REl - 0600359-84.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2022 às 14:00

 VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, rejeito a alegação de nulidade do decisum.

A análise da alegação de que teria havido a identificação, na contabilidade da campanha, dos beneficiários das despesas objeto do apontamento foi oportunamente apreciada e afastada pelo juízo monocrático. Ademais, como a questão suscitada pela defesa confunde-se com o mérito, será nele examinada.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereadora, MARIA IZABEL GARCIA, no Município de Viamão/RS, em razão de falhas que comprometeram a regularidade das contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 38, e seus incs., da Resolução TSE n. 23.607/19.

Acertadamente, a sentença (ID 45014294) foi no seguinte sentido:

Os autos tramitaram pelo rito simplificado, nos termos do art. 62 da Res. 23.607/2019 do TSE.

A análise técnica foi realizada, nos termos do art. 66 e seguintes da supracitada Resolução.

Após todos os cruzamentos realizados pelo Sistema SPCE-WEB, e diligências efetuadas, o examinador constatou irregularidades e vícios, capazes de desaprovar as contas apresentadas.

O MPE por sua vez, também opinou pela desaprovação e devolução ao Tesouro, dos valores irregulares.

Ressalto que a análise das contas é realizada com base nas informações declaradas pela candidata supramencionada em sua prestação de contas.

Passo a analisar as irregularidades apontadas:

1) Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$ 1.760,00, que descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária.

Em sua manifestação a candidata alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no Art. 79, §§ 1º e 2º, da resolução TSE 23.607/2019.

Art. 38

Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.”

Art. 79 (…)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) diasa pós o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

§ 2º Na hipótese do § 1º, incidirão juros moratórios e atualização monetária, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

3) Quanto a extrapolação do prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ, em desatendimento ao disposto no art. 8, § 1º, inciso I, da Resolução TSE nº 23.607/2019, para a abertura da conta bancária destinada ao recebimento de Doações para Campanha, ressalta-se que, em decorrência do período de pandemia, tem-se relato da dificuldade das agências bancárias de Viamão, como regra, no agendamento em tempo hábil para tal atendimento dos candidatos.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, considerando o conjunto de irregularidades apontadas, com base no artigo 79, §§ 1º e 2º e nos termos do art. 74, III da Resolução 23.607/2019 do TSE, julgo DESAPROVADAS as contas de campanha do candidato supramencionado, relativas as Eleições Municipais de 2020 e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 1.760,00, devidamente corrigidos, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, com juntada do comprovante aos autos em mesmo prazo após o pagamento.

Intime-se as partes. Registre-se e anote-se no Sistema de Informações de Contas Eleitorais e Partidárias (SICO).

Com o trânsito em julgado e comprovado o recolhimento, arquivem-se os presentes autos.

 

Assim, a sentença acolheu os apontamentos efetuados pela unidade técnica, em seu parecer conclusivo (ID 45014291), de que os recursos financeiros originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC foram empregados incorretamente na campanha, pois a prestadora não respeitou as disposições do art. 38 e seus incs., de tal forma que lhe foi aplicada a penalidade prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sustenta a recorrente que a falha constatada é meramente formal, uma vez que a identificação com o CPF/CNPJ do destinatário foi realizada diretamente no sistema SPCE (ID 45014308).

Não assiste razão à recorrente.

Consta que a prestadora efetuou pagamentos identificando os destinatários apenas no sistema SPCE, porém, sem o devido registro nas movimentações financeiras.

A unidade técnica, em seu parecer conclusivo, esclarece o ponto da seguinte forma (ID 45014291):

[...]

2.2. Alguns dos gastos eleitorais com recursos do FEFEC, num total de R$1.760,00, descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 (sem identificação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária), conforme demonstrativo abaixo..

Identificação da conta bancária: BCO BRASIL /628/0591815

Natureza da conta: FEFC:

DATA

HISTÓRICO

Nº DOCUMENTO

OPERAÇÃO

VALOR R$

CPF/CNPJ

11/11/2020

CHEQUE PAGO EM

OUTRA AGENCIA

0850002

CHEQUES

240,00

?

12/11/2020

CHEQUE PAGO EM

OUTRA AGENCIA

0850003

CHEQUES

300,00

?

13/11/2020

CHEQUE PAGO EM

OUTRA AGENCIA

0850006

CHEQUES

600,00

?

13/11/2020

CHEQUE PAGO EM

OUTRA AGENCIA

0850004

CHEQUES

120,00

?

13/11/2020

CHEQUE PAGO EM

OUTRA AGENCIA

0850005

CHEQUES

500,00

?

 

 Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

I. cheque nominal cruzado; 

II. transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III. débito em conta; ou

IV. cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, entre os dias 11 a 13 de novembro de 2020, foi sacado o montante de R$ 1.760,00, não havendo identificação da contraparte no extrato bancário.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45018227):

[…] os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado sem a devida identificação dos destinatários do valor, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, pois impediu o controle e fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Outro ponto que ficou prejudicado foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenceram à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando, para isso, com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 45018227):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Portanto, não há como afastar as falhas referentes aos pagamentos referidos, no valor total de R$ 1.760,00, diante da ausência de identificação dos destinatários nas respectivas movimentações financeiras, inviabilizando-se a certificação da regularidade da respectiva despesa eleitoral.

Conforme consta, as irregularidades (R$ 1.760,00) representam 83,80% das receitas declaradas (R$ 2.100,00), e o valor absoluto é significativo e superior ao parâmetro de 1.000 UFIRs, adotado por esta Corte como viabilizador de ressalvas às contas.

Corroborando, segue decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, ao efeito de manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 1.760,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.