REC no(a) Rp - 0603617-56.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2022 às 16:00

VOTO

Sr. Presidente. Eminentes Colegas.

Preliminarmente, há de se verificar a validade do documento sob ID 45299934 e que tem o seguinte teor:

 

EDUARDO FIGUEIREDO CAVALHEIRO LEITE, ONYX DORNELLES LORENZONI, GABRIEL VIEIRA DE SOUZA, CLAUDIA PELEGRINO JARDIM PEREIRA, COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE (FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA / MDB / PSD / PODEMOS / UNIÃOBRASIL) e COLIGAÇÃO PARA DEFENDER E TRANSFORMAR O RIO GRANDE (PL / REPUBLICANOS /PATRIOTA / PROS), reconhecendo a legitimidade do processo eleitoral que resultou na eleição de Eduardo Leite e Gabriel Souza ao executivo estadual, comunicam a Vossa Excelência a desistência recíproca de todos os processos judiciais eleitorais ajuizados entre si durante a campanha eleitoral, permitindo-se o livre exercício dos mandatos e do direito de oposição nos espaços políticos.

Assim, e com a anuência dos representados, os representantes requerem seja homologada a desistência desta ação, sem a imposição de quaisquer penalidades.

 

Foram listados os processos entre as partes, atingidos pela desistência recíproca: 0603561-23.2022.6.21.0000, 0603567-30.2022.6.21.0000, 0603570-82.2022.6.21.0000, 0603573-37.2022.6.21.0000, 0603574-22.2022.6.21.0000, 0603586-36.2022.6.21.0000, 0603592-43.2022.6.21.0000, 0603599-35.2022.6.21.0000, 0603601-05.2022.6.21.0000, 0603603-72.2022.6.21.0000, 0603617-56.2022.6.21.0000 e 0603619-26-2022.6.21.0000.

Pois bem.

O art. 485, § 5°, do CPC dispõe, expressamente, que “a desistência da ação pode ser apresentada até a sentença”, sendo, portanto, extemporâneo o requerimento oferecido após a sentença, oportunidade em que cabe à parte recorrente, tão somente, a desistência do recurso, na forma do art. 998 do CPC.

Ademais, há previsão expressa no art. 11 da Resolução TSE n. 23.478/16, que disciplina a aplicabilidade do CPC no âmbito desta Justiça Especializada, no seguinte sentido: “Na Justiça Eleitoral não é admitida a autocomposição, não sendo aplicáveis as regras dos arts. 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil”.

Assim, não é possível a homologação do pedido de desistência formulado, pois a apuração de ilícitos eleitorais constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações.

Com esses fundamentos, indefiro o pedido de desistência da ação.

No mérito, por ocasião da prolação da sentença, assim me manifestei (ID 45286732):

 

Cuida-se de representação por prática de propaganda eleitoral irregular, com base no Código Eleitoral, nomeadamente os artigos 242, 243, inciso IX, 324 e 325.

Conforme relatado, houve a distribuição, pelos representados, de impresso com aparência de “jornal” (tabloide), contendo dados e afirmações elogiosas a Eduardo Leite e, ao mesmo tempo, críticas e fatos desabonadores ao então candidato Onyx Lorenzoni.

Na ocasião da análise do pedido de concessão de tutela de urgência, entendi que a maioria das afirmações de cunho negativo continham-se no limite da crítica política, à exceção de uma referência a racismo, e julguei pela concessão parcial da medida liminar.

Transcrevo a decisão:

Vistos.

ONYX DORNELLES LORENZONI, CLAUDIA PELEGRINO JARDIM PEREIRA e COLIGAÇÃO PARA DEFENDER E TRANSFORMAR O RIO GRANDE ajuízam representação, com pedido de tutela de urgência, contra EDUARDO FIGUEIREDO CAVALHEIRO LEITE, GABRIEL SOUZA e COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE, por propaganda eleitoral irregular, consistente na distribuição de material impresso.

Alega que, na manhã do dia de hoje (29.10.2022), os representados estariam “distribuindo 250.000 exemplares de material de propaganda eleitoral altamente ofensivo à honra e à reputação do candidato Onyx Lorenzoni, incompatível com a liberdade de expressão e em todo excedente aos limites da ‘crítica política’ própria da propaganda negativa, caracterizando nítido ataque pessoal”. Sustentam que a peça “aponta a prática de racismo/homofobia a Onyx”, mas não demonstra “onde estariam as denúncias ou queixas criminais que autorizariam a divulgação dessas afirmações difamatórias e caluniosas na propaganda eleitoral”. Em razão do exposto, requer seja reconhecida a ilegalidade do material, determinada a proibição da sua distribuição e a sua busca e apreensão.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

Decido.

Do exame do material impugnado, percebe-se que traz inúmeras imputações ao candidato a governador Onyx Lorenzoni.

A maioria delas, encontra-se no âmbito da crítica política e/ou imputa ao representado fatos de conhecimento público e já tratados nos debates eleitorais e em outras representações ajuizadas nesta justiça especializada, não podendo ser caracterizadas como fatos sabidamente inverídicos.

Entretanto, uma das imputações é de extrema gravidade. A que acusa o representado Onyx de racismo, pelo fato de ter se calado frente ao vídeo gravado pelo cantor Seu Jorge “contando que foi ofendido por gritos racistas em show realizado em Porto Alegre”. Segundo afirma a publicação da coligação de Eduardo Leite, “Eduardo lamentou. Onyx calou”. Por esse ato, omissivo, diga-se, Leite atribui a Onyx conduta tipificada criminalmente, o que excede completamente os limites da crítica política.

Evidencia-se, portanto, que o objetivo da veiculação é realizar propaganda eleitoral negativa, em prejuízo da candidatura adversária, atribuindo ao candidato Onyx conduta delituosa da qual não se tem notícia ser verídica, devendo tal inverdade ser coibida, neste momento crucial para a eleição, tratando-se da véspera do pleito.

Reitero que a situação se afigura grave, uma vez que o material, com a tiragem de 250.000 exemplares, está sendo distribuído em momento sensível e crítico do pleito majoritário do Rio Grande do Sul, uma vez que as disputas de segundo turno envolvem somente dois candidatos, sendo inegável o prejuízo causado, com a manutenção da veiculação da propaganda irregular.

Portanto, estão presentes os requisitos estabelecidos no art. 300 do CPC, para o deferimento da tutela provisória de urgência.

DIANTE DO EXPOSTO, concedo parcialmente a tutela, para o fim de determinar:

a) a proibição imediata de distribuição do material, seja impresso, seja na internet, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais);

b) a busca e apreensão, nos comitês de campanha dos representados em Porto Alegre, do material porventura armazenado e em vias de distribuição; e

c) que os representados entreguem o material remanescente, no depósito judicial da Justiça Eleitoral, em Porto Alegre.

Fixo, para o caso de reiteração da conduta, mediante nova veiculação do conteúdo, multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Cite-se e intime-se, imediatamente, para cumprimento e apresentação de defesa, observando-se o prazo de 2 (dois) dias.

 

Inicialmente, registro que não há dúvidas sobre a autoria da propaganda eleitoral, como salientado pela parte demandada. Constam formalmente, no impresso, os dados exigidos pela legislação de regência, de modo que não procede a alegação de autoria não demonstrada.

No mérito, antecipo que mesmo após a leitura das razões de defesa, não vislumbro motivos para a modificação da convicção exarada. Ao contrário, o cumprimento do rito processual dos presentes autos teve o condão de reforçar o acerto da decisão proferida liminarmente.

Explico.

A contestação pretende trazer raciocínio de que a publicidade objetivou apenas dar relevo a um suposto silêncio de parte de Onyx Lorenzoni em um episódio ocorrido com o artista “Seu Jorge”, ao se apresentar em clube da capital gaúcha. O fato teve repercussão nacional e, de fato, há comprovação de que Eduardo Leite repudiou expressamente as – de fato absolutamente reprováveis e lamentáveis – condutas de alguns espectadores da referida apresentação.

Ocorre, todavia, que os representados olvidaram – habilmente e talvez porque lhes convinha, de que a referência à “vergonha nacional – Seu Jorge grava um vídeo contando que foi ofendido por gritos racistas em show realizado em Porto Alegre. Eduardo lamentou, Onyx calou” (na própria contestação, ID 45204581, fl. 07) veio acompanhada, na mesma página do “jornal”, da afirmação “Uma onda de intolerância, racismo, ódio, homofobia e crueldade” canto superior esquerdo, aliás, em letras bem maiores, em nítida posição de destaque (petição inicial, ID 45185382, fl. 02).

Ou seja, a ilicitude não reside em afirmar que “Onyx calou”, mas sim em vincular o calar à prática de racismo, como nitidamente se procedeu.

A página do “jornal” (a última do impresso, contracapa) é toda dedicada a traçar uma “linha de tempo de um político” (com foto de Onyx Lorenzoni) “que não merece confiança”, e atribuiu ao então adversário, sem margem a dúvidas, a pecha de intolerante, cruel, portador de ódio, homofóbico e racista, adjetivo este último que é grave, porque fundamentalmente não pode ser atribuída a alguém a prática de racismo, ao ter silenciado sobre determinada situação (a qual, ao que tudo indica, Onyx sequer tenha presenciado). O adágio popular “quem cala, consente” há de permanecer exatamente nos locais de senso comum, e não no debate político, mormente quando se presta a exercer raciocínio para atribuir a alguém a prática de crime grave como o racismo. O direito fundamental à liberdade de expressão abrange, obviamente, o direito a não se manifestar.

Ou seja, entendo, no mérito, pela confirmação da concessão de tutela de urgência, diante da clara prática de desinformação na propaganda eleitoral mediante a divulgação de fato gravemente descontextualizado, não fidedigno, nos termos do artigo 9º da Resolução TSE n. 23.610/2019, incluído pela Resolução TSE n. 23.671/2021.

Nessa linha, a jurisprudência recente do e. Tribunal Superior Eleitoral, em precedente julgado por unanimidade, em processo de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

 

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NEGATIVA. INTERNET. REDES SOCIAIS. INFORMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. REFERENDO.

1. A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de diversas publicações realizadas por usuários não identificados de perfis das redes sociais Facebook, TikTok e Kwai, nas quais foram veiculados vídeos contendo áudios descontextualizados e desinformação sobre Luiz Inácio Lula da Silva, candidato ao cargo de presidente da República nas eleições de 2022.

2. Na hipótese dos autos, em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observa–se que as publicações impugnadas transmitem, como alegado, informação sabidamente inverídica por meio da utilização de fatos gravemente descontextualizados e prejudiciais à campanha eleitoral do candidato da coligação representante.

3. Verifica–se do teor dos vídeos impugnados que foram veiculados trechos de falas aleatórias do candidato Lula e da deputada Gleisi Hoffmann, assim como diálogos retirados de situações diversas das quais foram travados – ou até aparentemente inexistentes, como no caso das falas entre o pretenso assessor e o motorista de Lula –, no intuito de criar uma narrativa artificial, a partir de supostos fatos verídicos.

4. Infere–se da inicial e das provas a ela anexadas, notadamente a partir dos vídeos que contêm as falas completas e originais, constantes dos autos e checadas por agências de verificação, que tanto as falas do ex–presidente como as da deputada foram cortadas e retiradas completamente de contexto – fático e temporal –, deturpando o seu sentido original por meio da supressão de trechos capazes de modificar inteiramente o seu significado.

5. Nesse contexto, há plausibilidade jurídica no pedido de suspensão da divulgação do material impugnado, pois, com relação à veiculação de informação sabidamente falsa, a jurisprudência deste Tribunal Superior adota a orientação de que, embora seja reconhecido que a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas fortalece o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate eleitoral, a intervenção da Justiça especializada é permitida para "coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto" (AgR–REspEl no 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

6. Decisão liminar parcialmente deferida referendada.

 

A título de desfecho, trato do noticiado descumprimento. Tenho, no tópico, idêntica posição à exarada pela d. Procuradoria Regional Eleitoral.

Não seria exigível o impedimento de ocorrência do primeiro fato, minutos após a citação – linha do tempo visível no próprio sistema de Processo Judicial Eletrônico. A certidão de citação consta inserida no sistema, às 17h15min de 29.10.2022 (situação que em si já milita a favor dos representados, pois quando inserida a certidão é certo que o ato já havia, há alguns minutos, sido efetivamente realizado, como demonstra a citação - mensagem eletrônica do ID 4518426, às 17h09min).

Ou seja, a distribuição de material às 17h25min não tem, por razoabilidade, a força para atrair sanção por descumprimento – poder-se-ia argumentar, por exemplo, que devido à logística complexa de uma campanha para o Cargo de Governador, ainda não teria sido possível avisar aos cabos eleitorais posicionados na avenida Saturnino de Brito, esquina com a avenida Protásio Alves, de que a ação de propaganda deveria cessar.

Contudo, o flagrante operado pela Brigada Militar às 18h22min, em frente ao supermercado Gecepel, situado na Avenida Protásio Alves, n. 4936, já não pode ser albergado sob o mesmo argumento, pois a ordem de cessação de distribuição já havia sido dada há mais de uma hora. Como bem indicado pelo representante do Ministério Público Eleitoral, impunha-se aos representados agilidade no aviso aos correligionários, sobremodo em se tratando de ordem judicial bastante clara, que poderia ser repassada, por exemplo, via aplicativo de mensagens instantâneas. Bastava ordenar o término da distribuição, e como salientado, os representados já haviam inclusive encontrado tempo hábil para a entrega presencial de material, na sede do Tribunal Regional Eleitoral, cerca de 4.500 exemplares, de modo que a aplicação da pena pecuniária já prevista por ocasião da decisão liminar é medida que se impõe.

No ponto, colho trecho do parecer:

 

(...)

Quanto ao segundo fato, ocorrido após 1 hora e 7 minutos, os Representados já deveriam ter determinado o recolhimento dos panfletos a quem se dirigia aos pontos de distribuição. Aqui cabível e necessária a aplicação da multa estipulada quando da antecipação da tutela. A dinâmica do processo eleitoral e as modernas tecnologias de informação, que permite comunicação imediata, não levam a outra conclusão.

Ademais, destaco que, na manifestação, os demandados alegam não ter havido descumprimento, ao fundamento de que teria “imediatamente procedido à comunicação das equipes de rua que distribuíam o material”, e trazem considerações sobre o material presente nas sedes de campanha e sobre “procedimentos a serem efetuados”, sem demonstrarem contudo que atos procedimentais seriam, afinal, necessários. Referem, aliás, apenas um ato, nomeadamente uma “comunicação à coordenação” - de realização obviamente instantânea - de modo que o período de de mais de uma hora, ao contrário do afirmado pelos demandados, consiste em tempo mais que razoável, até mesmo porque a decisão ordenou o cumprimento imediato.

Diante do exposto, confirmo a medida liminar, julgo parcialmente procedente a demanda e aplico a multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por descumprimento da ordem de proibição imediata da distribuição do material tido como ilícito.

Publique-se.

 

Reitero que, quanto ao descumprimento da ordem, o flagrante operado pela Brigada Militar, às 18h22min, em frente ao supermercado Gecepel, situado na Avenida Protásio Alves, n. 4936, bem demonstra o acerto da aplicação da pena pecuniária já prevista por ocasião da decisão liminar (ID 45185478), que deve ser integralmente mantida.

Dessarte, como o recurso reitera as teses defensivas, tenho por desprover o apelo.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito o pedido de desistência da ação e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.