REC no(a) Rp - 0603602-87.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2022 às 16:00

VOTO

Inicialmente, consigno que o art. 485, § 5°, do CPC dispõe, expressamente, que “a desistência da ação pode ser apresentada até a sentença”, sendo, portanto, intempestivo o requerimento oferecido na fase recursal, oportunidade em que cabe à parte recorrente tão somente a desistência do recurso, na forma do art. 998 do CPC:

Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.

Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

Além da manifesta extemporaneidade do pedido de desistência da ação formulado após a decisão condenatória, é cristalino o descabimento da conduta adotada pelas partes em face da vedação contida no art. 11 da Resolução TSE n. 23.478/16, que disciplina a aplicabilidade do CPC no âmbito desta Justiça Especializada: “Na Justiça Eleitoral não é admitida a autocomposição, não sendo aplicáveis as regras dos arts. 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil”.

Destarte, não é possível a homologação de pedido de desistência formulado pela parte autora, mesmo diante da concordância da parte contrária e do Ministério Público Eleitoral, em ação que objetiva investigar infrações eleitorais, pois a apuração de ilícitos constitui direito indisponível, de interesse público, pelo que não pode ser transacionado por candidatos, partidos políticos ou coligações.

Com esses fundamentos, indefiro o pedido de desistência da ação.

Destaco.

No mérito, considerando que os recorrentes se limitaram a reproduzir, no recurso, as mesmas teses jurídicas afastadas por ocasião da decisão final - sequer enfrentando as razões de decidir -, mantenho a decisão recorrida por seus próprios fundamentos, os quais reproduzo para evitar tautologia:

A demanda cinge-se ao impulsionamento de propaganda negativa, prática vedada pela legislação eleitoral, consoante prescreve o art. 29, caput e §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19, verbis:

Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...).

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 2º). 

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º). (grifei)

Nesses termos, nota-se que a normatização de regência veda a divulgação de propaganda eleitoral paga na internet, ressalvado o impulsionamento de conteúdo, o qual deve se destinar apenas a promover ou beneficiar candidaturas ou suas agremiações, condenando a realização de propaganda negativa a pena de multa de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00.

Na hipótese dos autos, é incontroversa a ocorrência de impulsionamento pelo candidato Onyx Lorenzoni, em seu perfil “Onyx 22” no Facebook, veiculando postagem com o seguinte conteúdo:

Eduardo manteve o imposto mais alto por um ano inteiro para comprar vacinas.

FALTOU DIZER que todas as vacinas forma compradas pelo Governo Bolsonaro.

ONYX 22 GOVERNADOR

VICE CLÁUDIA JARDIM

Entendo que assiste razão à representante.

O card utilizado pelos representados ostenta clara propaganda negativa contra o candidato ao Governo Estadual, na medida em que não promove, sob nenhum aspecto, a candidatura do representado Onyx, divulga, tão somente, postagem de cunho negativo, visto que faz crer que Eduardo Leitei recolheu impostos estaduais a pretexto de comprar vacinas que, ao final, foram adquiridas pelo Governo Federal

Nesse trilhar, destaco que a crítica no debate eleitoral não é proibida, é intrínseca ao processo de escolha dos que se oferecem a desempenhar postos de poder na sociedade.

É dizer, a vedação aqui tratada tem jaez objetiva, tendo por fito impossibilitar a propagação de críticas pagas na internet, durante o prélio eleitoral, de forma que é defeso o impulsionamento pago de mensagens que depreciem os concorrentes, e não a publicação gratuita realizada a título de manifestação da liberdade constitucional de expressão.

Nessa linha a doutrina de Edson de Resende Castro, ao afirmar que “esse impulso só poderá repercutir anúncios, postagens, comentários, etc, para ‘promover ou beneficiar candidatos ou partidos’ e coligações, nunca para difundir críticas ou conteúdos que prejudiquem a imagem ou o desempenho eleitoral de adversários” (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 336).

No mesmo norte são os ensinamentos de Flávio Cheim Jorge, destacando que a legislação eleitoral “impede a utilização de impulsionamento para a realização de propaganda negativa, isto é, de ataque ou críticas a adversários”, concluindo que “o impulsionamento, é, assim, exceção que reafirma a regra do sistema, qual seja, a proibição de propaganda paga na internet” (Curso de Direito Eleitoral. 3. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, p. 384-385).

A ilustrar tal entendimento, transcrevo ementa de recente decisão deste Tribunal, processo n. 0601034-98.2022.6.21.0000, de minha relatoria, julgado em 5.9.2022:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PARCIALMENTE PROCEDENTE. IMPULSIONAMENTO. REDES SOCIAIS. FACEBOOK E INSTAGRAM. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO NÃO PERMITIDO. MULTA ESTABELECIDA EM PATAMAR ADEQUADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA FEDERAÇÃO DEMANDADA. NEGADO PROVIMENTO. 1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente representação por divulgação de propaganda eleitoral negativa mediante impulsionamento, nas redes sociais Facebook e Instagram, em desobediência ao disposto no art. 3º-A, da Resolução TSE n. 23.610/19, incluído pela Resolução TSE n. 23.671/21. Aplicada a sanção de multa. 2. Afastada a preliminar de ilegitimidade ativa. Matéria expressamente tratada no art. 4º, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.609/19, dispositivos alterados recentemente pela Resolução TSE n. 23.675/21. Omissão na argumentação recursal sobre a recente novidade regulamentar, deixando inclusive de exercer a necessária dialética recursal com a fundamentação da decisão que pretendem reformar. 3. Prática de impulsionamento de conteúdo diverso do autorizado pela legislação de regência, nas redes sociais Facebook e Instagram. Aos candidatos somente é permitido o impulsionamento de conteúdo que tenha como finalidade promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, conforme disposto no art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Na hipótese, trata-se de veiculação de crítica ácida, emanada de um candidato a outro, circunstância que afasta o conteúdo das hipóteses permissivas de impulsionamento. 4. Adequado o valor da multa fixado sobre duas propagações ilícitas. Ademais, a redução considerou a conduta do representado, de pronta retirada das publicações, bem como o impacto causado pela publicidade e pelo tempo de veiculação. Responsabilidade solidária da federação demandada de acordo com a redação expressa do art. 241 do Código Eleitoral, combinado com o art. 11-A da Lei n. 9.096/97. 5. Provimento negado a ambos os recursos. (Grifei.)

Da mesma forma, o entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral é de que o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral é permitido apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo de rigor a aplicação de multa se a propaganda tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. (...) 3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de “promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’” (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021). 5. Conduta praticada pelo Recorrente que não se insere na autorização legal para a realização do impulsionamento e, dessa forma, caracteriza propaganda eleitoral irregular, ensejando a aplicação de multa, nos termos do § 2º do art. 57-C da Lei 9.504/1997. 6. O valor da multa foi estabelecido de forma fundamentada, a partir das circunstâncias concretas do caso, revelando-se inviável sua redução. 7. Recurso Especial desprovido. (AREspE n. 0600161-80.2020.6.06.0002/CE n. 060016180, Acórdão, Relator Min. Carlos Horbach, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 145, Data 02.8.2022).

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. REDE SOCIAL. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO NEGATIVO. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 57–C, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. MULTA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 57–C, § 3º, da Lei nº 9.504/97, é vedado o impulsionamento de conteúdo negativo na internet. Precedentes. 2. A Corte de origem assentou que críticas e comentários negativos foram feitos acerca da administração pública municipal à época, notadamente à gestão do então prefeito e candidato a reeleição. 3. De acordo com a jurisprudência do TSE, “é de rigor a multa prevista no § 2º do art. 57–C da Lei nº 9.504/97 se a propaganda eleitoral por meio de impulsionamento de conteúdo na internet tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo” (AgR–AI nº 0608882–40/SP, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 18.6.2019). 4. As limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido. (AgR-AREspE n. 0600384-93.2020.6.16.0183/PR, Acórdão, Relator Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 85, Data 11.5.2022).

 

Por conseguinte, inviável afastar a conclusão de que se trata, sim, de propaganda negativa.

No que toca à alegada inconstitucionalidade do § 3º do art. 29, da Resolução TSE n. 23.610/19, por violação ao art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, friso que a demanda versa sobre impulsionamento pago de propaganda negativa, prática vedada pela regra eleitoral, e não sobre a proibição de postagens espontâneas de natureza crítica, estas albergadas pelo texto constitucional.

Oportuno trazer a lume excerto do voto proferido pelo Min. Sérgio Banhos, no R-RP 0601596-34/DF, publicado na sessão de 27.11.2018, o qual bem evidencia que o escopo da norma não é restringir a liberdade de opinião e crítica, mas, exatamente, a contratação de impulsionamento de conteúdo, essa, sim, capaz acarretar prejuízos ao equilíbrio do pleito:

Cumpre consignar que a procedência desta representação não implica a proibição da veiculação das propagandas ora impugnadas, tampouco se trata de restringir o exercício da liberdade de expressão. Ao contrário, o que está em análise, no caso dos autos, é a veiculação de propaganda negativa mediante impulsionamento de conteúdo, situação que afasta o permissivo da norma.

Com efeito, a norma não proíbe a veiculação, na propaganda eleitoral, de críticas aos adversários políticos, mas, sim, o seu impulsionamento.

Quanto à responsabilização pela propaganda irregular, deixo de aplicar qualquer sanção à coligação representada, visto que o art. 96, § 11, da Lei n. 9.504/97 enuncia que “As sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições desta Lei não se estendem ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter se beneficiado da conduta, salvo quando comprovada a sua participação”.

Assim, considerando as especificidades do caso concreto e à míngua de elementos que denotem maior gravidade na infração cometida, fixo a multa no valor de R$ 5.000,00, mínimo legal previsto no § 2º do art. 29 da Resolução TSE n. 23.610/19, individualmente, aos representados ONYX LORENZONI e CLÁUDIA JARDIM, autores e beneficiários diretos da postagem.

Diante do exposto, julgo procedente a representação, condenando os representados ONYX LORENZONI e CLÁUDIA JARDIM, individualmente, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

 

Desse modo, por serem simples reiteração das teses defensivas esboçadas na contestação, as razões recursais são incapazes de infirmar a conclusão da decisão recorrida no sentido da prática de infração eleitoral prevista no art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97, e consequente fixação de multa individual no valor de R$ 5.000,00.

 

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito o pedido de desistência da ação e VOTO pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.