REl - 0600003-71.2022.6.21.0120 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/11/2022 às 16:30

VOTO

Da Admissibilidade 

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Dos Documentos Juntados com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura pode sanar irregularidades, ictu primo oculi, sem a necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se, assim, o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso – cédula de identidade de Maria Fátima Schubert (ID 45015850) e e-mail contendo distrato de prestação de serviços contábeis (ID 45015851), ambos de simples análise.

Do Mérito

No mérito, a contabilidade relativa ao exercício de 2021 do Diretório Municipal do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT de Tucunduva foi desaprovada, sendo-lhe imposto o recolhimento de R$ 4.000,00 ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 20% e suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário por oito meses, em face do aporte na conta bancária destinada à movimentação de “Outros Recursos”, no dia 25.5.2021, de R$ 4.000,00, mediante depósito em dinheiro.

A tal respeito, dispõe o art. 39, § 3º, inc. II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.

(…).

§ 3º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta do partido político por meio de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - depósitos em espécie devidamente identificados;

 

O dispositivo legal está regulamentado pelo art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, que assim prescreve:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95).

(…).

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…).

§ 10. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ou, se não for possível identificá-lo, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 14 desta resolução.

 

Na espécie, não restou explicitado nos pareceres técnicos (IDs 45015825 e 45015831) nem na sentença (ID 45015844) se os recursos findaram por terem sido efetivamente utilizados, mas é certo que não houve, até o último dia útil do mês subsequente ao crédito, a devolução à respectiva doadora, identificada no extrato bancário pelo número de CPF (649.383.010-91), pertencente a Maria Fátima Shubert, esposa do presidente do órgão partidário, Luiz Evandro Shubert.

A falha poderia ser sanada, por exemplo, com a juntada de extrato bancário da conta particular do contribuinte indicando a saída do montante na data em que realizada a entrada na conta do partido, porém a agremiação não se desincumbiu desse ônus, pois, ainda que informado o nome do possível doador, não há como vinculá-lo à real fonte da quantia depositada para o órgão partidário.

Além disso, não prospera a invocação de “desconhecimento da lei, muito comum em nossa região, em que líderes partidários, como do Senhor Luiz, mal sabem ler e escrever”.

Ora, a prestação de contas é um imperativo constitucional e deve observar a legislação de regência, na qual não existem quaisquer ressalvas sobre a ignorantia legis como elemento de mitigação dos deveres legais ou de menor reprovabilidade da conduta em questão, incidindo o disposto no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que expressa: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Nesse cenário, tenho por configurada a irregularidade, porque realizada a doação de R$ 4.000,00 por meio diverso do prescrito, ainda que identificado o CPF no documento bancário e emitido o respectivo recibo eleitoral pela agremiação, n. P12000489451RS000005, em nome da doadora (ID 45015798).

Caracterizada a operação fora dos parâmetros legais, as quantias “devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional”, nos exatos termos dos arts. 8º, § 10, e 14, caput, da Resolução TSE n. 23.604/19.

A corroborar, a jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas, prejudica a transparência das declarações contábeis e enseja o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS E O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. READEQUAÇÃO DA MULTA APLICADA. DESTINADA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referente ao exercício financeiro de 2020, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 20%.

2. Recebimento de recurso de origem não identificada por meio de depósito em dinheiro efetuado na conta bancária do partido. Incontroversa a operação fora dos parâmetros legais, na medida em que a regra é clara ao estabelecer que as doações financeiras acima de R$ 1.064,09 devem ocorrer por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, cabendo ao partido diligenciar para que o aporte de recursos financeiros seja sempre realizado na forma estabelecida na normatização legal, sob pena de devolução ao erário, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/19. A norma caracteriza todo valor que ingressou de forma indevida na conta de campanha como irregular, e não apenas o montante que exorbitou o teto definido em resolução. Entendimento plasmado no art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis, ensejando a desaprovação do feito.

4. A irregularidade representa 72,20% da receita arrecadada e ultrapassa o parâmetro utilizado por esta Corte para considerar a quantia ínfima, seja em valores nominais ou percentuais. Inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Readequação da multa para aplicação proporcional e razoável, reduzida para 14,44%, incidente sobre o valor total irregular, a ser recolhida ao Fundo Partidário, nos termos do art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19.

5. Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas e o recolhimento ao Tesouro Nacional. Reduzido o percentual da multa aplicada, destinada ao Fundo Partidário.

(TRE-RS, REl n. 0600095-27.2021.6.21.0074, Relator: Des. Eleitoral AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, julgado em 15.07.2022, DJe de 25.07.2022) (Grifei.)

 

A irregularidade alcança o valor de R$ 4.000,00, que representa 75,85% do total de recursos movimentados (R$ 5.273,00), inviabilizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Em relação à suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, prevista no art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, a sentença aplicou a penalidade pelo período de 8 (oito) meses, “considerando a proporcionalidade entre os recursos de origem irregular e o montante total arrecadado”.

Ocorre que o critério utilizado não é exclusivo, devendo também ser sopesados os demais elementos objetivos e subjetivos expostos nos autos para o justo dimensionamento da sanção, na linha da jurisprudência do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário.

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes.

3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada ( REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016).

4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades.

5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas.

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE; REspe nº 7237, Relator: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 02.10.2018) (Grifei.)

 

Assim, tratando-se de órgão partidário de pequena envergadura, atuante em município com apenas 4.763 eleitores, com falha única e sem evidências de dolo ou má-fé, as circunstâncias autorizam o redimensionamento da penalidade para o período de 4 meses, na linha de precedentes deste Tribunal (TRE-RS – RE n. 2904, Relator: DES. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, DEJERS de 13.11.2017, e RE n. 1460, Relatora: DESA. MARILENE BONZANINI, DEJERS de 22.02.2019).

Da mesma forma, no tocante à aplicação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19, tenho que é necessário realizar a readequação do seu percentual, de forma proporcional e razoável à falha verificada e às circunstâncias atenuantes presentes no caso, nos termos do § 2º do art. 48 referido, reduzindo-se a sanção para o percentual de 10%, incidente sobre o valor total irregular de R$ 4.000,00.

 

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir a multa aplicada para o percentual de 10% sobre o total das irregularidades e a suspensão de quotas do Fundo Partidário para o período de 4 meses, mantendo o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 4.000,00 ao Tesouro Nacional.