REl - 0601017-54.2020.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2022 às 16:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

 

Cuida-se de recurso em prestação de contas interposto por ALDAIR ELIANE SOARES, candidata ao pleito proporcional nas eleições de 2020, as quais foram julgadas não prestadas, em virtude da ausência de representação processual.

Após proferida a sentença, foi colacionada ao feito procuração outorgando poderes ao advogado Anildo Lamaison de Moraes, OAB/RS n. 19.028.

Ao mérito.

O dever de prestar contas quanto aos valores utilizados em campanha vem estampado no art. 45, c/c o art. 54, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 45 Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

I - o candidato; (Grifei.)

 

Art. 54 A prestação de contas deve ser elaborada e transmitida, por meio do SPCE, após o que será disponibilizada na página da Justiça Eleitoral na internet. (Grifei.)

 

Já a obrigação de constituir advogado para apresentação da contabilidade de campanha encontra esteio no § 5º do art. 45 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 45 Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

(...)

§ 5º É obrigatória a constituição de advogado para a prestação de contas. (grifei)

 

Nessa linha, incursa a candidata em vício de representação, as contas, conforme redação primitiva do § 3º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, foram consideradas não prestadas:

Art. 74 Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 73 desta Resolução, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo:

(...)

§ 3º O disposto no § 2º deste artigo não se aplica quando for constatada a ausência do instrumento de mandato para constituição de advogado para a prestação de contas, hipótese em que estas devem ser julgadas não prestadas. (Grifei.)

 

Entendimento este sufragado por esta Corte, conforme ementa abaixo colacionada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. AUSENTE PROCURAÇÃO. INTIMAÇÃO. PERDA DE PRAZO PARA JUNTADA. FALHA REGULARIZADA APÓS SENTENÇA. INVIÁVEL ALTERAÇÃO DO JULGADO EM DATA POSTERIOR À PROLAÇÃO. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. IMPEDIMENTO DE OBTER QUITAÇÃO ELEITORAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou não prestadas contas em virtude da falta de apresentação de instrumento procuratório.

2. Ausência de manifestação do candidato, após a intimação, quanto à juntada da documentação necessária para o andamento do feito. Irregularidade de representação processual sanada após a prolação de sentença. A correção do vício em data posterior ao julgamento é incapaz de reverter a decisão de piso. Manutenção do juízo de primeiro grau pela omissão no dever de prestar contas com sanção de impedimento de obter quitação eleitoral até o fim da legislatura para a qual concorreu, persistindo os efeitos até a efetiva apresentação das contas.

3. Desprovimento.

(REl n. 0600505-15.2020.6.21.0044, relatoria Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 18.11.2021)

 

Ocorre que a Corte Superior acabou por revogar o citado § 3º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, que direcionava os julgados, quando da ausência de procuração, a um juízo de não apresentação das contas.

A alteração decorreu do julgamento da Instrução n. 0600749-95/DF, rel. Min. Edson Fachin (DJe de 23.12.2021), a qual versava sobre arrecadação e gastos de recursos por partidos e candidatos e sobre prestação de contas nas eleições, ocasião em que o TSE entendeu por revogar, para as próximas eleições de 2022, o § 3º do art. 74 da aludida norma – o qual impunha o julgamento das contas como não prestadas na hipótese em que não há representação processual –, prevalecendo a orientação de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, irreparavelmente, a não prestação de contas por se tratar de irregularidade sanável, consideradas, ainda, as graves consequências na esfera jurídica do candidato.

Nesse norte, em julgados recentes, o entendimento do e. TSE tem trilhado caminho distinto deste Regional, qual seja, de que a regularização tardia da representação processual, conquanto indesejável, não pode suplantar o exame das contas, mostrando-se inafastável – por ato de disposição voluntária do candidato – a apuração pela Justiça Eleitoral da escorreita destinação dos recursos empregados, sobretudo diante da possibilidade de existência de repasses de natureza pública.

A ilustrar a hodierna compreensão, seguem ementas de arestos da Corte Superior:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA JULGADAS NÃO PRESTADAS. AUSÊNCIA. CONSTITUIÇÃO. ADVOGADO. REGULARIZAÇÃO. INSTÂNCIA ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO. RETORNO DOS AUTOS. 1. Recurso especial interposto contra aresto do TRE/RN em que se manteve o julgamento das contas de candidata ao cargo de vereador de Mossoró/RN nas Eleições 2020 como não prestadas devido à ausência de instrumento de procuração nos autos quando proferida a sentença (art. 74, IV, b, § 3º, da Res.–TSE 23.607/2019). 2. Nos termos do recente entendimento firmado por este Tribunal Superior em caso análogo ao dos autos (REspEl 0600306–66/BA, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 17/6/2022), a ausência de instrumento de mandato não enseja, por si só, o julgamento das contas como não prestadas, desde que regularizada a representação processual ainda na instância ordinária. 3. No caso, conforme a moldura fática do aresto a quo, a recorrente juntou o instrumento do mandato ao protocolar o recurso eleitoral. 4. Recurso especial a que se dá provimento em parte para anular o acórdão a quo e determinar o retorno dos autos ao TRE/RN a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, julgue as contas de campanha da recorrente.

(TSE - REspEl: 06009092620206200034 MOSSORÓ - RN 060090926, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 14/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 182) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO PROCESSUAL TEMPESTIVA. APRESENTAÇÃO DO INSTRUMENTO DE MANDATO ANTES DA SENTENÇA. JULGAMENTO DAS CONTAS COMO NÃO PRESTADAS. DECISÃO EM DESCOMPASSO COM A ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO TSE ACERCA DO TEMA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Juízo de primeiro grau julgou não prestadas as contas de campanha da candidata por ausência de regularização processual tempestiva. 2. Por ocasião do julgamento da Instrução nº 0600749–95/DF, esta Corte Superior aprovou a alteração da Res.–TSE nº 23.607/2019 e revogou o § 3º do art. 74 dessa norma, que impunha o julgamento das contas como não prestadas na hipótese de ausência de procuração outorgando os devidos poderes ao patrono do candidato, passando a prevalecer o entendimento de que a inexistência de instrumento de mandato não pode representar, por si só, a não prestação de contas. 3. Este Tribunal firmou a compreensão de que os termos do novo regramento devem ser aplicados de forma retroativa aos feitos de 2020, notadamente na hipótese em que o vício na representação processual é sanado ainda nas instâncias ordinárias, como ocorreu na espécie, em que a procuração foi juntada aos autos antes da sentença. 4. Recurso especial provido, para determinar o retorno do feito à origem, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, sejam julgadas as contas da candidata ao cargo de vereador pelo Juízo zonal.

(TSE - REspEl: 06003844820206040015 BORBA - AM 060038448, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 02/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 179) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS POR AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INSTRUMENTO DE MANDATO ACOSTADO APÓS A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. FALHA SANÁVEL. REGULARIZAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A controvérsia posta nos autos cinge–se à possibilidade de se afastar o julgamento das contas como não prestadas pela ausência de instrumento de mandato para constituição de advogado, quando o candidato, embora intimado, regularizou sua representação processual apenas por ocasião da interposição do recurso eleitoral, posteriormente à publicação da sentença zonal.

2. Afasta–se, no caso, o julgamento das contas como não prestadas aos seguintes fundamentos: (i) o CPC/2015 ampliou as faculdades de saneamento de eventuais vícios formais mesmo nas instâncias superiores, priorizando o exame de mérito; (ii) a regularização tardia da representação processual, conquanto indesejável, não pode suplantar o exame das contas, inafastável – por ato de disposição voluntária do candidato – a apuração pela Justiça Eleitoral da escorreita destinação dos recursos empregados, sobretudo porque pode haver repasses de natureza pública; (iii) o julgamento das contas como não prestadas enseja penalidade extremamente gravosa à esfera jurídica do candidato, devendo incidir apenas nos casos em que efetivamente não houve apresentação das contas; (iv) o TSE aplica os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na apreciação das irregularidades apuradas em sede de prestação de contas; com mais razão, devem incidir os aludidos princípios no caso em que verificada falha meramente formal, cujo saneamento independe de análise técnica especializada; e (v) este Tribunal, no julgamento da Instrução nº 0600749–95/DF, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 23.12.2021, alterou a Res.–TSE nº 23.607/2019, revogando o § 3º do art. 74 da aludida norma – que impunha o julgamento das contas como não prestadas, na hipótese em que não há representação processual –, prevalecendo a orientação de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, irreparavelmente, a não prestação de contas. Conquanto o referido julgamento seja posterior ao regramento aprovado para as Eleições 2020, a evolução do pensamento desta Corte, aliada à circunstância de que o ora recorrente efetivamente regularizou sua representação processual nos autos da prestação de contas, ainda nas instâncias ordinárias, idêntica ratio decidendi deve ser aplicada neste caso.

3. Embora suscitada por ocasião dos embargos de declaração, não há como conhecer da alegada existência de mandato tácito, pois, ainda que se cogitasse a aplicação do art. 1.025 do CPC/2015, mediante reconhecimento de prequestionamento ficto, na espécie: (i) o recorrente deixou de apontar, nas razões do recurso especial, a omissão da Corte de origem no enfrentamento da questão; (ii) para concluir pela efetiva indicação de advogado representante na ficha de qualificação apresentada pelo prestador de contas, seria necessário revolvimento do acervo probatório dos autos por se tratar de premissa fática não explicitada no acórdão regional (Súmula nº 24/TSE). Reconhece–se, de outro lado, prejudicado o exame da tese aventada.

4. Recurso especial parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, julgue as contas do candidato, ora recorrente.

(REspEl 0600306–66/BA, Rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 17/6/2022) (Grifei.)

 

E no mesmo sentido trecho de acórdão exarado em sede de agravo em recurso especial:

Por essas razões, nos termos do art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento ao agravo em recurso especial eleitoral interposto por Natanael da Rocha Oliveira, a fim de, desde logo, prover o recurso especial eleitoral para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, julgue as contas do candidato conforme entender de direito. (TSE - REspEl: 06005102120206220008 COLORADO DO OESTE - RO 060051021, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 01/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 145)

 

Assim, realizada necessária digressão sobre a atual jurisprudência e regramento do TSE, antecipo que o recurso deve ser provido.

A tese recursal vai no sentido de que a mácula de representação se deu por erro consubstanciado em juntada em processo diverso do instrumento de procuração; de que o acervo contábil foi apresentado nos moldes da regra eleitoral; e de que a concorrente não incorreu em burla à lei, tampouco fez mal uso do Fundo Partidário. De sorte que, nesses termos, requer sejam consideradas prestadas as contas.

Com efeito, constam dos autos demonstrativos a indicar movimentação financeira durante o prélio eleitoral (ID 44985242 a 44985284).

Ainda, compulsando os extratos eletrônicos, disponíveis no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (DivulgaCand), verifico que a candidata recebeu R$ 15.730,00. Deste montante, R$ 15.000,00 provenientes da conta do Diretório Nacional do Partido Liberal para recebimento do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC); e R$ 730,00 oriundos do candidato João Bosco Aiala Rodriguez, igualmente da conta destinada ao ingresso de verbas do FEFC.

Ou seja, os demonstrativos e extratos apontam que a concorrente percebeu R$ 15.730,00 provindos dos cofres públicos, motivo pelo qual a finalidade do montante deve ser aferida por esta Justiça Especializada.

Conquanto a novel interpretação da Corte Superior se destine aos pleitos posteriores ao aqui vertido, segundo o Min. Edson Fachin na Instrução n. 0600749-95/DF, que revogou o § 3º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, “embora o referido julgamento seja posterior ao regramento aprovado para as Eleições 2020, idêntica razão de decidir deve ser aplicada no caso em análise, pois houve a evolução do pensamento do TSE e o recorrente efetivamente regularizou sua representação processual nos autos da prestação de contas, ainda nas instâncias ordinárias”.

Nesse contexto, atento à nova exegese do TSE e ao dever de uniformização da jurisprudência (art. 926 do CPC), comprovado o aporte de recursos públicos, e regularizado vício de representação, as contas devem ser consideradas prestadas.

Friso, contudo, de forma a evitar a indesejada supressão de instância, que a contabilidade de campanha não será, em grau recursal, objeto de julgamento quanto à sua aprovação ou não, impondo-se, para tanto, seu retorno ao juízo de primeiro grau.

Assim, suprida a falha de representação, na esteira do entendimento do e. TSE, o recurso deve ser provido com retorno dos autos à origem.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para considerar as contas apresentadas e determinar seu retorno à primeira instância para que se proceda à respectiva análise.

É como voto, senhor Presidente.