REl - 0600001-95.2021.6.21.0101 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 24/11/2022 às 10:00

DIVERGÊNCIA

DES. ELEITORAL CAETANO CUERVO LO PUMO

 

Quando faço a análise da legalidade da prova, procuro desconsiderar seu o seu conteúdo, uma vez que, se ilícita, inadmissível sua presença nos autos. Dito isso, entendo, como regra, que a denúncia anônima é insuficiente para a tão grave medida de busca e apreensão, mormente em processos de natureza eleitoral, que envolve paixões de toda espécie.

Portanto, considerando a devolução da análise do mérito e, portanto, da prova ao Tribunal, me sinto a vontade em enfrentar o tema.

As denúncias anônimas, nas eleições, surgem a todo momento e, sem embasamentos e investigação prévia, não podem servir para medidas tão invasivas o que, aliás, pode desequilibrar indevidamente o processo eleitoral.

HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA". DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SUBMETIDA À INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. DESCONEXÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA MEDIDA CAUTELAR. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO FORMAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVOS IDÔNEOS. BUSCA GENÉRICA DE DADOS. As garantias do processo penal albergadas na Constituição Federal não toleram o vício da ilegalidade mesmo que produzido em fase embrionária da persecução penal. A denúncia anônima, como bem definida pelo pensamento desta Corte, pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendida investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão, o que leva a considerar imprópria a realização de medidas coercitivas absolutamente genéricas e invasivas à intimidade tendo por fundamento somente este elemento de indicação da prática delituosa. A exigência de fundamentação das decisões judiciais, contida no art. 93, IX, da CR, não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social. Verificada a incongruência de motivação do ato judicial de deferimento de medida cautelar, in casu, de quebra de sigilo de dados, afigura-se inoportuno o juízo de proporcionalidade nele previsto como garantia de prevalência da segurança social frente ao primado da proteção do direito individual. Ordem concedida em parte, para anular o recebimento da denúncia da Ação Penal nº 2009.61.81.006881-7. (STJ; HC 159.159; Proc. 2010/0004039-3; SP; Sexta Turma; Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura; Julg. 05/04/2011; DJE 30/05/2011)

 

Nas referências feitas à MC 0600488-02.2020.6.21.0101 o único elemento a justificar a busca e apreensão foi uma gravação ambiental, entregue anonimamente ao parquet, sem qualquer indicação de como foi produzida/gravada/obtida.

Logo, entendo que toda a prova produzida teve origem nesse áudio que, sem explicação do contexto como foi produzido, torna-se ilícito e contamina a apreensão e, extensivamente, a prova produzida a partir dela.

Nascendo a prova de áudio obtido a partir de gravação ambiental, entregue anonimamente ao MP, sem que se conheça a forma como foi produzida, tenho como aplicável recente jurisprudência do TSE acerca da ilicitude da prova decorrente de gravação ambiental.

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021)

No caso, sem se conhecer sequer o interlocutor da prova que originou toda investigação, entendo aplicável o precedente, tornando nula a prova nos termos do artigo 8º-A, § 4º, da Lei n. 9.296/96 e art. 5º, incs. II, X e XII, da CF.

Nesse contexto, por considerar ilícita, deixo de avaliar as provas que entendo contaminadas e, divergindo com a devida vênia do eminente Relator, nego provimento ao recurso, mantendo o julgamento de improcedência da ação, ainda que por motivos diversos da r. sentença.