ED no(a) REl - 0600661-31.2020.6.21.0067 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/11/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

Os recursos são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

Analiso, individualmente, cada um dos embargos declaratórios opostos.

 

Dos embargos declaratórios opostos por CARLOS EDUARDO ULMI

Em síntese, o embargante Carlos Eduardo Ulmi alega omissão no voto condutor da preliminar de nulidade do conjunto probatório, da lavra do eminente Desembargador Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, que (a) teria deixado de enfrentar a tese da defesa embasada no art. 240, § 2º, do CPP referente à “justificativa da operação” pelos policiais, “cujos depoimentos, ao contrário do alegado no r. voto divergente, são insatisfatórios e até contraditórios”, bem como que (b) se omitiu sobre a condição de detido enfrentada pelo candidato, violando o art. 236, § 1º, do Código Eleitoral e “contaminando por inteiro o respectivo conjunto probatório”.

Sem razão.

O respeitável voto condutor da matéria preliminar foi expresso ao afastar quaisquer ilegalidades na abordagem policial, entendendo pela legitimidade da cadeia de atos que culminaram com a vistoria veicular e qualificando a localização das provas como “prova achada”, em conformidade com os parâmetros de validade estabelecidos a partir da teoria da serendipidade.

Calha destacar o que segue:

Entendo que a abordagem realizada pelos quatro policiais militares (Boldrini, Júnior, Natanael e Mizael) foi efetuada dentro dos parâmetros autorizados pela legislação, inclusive constitucional, as quais permitem ao Estado o exercício do poder de polícia ostensiva e preventiva.

Essa é a razão, aliás de cunho objetivo, da diligência levada a efeito pelos integrantes da Brigada Militar, sem que tenha ocorrido violação a garantia ou a direito. Dito de outro modo: não houve inviolabilidade pessoal ou malferimento à intimidade ou privacidade do candidato a vereador CARLOS EDUARDO (e aqui destaco entender dispensável a discussão sobre a equivalência da inspeção veicular à inspeção pessoal), tratando-se, em verdade, de encontro fortuito de provas, a “prova achada”, amplamente considerada como válida pela doutrina e pela jurisprudência.

Como exposto no bem-lançado parecer ministerial, trata-se de aplicação do princípio da serendipidade. Na doutrina, comungo do posicionamento externado por Fernando Capez, o qual assevera que:

(…).

Tenho que a lição se presta ao caso sob análise. Senão, vejamos.

Traçando paralelo, se a diligência de abordagem policial a veículos é legítima – e o Relator assim expressamente assevera, a partir deste ato legítimo (abordagem) é que surgiu a constatação da prática de delito – esse o momento em que os policiais militares visualizaram o material ilícito tanto na parte dianteira do veículo, próxima ao câmbio de marchas, quanto no banco traseiro.

E essa visualização, por sua vez, concedeu legitimidade para a abordagem interna do automóvel, obviamente.

 

Quanto à detenção sofrida pelo candidato, relacionada ao art. 236, § 1º, do Código Eleitoral, embora não tenha sido explicitamente referida no voto condutor da preliminar, sobressai do raciocínio utilizado pelo douto Relator que eventual condução dos suspeitos ao distrito policial não teria o condão de macular a prova, pois diretamente derivada do ato legal e legítimo de constatação e subsequente inspeção veicular, sobressaindo o seguinte trecho:

Ademais, as provas não foram encontradas diretamente a partir da busca, veicular ou pessoal, mas sim teve gênese na visualização de material que, por sua vez, ensejou a inspeção veicular – esta ocorrida em um segundo momento.

Sublinho: o ilícito foi identificado a partir de uma sequência de atos, todos legítimos: (1) abordagem do veículo; (2) visualização pelos policiais, através dos vidros do veículo, de material suspeito; (3) vistorias veicular e pessoais.

 

Assim, no caso, o voto teceu os argumentos que demonstram as razões de seu convencimento, sendo certo que o julgador não está obrigado a se manifestar sobre todas as alegações da parte, “haja vista ser suficiente a análise daquelas capazes de, em tese, infirmar a conclusão do decisum” (TSE; ED-AgR-REspe n. 0605056-06/SP, rel. Min. Jorge Mussi, julgados em 17.10.2019, DJe de 26.3.2020).

De seu turno, a alegação de que os depoimentos dos policiais militares foram insatisfatórios e contraditórios refere-se à própria avaliação da prova, não representando, em si, omissão do julgado a ser desafiada por embargos de declaração.

Outrossim, o voto vencido, de minha lavra, igualmente analisa as questões mencionadas e expressamente enfrenta os arts. 236, § 1º, do Código Eleitoral e 240, § 2º, do CPP, fazendo parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive para efeito de prequestionamento, nos termos do art. 941, § 3º, do CPC, bem como servindo para a compreensão da ratio decidendi prevalecente na Corte.

 

Dos embargos declaratórios opostos pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de MUÇUM

De seu turno, os aclaratórios opostos pelo MDB de Muçum desafiam o voto condutor do mérito, de minha lavra, alegando duas ordens de omissões no julgado.

No primeiro ponto sustentado, a agremiação afirma ausência de fundamentação “no tocante ao correto enquadramento da conduta, em especial de que forma a lista apreendida comprova a prática de um dos verbos nucleares descritos no artigo 41-A do Código Eleitoral”.

Ocorre que as razões do acórdão expressamente consignam que a prova dos autos permite identificar grupos de valores “pagos” e outros valores “a pagar”, inequivocamente equivalentes à realização dos verbos nucleares “entregar” e “prometer” dinheiro, previstos no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo os excerto do julgado que bem evidenciam o ponto:

Com efeito, a planilha carreada ao feito é inequívoca no sentido de demonstrar que se cuida de registro físico de pagamento a eleitores em troca do voto.

A tabela é dividida em colunas, cada qual encimada pelos títulos (1) “nome”, (2) “antes”, (3) “depois”, (4) “cabo eleitoral” e (5) “parceria”, sendo evidente se tratar a primeira coluna do nome dos eleitores cooptados, a segunda do montante ser pago antes do pleito, a terceira do quantum a ser pago após as eleições, e a quarta o nome do cabo eleitoral responsável pela captação ilícita. Não por outra razão havia a anotação “pago” ao lado do valor lançado na coluna “antes”, em grande parcela dos casos, e nenhum registro na coluna “depois”, vez que o prélio eleitoral ainda não havia sido realizado.

Além disso, há no verso de uma das folhas a seguinte inscrição, sobre a qual os recorrentes sequer ofereceram algum esclarecimento: “OBS – Até a Cleci Couto tenho que pagar depois 2.250,00. 64 votos até a Cleci Couto” (ID 39292133, fl. 10):

(…).

 

A segunda omissão defendida envolve o art. 198 da Resolução TSE n. 23.611/19, cuja aplicação foi postulada pelo partido, com fundamento no princípio da anualidade, “uma vez que publicada em 19 de dezembro de 2019, ou seja, a menos de ano e dia do pleito relacionado ao presente processo”.

A questão restou pontualmente enfrentada nos seguintes termos:

O MDB alega que o dispositivo aplicável à espécie é o art. 175 do Código Eleitoral, e não o art. 198 da Resolução TSE n. 23.611/19, tendo em vista que este diploma normativo foi editado em 19.12.2019, menos de um ano e dia da data do pleito, de modo a afrontar o art. 16 da Constituição Federal, que consagra o princípio da anterioridade, ademais de ter sido privilegiada regra infralegal em detrimento da Lei n. 4.737/65.

Não assiste razão à agremiação recorrente.

A Resolução TSE n. 23.611/19, ao estabelecer, em seu art. 198, a anulação para todos os efeitos dos votos dados a candidato cujo registro venha a ser cassado após a eleição, em ação autônoma, prestigiou as regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, em detrimento do art. 175, §§ 3º e 4º, do mesmo Estatuto, cujos textos seguem:

Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

[...].

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

§ 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público, inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.

§ 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao corregedor-geral ou regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.

§ 3º O corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes for aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.

 

Logo, o art. 198 do diploma normativo em testilha tem por fundamento dispositivos do próprio Código Eleitoral interpretados de forma sistemática pela Corte Superior, não se tratando de norma independente e autônoma.

Demais disso, o TSE, já em 2020, vinha aplicando às eleições de 2018 tal entendimento, conforme os seguintes julgados:

[…].

(RO-El n. 0601423-80.2018.6.01.0000/AC, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 253, Data 04.12.2020.).

[…].

(MSCiv n. 0600316-23.2021.6.00.0000/RO, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 200, Data 28.10.2021.).

 

Portanto, devem ser declarados nulos, para todos os fins, os votos atribuídos a Carlos Eduardo Ulmi, e deve ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.

 

Assim, não se verifica insuficiência na análise da matéria, pois os pontos essenciais levantados pelo embargante, atinentes ao princípio da anualidade eleitoral (art. 16 da CF/88) diante dos arts. 175, §§ 3º e 4ª, do Código Eleitoral e do art. 198 da Resolução TSE n. 23.611/19, foram detida e expressamente analisados.

Ainda, registro que o art. 1.025 do CPC adotou o prequestionamento ficto, assim: "consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".

Portanto, não se verifica obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275, incs. I e II, do Código Eleitoral e do art. 1.022 do CPC, razão pela qual se impõe a rejeição dos aclaratórios.

Por fim, sobre o requerimento de penalização dos embargantes pelo intuito protelatório do recurso, formulado pela parte embargada, entendo que não deve ser acolhido.

Como se percebe, os aclaratórios objetivaram integrar e prequestionar a tese recursal proposta pelos embargantes, inclusive diante de divergência instaurada na apreciação da matéria preliminar, do que não se observa propósito protelatório ou evidente má-fé.

Consoante orientação do STJ, “a oposição de embargos de declaração, com nítido fim de prequestionamento, não possui caráter protelatório, não ensejando a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC de 2015” (AgInt no AREsp 1.684.291/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 31/8/2020, DJe 23/9/2020, e AgInt no REsp 1892948/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/03/2021, DJe 25/03/2021).

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos por CARLOS EDUARDO ULMI e pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de MUÇUM.