REl - 0600284-92.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/11/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, observo que a prestadora ingressou em primeiro grau com embargos de declaração que foram parcialmente providos por aquele Juízo, acarretando dedução de R$ 134,60, diante da verificação do comprovante de devolução (GRU) de sobra de campanha (ID 44947874):

(…)

Ante o exposto, conheço dos presentes embargos de declaração, e lhes dou parcial provimento para, atribuindo-lhes efeitos modificativos, suprir a omissão presente no item a.1, acarretando, portanto, a dedução do valor a ser recolhido ao tesouro nacional pela recorrente, ou seja: do montante de R$ 2.534,60, haverá de ser decotada a quantia de R$ 134,60, remanescendo, a título de recolhimento ao erário, a importância de R$ 2.400,00. 

Remanesceram a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.400,00 devido a divergências entre os apontamentos na prestação de contas e os registros nos extratos bancários da conta do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), caracterizando omissão de despesas e recursos de origem não identificada (RONI).

Verifico, ainda, que a prestadora peticionou, após o recurso e antes do parecer ministerial, requerendo a juntada das microfilmagens dos cheques referentes às despesas consideradas omissas, a fim de comprovar sua regularidade, alegando que houve demora da instituição financeira para o fornecimento do material, de forma a garantir o amplo direito ao contraditório e à defesa (ID 44956158).

Muito embora a juntada de documentos tenha ocorrido após a fase recursal, por se tratar de documentos simples, a documentação pode ser conhecida nesta instância, uma vez que sua análise não demanda reabertura da instrução. 

Quanto ao mérito, as contas foram desaprovadas em virtude de divergência entre os apontamentos de despesas na prestação de contas e o registrado nos extratos bancários da conta para movimentação de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conforme consta na sentença (ID 44947891):

(…)

C) confronto de informações prévias- em que foram identificadas  divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, I, alínea "g" e II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019, conforme abaixo:

No que atine ao apontamento, observa-se :
1) Divergências entre a movimentação financeira  registradas nos extratos eletrônicos da conta bancária referente ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e não declaradas na prestação de contas, haja vista a realização de despesa não comprovada no valor de R$1.334,60 com recursos provenientes da referida conta;
2) Divergências entre a movimentação financeira declarada no SPCE e ausente(s) no(s) extrato(s) bancário(s) , haja vista a realização de despesa não comprovada no valor de R$1.200,00 com recursos provenientes da  conta FEFC.
 
Em relação ao vício supra, vê-se que a Unidade Técnica detectou divergências na movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos. 

(…)

Ademais, não tendo a prestadora de contas elucidado nenhuma justificativa para tentar corrigir a irregularidade em  exame, nem tendo sido identificados, nos autos, documentos que pudessem elidir a mácula,  não encontro outro entendimento à situação posta  que não seja o de que a  divergência apontada caracteriza omissão relativa ao registro integral da movimentação financeira de campanha, dificultando ou impossibilitando sua fiscalização.
A divergência apresenta valores de relevante monta, totalizando uma soma de  R$ 2.534,60 , os quais constam dos extratos bancários, mas sem registro nos extratos de prestação de contas e vice e versa.
Por se tratar de valor significativo, em termos absolutos,  ou seja, referido montante   representa aproximadamente 36% do total de recursos movimentados na campanha ( ja´que o total de despesas perfaz o valor de R$ 7.196,40), a falha há de ser considerada grave, não sendo passível, no caso em exame, a aplicação dos princípios da razoabilidade e/ou proporcionalidade.

Não sendo possível aferir a origem e a aplicação dos recursos, considera-se o somatório dos valores da tabela acima como Recursos de Origem Não Identificada - RONI.  Logo, referida importância demanda ser recolhida ao Tesouro Nacional nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019.
Por fim, saliento que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE 23.607/19.

Importa destacar que os valores reputados irregulares, como bem pondera o parecer ministerial, foram duplamente analisados; assim, os mesmos cheques de R$ 200,00 e R$ 1.000,00 foram considerados registrados nos extratos bancários e ausentes na prestação de contas, e vice-versa, lançados na prestação de contas e ausentes nos extratos bancários.

Na realidade, os dados constantes nos extratos bancários apontam o registro de dois pagamentos efetuados com cheques compensados por pessoas diversas daquelas informadas como fornecedores ou prestadores de serviços, o que pode ser consultado no sítio https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87130/210000762129/extratos:

DADOS CONSTANTES DO(S) EXTRATO(S) E NÃO DECLARADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS:

DESPESAS DECLARADAS NO SPCE E AUSENTES NO EXTRATO BANCÁRIO

Nas razões recursais, a prestadora alega que os dois cheques em questão foram pagos às prestadoras de serviço constantes na contabilidade: Misselene Figueredo Vieira e Vitória Araújo da Cruz, e que, mesmo compensados por terceiros, os números dos cheques identificados na prestação de contas e registrados no extrato bancário comprovam os pagamentos e compensações das despesas.

Apresentou as microfilmagens dos cheques (ID 44956159), nas quais é possível verificar que os cheques n. 000004 e 000008, ambos do Banrisul, nos valores de R$ 200,00 e R$ 1.000,00, foram emitidos de forma cruzada e nominal a Misselene Figueredo Vieira e Vitória Araújo da Cruz, mas, no extrato bancário da conta de campanha n. 06.061844.0-4, constou que os cheques foram compensados em nome de Ernani de Souza Vieira e  Suelen da Silva.

Como bem manifestou o Parquet, as microfilmagens demonstram que os cheques foram emitidos de forma cruzada e nominal, obedecendo ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, restando comprovada a regularidade dos pagamentos.

Contanto que a candidata tenha emitido os cheques na forma prescrita do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não pode ser responsabilizada por seu endosso e pagamento a terceiro diferente da relação contratual entre as partes indicadas na contabilidade, dado que o cheque nominal e cruzado pode ser endossado mediante assinatura no verso.

Uma vez que, na forma do art. 17, § 1o, da Lei n. 7.352/85 (Lei do Cheque), para proibir o endosso de cheque, ainda que nominal e cruzado, se deva riscar o “à ordem” e colocar “não à ordem” em cima, verifica-se que o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não estabelece essa exigência de vedação ao endosso:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

 

Dessa maneira, devem ser afastadas as irregularidades e a determinação de recolhimento de valores ao erário.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar as contas, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.