – se dirigiriam ao Mercado Zardin para retirar os produtos. Nesse contexto, as declarações das testemunhas, de que ARNÉLIO JANTSCH entregava carnes, comparecia ao comitê de campanha e, na qualidade de ecônomo da AFUMAPE, teria fornecido um churrasco para mais de 100 pessoas ligadas à coligação eleitoral de DARCI SALLET e NELSON WILLE, não são suficientes para embasar a sua condenação.

 

Conforme leciona Luiz Regis Prado, a associação deve apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para a sua configuração, sendo isso que a diferencia do concurso de pessoas, pois não basta, para o tipo do art. 288 do CP, “um simples ajuste de vontades. É indispensável, mas não é o bastante para caracterizar o delito. É necessária, além desse requisito, a característica da estabilidade” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte especial. V. 3. Revista dos Tribunais, 2012, p. 261).

Desse modo, na anterior previsão do delito, aplicável à hipótese dos autos, que os fatos ocorreram em 2012, o crime de quadrilha ou bando era configurado pela associação de mais de três pessoas, de forma permanente e estável, com a finalidade de cometer crimes, ou seja, mediante um acordo de vontades sobre a atuação duradoura em comum, mas no caso em concreto, entendo que a prova não demonstra a unidade de desígnios de Darci, Nelson e Arnélio com a conduta de Daniel Rodrigues Machado, Leonair de Barros Sost e Neri Zardin.

As provas dos autos demonstram que não merece ser acolhida a acusação nesse ponto, em razão de não ter sido demonstrado, de forma inequívoca, que os acusados Darci, Nelson e Arnélio se associaram de forma estável e permanente com a finalidade de praticar crimes, havendo apenas demonstração de concurso de pessoas entre aqueles que cometeram o crime de corrupção eleitoral para beneficiar os candidatos (art. 29, CP).

Com esse entendimento, colho na jurisprudência:

AÇÃO PENAL. ELEIÇÕES 2004 E 2008.PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE REINÍCIO DA INSTRUÇÃO JUDICIAL. PARCIAL ACOLHIMENTO.PRELIMINARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INTEMPESTIVIDADE DO PLEITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DO AUTOR DA AÇÃO. OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA QUANTO AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.REJEIÇÃO.MÉRITO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299, DO CÓDIGO ELEITORAL. SUPORTE PROBATÓRIO SUFICIENTE. CONDENAÇÃO.CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. ART. 1º, INCISOS I E II, DO DECRETO-LEI Nº 201/1967. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.QUADRILHA OU BANDO. ART. 288, DO CÓDIGO PENAL. PROVAS INSUFICIENTES PARA CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO COM BASE NO ART. 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.AÇÃO PENAL PARCIALMENTE PROCEDENTE.1. Ainda que tenham sido negadas em Juízo, as declarações prestadas perante a autoridade policial, juntamente com a farta documentação apreendida relativa a cadastro de eleitores e listas de favores, e os depoimentos colhidos judicialmente, demonstramque foram entregues dinheiro e vantagens em troca de votos para os candidatos Rogério Farias e Maria Rume, durante o pleito de 2004 e 2008, não tendo a retratação o condão de afastar os fatos narrados e evidenciados nos autos.2. Os indícios, se plurais, concordantes e veementes, podem e devem levar à condenação por traduzirem a chamada prova plena, aquela que o juiz chega à certeza do fato, convencendo-se de sua existência.3. A regra do artigo 29, do Código Penal é de extensão, vale dizer, combinada com o tipo do artigo 299, do Código Eleitoral permite a tipificação delitiva. O dolo do agente é extraído do próprio conjunto de provas objetivas.4. Inexistência de acervo probatório suficiente para a condenação pelo crime de responsabilidade de Prefeito atribuído ao Réu Rogério Farias.5. Para a configuração do crime previsto no art. 288, do Código Penal (quadrilha ou bando) é necessária a comprovação da estabilidade da própria associação. Há dúvidas sobre a existência de quadrilha. Há prova somente da existência do concurso depessoas.6. Procedência parcial da Ação Penal, com a condenação dos Réus apenas pela prática do delito capitulado no art. 299, do Código Eleitoral.

(Ação Penal nº 176359, Acórdão de , Relator(a) Des. Orlando Rocha Filho, Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 21, Data: 02/02/2017, Página ¾) (Grifei.)

 

Por tais razões, dou provimento ao recurso dos recorrentes para absolvê-los da condenação pela prática do delito tipificado na antiga redação do art. 288, do Código Penal, descrito no Fato 1, por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP.

 

3. Conclusão

Em conclusão, dou provimento integral aos recursos interpostos por Darci Sallet, Nelson Wille e Arnélio Jantsch, a fim de reformar a sentença e julgar improcedente a denúncia nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP, e dou parcial provimento aos demais recursos interpostos tão somente para absolver, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP: a) Daniel Rodrigues Machado, relativamente aos Fatos 1, 9 e 34, mantida a sua condenação quanto aos Fatos 2, 4, e 10 (art. 299 do CE, na forma do art. 69, do CP); b) Leonair de Barros Sost quanto aos Fatos 1 e 6, mantida a sua condenação quanto ao Fato 7, e c) Neri Zardin no tocante aos Fatos 1, 9, 11, 32, 34, 36, 37, mantida a sua condenação relativamente aos Fatos 2, 4, 7 e 10 (art. 299 do CE, na forma do art. 69, do CP).

 

4. Dosimetria da pena

4.1 Daniel Rodrigues Machado - corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE), quatro vezes (Fatos 2, 4, e 10)

Relativamente ao cálculo da pena-base aplicada a Daniel Rodrigues Machado, entendo que há reparo a fazer na decisão recorrida ao considerar negativas cinco circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, devendo ser afastada a negativação da personalidade.

De acordo com o entendimento adotado pelo STJ, a valoração negativa da personalidade e da conduta social deve ser fundamentada por meio de laudo pericial que ateste a despreocupação do acusado em relação à gravidade dos delitos praticados (STJ, HC 148275/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 21/08/2012, DJe 05/09/201; TRF4, ACR nº 5000552-06.2012.404.7017, 7ª Turma, Juiza Federal Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 08/04/2014).

A valoração negativa da culpabilidade, da reprovabilidade da conduta, das circunstâncias e das consequências devem ser mantidas pelos fundamentos delineados pelo juízo a quo:

B.1) PENA-BASE:

A culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta, extrapola o ordinário porque o réu aproveitou-se de sua condição de Pastor e maior facilidade para aliciar pessoas para, de forma decisiva, arregimentar eleitores com promessas e entrega de dádivas ilícitas. Não se trata de valor o aliciamento das pessoas, pois inerente a conduta, mas sim a maior facilidade para tanto do réu, pela sua condição de Pastor.

Ainda, deve-se considerar, na reprovabilidade da conduta, que houve o exaurimento dos crimes, pois, à exceção do FATO 09, os eleitores efetivamente aceitaram as dádivas ilícitas oferecidas.

As circunstâncias também são reprováveis, pois, para o cometimento do crime, houve incomum abuso de poder econômico e aproveitamento da condição de vulnerabilidade social das pessoas atingidas. Com efeito, os Bairros Sol Nascente e Cidade Velha, onde muitos dos corrompidos moram, são lugares onde vivem a maioria da população de baixa renda nesta cidade e em situação de vulnerabilidade.

As consequências do fato igualmente são negativas porque, a partir dos crimes de corrupção eleitoral, houve, na esfera eleitoral, a cassação dos mandatos de Darci e Nelson, ensejando a necessidade de novas eleições, com enorme dispêndio de recursos públicos, materiais e humanos, para tanto.

A personalidade é fator negativo, também, mas a personalidade jurídica, não a psicológica, que depende de avaliação pericial, sendo que aquela pode e deve ser valorada pelo magistrado na dosimetria da pena, a partir de elementos subjetivos extraídos dos fatos ou do próprio interrogatório do acusado que revelam, por exemplo, a falta de arrependimento do autor em relação ao crime praticado. Não se trata de elevar a pena pelo o que o agente é, mas por circunstâncias posteriores relacionadas ao fato que, contudo, se aproximam de critérios relacionados ao autor (cf. COSTA, Pedro Jorge do Nascimento, A Prova Diabólica no Processo Penal, in A prova no enfrentamento à macrocriminalidade (organizdores, Daniel Resende Salgado e Ronaldo Pinheiro de Queiroz. 3. ed. Salvador: JusPODVIM, 2019, p. 266/271). Destarte, no caso, tem-se que Daniel, após o fato, procurou testemunhas para que mentissem em juízo, demonstrando pouco ou nenhum arrependimento, oque revela uma personalidade (jurídica) altamente reprovável.

O réu não possui maus antecedentes, sendo que a conduta social e o motivo são neutras e não há que se falar em comportamento da vítima.

 

Tendo em vista a redução de cinco para quatro circunstâncias judiciais negativa, a pena-base fixada na sentença em 3 anos e 06 meses, de reclusão, para cada um dos 3 Fatos de corrupção eleitoral ativa praticados pelo réu - acima do mínimo legal de 1 ano de reclusão previsto no art. 284 do Código Eleitoral - deve ser readequada, com exasperação do quantum em 04 meses e 15 dias para cada uma das quatro vetoriais valoradas negativamente (1 ano e 6 meses).

A pena provisória estabelecida na sentença em 04 anos e 01 mês, de reclusão, segue reduzida para 2 anos e 6 meses de reclusão para cada um dos 3 Fatos, a qual resta definitiva em virtude da inexistência de circunstâncias atenuantes e agravantes.

Por adoção de critério de distribuição proporcional, considerando-se a variação de 10 (dez) dias-multa entre o mínimo e o máximo da pena de multa prevista de 5 a 15 dias-multa no art. 299 do CE, deve ser readequado o cálculo da pena de multa, que foi fixada na sentença em 50 dias-multa no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo nacional vigente ao tempo do fato.

Sigo o mesmo raciocínio, atribuindo a cada circunstância judicial multa de 1,25 dia-multa, ficando a pena em concreto em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Conforme consigna o magistrado quanto à pena definitiva “Não se fazem presentes causas de diminuição de pena, incidindo, no caso, a causa de aumento da continuidade delitiva”, razão pela qual aplica-se uma só das penas, porque idênticas, majorando-a, considerando terem sido praticados 3 Fatos (Fatos 2, 4, e 10).

O STJ tem adotado o entendimento de que para dois crimes continuados aplica-se a fração de 1/6 (um sexto); para três crimes, acréscimo de 1/5 (um quinto); para quatro crimes, aumento de 1/4 (um quarto); para cinco crimes, acréscimo de 1/3 (um terço); para seis crimes, aumento de 1/2 (metade); e para mais de seis crimes, acréscimo de 2/3 (dois terços), podendo chegar ao aumento de até o triplo, em caso de continuidade delitiva específica, prevista no art. 71, parágrafo único, do Código Penal:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA. QUANTUM DE AUMENTO DA PENA PELO CRIME CONTINUADO. NÚMERO DE DELITOS PRATICADOS. COMPROVAÇÃO DE 5 INFRAÇÕES. FRAÇÃO DE 1/3. INALTERADO O QUADRO FÁTICO DELIMITADO NA ORIGEM. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. - Esta Corte Superior firmou a compreensão de que a fração de aumento no crime continuado é determinada em função da quantidade de delitos cometidos, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (HC n. 342.475/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 23/2/2016). - Na hipótese, há provas de que os fatos ocorreram por pelo menos cinco vezes, premissa fática que não pode ser alterada em habeas corpus, por demandar minucioso reexame do material fático-probatório dos autos. Nesse contexto, o acórdão estadual incorreu em ilegalidade manifesta, ao manter a fração de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva, devendo ser o quantum de aumento reduzido para 1/3 (um terço). - Esta Corte Superior, partindo do próprio quadro fático delimitado pelas instâncias ordinárias - que firmaram a convicção quanto à comprovação de 5 crimes, não estando certas da ocorrência de número superior - apenas corrigiu a fração de aumento pela continuidade delitiva, que deve ser fixada tomando por base a quantidade de crimes cometidos. - Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg no HC: 468063 RJ 2018/0231243-7, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 18/10/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/10/2018)

 

Por adoção dessa diretriz, cumpre aplicar a fração de majoração no quantum de 1/5 (um quinto), haja vista a prática de 3 Fatos de corrupção eleitoral ativa em continuidade delitiva, com o que se alcança pena final e definitiva de 3 (três) anos de reclusão, mais 12 (doze) dias-multa, calculado cada dia no valor equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos (artigo 286, CE).

Embora a sentença ter determinado que a pena seja cumprida em regime inicialmente fechado “considerando a especial reprovação e gravidade extremada dos fatos resultantes das circunstâncias negativas do art. 59, para fins de uma correta individualização da pena e necessária reprovação e prevenção do crime”, o regime prisional semiaberto se afigura, no caso, resposta estatal necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime (art. 59 do CP), nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Quanto à substituição da pena privativa liberdade, entendeu o magistrado que “Considerando o quantum de pena e não satisfeitos os requisitos subjetivos, forte no art. 44, I e III, do CP, inviável a substituição da pena privativa de liberdade e, também, a Suspensão Condicional da Pena, nos termos do art. 77 do CP”.

Contudo, em virtude do provimento parcial do recurso, incide na hipótese o art. 44, inc. I e III, CP, sendo cabível a substituição das privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, as quais afiguram-se suficientes.

Assim, sendo a pena inferior a 04 (quatro) anos e não havendo reincidência, bem como por entender ser suficiente a aplicação de pena restritiva de direitos, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período da condenação à pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária que, nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, levando em consideração a falta de indicação sobre as condições financeiras, fixo na importância de 5 (cinco) salários mínimos, a ser paga a entidade pública ou, na falta desta, entidade privada, que possua destinação social. O Juiz da Execução Penal destinará entidade para o cumprimento da prestação de serviços.

 

4.2 Leonair de Barros Sost - corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE), uma vez (Fato 7)

Quanto ao cálculo da pena-base aplicada a Leonair de Barros Sost, tal como procedido quanto ao recorrente Daniel Rodrigues Machado e, pelos mesmos fundamentos, afasto a negativação da vetorial relativa à personalidade, mantendo os demais termos da sentença:

B.1) PENA-BASE:

A culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta, extrapola o ordinário porque houve o exaurimento de pelo menos um dos crimes de corrupção praticados, pois, quanto ao FATO 07, as eleitoras aliciadas aceitaram as dádivas ilícitas.

O motivo do crime também merece reprovação porque, a meu sentir, atuou para obter cargo de confiança em caso de eventual eleição governo dos corréus Darci e Nelson, tanto que nomeada Secretária Municipal, em 2013, antes da cassação do mandato de destes.

As circunstâncias também são reprováveis, pois, para o cometimento do crime, houve incomum abuso de poder econômico e aproveitamento da condição de vulnerabilidade social das pessoas atingidas. Com efeito, os Bairros Sol Nascente e Cidade Velha, onde muitos dos corrompidos moram, são lugares onde vivem a maioria da população de baixa renda nesta cidade e em situação de vulnerabilidade.

As consequências do fato igualmente são negativas porque, a partir dos crimes de corrupção eleitoral, houve, na esfera eleitoral, a cassação dos mandatos de Darci e Nelson, ensejando a necessidade de novas eleições, com enorme dispêndio de recursos, materiais e humanos, públicos para tanto.

A personalidade é fator negativo, também, mas a personalidade jurídica, não a psicológica, que depende de avaliação pericial, sendo que aquela pode e deve ser valorada pelo magistrado na dosimetria da pena, a partir de elementos subjetivos extraídos dos fatos ou do próprio interrogatório do acusado que revelam, por exemplo, a falta de arrependimento do autor em relação ao crime praticado. Não se trata de elevar a pena pelo o que o agente é, mas por circunstâncias posteriores relacionadas ao fato que, contudo, se aproximam de critérios relacionados ao autor (cf. COSTA, Pedro Jorge do Nascimento, A Prova Diabólica no Processo Penal, in A prova no enfrentamento à macrocriminalidade (organizdores, Daniel Resende Salgado e Ronaldo Pinheiro de Queiroz. 3. ed. Salvador: JusPODVIM, 2019, p. 266/271). Destarte, no caso, as ameaças a testemunhas perpetradas pela ré, para esquivar-se da responsabilidade criminal, é de todo abjeto e revela uma personalidade (jurídica) altamente reprovável, por absoluta falta de arrependimento da conduta.

A ré não possui maus antecedentes, sendo que a conduta social é neutra e não há que se falar em comportamento da vítima.

Assim, sopesando o conjunto, dessas cinco circunstâncias judiciais negativa, de especial reprovação e gravidade extremada, fixo a pena-base substancialmente acima do mínimo legal, em 3 anos e 06 meses, de reclusão, para cada um dos crimes de corrupção eleitoral pela qual condenada a ré.

 

 

Igualmente, por adoção da mesma linha de raciocínio já delineada, considerando a redução de cinco para quatro circunstâncias judiciais negativa, a pena-base fixada na sentença em 3 anos e 06 meses, de reclusão, para cada Fatos de corrupção eleitoral ativa deve ser readequada, com exasperação do quantum em 04 meses e 15 dias para cada uma das quatro vetoriais valoradas negativamente (1 ano e 6 meses).

A pena definitiva estabelecida na sentença em 04 anos e 01 mês, de reclusão, segue reduzida para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 10 dias-multa, guardando proporcionalidade quanto às vetoriais negativas.

Fixo a pena em concreto em 2 (dois) anos e 6 (meses) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Conforme consigna o magistrado quanto à pena definitiva “Não se fazem presentes causas de diminuição de pena”.

Apesar de a sentença ter determinado que a pena seja cumprida em regime inicialmente fechado “considerando a especial reprovação e gravidade extremada dos fatos resultantes das circunstâncias negativas do art. 59, para fins de uma correta individualização da pena e necessária reprovação e prevenção do crime”, o regime prisional semiaberto se afigura, no caso, resposta estatal necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime (art. 59 do CP), nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Quanto à substituição da pena privativa liberdade, entendeu o magistrado que “Considerando o quantum de pena e não satisfeitos os requisitos subjetivos, forte no art. 44, I e III, do CP, inviável a substituição da pena privativa de liberdade e, também, a Suspensão Condicional da Pena, nos termos do art. 77 do CP”.

Contudo, em virtude do provimento parcial do recurso, incide na hipótese o art. 44, inc. I e III, CP, sendo cabível a substituição da privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, as quais afiguram-se suficientes.

Assim, sendo a pena inferior a 04 (quatro) anos e não havendo reincidência, bem como por entender ser suficiente a aplicação de pena restritiva de direitos, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período da condenação à pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária que, nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, levando em consideração a falta de indicação sobre as condições financeiras da recorrente, fixo na importância de 5 (cinco) salários mínimos, a ser paga a entidade pública ou, na falta desta, entidade privada, que possua destinação social. O Juiz da Execução Penal destinará entidade para o cumprimento da prestação de serviços.

 

4.3. Neri Zardin - corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE), quatro vezes (Fatos 2, 4, 7 e 10)

Por fim, quanto ao cálculo da pena-base aplicada a Neri Zardin, entendo que deve ser mantida a sentença ao considerar negativas quatro circunstâncias judiciais previstas no art. 59, CP, nos termos das razões de decidir:

B.1) PENA-BASE:

A culpabilidade, entendida como reprovabilidade da conduta, extrapola o ordinário porque o réu, empresário conhecido na cidade, atuou a partir de seu estabelecimento comercial na distribuição de ranchos, dando aparência de legalidade à conduta. Ainda, deve-se considerar, na reprovabilidade da conduta, que houve o exaurimento do crime de corrupção, pois os eleitores aceitaram as dádivas ilícitas, exceto quanto ao FATO 9.

O motivo do crime também merece reprovação porque, a meu sentir, atuou com sentimento de "revanchismo" decorrente de sua derrota no pleito eleitoral de 2008, quando candidato derrotado ao cargo de Vice-Prefeito Municipal.

As circunstâncias também são reprováveis, pois, para o cometimento do crime, houve incomum abuso de poder econômico e aproveitamento da condição de vulnerabilidade social das pessoas atingidas. Com efeito, os Bairros Sol Nascente e Cidade Velha, onde muitos dos corrompidos moram, são lugares onde vivem a maioria da população de baixa renda nesta cidade e em situação de vulnerabilidade.

As consequências do fato igualmente são negativas porque, a partir dos crimes de corrupção eleitoral, houve, na esfera eleitoral, a cassação dos mandatos de Darci e Nelson, ensejando a necessidade de novas eleições, com enorme dispêndio de recursos público, materiais e humanos, para tanto.

O réu não possui maus antecedentes, sendo que a conduta social e a personalidade são neutras e não há que se falar em comportamento da vítima.

Assim, sopesando o conjunto, dessas quatro circunstâncias judiciais negativa, de especial reprovação e gravidade extremada, fixo a pena-base substancialmente acima do mínimo legal, em 3 anos, de reclusão, para cada um dos 7 fatos de corrupção eleitoral praticados pelo réu.

 

A pena-base fixada na sentença em 3 anos de reclusão - para cada um dos 7 Fatos de corrupção eleitoral ativa considerados comprovados pelo magistrado – deve ser redimensionada, atendendo-se ao critério de exasperação do mínimo legal de 01 ano de reclusão para o quantum de 04 meses e 15 dias para cada uma das quatro vetoriais valoradas negativamente (1 ano e 6 meses), redundando em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão para cada um dos 4 Fatos considerados comprovados nesta decisão.

A pena provisória estabelecida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão deve ser aplicada de forma definitiva por ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes.

Por adoção de critério de distribuição proporcional, considerando-se a variação de 10 (dez) dias-multa entre o mínimo e o máximo da pena de multa prevista de 5 a 15 dias-multa no art. 299 do CE, deve ser readequado o cálculo da pena de multa, que foi fixada na sentença em 70 dias-multa “no valor unitário de 2 (dois) salários-mínimos nacional vigente ao tempo do fato, pois o réu é empresário conhecido na Comarca, sendo o Mercado Zardin um dos mais movimentados de Augusto Pestana, senão o mais, assim como pela demonstração de capacidade econômica pela movimentação de recursos financeiros ilícitos durante a campanha”.

Sigo o mesmo raciocínio, atribuindo a cada circunstância judicial multa de 1,25 dia-multa, ficando a pena em concreto em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Conforme consigna o magistrado quanto à pena definitiva “Não se fazem presentes causas de diminuição de pena, incidindo, no caso, a causa de aumento da continuidade delitiva”, razão pela qual aplica-se uma só das penas, porque idênticas, majorando-a, considerando terem sido praticados 4 Fatos (Fatos 2, 4, 7 e 10).

De acordo com o entendimento das Cortes superiores, para quatro crimes aplica-se a fração de aumento de 1/4 (um quarto), com o que se alcança pena final e definitiva de 3 (três) anos, 3 (três) meses e 17 dias de reclusão, mais 12 (doze) dias-multa, mantido o cálculo do dia multa no valor estabelecido na sentença (artigo 286, CE).

Embora a sentença tenha determinado que a pena seja cumprida em regime inicialmente fechado “Considerando a especial reprovação e gravidade extremada dos fatos resultantes das circunstâncias negativas do art. 59, para fins de uma correta individualização da pena e necessária reprovação e prevenção do crime”, o regime prisional semiaberto se afigura, no caso, resposta estatal necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime (art. 59 do CP), nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Quanto à substituição da pena privativa liberdade, entendeu o magistrado que “Considerando o quantum de pena e não satisfeitos os requisitos subjetivos, forte no art. 44, I e III, do CP, inviável a substituição da pena privativa de liberdade e, também, a Suspensão Condicional da Pena, nos termos do art. 77 do CP”.

Contudo, em virtude do provimento parcial do recurso, incide na hipótese o art. 44, inc. I e III, CP, sendo cabível a substituição das privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, as quais afiguram-se suficientes.

Assim, sendo a pena inferior a 04 (quatro) anos e não havendo reincidência, bem como por entender ser suficiente a aplicação de pena restritiva de direitos, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo período da condenação à pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária que, nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, levando em consideração a elevada capacidade financeira, fixo a penalidade na importância de 20 (vinte) salários mínimos, a ser paga a entidade pública ou, na falta desta, entidade privada, que possua destinação social. O Juiz da Execução Penal destinará entidade para o cumprimento da prestação de serviços.

 

5. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo:

1. Provimento integral aos recursos interpostos por Darci Sallet, Nelson Wille e Arnélio Jantsch, a fim de reformar a sentença e julgar improcedente a denúncia nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP, afastando as condenações impostas;

2. Parcial provimento dos demais recursos interpostos tão somente para absolver, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP:

a) Daniel Rodrigues Machado, relativamente aos Fatos 1, 9 e 34, mantida a sua condenação quanto aos Fatos 2, 4, e 10, reduzindo a pena fixada para 3 (três) anos de reclusão e 12 (doze) dias-multa, a ser cumprida inicialmente em regime prisional semiaberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária na importância de 5 (cinco) salários mínimos, nos termos da fundamentação;

b) Leonair de Barros Sost quanto aos Fatos 1 e 6, mantida a sua condenação quanto ao Fato 7, reduzindo a pena fixada para 3 (três) anos de reclusão e 12 (doze) dias-multa, no valor equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, a ser cumprida inicialmente em regime prisional semiaberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária na importância de 5 (cinco) salários mínimos, nos termos da fundamentação;

c) Neri Zardin no tocante aos Fatos 1, 9, 11, 32, 34, 36, 37, mantida a sua condenação relativamente aos Fatos 2, 4, 7 e 10, reduzindo a pena fixada para 3 (três) anos, 3 (três) meses e 17 dias de reclusão, mais 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 2 (dois) salários-mínimos nacional vigente ao tempo do fato, a ser cumprida inicialmente em regime prisional semiaberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária na importância de 20 (vinte) salários mínimos, nos termos da fundamentação;