REl - 0600628-61.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/11/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, enfrento a preliminar de nulidade da sentença por afronta ao art. 93, inc. IX, da CF e do art. 489, § 1º, inc. IV, do CPC:

 

Constituição Federal

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(…)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

Código de Processo Civil

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

(...)

 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(...)

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

 

Os recorrentes afirmam que a sentença de improcedência tem fundamentação que: a) conjugou todos os assuntos, embora individualizados sobremaneira pelos recorrentes; b) não explicou porque as provas objetivamente mencionadas e juntadas pelos recorrentes são no seu entender regulares, oportunidade em que apenas transcreveu o que diz o art. 37, § 1º, da Constituição Federal e, genericamente, no tocante ao abuso de poder econômico, disse que não ocorreu, sem refutar os fundamentos e provas apresentadas; e c) julgou sob a ótica de propagandas eleitorais extemporâneas, o que não é objeto da ação e não se confunde com o discutido abuso de poder político e econômico.

Entendo que a decisão não apresenta qualquer vício, contendo fundamentação clara e coerente.

Quanto ao apontamento referido no item “a”, verifica-se que, ao afastar a prefacial de inépcia da inicial, o magistrado tão somente consignou que a peça é genérica e “dificulta sobremaneira o corte necessário que deve ser feito para o julgamento da causa, com análise dos fatos que efetivamente tenham relação com as eleições 2020”. Transcrevo as bem-lançadas razões de decidir:

a) da inépcia da inicial. Alegam os réus que a inicial é manifestamente inepta porquanto os argumentos trazidos são totalmente genéricos e especulativos, pois há uma absoluta ausência de provas e de fundamentação, pois não demonstram a existência de liame subjetivo entre os fatos sabidamente fantasiosos trazidos pelos autores e uma possível influência indevida no processo eleitoral. Afirmam, ainda, que a petição é genérica porquanto os argumentos utilizados não possuem nexo específico com os fatos imputados aos representados, tampouco apresentou-se uma narrativa coerente às acusações formalizadas.

Não há razão para acolhimento da preliminar. Todavia, há que se registrar que a inicial não prima pela observância literal do artigo 319, III, do CPC, na medida em que os fatos são apresentados de maneira desconexa, beirando à generalidade (vedada pelo artigo 342 do mesmo diploma legal), não havendo uma narrativa absolutamente consistente sobre os fatos e da qual decorra logicamente uma conclusão (hipótese de indeferimento da inicial – art. 330, § 1º, III, do CPC). Veja-se que a parte autora, em dado momento da inicial faz referência a fatos – sem descrevê-los, reduzindo em muito o conhecimento da real causa de pedir remota, a prejudicar, inclusive, o exercício da ampla defesa – que sequer teriam ocorrido no período eleitoral das eleições/2020, a tornar incerta a conclusão que a parte autora extrai destes fatos. Menciona gastos, com o mesmo problema, sobre administrações passadas ou períodos passados, que por certo não podem ser objeto de questionamento numa AIJE.

A inicial, ainda, dificulta sobremaneira o corte necessário que deve ser feito para o julgamento da causa, com análise dos fatos que efetivamente tenham relação com as eleições 2020. Ainda assim, reputo por não acolher a preliminar de inépcia da inicial, porque a peça da parte autora contem fatos que, em tese, podem estar relacionados com as eleições do ano que passou e que fundamentam o ajuizamento da ação de investigação judicial eleitoral.

São por estas razões que rejeito a preliminar.

 

Assiste total razão ao magistrado.

Da leitura da inicial bem se verifica que o raciocínio do juízo de primeira instância está plenamente correto.

A pretensão da ação é a de que a Justiça Eleitoral realize a análise dos atos praticados pelos recorridos durante praticamente todo o exercício do primeiro mandato de sua administração à frente do Executivo de Lago Vermelha, iniciado em 2017, por meio do exame do conteúdo de um extenso volume de publicações institucionais veiculadas na internet e no jornal nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, para decidir sobre a existência de prática de abuso de poder no pleito de 2020.

Tal propósito, certeiramente referido na sentença como estar “beirando à generalidade” vedada pelo art. 342 do CPC, é reconhecido nas próprias razões recursais, que definem a causa de pedir do ajuizamento da AIJE da seguinte forma: “A ação de investigação judicial eleitoral, conforme já mencionado anteriormente, trata da nítida ocorrência de abuso de poder político, com promoção pessoal permanente dos investigados durante todo o seu mandato até os três meses anteriores à eleição (2017-2020), por meio dos canais oficiais de comunicação do município, além da ocorrência de abuso de poder econômico, mediante expressiva elevação de gastos com publicidade institucional na mídia impressa de Lagoa Vermelha/RS, quando as circunstâncias indicavam a sua obrigatória redução em razão da criação do Diário Oficial Eletrônico municipal”.

Ao ajuizar a ação, os recorrentes postularam a análise de “todos os vídeos veiculados pelo Município de Lagoa Vermelha no seu perfil oficial na rede social Facebook, nos quais há a ampla aparição do investigado Gustavo José Bonotto, aliado aos símbolos oficiais do Município e ao cargo por ele ocupado, contrariando o que estabelece a Constituição Federal em seu art. 37, § 1º“, e “também, todas as propagandas oficiais pagas pelo Município de Lagoa Vermelha no jornal Folha do Nordeste, ou seja, aquelas que não se inserem no âmbito da liberdade de expressão irrestrita da imprensa”.

Veja-se que a maior parte do decurso de quatro anos apontado na inicial como data de ocorrência das práticas abusivas está não somente fora do período eleitoral e do ano da eleição, mas antes mesmo do início da esfera de competência da Justiça Eleitoral para análise de atos tendentes a afetar a normalidade e a legitimidade do pleito, requisitos estabelecidos no art. 14, § 9°, da CF e arts. 19 e 22 da LC n. 64/90, para a propositura de ação de investigação judicial eleitoral:

Constituição Federal:

Art. 14. […]

[…]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (grifado).

 

Lei Complementar n. 64/90:

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(...)

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

 

Daí porque, de forma absolutamente tranquila, associo-me ao magistrado sentenciante ao concluir que a inicial dificulta, o que por certo não limita nem impede o exame da causa.

Relativamente ao item “b”, ao contrário do que se alega no recurso, observa-se que a decisão apresenta elucidativo raciocínio sobre o exame dos fatos e das provas, não havendo qualquer carência de enfrentamento do disposto no art. 37, § 1º, da Constituição Federal e da imputação de abuso de poder econômico.

O magistrado apenas decidiu de forma contrária à pretensão dos recorrentes ao tecer suas considerações sobre a análise da prova e referir: “Acrescente-se que é permitido ao chefe do Poder Executivo prestar contas à população das atividades empreendidas em sua administração, o que vai ao encontro do permissivo constitucional capitulado no art. 37, § 1º".

De igual modo, o inconformismo com a justiça da decisão relativamente à conclusão de que não houve abuso de poder não tem o condão de gravar a decisão como não fundamentada, pois a sentença traz longa fundamentação sobre a inexistência de ilicitude e de gravidade dos fatos.

Por fim, também não há qualquer vício na análise dos fatos igualmente sob a ótica de propagandas eleitorais extemporâneas, dado que a alegação de abuso de poder político e econômico está fundamentada, dentre outras circunstâncias, no fato de o candidato à reeleição como prefeito ter veiculado sua imagem e realizado promoção pessoal em rede social e jornal impresso em período anterior ao permitido para a propaganda eleitoral.

Com esses fundamentos, rejeito a matéria preliminar.

 

No mérito, colho das razões recursais a insurgência quanto à improcedência da ação relativamente aos seguintes fatos e provas:

1. Abuso de poder político ou de autoridade mediante veiculação de publicidade institucional na internet, site da prefeitura e redes sociais e no jornal, entre os anos de 2017 a 2020, para fins de promoção pessoal, visando ao pleito eleitoral de 2020, em ofensa ao art. 37, § 1º, da CF, art. 237 do Código Eleitoral e art. 74 da Lei n. 9.504/97.

Nesse item, os recorrentes referem que no Processo de Contas de Gestão - Executivo/17 n. 005632-0200/17-0 o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul apontou a existência de despesa com publicidade com prevalência de promoção pessoal do Prefeito Bonotto.

Apontam que o TCE verificou que a administração municipal chefiada pelo recorrido contratou a empresa Nepomuceno Empresa Jornalística Ltda. para a realização de publicações no jornal Folha do Nordeste, tendo sempre destaque para fotos do Prefeito Bonotto.

Defendem ter havido promoção pessoal em publicidade institucional para a consolidação de uma boa imagem perante a população, cujos efeitos foram irradiados para o pleito de 2020, nas propagandas institucionais veiculadas no jornal local Folha do Nordeste, edições dos dias: 03/02/2017, 14/04/2017, 21/07/2017, 29/12/2017, 18/05/2018, 25/05/2018, 01/06/2018, 15/06/2018, 08/02/2019, 24/05/2019, 14/06/2019, 05/07/2019, 27/09/2019 (IDs 57779698, 57779700, 57806101, 57806102, 57806103, 57806104 e 57806105).

Também afirmam que “há flagrante exploração da imagem pessoal do recorrido Gustavo Bonotto, aparecendo em muitas propagandas oficiais, pagas com dinheiro público, algumas em meio a população com apelos emocionais, além de constarem indicadores que identificam as suas supostas qualidades de bom gestor e o acompanhamento das obras realizadas na sua gestão”.

Ocorre que as publicidades realizadas no jornal e apontadas como atos de abuso pelos recorridos foram veiculadas mais de um ano antes do pleito, tendo os recorrentes se reportado a publicações ocorridas desde o ano de 2017, há mais de 3 anos antes da eleição ocorrida em 15.11.2020, sendo a mais recente a veiculada na edição do dia 27.9.2019.

Não se desconhece que a infração pode ser realizada antes do ano da eleição, fora do período eleitoral e do registro de candidatura, ou seja, antes da existência da figura do candidato, mas no caso em tela é preciso ter presente que as publicações de jornal foram realizadas em data muito distante, não tendo o condão de caracterizar o ilícito do abuso de poder por conta do longo decurso de tempo transcorrido entre o fato e o pleito, o que reduz sua afetação na normalidade e na legitimidade da eleição bem como a gravidade das circunstâncias.

Esse elevado lapso de tempo também demonstra a ausência de capacidade de as publicações prejudicarem a igualdade de oportunidades nas eleições e a livre manifestação da vontade política popular.

Nesse sentido, transcrevo a acurada conclusão do juízo a quo, que bem apontou a inexistência de infração eleitoral nas publicações em tela:

Compulsando os autos, consta que os demandados, seja pela imprensa escrita, seja por meio de redes sociais, e ainda por meio do seu site da Prefeitura, na internet, fizeram publicações de notícias sobre as obras e outras realizações do Poder Executivo local, conforme documentos juntados com a inicial, bem como no endereço dos sítios eletrônicos. Assim, percebe-se, nas publicidades divulgadas, que não há pedido explícito de votos, nem menção à pretensa candidatura ou exaltação das qualidades do chefe do Poder Executivo local, mas tão somente propaganda institucional, onde são divulgadas as obras da Prefeitura no município e demais atos de governo. Nos vídeos publicados na internet e na propaganda institucional por meio de jornal local, de fato aparece o então Prefeito, ora demandado Gustavo, mas não há menção à candidatura, pedido de votos ou exaltação de suas qualidades. Vale ressaltar, ainda, como acima já mencionado, que a nova redação do art. 36-A, introduzida pela Lei nº 13.165/2015, estabeleceu a permissão de serem divulgados os feitos dos administradores públicos, desde que não tenham cunho eleitoreiro. Assim, no material que instrui a inicial, não vislumbrei prática de propaganda eleitoral antecipada, mas tão somente divulgação de atos de governo, sendo certo que não há como dissociar o Poder Executivo Municipal de seu gestor.

Quanto à página pessoal do demandado no Facebook, onde foram divulgados seus atos de gestão, a lei não proíbe tal veiculação. O que não se permite é o pedido de voto e referência às eleições. Reputo, portanto, que na "publicidade" relacionada na inicial há tão somente divulgação dos atos de gestão, sem qualquer caráter de enaltecimento do Prefeito, nem pedido expresso de voto, nem mesmo referência às eleições, fugindo de eventual caráter eleitoreiro. Acrescente-se que é permitido ao chefe do Poder Executivo prestar contas à população das atividades empreendidas em sua administração, o que vai ao encontro do permissivo constitucional capitulado no art. 37, § 1º.

 

Quanto às publicações institucionais de internet, as razões recursais afirmam que a prática de abuso de poder político ou de autoridade estaria comprovada e que, ao todo, os vídeos com conteúdo autopromocional somam 75 (setenta e cinco) publicações e foram disponibilizados na página da prefeitura no Facebook nos dias: 03/02/2017, 31/03/2017, 04/04/2017, 10/05/2017, 18/05/2017, 29/05/2017, 17/07/2017, 22/07/2017, 24/07/2017, 27/07/2017, 05/08/2017, 19/08/2017, 25/08/2017, 26/09/2017, 27/09/2017, 16/10/2017, 10/11/2017, 20/11/2017, 21/11/2017, 05/04/2018, 09/04/2018, 18/04/2018, 26/05/2018, 28/05/2018, 25/09/2018, 01/04/2019, 08/04/2019, 15/04/2019, 17/04/2019, 30/04/2019, 06/05/2019, 22/05/2019, 01/06/2019, 11/07/2019, 26/07/2019, 11/09/2019, 22/09/2019, 26/09/2019, 17/10/2019, 18/10/2019, 21/10/2019, 25/11/2019, 26/11/2019, 29/11/2019, 09/12/2019, 13/12/2019, 31/12/2019, 21/01/2020, 25/01/2020, 29/01/2020, 03/02/2020, 04/02/2020, 26/02/2020, 18/03/2020, 19/03/2020, 27/03/2020, 28/03/2020, 02/04/2020, 03/04/2020, 15/04/2020, 18/04/2020, 02/05/2020, 05/05/2020, 21/05/2020, 01/06/2020 e 23/06/2020.

Os recorrentes alegam que na grande maioria dos vídeos institucionais em comento, objeto de compartilhamentos e interações de usuários da rede social, foram colocados depoimentos e discursos atrelando o recorrido ao símbolo do Município de Lagoa Vermelha/RS e ao cargo que ocupava; que no ano de 2019 foram publicados 22 vídeos; e, no ano eleitoral, apenas até o mês de junho, já haviam sido publicadas 20 propagandas institucionais com o reforço da imagem do investigado Gustavo Bonotto.

As razões também reportam-se especificamente quanto aos seguintes vídeos postados no perfil de Facebook da Prefeitura de Lagoa Vermelha:

(ID 57973534) Vídeo de inauguração da Casa do Produtor Rural, em 23 de junho de 2020 - depoimento de um agricultor:

“[...] Também queria agradecer o prefeito Bonotto por tudo o que ele fez por nós, por essa casa, neste dia de hoje, os secretários que começou lá no tempo atrás ainda, passando vários e vários secretários da agricultura, o secretário de agora também, o Clóvis Neckel também, que hoje apoia nós, que trabalha junto com nós, quero agradecer demais o prefeito e todos os funcionários da prefeitura que, de um lado e de outro, sempre tiveram aqui, quem não veio pra trabalhar na casa aqui, veio pra ajudar na limpeza ao redor do ginásio, muito obrigado a todos vocês da prefeitura de Lagoa Vermelha.”

(ID 57887572) Vídeo de inauguração da Rua Antonio de Oliveira Marques, bairro Operário, em 22 de maio de 2019 - depoimentos após a mostra da situação vivida anteriormente:

Depoimento 1: “[...] E agora graças a Deus e mais uma obra aí que o prefeito tá inaugurando, tamo inaugurando…”

Depoimento 2: “[...] Bah, agora é uma beleza, maravilha pra nós, bah, eu pra mim, olha, muito bom, uma maravilha...”

Depoimento 3: “[...] E agora, agora não, não entra água nem debaixo do assoalho e a nossa rua não é mais aquele rio, não é mais aquele barro, graças ao prefeito e a administração de agora...”

 

Os recorrentes sustentam que esses vídeos, “em meio a tantos outros semelhantes e que também poderiam estar transcritos, tratam-se de arquivos editados pelo Município de Lagoa Vermelha/RS e foram veiculados no seu perfil oficial na rede social Facebook nas respectivas datas elencadas, os quais nitidamente exaltam o recorrido Gustavo Bonotto, de modo que tinha o Município, sob permanente supervisão do prefeito ora recorrido, obrigação de zelar pelo princípio da legalidade, com todas as ferramentas para supressão de tais trechos sob seu comando e que de forma alguma impossibilitariam a veiculação de informação cientificando a população de que a Casa do Produtor Rural e a Rua Antônio Oliveira foram inauguradas com sucesso e representam um avanço social”.

Neste ponto, também se verifica um elevado lapso de tempo entre a prática das condutas consideradas abusivas e a data da eleição, aplicando-se o mesmo raciocínio já adotado quanto à ausência de gravidade dos fatos para afetar a normalidade e legitimidade do pleito e a falta de finalidade eleitoral ou de malferimento à igualdade entre candidatos.

As publicações impugnadas, mesmo as realizadas em 2019 e 2020, a par de apresentarem em primeiro plano a figura do prefeito candidato à reeleição, sequer se reportam ao pleito, sendo certo que o fato de o candidato estar retratado não transmuda a conduta como grave o suficiente para atrair as severas penalidades de cassação do mandato eletivo e de declaração da inelegibilidade.

Ademais, as postagens realizadas no ano de 2020 sequer se enquadram no conceito de conduta vedada, pois foram realizadas em período permitido, ou como propaganda eleitoral antecipada, dado que respeitaram as regras eleitorais acerca dos atos que não caracterizam propaganda extemporânea de pré-candidatos.

Assim, não há como imputar aos recorridos as gravíssimas consequências jurídicas da legislação eleitoral em razão de abuso de poder, adotando como fundamento provas frágeis, pois não se vislumbra ofensa ao bem jurídico tutelado pela ação de investigação judicial eleitoral.

Portanto, a sentença merece ser mantida nesse ponto.

 

2. Abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação social por meio do dispêndio de recursos públicos com empresa jornalística em troca de propaganda positiva, ausência de críticas e visibilidade do Prefeito Gustavo Bonotto.

Quanto a essa infração, inicialmente os recorrentes apontam que o sr. Paulo Mantovani, antigo colunista do jornal Folha do Nordeste e secretário do Partido Progressistas, ao qual o recorrido Gustavo Bonotto é filiado, foi assessor direto de Gustavo e, posteriormente, quando de sua eleição como prefeito, ocupou o cargo de assessor de imprensa do Município de Lagoa Vermelha.

Além disso, referem que o colunista Lucas Mota era assessor administrativo e, na sequência, assumiu os cargos de Secretário Municipal do Desenvolvimento Econômico e também de Secretário Municipal de Ação Social e Habitação, no período eleitoral.

Na inicial, afirmam que os recorridos “praticaram abuso de poder econômico entre os anos de 2017 a 2020, por meio do aumento significativo de despesas com publicidade, direcionados à imprensa escrita, em troca de propaganda positiva aos atos da administração pública municipal em espaço não pago pelo ente público e com a distribuição visual favorável do conteúdo, aliado ao aumento da visibilidade da imagem do prefeito, ora investigado Gustavo Bonotto, bem como de seus aliados e ocupantes de cargos políticos, configurando-se em imprensa parcial e pessoal”.

Explicam que a Prefeitura de Lagoa Vermelha efetuou a contratação das empresas do sr. Marcos Roberto Nepomuceno - Jornal Folha do Nordeste e NG Revista - com alta de valores para a realização das publicidades oficiais no meio impresso, em troca de propaganda positiva.

Ressaltam que o sr. Marcos Roberto Nepomuceno é amigo pessoal de Paulo Mantovani, Luiz Carlos Kramer e André Melecchi de Oliveira Freitas, dos recorridos Gustavo Bonotto e Éder Piardi, bem como do ex-vice-prefeito, Sr. Clóvis Carvalho Neckel, e do ex-presidente do Partido Progressistas, sr. Moacir Volpato.

Para demonstrar a imparcialidade do veículo de imprensa, os recorrentes juntaram aos autos todas as edições do jornal Folha do Nordeste no período de 2017 até o pleito eleitoral de 2020, com as notícias jornalísticas não oficiais e abonatórias a respeito dos recorridos.

Além disso, apresentaram planilha demonstrativa de gastos de anos anteriores com a veiculação de publicidade oficial do município às empresas do sr. Marcos Roberto Nepomuceno a fim de demonstrar o crescimento das despesas no mandato do recorrido Gustavo Bonotto, referindo que o fato “acarretou o estreitamento de laços entre ambos e a compra velada da pessoalidade e parcialidade no conteúdo veiculado semanalmente por meio do jornal Folha do Nordeste com vistas ao pleito eleitoral de 2020”:

Colho a argumentação contida nas razões recursais:

Primeiramente, conforme se observa dos documentos anexos, o investigado Gustavo Bonotto esteve na posição privilegiada representada pela capa e/ou contracapa do jornal Folha do Nordeste nas edições dos dias: 06/01/2017, 13/01/2017, 20/01/2017, 27/01/2017, 03/02/2017, 24/02/2017, 03/03/2017, 10/03/2017, 24/03/2017, 07/04/2017, 14/04/2017, 28/04/2017, 12/05/2017, 19/05/2017, 26/0/2017, 16/06/2017, 23/06/2017, 30/06/2017, 07/07/2017, 14/07/2017, 21/07/2017, 28/07/2017, 04/08/2017, 11/08/2017, 01/09/2017, 22/09/2017, 29/09/2017, 06/10/2017, 13/10/2017, 03/11/2017, 10/11/2017, 17/11/2017, 24/11/2017, 22/12/2017, 05/01/2018, 19/01/2018, 09/02/2018, 16/03/2018, 06/04/2018, 13/04/2018, 20/04/2018, 27/04/2018, 04/05/2018, 11/05/2018, 18/05/2018, 25/05/2018, 22/06/2018, 29/06/2018, 06/07/2018, 13/07/2018, 27/07/2018, 03/08/2018, 17/08/2018, 31/08/2018, 21/09/2018, 19/10/2018, 26/10/2018, 02/11/208, 09/11/2018, 16/11/2018, 23/11/2018, 30/11/2018, 21/12/2018, 28/12/2018, 11/01/2019, 01/02/2019, 01/03/2019, 15/03/2019, 22/03/2019, 29/03/2019, 05/04/2019, 12/04/2019, 19/04/2019, 10/05/2019, 24/05/2019, 14/06/2019, 05/07/2019, 12/07/2019, 26/07/2019, 02/08/2019, 09/08/2019, 20/09/2019, 27/09/2019, 11/10/2019, 18/10/2019, 06/12/2019, 03/01/2020, 10/01/2020, 17/01/2020, 24/01/2020, 07/02/2020, 21/02/2020, 28/02/2020, 20/03/2020, 15/05/2020, 05/06/2020, 19/06/2020, 17/07/2020, 28/08/2020, 04/09/2020, 11/09/2020 e 18/09/2020.

Ainda, em algumas oportunidades em que o investigado Gustavo Bonotto não figurou na capa e/ou contracapa, estas foram destinadas a seus aliados políticos, como o vice-prefeito, secretários municipais, primeira-dama, assessor jurídico municipal, assessor de imprensa municipal e ex-presidente do Partido Progressistas de Lagoa Vermelha, cujas edições foram as veiculadas nas datas: 31/03/2017, 15/09/2017, 16/02/2018, 08/06/2018, 15/06/2018, 13/07/2018, 20/07/2018, 10/08/2018, 15/02/2019, 22/02/2019, 17/05/2019, 05/07/2019, 30/08/2019, 06/09/2019, 13/09/2019, 04/10/2019, 29/11/2019, 14/02/2020, 10/04/2020, 15/05/2020, 03/07/2020, 10/07/2020, 14/08/2020 e 25/09/2020.

Quanto a essa exposição geral, importante referir, por fim, que em inúmeras oportunidades houve a realização de entrevistas e matérias com aliados aos investigados (ocupantes de cargos de confiança, funções gratificadas, filiados ao Partido Progressistas e secretários municipais), as quais foram veiculadas nas edições dos dias: 31/03/2017, 23/03/2018, 27/04/2018, 18/05/2018, 01/06/2018, 08/06/2018, 15/06/2018, 29/06/2018, 20/07/2018, 27/07/2018, 03/08/2018, 24/05/2018, 21/09/2018, 05/10/2018, 12/10/2018, 15/02/2019, 08/03/2019, 29/03/2019, 24/05/2019, 14/06/2019, 26/07/2019, 20/09/2019, 08/11/2019, 15/11/2019, 29/11/2019, 14/02/2020, 07/08/2020, 14/08/2020, 28/08/2020 e 18/09/2020.

Dessa forma, verifica-se mais uma vez a exposição massiva na imprensa local da imagem do prefeito municipal Gustavo Bonotto, em conjunto com ocupantes de cargos políticos no Município de Lagoa Vermelha/RS, desta vez decorrente do abuso de poder econômico, consoante termos anteriormente explicitados, com o objetivo de cultivar as supostas boa imagem e boa capacidade administrativa do investigado junto à comunidade, visando o processo eleitoral de 2020.

(…)

Quanto à parcialidade jornalística, é de fundamental importância dizer que, ao contrário do que muitos pensam, não significa necessariamente a emissão de opinião em benefício de alguém em específico, podendo ser configurada também na forma de disposição das matérias, no tratamento não isonômico quanto ao espaço disponibilizado para notícias que interessam à população, na ausência de críticas a determinada pessoa ou gestão, no arrojo de uma defesa de pontos de vista de determinado gestor frente a argumentos apresentados pela oposição, dentre tantos outros fatores que, em síntese, caracterizam a parcialidade de um meio de comunicação como um modo de comportamento direcionado à finalidade de preservar e enaltecer a imagem daquele que é preferido em detrimento da oposição.

Essas características definem a atuação do jornal Folha do Nordeste em conluio com o investigado Gustavo Bonotto, durante todo o seu mandato, concebido de forma velada com o financiamento da sustentabilidade financeira da empresa jornalística do Sr. Marcos Roberto Nepomuceno, através do aumento considerável no repasse de recursos públicos à imprensa escrita, quando deveria ter ocorrido o contrário, em virtude da criação do Diário Oficial Eletrônico do Município de Lagoa Vermelha, por meio da Lei Municipal nº 7.127/2016 (ID 58012604) sobre a qual o Juízo a quo sequer se pronunciou.

(…)

Logo, considerando a entrada em vigor de referida lei no mês de maio de 2016, verifica-se que a partir do mês de novembro de 2016, dois meses antes do início do mandato do recorrido Gustavo Bonotto, o Diário Oficial Eletrônico, ressalvadas as hipóteses previstas em lei, passou a ser responsável integralmente pelas publicações oficiais, o que inquestionavelmente deveria ter acarretado a redução dos gastos com publicidade.

Todavia, como foi possível observar dos dados anteriormente expostos, bem como da informação constante do Ofício nº 203 (ID 58012605), encaminhado pelo recorrido Gustavo Bonotto ao Presidente do Poder Legislativo em 10 de agosto de 2020, os gastos gerais com publicidade - que está demonstrado que fora em proveito do prefeito ora recorrido - evoluíram de R$ 281.649,37 (duzentos e oitenta e um mil seiscentos e quarenta e nove reais e trinta e sete centavos) no ano de 2015 – época em que não havia o DOE – para R$ 370.660,21 (trezentos e setenta mil seiscentos e sessenta reais e vinte e um centavos) no ano de 2019.

Salta aos olhos o fato de que na distribuição dessas despesas custeadas pelo Município de Lagoa Vermelha/RS, os veículos de imprensa pertencentes ao Sr. Marcos Roberto Nepomuceno, especialmente o jornal Folha do Nordeste, foram as que, em conjunto, mais obtiveram aumento na contratação de serviços e, consequentemente, aumento de repasse de recursos públicos, atraindo para si a diferença a maior de valores em relação àqueles dispensados pela administração dos anos anteriores, bem como parcela de recursos outrora dispensadas a outras sociedades empresárias do mesmo segmento.

(…)

Isso porque, em todas as propagandas relacionadas ao recorrido Gustavo Bonotto veiculadas nas capas e/ou contracapas do jornal Folha do Nordeste, assim como em matérias intermediárias, houveram somente notícias positivas ou em sua defesa, não havendo qualquer matéria acerca de críticas, tampouco as levantadas pela oposição ao governo dos investigados, tanto dos partidos requerentes como dos demais, sendo que em dois dos momentos de maior tensão política no Município, a defesa do recorrido Gustavo Bonotto foi veiculada na capa do mencionado jornal nas edições dos dias 10/01/2020 e 07/02/2020, tendo sido esta última da seguinte forma:

(…)

Prova disso são as capas do jornal Folha do Nordeste veiculadas nas datas 19/06/2020, 03/07/2020, 04/09/2020 e 11/09/2020, bem como os conteúdos a elas contemporâneos publicados nas redes sociais da referida empresa jornalística (Facebook e Instagram), conteúdos que direcionaram o foco para os recorridos, enaltecendo as suas candidaturas e fortalecendo a empatia de ambos, uma vez que expostas imagens em tamanho grande e com características de santinhos eleitorais, tanto que muito parecidas com aquelas que, posteriormente, vieram a integrar a propaganda eleitoral dos recorridos.

Neste contexto, é essencial dizer que o comandante do jornal Folha do Nordeste, Sr. Marcos Roberto Nepomuceno, no âmbito de sua parcialidade no processo eleitoral decorrente do abuso de poder econômico perpetrado pelos investigados, EXTRAPOLOU TODOS OS LIMITES da razão envolta ao período em questão, quando na edição do jornal veiculada no dia 17/07/2020, publicou a seguinte foto na capa:

(...)

Não fosse suficiente, em momento anterior à sua veiculação, o jornal Folha do Nordeste publicou fotografia e manchete semelhantes em sua página no Facebook e Instagram e, muito embora as fotografias passem à mensagem ao público por si só, resta mais do que clara a intenção do veículo de comunicação Folha do Nordeste em, previamente ao período de campanha, pedir o voto em massa para os investigados, pedido este que apesar de não ser expresso é de fácil identificação por qualquer pessoa, independentemente do seu nível de escolaridade.

Isso porque não houve a veiculação de qualquer outra imagem semelhante a esta de nenhum outro candidato da região pelo jornal Folha do Nordeste e, obviamente, por se tratar também de foto que traz a figura do atual prefeito na comemoração de sua vitória nas eleições de 2016, com a indicação de seu número através de gestual e em meio aos seus eleitores na praça central do Município de Lagoa Vermelha/RS.

Ainda, outra prova da interferência política, decorrente de abuso econômico, promovida pelo jornal Folha do Nordeste ocorreu em pleno período eleitoral e foi objeto da representação em anexo, autuada sob nº 0600616-47.2020.6.21.0028, junto à 28ª zona eleitoral de Lagoa Vermelha, ajuizada pela Coligação PDT-PSB. O fato noticiado consistiu em publicações irregulares do jornal Folha do Nordeste em seu perfil na rede social Facebook, nas quais desrespeitando a norma contida no art. 42, §5º da Resolução nº 23.610 do Tribunal Superior Eleitoral, houve justaposição de imagens de diversas capas jornalísticas, com menção à candidaturas, ao número “11” concernente ao Partido Progressistas pelo qual concorreram os investigados e também com manchete do Secretário Municipal da Fazenda, Rodrigo Tochetto, intitulada “A gestão fiscal era, e é, excelente”, privilegiando os investigados, de forma totalmente irregular.

Por fim, para que não pairem dúvidas quanto à parcialidade da imprensa escrita comprada por meio da prática de abuso de poder econômico pelos investigados, observe-se a fotografia abaixo, publicada na página pessoal do Sr. Marcos Roberto Nepomuceno, armazenada no link https://www.instagram.com/p/CHgd40zJ-07/?igshid=1eqe9v420mjzq:

(…)

Referida fotografia foi publicada no dia 12 de novembro de 2020, após o último debate entre os candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Lagoa Vermelha/RS, e mostra o empresário e jornalista Marcos Roberto Nepomuceno, junto do ex-assessor de imprensa Paulo Mantovani, o recorrido Éder Piardi e o candidato a vereador Gabriel Vieira, agora eleito pelo Partido Progressistas.

 

Conforme se observa das razões de reforma, a alegação de abuso de poder econômico e de utilização indevida dos meios de comunicação social está fundamentada no conteúdo de todas as edições jornalísticas do jornal Folha do Nordeste durante os anos de 2017 a 2020, assim como nas postagens de Facebook no mesmo período de cerca de 4 anos de publicações, e dos gastos com a veiculação da publicidade institucional oficial nas empresas Jornal Folha do Nordeste e NG Revista.

Os recorrentes defendem que “o maior problema não reside nos gastos em ano eleitoral, mas sim nos anteriores, quais sejam 2017-2019”, sendo manifesta a pretensão de que esta Especializada realize uma fiscalização do exercício do mandato do Chefe do Executivo, ao arrepio da regra constitucional que prevê o controle de contas pela Câmara de Vereadores com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 31, CF).

Ocorre que a análise do caderno probatório não aponta para a prática de abuso de poder com gravidade para afetar a normalidade e a legitimidade do pleito, assistindo razão ao juízo a quo ao considerar que o periódico veiculou rotinas administrativas do Prefeito, incluindo as obras realizadas e os serviços que estão à disposição da população local, ou seja, incluindo as ações de governo e a postura do governante, não podendo, em princípio, ser reputada ilícita, mas, em verdade, expressão do legítimo exercício do direito de informação, expressamente assegurado pelo texto constitucional (CF, art. 5º, XIV).

Por certo, há que se considerar que o Chefe do Executivo Municipal é pessoa pública, detentora de mandato e mais exposta aos meios de comunicação do que os demais cidadãos. Conforme consta na sentença, não há como considerar que toda e qualquer aparição de pretenso candidato, ou do Prefeito que está em notório caminho/objetivo da reeleição, em meio de comunicação social resultaria na configuração de propaganda eleitoral antecipada ou em abuso do poder, o que não se mostra juridicamente razoável, já que a reiterada exposição de figuras públicas não é comumente motivada pela intenção de colher dividendos eleitorais, mas por conta, única e exclusivamente, da ampla notoriedade que possui em razão da função exercida ou do sucesso pessoal conquistado.

Da atenta análise das matérias jornalísticas acostadas ao feito, também alcanço a conclusão de que as publicações não extrapolaram a natureza informativa e de interesse comunitário e social, nem se apresentam como vinculadas ao pleito.

É inegável que o instituto da reeleição coloca o detentor de mandato eletivo em uma situação de vantagem em relação aos demais candidatos, mas não se verifica ato abusivo e com finalidade eleitoral suficiente para amparar o juízo de cassação.

Com essa mesma convicção, reproduzo os fundamentos da sentença:

É importante também destacar que em se tratando de candidato à reeleição, como ocorreu com o demandado Gustavo, a situação representa, por si, um inegável e natural desequilíbrio na campanha eleitoral por impingir uma desigualdade entre os participantes do pleito, não raro revelando-se bastante tênue a linha divisória estabelecida entre os atos praticados pelo Administrador Público e aqueles realizados em prol da campanha ou pré-campanha visando a permanência no cargo eletivo ocupado. Contudo, não se pode, com o propósito de promover a isonomia entre os concorrentes, fazer uma interpretação por demais excessiva da norma, em sobreposição à intenção estabelecida pelo legislador, no sentido de restringir a atuação do gestor público em campanha, mesmo porque, quando quis, o legislador editou regra limitadora da atuação dos detentores de cargos majoritários em campanha à reeleição, a exemplo da vedação à propaganda institucional no trimestre anterior ao pleito (art. 73, VI, “b”, da Lei das Eleições).

E em relação à propaganda eleitoral extemporânea, como já referido supra, o § 2º do art. 36-A da Lei nº 9.504/97, estabelece que os pré-candidatos, sejam postulantes à reeleição ou não, podem praticar todos aqueles atos previstos nos incisos I a VI do caput, bem como "pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver", desde que não façam pedido expresso de voto. E de fato, ações políticas desenvolvidas possuem, de regra, aqueles que desempenham o cargo público no período que antecipa à eleições, de forma que, em relação aos demais concorrentes a cargos eletivos, a própria lei estabelece uma distinção, permitindo aos primeiros que levem ao conhecimento do público em geral e ao eleitor as suas realizações no decorrer da gestão pública sejam antes ou durante a campanha eleitoral. Percebe-se, também, que a razão de ser da norma legal é justamente promover um equilíbrio na disputa eleitoral, na medida em que, em contraposição às críticas que os demais adversários políticos possam fazer sobre os atos de governança da administração pública daquele candidato que já se encontra no poder, permite aos gestores públicos, em campanha para reeleição, fazer ampla divulgação das suas realizações governamentais.

A meu sentir, pois, as publicidades veiculadas tiveram caráter informativo e de orientação social, não se revestindo de contornos de propaganda eleitoral antecipada.

E como bem salientado pelo Ministério Público, das condutas relatadas na inicial não se extrai a comprovação da potencialidade lesiva a dar vantagem na eleição aos candidatos demandados, concluindo que:

“Com efeito, não há como discutir-se que a cada quatro votos válidos três foram destinados aos candidatos representados. Isso se traduz em uma supremacia muito grande a abalar o resultado da eleição até porque, por ser notório, os periódicos citados na representação alcançam razoável extrato da população, direcionados a pessoas mais culturalmente vinculadas ao gosto de ler notícias do que à parcela em geral. Com isso quer dizer-se que ainda que todos os leitores da Folha do Nordeste e da NG revista fossem convencidos a votar em prol de Gustavo e Éder em razão das publicações evidenciadas pelos feitos dos postulantes ainda assim seria insuficiente a reverter o resultado obtido nas urnas.

Logo, ausente requisito essencial não há como dar-se azo à pretensão dos representantes."

 

No que se refere à prática de abuso do poder econômico devido ao aumento de despesas com publicidade institucional em favor das empresas Folha do Nordeste e NG Revista, a sentença bem aponta ser pacífica a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que "permite à mídia impressa posicionar-se favoravelmente a determinada candidatura sem que isso caracterize, de per si, uso indevido dos meios de comunicação social, devendo ser punidos pela Justiça Eleitoral os eventuais excessos".

De fato, não há como discordar do magistrado no sentido de que "os periódicos indicados na exordial assumiram, expuseram a pessoa do demandado em várias publicações ao longo dos anos. Porém, a maioria das matérias possui conteúdo informativo. No caso dos autos, essa prática não teve o condão de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois se a normalidade e a legitimidade das eleições são definidas pela concorrência leal e pela igualdade de chances, não vejo como considerar abusivas as matérias objetos da inicial".

No tocante ao alto gasto público com veiculação de publicidade institucional em jornal privado, sem prestigiar o fato de que, durante a administração dos recorridos foi implementado o Diário Oficial Eletrônico da Prefeitura de Lagoa Vermelha, meio de comunicação que serve justamente para a redução de despesas, igualmente não se identifica prática abusiva.

Conforme conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral: "em que pese estar evidenciado um aumento de gastos públicos com propaganda institucional durante a gestão de Gustavo Bonotto, mesmo com a criação do Diário Oficial Eletrônico, fato que pode inclusive configurar improbidade administrativa1, e mesmo estando demonstrado que os periódicos expuseram a imagem do gestor municipal em diversas publicações ao longo de toda a gestão, entende o Ministério Público Eleitoral que assiste razão ao magistrado ao concluir que não houve o comprometimento da normalidade e da legitimidade das eleições".

Ademais, de acordo com o já referido, as matérias jornalísticas se revestiram, em sua imensa maioria, de caráter meramente informativo.

Portanto, assim como decidido na primeira instância, entendo que os fatos narrados não se enquadram como abuso de poder de autoridade, político, econômico e utilização indevida dos meios de comunicação social, nem ostentam gravidade o suficiente para repercutir na normalidade e na legitimidade do pleito de 2020 em Lagoa Vermelha/RS.

 

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.