REl - 0600274-98.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/11/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade por Ausência de Fundamentação

Preliminarmente, a recorrente requer a anulação da sentença, “em face da incorreta avaliação do teor probatório, eis que não revela motivação de inexistência de prova acerca das movimentações financeiras havidas”.

Embora deduzindo uma fundamentação sintética, a sentença expressamente considerou a deficiência da documentação apresentada para sanear a ausência de identificação dos CPFs dos contratados nos extratos bancários, consignando que a prova ofertada “não supre a exigência de ‘comprovação’ destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário”.

Assim, não há a caracterização de ausência de fundamentação.

Em relação à alegação de “incorreta avaliação do teor probatório”, trata-se de questão que se confunde com o mérito da demanda e que deve com ele ser analisada.

Com essas considerações, rejeito da prefacial de nulidade da sentença.

Do Mérito

No mérito, a desaprovação das contas, “com base no arts. 6º, 79, §§ 1º e 2º e nos termos do art. 74, inc. III da Resolução TSE n. 23.607/19”, teve por fundamento os gastos com verbas do FEFC, sem a identificação dos CPFs dos destinatários dos recursos nas operações bancárias, e a extrapolação do limite de gastos de campanha.

Nas razões recursais, a candidata delimitou sua impugnação às questões envolvendo os cheques emitidos sem identificação dos favorecidos nos extratos bancários, ao que está delimitada a cognição do Tribunal, ante a devolutividade restrita do recurso, prevista no art. 1.013, caput, do CPC.

Logo, o apontamento relacionado à extrapolação dos gastos de campanha não pode ser objeto de exame pelo Juízo de Segunda Instância, por efeito da preclusão.

No tocante à irregularidade impugnada, conforme constou lançado no relatório preliminar (ID 44993271) e no parecer conclusivo (ID 44993280), houve gastos com a prestação de serviços de militância, quitados com verbas do FEFC, que constaram nos extratos bancários com a informação “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGENCIA”, não havendo identificação do beneficiário no campo “CPF/CNPJ Contraparte”, no total de R$ 3.850,00, assim, discriminados:

Alguns dos gastos eleitorais com recursos do FEFEC (DESP ATIVIDADES DE MILITANCIA) descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 (sem identificação do CPF do destinatário na movimentação bancária), conforme demonstrativo abaixo.

 

Identificação da conta bancária: 001 - BCO DO BRASIL S.A. (BB) / 628 / 00000000000000594644

Natureza da conta: FEFEC:

De seu turno, a candidata defende que identificou o CPF dos destinatários, por meio de contratos, recibos e relatórios de despesa, os quais, no seu entender, seriam suficientes para a comprovação da regularidade dos gastos.

Pois bem.

Assinalo que os gastos eleitorais devem observar a forma prescrita no art. 38, incs. I e III, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Na hipótese, não há nos autos cópias ou microfilmagens das cártulas, o que permitiria aferir se foram preenchidas nominalmente e com cruzamento aos fornecedores, como determina o inc. I do citado dispositivo.

Os demais documentos encartados aos autos resumem-se aos instrumentos de contratos firmados entre a candidata e os cabos eleitorais e, ainda, recibos de quitação (ID 44993242 e anexos), os quais se mostram insuficientes para demonstrar que os descontos bancários na conta de campanha foram efetivamente direcionados em favor dos referidos contratados.

Portanto, na situação em exame, houve carência na comprovação do direcionamento dos recursos públicos manejados, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, colaciono precedente de minha relatoria, em caso bastante semelhante:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. GASTOS IRREGULARES COM FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). INOBSERVÂNCIA DO REGRAMENTO CONTIDO NO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DOS VALORES IRREGULARES AO TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE REPROVAÇÃO. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, referentes às eleições municipais de 2020, e determinou a devolução de valores ao Tesouro Nacional, em razão do pagamento de gastos, com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem observância do disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, inviabilizando a identificação do destinatário na movimentação bancária.

2. Preliminar. Reconhecida a nulidade da decisão proferida em aclaratórios, por ausência mínima de fundamentação. Viabilidade, contudo, para que o mérito da causa seja apreciado nesta instância, ante a devolutividade ampla do recurso, a suficiência da instrução probatória e a possibilidade de imediato julgamento. Inteligência do disposto no art. 1.013, § 3º, inc. IV, do Código de Processo Civil.

3. Não identificados beneficiários de pagamentos realizados com verbas do FEFC, referentes à prestação de serviços de militância. Inobservância do regramento contido no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não apresentadas as cópias ou microfilmagens das cártulas utilizadas, providência que permitiria aferir se foram preenchidas nominalmente e com cruzamento aos fornecedores. Instrumentos de contratos firmados entre a candidata e os cabos eleitorais insuficientes para demonstrar que os descontos bancários na conta de campanha foram efetivamente creditados em favor dos contratados. Mantida a determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional.

4. O conjunto de falhas representa 76% da arrecadação total de recursos, inviabilizando a aprovação das contas com ressalvas com fundamento na aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Manutenção da sentença de reprovação.

5. Provimento negado.

(TRE-RS; REl n. 0600346-85.2020.6.21.0072; Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado em 26.9.2022, DJe de 28.9.2022.)

 

Por fim, registro que as irregularidades impugnadas alcançam R$ 3.850,00 e representam 76% da arrecadação total de recursos (R$ 5.100,00), inviabilizando, por si sós, a aprovação das contas com ressalvas por aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

 

ANTE O EXPOSTO, rejeitada a preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso.