REl - 0600327-57.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/11/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas:

 

Cuida-se de recurso em prestação de contas eleitoral, referente ao pleito de 2020, interposto por LUIZ CARLOS MORAES ROTTA em face de sentença que julgou sua contabilidade desaprovada em virtude do recebimento de doação de verbas advindas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinadas ao incremento das candidaturas femininas, sem demonstração de benefício à campanha da doadora.

A legislação de regência determina que parcela do FEFC seja destinada ao fomento das candidaturas por cotas de gênero e raça. Tal percentual, ainda que direcionado ao financiamento de campanhas femininas e de pessoas negras, pode ser empregado no adimplemento de despesas de outros candidatos não contemplados pela norma, desde que demonstrado benefício eleitoral para a doadora. É a inteligência do art. 17, §§ 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º) .

[…]

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021) (Grifei.)

 

No que toca ao fomento à participação feminina nas eleições, este possui jaez constitucional e restou plasmado no § 7º do art. 17 da Carta Magna. O parágrafo foi incluído quando da entrada em vigor do texto da Emenda Constitucional n. 117, de 05 de abril de 2022, e ficou assim disposto:


§ 7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários.

 

Aqui, a agremiação destinou parcela dos valores do FEFC à candidatura feminina, mas, ainda que atendido o comando legal, ao aferir a contabilidade do recorrente, a decisão combatida entendeu não aplicada de forma escorreita a verba pública.

Em irresignação, o prestador confirma ter recebido o aporte de candidata e que esta teve por benefício o incremento da campanha do colega de partido, para que ambos tivessem condições de se eleger. Indica ter carreado ao feito documentação suficiente a atestar a regularidade das contas. Declara querer devolver, de forma parcelada, o valor malversado, motivo pelo qual sua contabilidade deve ser aprovada. Postula, ao fim, a aprovação das contas com ressalvas, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

A concorrente Cynara dos Santos Rodrigues recebeu R$ 3.000,00 do FEFC; desses, R$ 2.000,00 foram doados para candidaturas masculinas – R$ 1.000,00 para o recorrente e outros R$ 1.000,00 para José Homero Vargas.

A doação, conforme extratos eletrônicos disponíveis no sistema da Justiça Eleitoral de Divulgação de Candidaturas e Contas (DivulgaCand), ocorreu. Todavia, do alegado proveito à candidatura feminina, não há, nos autos, prova alguma de que tenha ocorrido.

Em realidade, compulsando os resultados do pleito de 2020, Cynara dos Santos Rodrigues somou apenas 22 votos, enquanto o recorrente alcançou um total de 40, cenário este que vem apenas infirmar o aduzido em recurso.

Para afastar a irregularidade, cumpriria ao recorrente apresentar documentos que justificassem o repasse nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral capazes de demonstrar que os valores foram empregados em benefício comum de ambas as campanhas, especialmente da candidatura feminina, ônus do qual não se desincumbiu.

Ou seja, o apoiamento percebido pelo candidato, com verba pública destinada ao fomento da participação feminina nas eleições, não apresentou ganho algum à doadora, de sorte que o montante malversado dos recursos do FEFC deve ser recolhido ao erário, nos termos do § 9º do art. 17 e § 1º do art. 79, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º) .

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

Seguem ementas de arestos, a demonstrar o entendimento da Justiça Eleitoral na mesma linha:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. IRREGULARIDADES FORMAIS QUE NÃO TROUXERAM PREJUÍZO À ANALISE DAS CONTAS. IRREGULARIDADE MATERIAL COM PERCENTUAL IRRISÓRIO. AUSÊNCIA DE MÁ FÉ E DE PREJUÍZO À FISCALIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. 1. A candidata deixou de prestar as contas finais no prazo regulamentar. Porém, antes de ser notificada pessoalmente para constituir advogado nos autos, e se manifestar a respeito da omissão, nos termos do § 4º, do art. 101, da Resolução TSE nº 23.553/2017, a candidata constituiu defensor, e satisfez as exigências do art. 56 da mesma Resolução. Nesse sentido, as intimações ocorridas antes da regularização da representação processual não servem para levar ao julgamento das contas como não prestadas, por expressa previsão legal. 2. A candidata transferiu recursos estimáveis em dinheiro, no valor de R$ 3.500,00, para o candidato Devanir Ferreira, sem indicação do benefício para sua campanha, contrariando o disposto nos §§ 5º e 6º, do art. 19, da Resolução TSE nº 23.553/2017. Embora intimada, a candidata não se manifestou a respeito da irregularidade, que permanecendo, enseja o recolhimento dos valores envolvidos, conforme art. 82, § 1º, da Resolução de regência. 3. No caso concreto, o montante das irregularidades é irrisório em valores percentuais (0,01 % das receitas da candidata); não houve prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral, porque não há indícios de outras irregularidades, e nem há indícios de má-fé. Tais circunstâncias atraem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a ensejar aposição de ressalvas. Precedentes. 4. Contas aprovadas com ressalvas, na forma do art. 77, inciso II, da Resolução TSE nº 23.553/2017, devendo a Requerente providenciar o recolhimento ao Erário da quantia de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), em razão da aplicação irregular de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, nos termos do art. 82, 1º, da mesma Resolução.

(TRE-ES - PC: 060156407 VITÓRIA - ES, Relator: UBIRATAN ALMEIDA AZEVEDO, Data de Julgamento: 18/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Tomo 218, Página 5-6)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. DESAPROVADAS. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. DESTINAÇÃO ORIGINAL ÀS CANDIDATURAS FEMININAS. QUANTIA INEXPRESSIVA. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas contas de campanha relativas às eleições de 2020, determinando o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinado para candidaturas femininas, sem prova do benefício à concorrente doadora, com fundamento nos arts. 17, 74, inc. III, e 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Ausente prova de proveito pessoal para a campanha da candidata com a doação efetuada ao correligionário. Evidenciada afronta à política de cotas destinada às candidaturas femininas. O apoiamento de correligionário, sem prova de benefício para a candidata, não autoriza a doação e o uso de recursos do FEFC.

3. Embora represente 100% da receita de campanha, o valor mostra-se diminuto, sendo razoável e proporcional a aprovação das contas com ressalvas. Entretanto, mantida a determinação de recolhimento ao erário, decorrência expressa do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Provimento.

(TRE-RS, PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 0600338-86.2020.6.21.0047, Relator Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado em 15.6.2021.) (Grifei.)

 

O recorrente busca, também, a remissão da falha quanto ao uso indevido de recursos do FEFC, alegando ser suficiente à aprovação das contas seu intento de devolver a quantia pública.

Contudo, estamos diante de norma de caráter objetivo, a qual, modo cristalino, dispõe que, para o candidato utilizar verba destinada ao incremento das candidaturas femininas, deve garantir que o empenho traga frutos ao pleito feminino, o que não restou demonstrado.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. Na hipótese, houve descumprimento das regras contábeis aplicáveis a todos os candidatos, não sendo passível de aprovação a contabilidade pela concordância do recorrente em devolver quantia usada irregularmente.

Calha frisar, ao fim, que o recorrente busca, ainda, em sede de recurso, o parcelamento do valor a ser ressarcido ao erário, requerimento inviável, porquanto deve ser deduzido quando do cumprimento da sentença.

Desse modo, as razões recursais são insuficientes para o afastamento da falha verificada nas contas.

Entretanto, ao considerar o valor absoluto da falha, R$ 1.000,00, diante do parâmetro de resolução (R$ 1.064,10) utilizado para entender a quantia como módica, ainda que o percentual da irregularidade seja de 51,62% do total auferido em campanha, mostram-se aplicáveis ao caso os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, devendo as contas ser aprovadas com ressalvas.

Com essas considerações, ainda que malversados valores do FEFC, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, mantido o comando de ressarcimento ao erário.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, mantida a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.