MSCiv - 0603385-44.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/11/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, JOÃO LUIZ CAMPOS STAMM JÚNIOR, candidato ao cargo de deputado estadual, impetrou mandado de segurança em face de ato praticado pelo Diretório Estadual do AVANTE do RIO GRANDE DO SUL e sua Presidente Regional, JOYCE CAMPOS, relativo à distribuição de recursos para os candidatos da agremiação nas eleições 2022.

Inicialmente, anoto que, mesmo com a realização da eleição, tenho por relevante a manifestação jurisdicional colegiada no que diz respeito ao pedido contido nestes autos, ainda que no intuito de delinear a posição da Corte sobre a questão trazida pelo impetrante e servir como precedente para pleitos vindouros.

Prossigo, desse modo, na análise do pedido contido no presente mandamus.

O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Cumpre referir que, embora os art. 44, inc. V, do Código Civil, combinado com o art. 1º da Lei 9.096/95 estabeleçam que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, a Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/09), em seu art. 1º, § 1º, equiparou às autoridades públicas não apenas os seus representantes, como os próprios órgãos partidários, assentando, assim, a legitimidade para ambos responderem no polo passivo das ações mandamentais.

Para além, a atuação da Justiça Eleitoral em relação às decisões partidárias é bastante limitada, considerando que o art. 17, § 1º, da Constituição Federal e o art. 3º, caput, da Lei n. 9.096/95 apregoam a autonomia das legendas para definir sua organização, estrutura e funcionamento, inclusive quanto à adoção dos critérios de escolha e o regime de suas coligações, não cabendo a esta Justiça Especializada, em regra, se imiscuir nos assuntos internos. A regra, portanto, é que os dirigentes partidários tenham liberdade na condução das legendas, inclusive para a definição de critérios de destinação dos recursos de que dispõem na persecução dos fins ideológicos para os quais os partidos foram criados.

Tendo tais parâmetros como norte, a atuação da Justiça Eleitoral em face de decisões partidárias é excepcional, exclusiva para casos de flagrante violação às normas legais e/ou estatutárias com inequívocos reflexos no pleito.

Na espécie, o impetrante questiona os critérios de distribuição dos recursos públicos e de material de campanha entre os candidatos do partido que concorrem nas eleições 2022 adotados pela agremiação impetrada, questão nitidamente interna corporis.

À exceção da destinação de recursos expressamente prevista na legislação eleitoral, a distribuição de valores, de material de campanha e mesmo de custeio de profissionais que prestem apoio aos candidatos está sujeita à discricionariedade dos dirigentes partidários, sobre a qual não cabe apreciação da Justiça Eleitoral. Nesse sentido, o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. PSC. DEVOLUÇÃO DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECUSA DA FUNDAÇÃO INSTITUÍDA PELA AGREMIAÇÃO (FIPA) EM DEVOLVER OS VALORES REPASSADOS E NÃO UTILIZADOS NOS EXERCÍCIOS FINANCEIROS DE 2015 E 2016. FACULDADE PREVISTA NOS ARTS. 44, § 6º, DA LEI Nº 9.096/1995 E 20, § 2º, I, DA RES.-TSE Nº 23.464/2015. PEDIDO NÃO CONHECIDO. QUESTÃO INTERNA CORPORIS QUE REFOGE À COMPETÊNCIA DESTA ESPECIALIZADA. AUSÊNCIA DE REFLEXO DIRETO NO PROCESSO ELEITORAL. RECURSO RECEBIDO COMO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO E INDEFERIDO.

[...]

3. Embora o art. 29, § 7º, I a VI, da Res.-TSE nº 23.464/2015 atribua à Justiça Eleitoral competência para fiscalizar a aplicação de recursos do Fundo Partidário repassados pelos partidos políticos às suas fundações, os critérios de distribuição interna desses valores, para além dos ditames legalmente estabelecidos - "inclusive no que toca à manutenção de fundação de pesquisa, doutrinação e educação política, com aplicação do limite mínimo de vinte por cento do total" - consubstanciam matéria inserida no âmbito da autonomia da respectiva agremiação partidária, a ser disciplinada em seu próprio estatuto (arts. 17, § 1º, da Constituição Federal e 15, VII e VIII, da Lei nº 9.096/95).

4. A eventual devolução de recursos repassados pelo partido e não utilizados pela fundação no exercício financeiro, para reversão em outras atividades partidárias, é uma faculdade prevista nos arts. 44, § 6º, da Lei nº 9.096/1995 e 20, § 2º, I, da Res.-TSE nº 23.464/2015, não competindo à Justiça Eleitoral sinalizar-lhes a atuação em conflito de interesses quanto a relações jurídicas de estrito direito privado, ausente reflexo direto no processo eleitoral. Agravo regimental recebido como pedido de reconsideração e indeferido.

(Petição nº 060056088, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 100, Data: 22/05/2018)

 

Já a questão da distribuição dos recursos destinados às políticas afirmativas, como é o caso da verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas – FEFC destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras, encontra um grau de regulamentação mais específico e, em tese, estaria sujeita a maior controle da Justiça Eleitoral.

Na linha do que postula o impetrante, a reserva de um percentual mínimo de recursos públicos para candidaturas de pessoas negras constitui relevante ação afirmativa que tem por objetivo aumentar a inclusão na política. Eventual utilização dos recursos decorrentes dessa política de modo a frustrar a finalidade da norma pode, de fato, representar um desvio de finalidade, passível de correção judicial.

No caso dos autos, porém, inexiste documentação apta a comprovar a frustração à finalidade da destinação de recursos. Como mencionado pelo ilustre Dr. José Osmar Pumes, Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer, “a observância do cumprimento das cotas étnicas no repasse de recursos pela agremiação deve ser objeto de exame na prestação de contas, devendo ser analisada de modo global, sem vincular o partido a uma candidatura específica, mas ao conjunto de candidatos autodeclarados pardos ou negros” (ID 45145184).

Inexiste, portanto, norma que obrigue a distribuição de recursos para além dos referidos “percentuais”, sendo válida a estipulação de critérios pelas agremiações como, exemplificativamente, a viabilidade da candidatura, a prioridade de reeleição de atuais mandatários e mandatárias ou a estratégia para crescimento da bancada nas casas legislativas, culminando com eventual destinação de valor maior ou menor a um ou outro candidato.

Nesse sentido, colaciono precedente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco que bem explicita a impossibilidade de controle pela Justiça Eleitoral sobre os critérios de distribuição de recursos adotados pelos partidos, à exceção da exclusiva viabilidade de sindicar os percentuais repassados para cumprimento das reservas destinadas às políticas afirmativas:

ELEIÇÕES 2018. PRELIMINARES. PRIMAZIA DO MÉRITO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. DISTRIBUIÇÃO. MATÉRIA INTERNA CORPORIS. AÇÃO IMPROCEDENTE.

1. A definição dos critérios de distribuição dos valores oriundos do FEFC aos candidatos da agremiação é uma decisão interna corporis das agremiações partidárias, afastando eventual análise de mérito do Poder Judiciário Eleitoral quanto aos critérios fixados, à exceção de demandas relativas à cota de gênero (entendimento conforme Consulta TSE nº 0600252-18, julgada em 22 de maio de 2018) pois neste caso, as demandas seriam, na verdade, mero controle de legalidade da distribuição pré-fixada em 30% (e não controle de mérito).

2. O art. 6º da Resolução/TSE n.º 23.568/2018 deixa bem clara a natureza interna corporis da distribuição de tais verbas, uma vez recebidas pelo partido responsável e submetidas ao dever de prestar contas de sua aplicação.

3. A autonomia partidária (art. 17 da CF) deve ser respeitada, não havendo que se falar em controle de mérito da distribuição interna de verbas, que fica atrelada às disposições administrativas da agremiação, consoante critérios que se alinhem às regras de seus estatutos, sempre obedecendo aos princípios constitucionais postos, dentre eles o dever de prestar contas.

4. Com base no art. 17 da CF; art. 4º e 487, I, do CPC c/c art. 6º da Resolução/TSE n.º 23.568/2018, julgou-se improcedente a demanda.

(Petição n 060292425, ACÓRDÃO n 060292425 de 01/04/2019, Relator(a) JÚLIO ALCINO DE OLIVEIRA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 11/04/2019 ) (Grifei.)

 

Especificamente no exame dos elementos trazidos pelo impetrante, anoto que, junto ao pedido de reconsideração, foi trazida aos autos a Resolução Eleitoral 001/22, da Comissão Executiva Nacional do AVANTE, norma interna que define os critérios de distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Pois bem: consta em tal documento, dentre outras deliberações, em seu art. 1º, que os “recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) serão utilizados, prioritariamente, nas candidaturas ao cargo de Deputado Federal, para o cumprimento da norma estabelecida pela Emenda Constitucional n° 97/2017, que instituiu a cláusula de desempenho”. Em seguida, no mesmo artigo, constou no § 2º que a “distribuição dos recursos será feita pela Comissão Executiva Nacional, levando em consideração a prioridade de reeleição dos atuais mandatários, a probabilidade de êxito das candidaturas, bem como a estratégia politico-eleitoral do Partido em âmbito nacional, no tocante ao crescimento de suas bancadas na Câmara dos Deputados”. Por fim, o art. 2º estabelece que, “Excepcionalmente, poderão ser utilizados os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nas candidaturas aos cargos de Presidente, Senador, Governador e Deputado Estadual, mediante deliberação da Comissão Executiva Nacional” (ID 45132311).

No caso concreto, não se demonstrou violação às regras internas do partido, sobretudo porque o impetrante é candidato ao cargo de deputado estadual e atualmente não ocupa mandato eletivo, não fazendo jus à distribuição prioritária de recursos estipulada pela agremiação.

Ademais, inobstante o reconhecimento da competência deste Tribunal Regional Eleitoral para o julgamento deste mandado de segurança, cumpre definir, nos moldes bem apontados no parecer ministerial, que a jurisprudência fixou três ordens de competência para conhecimento das impetrações: a dos Juízes Eleitorais, para os atos dos Diretórios Municipais; dos Tribunais Regionais, para os dos Diretórios Regionais; e do TSE, para os dos Diretórios Nacionais.

Acaso o impetrante pretendesse questionar as deliberações da Comissão Executiva Nacional do Partido sobre a distribuição excepcional dos recursos do FEFC para candidaturas ao cargo de deputado estadual (art. 2º), o que se considera apenas para fins de argumentação, a ação deveria ter sido proposta no Tribunal Superior Eleitoral.

Por fim, valho-me do recente julgado do Tribunal Superior Eleitoral para fixar a inexistência de direito líquido e certo à distribuição igualitária de recursos entre os candidatos. Vejamos:

CONSULTA. SENADOR E DEPUTADOS FEDERAIS. LEGITIMIDADE. QUESTÕES RELATIVAS À DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO FEFC. CONSULTA CONHECIDA.

1. Na espécie, os consulentes trazem os seguintes questionamentos: (1) "Tendo em vista a desigualdade de financiamento de campanhas entre os candidatos do mesmo partido, o empenho da justiça eleitoral em tornar as candidaturas de grupos minoritários mais competitivas, além do compromisso de cumprir os dispositivos mencionados, em conjunto com o princípio constitucional da igualdade, os partidos políticos devem seguir critérios de distribuição equitativa do montante recebido pelo FEFC para candidaturas a cargos legislativos?"; (1.1) "Qual porcentagem mínima do montante vindo do FEFC deve ser distribuída equitativamente entre todos os candidatos do partido?"; (2) "Deve existir uma coordenação entre a contagem em dobro prevista na Reforma Eleitoral e os critérios de distribuição do FEFC. A aplicação da EC 111 refere–se ao percentual de votos recebidos pelos representantes na Câmara dos Deputados (critério II, da Lei nº 13.488)?"; (2.1) "A contagem de representantes mulheres e negros eleitos na Câmara dos Deputados e Senado Federal também deve ser dobrada para fins de distribuição do FEFC? (critérios III e IV, da Lei nº 13.488)?" (ID 157213639, fls. 4–5).

2. Não há na legislação menção alguma a que as agremiações partidárias devam adotar critérios equitativos de distribuição de recursos públicos a seus candidatos. A disposição legal, que deixa a critério da direção nacional de cada partido político estabelecer como se dará a distribuição de recursos do FEFC a seus candidatos, é, claramente, uma opção legislativa, uma vez que o projeto de lei que se converteu na Lei nº 13.487/2017 – a qual instituiu o FEFC e acrescentou o art. 16–D à Lei nº 9.504/1997 – foi enviado para sanção presidencial contendo dispositivo que contemplaria a distribuição equânime de parte dos recursos, como pretendem os consulentes – disposição que, no ponto, foi vetada pelo presidente da República, não tendo o Congresso Nacional derrubado o referido veto. Ademais, o TSE já asseverou que "não compete ao Tribunal Superior Eleitoral responder consulta sobre ‘a democracia interna dos partidos políticos’, precisamente acerca da necessidade de distribuição isonômica e proporcional dos recursos do fundo partidário dentro da agremiação, enquanto matéria interna corporis ao partido político (art. 23, XII, do Código Eleitoral)" (Cta nº 401–34/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 17.11.2016, DJe de 12.12.2016). Resposta negativa à primeira parte da questão 1 – se "[...] os partidos políticos devem seguir critérios de distribuição equitativa do montante recebido pelo FEFC para candidaturas a cargos legislativos?". Fica, assim, prejudicada a segunda parte da questão, em que se indaga "qual porcentagem mínima do montante vindo do FEFC deve ser distribuída equitativamente entre todos os candidatos do partido?".3. A última parte do inciso II do art. 16–D da Lei das Eleições, que leva em conta os votos obtidos para a Câmara dos Deputados para aferir o quantum do quinhão caberá a cada partido, beneficia as agremiações cujos candidatos à Câmara obtiveram votação significativa. A contagem em dobro dos votos dados às candidaturas femininas e de pessoas negras, disposta na EC nº 111/2021, tem a finalidade de estimular os partidos a investir nessas candidaturas e, assim, de inibir as chamadas candidaturas laranjas, lançadas pelas agremiações apenas para atender aos preceitos legais – sem, de fato, serem priorizadas – e, consequentemente, cumprir o propósito da lei, que é aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras na política. Assim, é possível inferir que o disposto no art. 2º da EC nº 111/2021 se direciona ao critério de distribuição do FEFC descrito no art. 16–D, II, da Lei das Eleições. Resposta positiva à indagação – "se a aplicação da EC 111 refere–se ao percentual de votos recebidos pelos representantes na Câmara dos Deputados? (critério II, da Lei nº 13.488)".4. Os critérios de distribuição do FEFC aos partidos previstos nos incisos III e IV do art. 16–D da Lei nº 9.504/1997 – que levam em conta o número de representantes da agremiação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente – não se coadunam com as disposições da EC nº 111/2021, que considera o voto dado a candidatas mulheres ou aos candidatos negros para a Câmara dos Deputados. Resposta negativa à segunda parte da segunda questão – "a contagem de representantes mulheres e negros eleitos na Câmara dos Deputados e Senado Federal também deve ser dobrada para fins de distribuição do FEFC? (critérios III e IV, da Lei nº 13.488)".

(CONSULTA nº 060006216, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 145, Data: 02/08/2022)

 

Ficou assentado, portanto, que a disposição legal que deixa a critério da direção nacional de cada partido estabelecer como se dará a distribuição de recursos do FEFC a seus candidatos é uma opção legislativa que deve ser prestigiada. Da mesma forma, os critérios de distribuição dos recursos, para além do estritamente fixado na legislação de regência, constituem matéria interna corporis ao partido político.

Logo, inexiste direito líquido e certo à distribuição equitativa ou igualitária de recursos públicos dos partidos políticos a seus candidatos, de forma que deve ser denegada a segurança.

 

DIANTE DO EXPOSTO, por ausência de violação a direito líquido e certo, voto por denegar a segurança postulada.