REl - 0600246-97.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2022 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Trata-se de recurso contra sentença que desaprovou as contas de DILMA ALVES FERREIRA, candidata ao cargo de vereadora no Município de Sarandi, relativas às eleições 2020, em virtude da quitação de gastos com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC sem a observância das prescrições legais.

O parecer conclusivo verificou o pagamento de duas despesas com militância e mobilização de rua utilizando recursos do FEFC, mediante dois cheques no valor de R$ 750,00 cada.

No ponto, a matéria é regulamentada pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A parte recorrente alega que os contratos, cheques nominais, recibos e extrato com registro da operação de desconto dos cheques comprovam de modo suficiente a regular quitação.

Sem razão.

Muito embora haja, nos autos, cópias dos documentos indicados, resta não comprovado, nos termos da legislação de regência, o pagamento aos contratados, pois os cheques nominais a Neri Rodrigues dos Santos e Elisangela Rosa Alves Ferreira deixaram de ser cruzados e, por conseguinte, os extratos não apresentam as contrapartes sacadoras dos valores, indicando operação por meio de “CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA”.

A falha de cunho grave decorre, portanto, da não observância das formas estabelecidas na legislação para o pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária. Fossem atendidas as regras, estariam identificados os beneficiários e regulares as contas, como esclarece o d. Procurador Regional Eleitoral em trecho do parecer que, por elucidativo, adiciono expressamente às razões de decidir:

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permita a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

Sublinho que a falha representa 46,09% das receitas financeiras e estimadas, R$ 3.254,00, e o valor nominal, R$ 1.500,00, impede a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, por ser superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 utilizado por este Tribunal para a construção de tal juízo.

Por fim, destaco que bem andou a sentença em determinar o recolhimento dos valores, pois oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.