PCE - 0602484-76.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/11/2022 às 16:30

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por MAURICIO BEDIN MARCON, candidato eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

Conforme já consignado no relatório, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal exarou parecer conclusivo apontando (a) existência de indício de recebimento direto de fonte vedada de arrecadação, no valor de R$ 22.428,54, proveniente da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A., em infringência ao inc. I do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19; (b) recebimento direto de doação de permissionário de serviço público, no valor de R$ 150,00, em infringência ao inc. III do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19; e (c) recebimento de doação, no valor de R$ 25,00, realizada por beneficiário do Auxílio Brasil, o que poderia indicar ausência de capacidade financeira do doador. Em razão das irregularidades verificadas, a SAI recomendou a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia de R$ 22.578,54 ao Tesouro Nacional (ID 45315722).

No que diz respeito à existência de indício de recebimento direto de fonte vedada de arrecadação, no valor de R$ 22.428,54, proveniente da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A., em infringência ao inc. I do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19, em seus esclarecimentos, o candidato afirma que contratou a empresa Democratize Tecnologia Ltda., prestadora de serviços de financiamento coletivo por meio de sítios eletrônicos, possibilitando o recebimento de doações de pessoas físicas por meio da internet, a qual repassou ao candidato os recursos recebidos através de conta aberta na empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S.A., em conformidade com nota técnica apresentada pela contratada.

A questão restou assim relatada no parecer conclusivo:

O candidato apresentou “Nota Técnica” da Democratize (ID 45237173), empresa de financiamento coletivo cadastrada pelo prestador de contas, declarando que:

“...a DEMOCRATIZE abriu conta … junto à ASAAS GESTÃO FINANCEIRA INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTOS S.A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21),“uma instituição de pagamento autorizada pelo Banco Central do Brasil”

(...)

“A DEMOCRATIZE, por outro lado, é a entidade arrecadadora (Lei nº 9.504/97, art. 23, § 4º, IV) detentora do know-how, do sistema de informática e da responsabilidade pelo serviço de arrecadação, sendo a ASAAS o banco digital onde a DEMOCRATIZE mantém conta de pagamentos, pela qual são processados os repasses dos valores arrecadados”.

 

Além da “Nota Técnica” da Empresa Democratize, também são apresentadas imagens da conta de pagamento e do sistema de arrecadação da Democratize (ID 45237173).

 

O candidato contratou a Democratize, CNPJ 35.492.333/0001-60, empresa de financiamento coletivo regularmente cadastrada pelo TSE. Ainda, as doações captadas no financiamento coletivo foram individualizadas nesta prestação de contas, conforme determina o art. 22, inciso II da Resolução TSE 23.607/2019. No Anexo I, disponibiliza-se os documentos de credenciamento disponibilizados pela empresa e a autorização realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

 

Em que pese as declarações da Democratize, o Procedimento Técnico de Exame do Tribunal Superior Eleitoral trouxe a falha referente à identificação de doação proveniente de pessoa jurídica na conta bancária do candidato, identificada com o CNPJ 19.540.550/0001-21, pertencente a ASAAS Gestão Financeira, intermediária de pagamento, que não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, conforme a exigência do art. 24, §2º da Resolução TSE 23.607/2019. Cabe referir que, como base de pesquisa, foi consultada a Lei 12.865/2013, que dispõe sobre os arranjos de pagamentos, e Resoluções 80/2021, 81/2021 e 96/2021 do Banco Central do Brasil, que disciplinam o funcionamento das instituições de pagamentos. No Anexo II, disponibiliza-se o CNPJ da empresa ASAAS, que nas atividades identifica-se como “Holding de instituição não financeira”.

 

Destaca-se também o §2º do art. 6º da Lei 12.865/2013:

 

Art. 6º § 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput.

 

A conta intermediária que a Democratize possui na ASAAS, instituição não financeira, não é uma conta bancária de depósito a vista, como prevê o art. 24, §2º da Resolução TSE 23.607/2019, assim o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu conforme previsto na resolução de prestação de contas.

 

Como consequência, o crédito bancário na conta do candidato não ocorreu dentro dos padrões definidos pelo TSE, com as verificações e cruzamentos automatizados efetivados pelo Procedimento Técnico de Exame do TSE. Não é possível determinar que e receita creditada na conta bancária do prestador de contas é originada da arrecadação de financiamento coletivo captada pela Democratize, pois o crédito que seria esperado teria como identificação o CNPJ da Democratize (CNPJ 35.492.333/0001-60), e não da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21).

 

Cabe referir, ainda, um dos principais regramentos das prestações de contas eleitorais: os créditos bancários de doações recebidas devem ser obrigatoriamente identificados como previsto no art. 7º, §1º da Resolução TSE 23.607/2019:

 

Art. 7º § 1º As doações financeiras devem ser comprovadas, obrigatoriamente, por meio de documento bancário que identifique o CPF/CNPJ das doadoras ou dos doadores, sob pena de configurar o recebimento de recursos de origem não identificada de que trata o art. 32 desta Resolução.

 

Assim, o montante de R$ 438,62, referente ao item 2.1, configura-se como recurso de fonte vedada, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 31, §4º e §10 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Pois bem.

A empresa Democratize Tecnologia Ltda consiste em uma empresa de arrecadação de recursos pela modalidade de financiamento coletivo via internet, com cadastro deferido pelo TSE, para a prestação de serviços a partidos e candidatos no pleito de 2022 (https://financiamentocoletivo.tse.jus.br/fcc.web/#!/publico/lista-empresa), nos exatos termos estipulados pelo art. 22, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 22. O financiamento coletivo, se adotado, deverá atender aos seguintes requisitos:

I - cadastro prévio na Justiça Eleitoral pela instituição arrecadadora, observado o atendimento, nos termos da lei e da regulamentação expedida pelo Banco Central do Brasil, dos critérios para operar arranjos de pagamento;

 

Logo, ao selecionar a empresa arrecadadora entre aquelas cadastradas no TSE, deve-se entender que o candidato agiu com probidade e boa-fé, presumindo a regularidade da constituição e funcionamento da prestadora de serviços, de acordo com a legislação eleitoral e com as normas expedidas pelo Banco Central do Brasil.

Em consulta ao sítio eletrônico da Democratize (https://democratize.com.br/), inclusive, vê-se em destaque o anúncio de ser uma plataforma “homologada pelo TSE”, destacando-se os dizeres: “fomos umas das primeiras plataformas aprovadas para prestar o serviço de arrecadação. Poderá verificar diretamente no site do TSE https://financiamentocoletivo.tse.jus.br/fcc.web/”.

Ainda, as informações divulgadas no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022) registram que a Democratize foi contratada por 1.489 candidatos nas eleições de 2022, em todo o território nacional, a exemplo dos candidatos Jair Bolsonaro, Antônio Hamilton Mourão, Fernando Haddad e João Edegar Pretto, de modo que seus serviços não se circunscreveram a uma região específica ou a determinado grupo.

Ocorre que a empresa utilizou-se de uma conta intermediária para captação de recursos, a qual foi aberta na ASAAS Gestão Financeira, que, embora realize serviços de cobranças e outras atividades financeiras, não é instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, razão pela qual o órgão técnico indicou o descumprimento ao art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 24. Havendo conta intermediária para a captação de doações por financiamento coletivo, a instituição arrecadadora deve efetuar o repasse dos respectivos recursos à conta bancária de campanha eleitoral da candidata ou do candidato ou do partido político (conta "Doações para Campanha").

 

§ 1º No momento do repasse à candidata ou ao candidato ou ao partido político, que deverá ser feito obrigatoriamente por transação bancária identificada, a instituição arrecadadora deverá identificar, individualmente, as doadoras ou os doadores relativas(os) ao crédito na conta bancária da destinatária ou do destinatário final.

 

§ 2º A conta intermediária de que trata o caput deste artigo, uma vez aberta, deve observar a modalidade de conta bancária de depósito à vista, em instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil.

 

§ 3º Os créditos recebidos na conta intermediária de que trata o caput deste artigo devem ser realizados por meio de transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado.

(Grifei.)

 

O candidato, após emissão do parecer conclusivo e da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, juntou aos autos declaração da empresa Democratize na qual esclarece que foi aberta conta no Banco Inter, empresa que atenderia aos requisitos da Resolução, explicando o seguinte (ID 45338512):

Conforme fluxograma acima, todas as doações quando processadas, são custodiadas nesta conta mantida junto ao Banco Inter, até que o(a) candidato(a) cliente solicite o saque dos recursos arrecadados na Democratize, para a sua conta de campanha.

 

Feito isso, automaticamente o sistema da Democratize programa a transferência no sistema do Banco Digital Asaas – Asaas Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S.A., para posterior crédito na conta bancária de campanha indicada pelo(a) candidato(a) cliente.

 

Após feita esta programação, a Democratize, manualmente, totaliza o montante das transações do dia e transfere estes recursos, em uma única remessa, da conta do Banco Inter (conta intermediária, modalidade conta de depósitos à vista) para a Conta Digital PJ mantida no Asaas, Agência 0001, Conta 1439583-4, para posterior repasse automatizado ao(à) candidato(a) cliente. (Anexo 2)

 

Esta dinâmica se dá, em suma, pois o Banco Inter não disponibiliza integração para com o sistema financeiro da Democratize, o que obrigaria esta à proceder de maneira manual cada transferência eletrônica, para cada saque comandado por seus clientes.

 

Já com a utilização da Conta PJ do Asaas, por haver conexão entre os sistemas Democratize e Asaas, todo o processo acontece de maneira 100% automatizada, eletronicamente, garantindo assim maior agilidade e precisão para as transações.

 

De qualquer sorte, não entendi como relevantes tais informações no presente caso, pois, de qualquer modo, não me parece razoável imputar qualquer responsabilidade por eventual falha da empresa ao candidato, uma vez que, consoante exposto, a Democratize detinha cadastro deferido junto ao TSE e efetivamente captou recursos para os mais diversos concorrentes, induzindo à firme convicção de sua qualificação e idoneidade para o serviço contratado.

O atendimento, por parte das instituições arrecadadoras, aos requisitos previstos no art. 24 da Resolução TSE n. 23.607/19 devem ser analisados em procedimento específico por parte do TSE, competente para o deferimento de seu cadastro prévio.

Além disso, as pessoas físicas doadoras originárias estão declaradas e identificadas pelo nome, CPF e discriminação das respectivas operações.

Diante disso, o órgão técnico bem atestou que “as doações captadas no financiamento coletivo foram individualizadas nesta prestação de contas, conforme determina o art. 22, inciso II da Resolução TSE 23.607/2019”, cujo teor transcrevo:

Art. 22. O financiamento coletivo, se adotado, deverá atender aos seguintes requisitos:

[…].

II - identificação obrigatória, com o nome completo e o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de cada pessoa doadora, o valor das quantias doadas individualmente, a forma de pagamento e as datas das respectivas doações;

 

Nessa esteira, não havendo quaisquer outros indícios de fontes vedadas ou recursos de origem não identificada, os apontamentos resumem-se ao fato de a conta intermediadora não ser mantida por instituição bancária e, consoante descreveu o parecer conclusivo, “o crédito que seria esperado teria como identificação o CNPJ da Democratize (CNPJ 35.492.333/0001-60), e não da empresa ASAAS Gestão Financeira Instituição de Pagamentos S/A. (CNPJ nº 19.540.550/0001-21)”.

Contudo, a partir dos esclarecimentos e documentos acostados, julgo que as incongruências relatadas estão devidamente saneadas, representando, no escopo dos presentes autos, meras falhas formais e externas à esfera de responsabilidade do candidato.

Quanto ao recebimento direto de doação de permissionário de serviço público, no valor de R$ 150,00, em infringência ao inc. III do art. 31 da TSE n. 23.607/19, entendo sanado frente recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional, conforme comprovante de pagamento de guia GRU juntado aos autos pelo prestador no ID 45338622.

E de igual modo, sanada se mostra a impropriedade relativa ao recebimento de doação, no valor de R$ 25,00, realizada por beneficiário do Auxílio Brasil, o que poderia indicar ausência de capacidade financeira do doador. Primeiro porque o valor ínfimo da doação não permite a conclusão, estreme de dúvidas, de que o doador não teria capacidade financeira para realizar o aporte. E, segundo, aqui o prestador de igual modo realizou o recolhimento do aludido valor ao Tesouro Nacional (ID 45338622), demonstrando a sua boa-fé no esclarecimento e na conciliação da contabilidade.

Logo, por não subsistir qualquer irregularidade ou impropriedade nas contas apresentadas, sua aprovação é medida que se impõe.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação das contas de MAURICIO BEDIN MARCON, relativas ao pleito de 2022, com fundamento no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.