REl - 0600467-28.2020.6.21.0165 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

MARIA LUCIA GOULART OST interpõe recurso contra a sentença do Juízo da 165ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas ao cargo de vereadora de Feliz nas eleições 2020.

Os fundamentos da decisão hostilizada são, fundamentalmente, os seguintes:

A Unidade Técnica desta 165ª Zona Eleitoral fez ver que a candidata não apresentou “Extrato das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), assim como comprovantes bancários de devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada ou guia de recolhimento ao Tesouro Nacional de recursos de origem não identificada”, violando assim o estatuído no artigo supra.

Não foi outra a conclusão da perita:

“A falha apontada compromete a regularidade das contas apresentadas e importam no valor total de R$ 1.000,00 (um mil reais), o qual representa 58,34% do total de receita (financeira e estimável) declarada pelo prestador.

Para fins do art. 72 da Resolução TSE n. 23.607/19, antes da emissão deste Parecer Conclusivo, foi dada oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, para a juntada de documentos e esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas no Relatório de Exame de Contas (ID 103772105).

Ao final, considerando o resultado dos exames técnicos empreendidos na prestação de contas, verifica-se uma irregularidade grave, geradora de potencial desaprovação e consequente aplicação de multa, vide os arts. 9º e 14 da Resolução TSE n. 23.607/19.”

 

Diante do exposto, imperiosa a desaprovação das contas da candidata, com a determinação de devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada, mas sem aplicação de qualquer multa.

Diante do exposto, na esteira do parecer técnico juntado aos autos, bem como do parecer ministerial, nos termos do inc. III, do art. 74, da Resolução TSE n. 23.607/19 e artigos citados no corpo da presente decisão, JULGO DESAPROVADAS as contas apresentadas pela candidata supra, determinando o recolhimento ao Tesouro dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada.

 

Ocorre que há a necessidade de reparos na decisão de primeiro grau. Explico.

De início, entendo por afastar a condenação ao recolhimento determinado na sentença, relativamente aos alegados recursos oriundos de fonte vedada, pois em momento algum houve a indicação de ingresso, nas verbas da campanha, de quantia oriunda de entidade ou pessoa física sobre a qual incida vedação de doar, nos termos da legislação de regência.

Ora, cuida-se aqui de norma com natureza restritiva, cujo rol não é exemplificativo, mas sim taxativo. Não tendo sido indicada, na decisão recorrida, qual a fonte vedada que teria sido identificada dentre as transações de campanha, não há como entender pela ocorrência da ilicitude.

Da mesma forma, entendo necessário o afastamento do juízo condenatório no concernente aos recursos de origem não identificada, pois não resta claro no parecer técnico, tampouco na sentença, quais seriam esses valores. Seria possível cogitar que a decisão entendeu que os R$ 1.000,00, equivocadamente depositados na conta “Doações de Campanha”, seriam recursos de origem não identificada; no entanto, o próprio examinador das contas registrou que o valor recebido, advindo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, foi transferido para conta de “Doações de campanha” da candidata”, conforme "extrato bancário e Nota Explicativa apresentada (...)".

Ademais, no bojo dos autos, há protocolo de agendamento de transferência de valor entre contas bancárias, da conta 0839-06.164040.0-1, do PROGRESSISTAS RIO GRANDE DO SUL RS, para a conta 0615-06.025748.0-1, ELEIÇÕES 2020 MARIA LUCIA GOULART OST, na quantia de R$ 1.000,00, com a finalidade declarada “CRÉDITO FEFC”.

Portanto, não há falar em recurso de origem não identificada.

Por outro lado, é incontroversa, nos autos, a ausência de abertura de conta bancária específica para recebimento de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, justamente o que acarretou o trânsito na conta de campanha destinada aos recursos privados (única aberta pela candidata) de R$ 1.000,00. Dito de outro modo, pela conta bancária não aberta é que deveria ter sido movimentada a quantia em questão.

A previsão para obrigatoriedade de abertura de contas distintas - conforme as verbas a serem movimentadas - advém dos arts. 8º e 9º da Resolução TSE n. 26.607/19:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

(...)

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

 

Em sua defesa, a recorrente alega ter materialmente utilizado os recursos na forma prevista na legislação eleitoral e entende ter ocorrido mero erro formal, argumento que não merece acolhida, fundamentalmente porque a norma de regência tem por escopo viabilizar o efetivo controle dos valores de origem pública e privada, pois, por exemplo, as irregularidades relacionadas a verbas públicas recebem tratamento sancionatório mais rigoroso, incluindo o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor correspondente, quando utilizados em desconformidade com os ditames regulamentares, pelo que se impõe o devido cuidado no manejo do repasse, com a criação da conta específica prevista no art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

No caso dos autos, verifico que não houve apontamento de irregularidade no relativo ao manejo de valores do FEFC, de modo que não cabe tal análise na presente instância, até para que se impeça eventual reformatio in pejus, pois apenas a parte prestadora de contas recorreu.

A omissão em constituir conta específica para recursos do FEFC, de regra, impõe a desaprovação das contas, conforme posição consolidada deste Tribunal.

Exemplificativamente, trago os seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. DETENTORES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM NÃO FILIADOS AO PARTIDO POLÍTICO. INGRESSO DOS VALORES ANTES DO PERÍODO ELEITORAL. A MOVIMENTAÇÃO ENTRE CONTAS NÃO RETIRA O CARÁTER DA VEDAÇÃO. TRANSFERÊNCIA INDEVIDA DE VALORES DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC PARA CONTA DESTINADA A RECURSOS PRIVADOS. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO APTA A COMPROVAR DESPESAS REALIZADAS COM VERBA PÚBLICA. IRREGULARIDADES DE ELEVADOS PERCENTUAL E VALOR NOMINAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. 

1. Insurgência em face de sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidatos a prefeito e vice, em virtude do aporte de recursos de fonte vedada e de irregularidades no recebimento e na utilização da verba advinda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Determinado o recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

 2. Recebimento de valores de origem vedada, nos termos do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95. Quantia oriunda de detentores de cargos públicos demissíveis ad nutum, não filiados à agremiação. Não acolhida a tese defensiva de licitude no redirecionamento de recursos, mesmo que obtidos antes do período eleitoral, da conta do candidato para a do partido, sob a justificativa de que se destinavam ao aproveitamento em pleito futuro. Os valores procedentes de fontes vedadas não perdem esta característica quando da sua transferência entre contas, remanescendo a proibição de uso em campanha. Fora do período eleitoral, delimitado entre a data do início das convenções partidárias e a diplomação dos eleitos, estão vedadas as contribuições efetivadas por pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político, ainda que direcionadas à conta bancária de campanha do órgão partidário. Recolhimento ao Tesouro Nacional. 

3. Transferência indevida de valores do FEFC para a conta “Outros recursos” e não comprovação de gastos com a verba pública. Obrigatoriedade de movimentação do dinheiro público em conta específica para este fim, conforme determina o art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo vedada sua remessa para conta de natureza distinta. Falha que compromete a aferição dos gastos, diante da mescla inevitável com recursos privados, e fere a transparência e higidez da contabilidade de campanha. Descumprida a norma do art. 64, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da ausência de documentos comprobatórios dos gastos realizados com recursos do FEFC, deve ser mantida a sentença que reconheceu as irregularidades e comandou a restituição das verbas públicas indevidamente utilizadas ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 

4. Falhas equivalentes a 19,88% das receitas declaradas e de elevado valor nominal. Inaplicabilidade ao caso dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade visando mitigar o juízo de desaprovação. Manutenção da sentença com recolhimento da quantia malversada ao Tesouro Nacional. 5. Desprovimento.

 (Recurso Eleitoral n 060032411, ACÓRDÃO de 28.01.2022, Relator(aqwe) FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 01.02.2022.) (Grifei)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PROPORCIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE RECEITAS PRÓPRIAS EM MONTANTE SUPERIOR A 10% DO LIMITE LEGAL. MULTA. TRANSFERÊNCIA IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA À CONTA DESTINADA A OUTROS RECURSOS. MONTANTE NÃO UTILIZADO DO FEFC DEPOSITADO ERRONEAMENTE COMO SOBRA DE CAMPANHA AO PARTIDO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICAS. RECOLHIMENTO. FALHAS NO PERCENTUAL DE 21,94%. JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO ADEQUADO. RECOLHIMENTO DE MULTA AO FUNDO PARTIDÁRIO E DO MONTANTE DO FEFC NÃO UTILIZADO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 

1. Insurgência contra a sentença do juízo a quo que desaprovou as contas de campanha do recorrente em virtude do excesso de aplicação de recursos próprios na campanha, para o que definiu multa de 100% da quantia excedente, e de depósito e transferência irregulares de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional. 

2. Utilização de receitas próprias em montante superior ao definido no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Argumentação do prestador, no sentido de que o valor excedente era insignificante e não influiu no pleito, insuficiente para afastar a irregularidade. Multa mantida, nos termos da decisão de piso. 

3. Depósito e transferência de recursos do FEFC em desacordo com o previsto nos arts. 33, 35, inc. XIV, e 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Os valores foram erroneamente transferidos pelo partido para a conta destinada a “Outros Recursos” e, após as eleições, equivocadamente transferidos pelo candidato à grei, a título de sobras de campanha. A norma eleitoral define que tal aporte público deve recair em conta específica, a qual não foi utilizada pelo recorrente, caracterizando as ações da agremiação e do prestador, respectivamente, como aplicação irregular e depósito indevido, visto que o valor não utilizado não constitui sobra a ser repassada para o partido, e deve ser recolhido ao erário, nos termos do art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.670/19. Recolhimento.

4. Irregularidades que perfazem 21,94% do total auferido, percentual que aponta como razoável e proporcional o juízo de desaprovação das contas. 

5. Manutenção da sentença, com recolhimento de multa ao Fundo Partidário e de valores do FEFC ao Tesouro Nacional. 

6. Desprovimento. 

(Recurso Eleitoral n 060042451, ACÓRDÃO de 29.7.2021, Relator GERSON FISCHMANN, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei)

 

No caso em tela, a irregularidade apresenta valor nominal de R$ 1.000,00, em patamar inferior, portanto, ao parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 05.11.2019.), cabendo a aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e aprovar as contas com ressalvas.