REl - 0600254-74.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2022 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, para o cargo de vereador, de VILMAR DO AMARAL, no Município de Sarandi.

A sentença foi no seguinte sentido (ID 44961235):

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Cuida-se de apreciar contas de campanha eleitoral por candidato ao cargo de Vereador.

Registre-se que a prestação de contas apresentada pelo candidato se encontra instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019.

Note-se que, aberto o prazo legal por edital, não houve impugnação em desfavor destas contas.

Realizada a análise técnica, listo as impropriedades para proferir a sentença.

A diligência (ID: 98275635) aponta as seguintes irregularidades:

“O prestador utilizou o serviço de militância e mobilização de rua na sua campanha eleitoral.

Dessa forma, considerando que a Res. TSE 23.607/2019 classifica essa atividade em gasto eleitoral, de acordo com o que prevê o Art. 35, Inciso VII, o candidato deve observar algumas particularidades na execução dos gastos eleitorais, principalmente no que se refere aos meios de quitação, respeitando as designações do Art. 38 e seus incisos.

Diante disso, em exame das contas, detectou-se o emprego da tarefa disposta no Art. 41, caput, cujo pagamento foi realizado com recursos oriundos do Fundo Partidário, mediante cheque ao portador.

Sendo assim, vale apontar que o trânsito de valores nas contas bancárias não deve se afastar dos procedimentos elencados pela Resolução em comento. Nesse passo, os saques de valores são autorizados em casos bem específicos, tal qual estipula o Art. 39 e seus incisos.

Vale referenciar que, na locação do veículo FORD FOCUS – Placa DKN 4892 – ano/modelo 2003/2004 – GASOLINA, o candidato ultrapassou o limite estabelecido pelo Art. 42, inciso II. De mais a mais, também não seguiu as maneiras de se efetuar os pagamentos dos gastos eleitorais previstos no Art. 38 e seus incisos.

Por fim, houve extrapolação de limite de gastos, em afronta ao estabelecido pelo Art. 42, Inciso I. O valor dos recursos próprios empregados na campanha supera em R$ 1.196,31, de acordo com o quadro abaixo”

 

  LIMITE DE GASTOS PARA O CARGO

10% DO LIMITE DE GASTOS

RECURSOS PRÓPRIOS

VALOR ACIMA DO LIMITE

R$ 25.436,86

R$ 2.543,69

R$ 3.740,00

R$ 1.196,31


 

A defesa, em petição (ID: 98923707), assim se manifestou:

“Pelo presente informamos que os recursos utilizados FEFC foram utilizados na campanha eleitoral fui utilizada para a DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS, distribuídos de casa em casa independentemente de estarem as pessoas em casa ou não, sendo meramente um Trabalho de distribuição deste material, sendo seu pagamento feito através de cheque específico e nominal ao prestador dos serviços conforme copia do contrato e respectivos cheques de pagamento. E, ainda, foi utilizado o valor do Fundo Partidário para pagamento de locação de veículos e pagamento de material impresso e divulgação em jornal.

[...]

Em parecer conclusivo, o cartório contraditou (ID: 99893945) e acolheu o seu conteúdo na íntegra, em razão da ausência de conexão entre os elementos sustentados pela defesa e aqueles revelados pelo exame técnico e pedagogicamente detalhados pelo parecer conclusivo.

Em relação ao apontamento a respeito do equívoco na forma de pagamento para os trabalhos e militância e mobilização de rua via recursos do Fundo Partidário, socorro-me do magistério de Gomes (2020, p.670):

“Deveras, é direito impostergável dos integrantes da comunhão política saber quem financiou a campanha de seus mandatários e de que maneira esse financiamento se deu. Nessa seara, impõe-se a transparência absoluta, pois em jogo encontra-se o legítimo exercício de mandatos e consequentemente do poder estatal. Sem isso, não é possível o exercício pleno da cidadania, já que se subtrairiam do cidadão informações essenciais para a formação de sua consciência político-moral, relevantes sobretudo para que ele aprecie a estatura ético-moral de seus representantes e até mesmo para exercer o sacrossanto direito de sufrágio.” 

Nessa esteira, é imprescindível que a movimentação de valores ocorra através das contas bancárias. E o Art. 38, Inciso I, II, III, IV da Res. 23.607/2019 vai ao encontro dos pressupostos extraídos de José Jairo Gomes e acima mencionados, visto que os métodos de pagamento servem para registrar o trânsito de valores e a sociedade tenha acesso ao destino dos recursos  que financiam as campanhas políticas.

No que diz respeito à extrapolação do limite de gastos, gize-se que a aludida norma serve, entre outras coisas para garantir a paridade de armas na disputa eleitoral, nivelando-os a um patamar financeiro viável e mitigando os efeitos de uma campanha com maior volume de recurso em relação aos demais candidatos. 

Destarte, a conclusão que se alcança é, senão, a desaprovação das contas eleitorais e, por conta da utilização indevida dos recursos públicos empregados na campanha, bem como pela extrapolação do limite de gastos.

III – DISPOSITIVO:

Isso posto, considerando o relatório final de exame e manifestação do Ministério Público Eleitoral, DESAPROVO as presentes contas de campanha, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, Inciso III da Resolução TSE n. 23.607/2019 e determino o recolhimento de R$ 7.832,62 [R$ 5.440,00 relativo ao valor equivocadamente utilizado por meio do Fundo Partidário e R$ 2.392,62 equivalente ao valor excedente do limite de gastos somado a multa pela extrapolação (R$ 1.196,31 + 100%)   - Res. TSE 23.607/2019. Art. 79, § 1º e Art 6, caput, respectivamente].

 

Quanto à primeira irregularidade, a utilização de recursos do Fundo Partidário para a realização de pagamentos mediante cheques não cruzados, no valor total de R$ 5.440,00, a sentença acolheu os apontamentos efetuados pela unidade técnica em seu parecer conclusivo (ID 44961232) de que os valores foram empregados incorretamente na campanha, pois o prestador não respeitou as disposições do art. 38 e seus incisos, sendo aplicada a penalidade prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sustenta o recorrente que a falha constatada é meramente formal, a qual “não impediu a identificação dos beneficiários, muito menos o rastreamento dos pagamentos”, pois a movimentação financeira foi comprovada e todos os valores transitaram por conta bancária. Alega, ainda, que o adimplemento dos serviços de militância foi realizado mediante cheques nominais em favor dos contratados: Adriano Paulo Guersa (CPF 610.662.350-53), Jeferson Bueno da Silva (CPF 025.365.260-03), Michele Rocha Perez (CPF 011.451.220-51) e Odair José Bernardelli (CNPJ 07.087.432/0001- 20) (ID 44961231).

Não assiste razão ao recorrente.

Consta no extrato bancário que, nos dias 12 e 13.11.20, foram sacados quatro (04) cheques: n. 00003, 00004, 00005 e 00006 sem a identificação da contraparte, o que aponta a realização de pagamentos por meio de cheques não cruzados.

O primeiro cheque referia-se ao pagamento da locação de um veículo Ford Focus utilizado na campanha (R$ 1.690,00) e os três últimos (R$ 1.250,00 cada um) eram relativos ao pagamento dos serviços de militância.

A unidade técnica em seu exame preliminar (ID 44961227), posteriormente ratificado no parecer conclusivo, esclarece o ponto da seguinte forma:

O prestador utilizou o serviço de militância e mobilização de rua na sua campanha eleitoral.

Dessa forma, considerando que a Res. TSE 23.607/2019 classifica essa atividade em gasto eleitoral, de acordo com o que prevê o Art. 35, Inciso VII, o candidato deve observar algumas particularidades na execução dos gastos eleitorais, principalmente no que se refere aos meios de quitação, respeitando as designações do Art. 38 e seus incisos.

Diante disso, em exame das contas, detectou-se o emprego da tarefa disposta no Art. 41, caput, cujo pagamento foi realizado com recursos oriundos do Fundo Partidário, mediante cheque ao portador. Sendo assim, vale apontar que o trânsito de valores nas contas bancárias não deve se afastar dos procedimentos elencados pela Resolução em comento. Nesse passo, os saques de valores são autorizados em casos bem específicos, tal qual estipula o Art. 39 e seus incisos

 

 Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

I. cheque nominal cruzado;

II. transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III. débito em conta; ou

IV. cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, o prestador emitiu quatro cheques que, embora nominais (ID 44961231), não foram cruzados, impedindo a identificação dos respectivos beneficiários, em descumprimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44995310):

[…] os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado por meio de cheque não cruzado, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Outro ponto que ficou prejudicado, uma vez que os valores, embora oriundos dos cofres públicos, não transitam pelo sistema financeiro nacional, foi o rastreamento para verificação se de fato os destinatários dos pagamentos faziam parte da relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados e, o segundo, um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 44995310):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Portanto, não há como afastar as irregularidades relativas aos pagamentos referidos, no total de R$ 5.440,00, pois os cheques emitidos comprovadamente não foram cruzados, inviabilizando-se a certificação da regularidade da respectiva despesa eleitoral.

No que diz respeito à segunda irregularidade, a extrapolação do limite de gasto com locação de veículo para utilização em campanha, em inobservância ao teto de 20% estabelecido no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, o limite para a despesa em cotejo seria de R$ 1.616,44, visto que os gastos contratados pela campanha atingiram o montante de R$ 8.082,20.

Logo, o contrato de aluguel do veículo Ford Focus (ID 44961231), firmado no valor de R$ 1.690,00, está acima do limite de R$ 1.616,44, excedendo em R$ 73,56.

    A matéria em tela foi examinada no julgamento da PC 0600625-63.2020.6.21.0010, sessão de 13.10.21, de relatoria do Des. Francisco José Moesch, no voto-vista do Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, oportunidade em que esta Corte firmou posicionamento pela não incidência de multa por extrapolação de limite de aluguel de veículos, por ausência de previsão legal, conforme segue:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. MULTA. ULTRAPASSADOS OS LIMITES DE AUTOFINANCIAMENTO E DE GASTOS COM VEÍCULOS. ARTS. 27 E 42 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE FORMA IRREGULAR – USO DE SAQUE NO LUGAR DE TRANSFERÊNCIA. PREJUDICADO O ACOMPANHAMENTO DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. QUITAÇÃO DE DESPESAS COM CHEQUE NÃO CRUZADO. MALFERIDA A AFERIÇÃO DO REAL DESTINO DOS RECURSOS DE CAMPANHA. ELEVADO VALOR E PERCENTUAL DE IRREGULARIDADES. AFASTADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A MULTA IMPOSTA POR EXTRAPOLAÇÃO DO GASTO COM VEÍCULOS. AUSENTE PREVISÃO LEGAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude da extrapolação dos limites de gastos custeados com recursos próprios e com aluguel de veículos automotores; irregularidade na devolução de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – saque no lugar de transferência, de pagamentos via cheque não cruzado e pagamento de juros. Aplicação de multa.

2. Ultrapassado o limite de autofinanciamento de campanha, em desacordo com o disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Insuficiente a argumentação recursal no sentido de que o teto legal foi excedido diante da necessidade de devolução de valores recebidos para campanha e da obrigatoriedade de custeio próprios das despesas contraídas. Marco limitador objetivamente previsto extrapolado, impondo a sanção de multa.

3. Gastos com veículos em montante superior ao balizado no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Interpretação no sentido de que a aplicabilidade da previsão contida no art. 18-B da Lei n. 9.504/97 c/c art. 6º da Resolução TSE n. 23.607/19 é restrita à extrapolação do limite global de gastos, afastando a sanção para extrapolação do limite de gasto específico com locação de veículo, por ausência de previsão legal, consoante posicionamento do TSE. Dessa forma, a inobservância do limite de gastos com locação de veículos não dá margem à aplicação de multa

4. Devolução de forma irregular de doação de recursos do FEFC. Realização de saques, no lugar de transferência entre contas, para devolver quantia recebida a título de doação. Constatada a restituição dos valores, ainda que mantida a mácula na transação que impede o acompanhamento da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral. Falha de procedimento remanesce.

5. Quitação de despesas com cheques não cruzados, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Regra que tem por finalidade garantir que a cártula emitida seja descontada pelo prestador do serviço, permitindo a aferição do real destino dos valores de campanha, não se tratando de erro formal, como aludido pelo recorrente.

6. Irregularidades que, somadas, resultam em elevado valor absoluto e percentual, a inviabilizar a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar o juízo desaprovação das contas. Afastada a multa imposta por extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos automotores

7. Provimento parcial. (Grifo nosso)

 

A interpretação deve ser no sentido de que a aplicabilidade da previsão contida no art. 18-B da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 6º da Resolução TSE n. 23.607/19, é restrita à extrapolação do limite global de gastos, afastando a sanção por ultrapassar o limite de gasto específico, seja com alimentação de pessoal, seja com locação de veículos, por ausência de previsão legal, consoante posicionamento do TSE. Dessa forma, a inobservância do limite de gastos constantes no art. 42, incs. I ou II, da Resolução TSE n. 23.607/19 não dá margem à aplicação de multa.

No ponto, em que pese seja inaplicável multa à situação de infringência aos limites de gastos específicos previstos no art. 26, § 1º, da Lei n. 9.504/97, tampouco seja o caso de recolhimento da diferença ao Tesouro Nacional, sob pena de se incorrer em bis in idem, haja vista que esta irregularidade já compõe o montante a ser recolhido referente à primeira irregularidade, ou seja, despesas pagas por meio de cheque não cruzado. Tal compreensão, contudo, não significa que eventual violação à regra esteja livre de consequências, pois pode acarretar a desaprovação das contas.

Com relação à terceira irregularidade, qual seja, o candidato excedeu em R$ 1.196,31 o limite de uso de recursos próprios para a campanha, desatendendo ao disposto no art. 27, §1º, Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifo nosso)

 

No caso concreto, considerando o limite para os gastos relativos ao cargo a que concorria o prestador (R$ 25.436,86), o uso de recursos próprios estaria limitado a R$ 2.543,69, o que corresponde a 10% do teto de despesas de campanha no cargo em que concorrer, porém doou R$ 3.740,00, superando, portanto, em R$ 1.196,31 o limite legalmente permitido.

Verifica-se nos autos e no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89036/210000645036, acesso em 23.6.2022, que o candidato fez uso de recursos próprios no montante de R$ 3.740,00, sendo R$ 2.660,00 referentes à doação estimável do uso de um veículo próprio GM Vectra, acrescido de R$ 1.080,00 depositado pelo candidato em prol da própria campanha.

Em contrapartida, o recorrente alega que o excesso deve ser calculado tão somente entre o limite de autofinanciamento (R$ 2.543,69) e o valor da doação estimável relativa ao uso do veículo próprio (R$ 2.660,00), restando, assim, a diferença de apenas R$ 116,31. Sustenta que a importância de R$ 1.080,00 depositada pelo recorrente na conta bancária “outros recursos” não pode ser considerada para o limite de autofinanciamento, pois não configura gasto eleitoral, tendo sido “quase integralmente utilizado para o pagamento de combustível”.

Os argumentos não possuem o condão de alterar a decisão recorrida.

A alegação de que as despesas com combustível não configuram gastos eleitorais não encontra guarida, pois contraria o que dispõe o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim. (grifo nosso)
 

Assim, as despesas com combustível são considerados gastos eleitorais na hipótese de apresentação de documento fiscal do dispêndio no qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, nas condições que estabelece.

Em arremate, trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que segue:

Não fosse dessa forma – e não olvidando se tratar de prestação simplificada –, a análise técnica teria apontado como irregular o pagamento das despesas com combustíveis realizadas com a conta “outros recursos”, situação que redundaria, também, no recolhimento do montante considerado irregular.

 

Com efeito, a regra é objetiva, o limite previsto para gastos nas campanhas dos diversos cargos é deduzido da regra estabelecida no art. 18-C da Lei das Eleições. Definido o valor para o cargo em relação a determinado município, o candidato pode autofinanciar sua campanha em valores de até 10% do aludido limite.

Nesse sentido, trago julgado de minha relatoria:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MULTA. PATAMAR 30%. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. GASTOS ADVOCATÍCIOS E CONTÁBEIS. DISTINÇÃO ENTRE OS LIMITES DEFINIDOS QUANTO AO PLANO DE DESPESAS GERAIS E O TETO DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELO CANDIDATO. AUTOFINANCIAMENTO. IRREGULARIDADE EM PERCENTUAL DE 24,69% DO TOTAL DECLARADO. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO DE MULTA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, tendo como fundamento a extrapolação do limite legal de doações com recursos próprios, e fixou multa correspondente a 30% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Aporte de recursos próprios em campanha acima do teto de 10% conforme o cargo pleiteado na municipalidade, em afronta ao art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. Distinção entre as regras definidas para os gastos globais, norma disposta no art. 4º, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e as pertinentes às receitas de campanha, no caso, art. 27, § 1º, da aludida resolução. Regra objetiva que visa limitar o valor a ser utilizado pelo candidato, para fins de autofinanciamento em sua campanha.

3. Irregularidade que representa 24,69% das receitas declaradas, mas de valor absoluto reduzido, a permitir, diante da incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação do juízo de desaprovação para aprovar as contas com ressalvas. Correção de ofício da sentença, para que o recolhimento da multa seja destinado ao Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Rel 0600194-33.2020.6.21.0041, julgado na sessão de 10.08.2021) (Grifo nosso)

 

O legislador optou por incluir as doações estimáveis em dinheiro nos limites do autofinanciamento com recursos próprios, com o objetivo de assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Nesse sentido, as palavras do doutrinador Rodrigo Lopez Zilio (2022 – p. 539): “A fixação de um teto para os gastos eleitorais tem o objetivo de restringir a incidência do abuso de poder econômico nas campanhas eleitorais”.

Na espécie, a sentença a quo determinou o recolhimento de “R$ 2.392,62 equivalente ao valor excedente do limite de gastos somado a multa pela extrapolação (R$ 1.196,13 + 100%)  - Res. TSE 23.607/2019. Art. 79, § 1º e Art. 6, caput, respectivamente”. Isto é, a sentença determinou o recolhimento do valor excedente (R$ 1.196,13) mais o valor da multa (R$ 1.196,13), cujo percentual restou em 100% do excedido.

Dessarte, com relação à multa, não merece reforma a sentença, pois o prestador de fato utilizou recursos próprios que superam em R$ 1.196,31 o limite legalmente permitido. Fixada a multa em 100% do valor de excesso, o referido montante deve ser destinado ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Contudo, merece reforma a sentença no ponto que se refere à obrigação de devolução do valor que excedeu o limite de uso de recursos próprios (R$ 1.196,31), pois devido apenas o pagamento da multa.

Por fim, deve ser mantida a desaprovação das contas, uma vez que as irregularidades (R$ 5.440,00 + R$ 1.196,31 = R$ 6.636,31) representam 52,22% do total de recursos recebidos pelo prestador (R$ 12.707,20), bem como é superior ao montante de R$ 1.064,10 utilizado como parâmetro para aprovação com ressalvas pela Justiça Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso apenas para reduzir o montante da multa ao valor de R$ 1.196,31, a ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, mantendo a sentença que desaprovou as contas de VILMAR DO AMARAL e determinou o recolhimento de R$ 5.440,00 ao Tesouro Nacional.