REl - 0600612-56.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/11/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Questão de ordem. Pedidos (1.1) de reabertura de prazo para juntada de documentos ou (1.2) de determinação de diligência junto ao Banco do Brasil, para obtenção de microfilmagem de cheques.

Destaco que o conhecimento de documentos em fase recursal é prática, sob determinados aspectos, aceita por este Tribunal na classe processual sob exame, mas desde que o aceite não represente prejuízo à tramitação do processo. Como exemplo, trago a aceitação da juntada de documentos já em fase recursal, mas quando constituem documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

No caso concreto, no entanto, o pedido é demasiado elastecido, pois se dá para a reabertura de prazo para a diligência em si, de modo que a parte proceda à juntada de microfilmagem de cheques, solicitada à instituição bancária e não trazida por ocasião da interposição do recurso.

Ora, entendo inviável a diligência, a uma porque resultaria numa quebra de isonomia material entre os prestadores de contas, conferindo-lhe chances de apresentação de provas em momento vedado a todos os demais; a duas, rompe a isonomia processual porque haveria um elastecimento do próprio prazo de interposição recursal em si mesmo (os documentos integrariam o recurso, obviamente) e, três, já no mérito da questão, porque a verificação dos extratos bancários demonstra ausência de contraparte, a indicar o preenchimento dos títulos de modo não cruzado, passível de desconto sem depósito em banco.

Indefiro, portanto, o pedido de reabertura do prazo para apresentação de documentos.

E, da mesma forma, afigura-se inviável o deferimento de pedido para que este Tribunal  Regional Eleitoral diligencie junto ao Banco do Brasil a obtenção de microfilmagem de cheques, pelo mesmo motivo de risco de tratamento privilegiado, à margem da legislação de regência, ao ora recorrente.

Ora, ao prestador das contas compete a instrução de todo processo com os documentos comprobatórios de suas receitas e gastos, em consonância com a legislação eleitoral, sendo inadmissível que a Justiça Eleitoral se ocupe, relativamente a um candidato, em buscar provas que deveriam estar ao seu alcance mediante agir diligente.

E, a título de desfecho no ponto, sublinho o grande lapso temporal que fora oportunizado ao recorrente para a obtenção dos documentos que, agora, pleiteia sejam alcançados pela Justiça Eleitoral. Da intimação do relatório preliminar apontando a falha, em 06.7.2021, até a interposição do presente recurso, em 27.01.2022, transcorreram mais de seis meses, tempo largamente suficiente para a obtenção dos documentos, cuja “entrega dos mesmos demoram aproximadamente 07 (sete) dias úteis”, nas palavras da própria prestadora.

Portanto, rejeito ambos os pedidos.

2. Mérito

SOLANGE DE JESUS LIMA LOUREGA interpõe recurso contra a sentença de desaprovação das contas de candidatura ao cargo de vereadora no Município de Santo Ângelo nas eleições 2020, em razão de ausência de comprovação de gasto eleitoral com verba do FEFC.

A sentença aponta, com base no parecer técnico, a ausência de comprovação de seis pagamentos de despesas realizadas por meio de cheques, nos valores de R$ 520,00, R$ 960,00, R$ 1.500,00, R$ 300,00 e dois de R$ 1.000,00 cada, com recurso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, a respeito das quais não foram apresentadas as cártulas utilizados na quitação e os extratos bancários não identificam os beneficiários. O montante alcança a quantia de R$ 5.280,00.

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado; 

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Observo que a recorrente deixou de apresentar manifestação ao parecer conclusivo e, em recurso, sustenta que as microfilmagens solicitadas à instituição bancária comprovariam a regularidade dos pagamentos. No entanto, sequer alega terem sido preenchidos os cheques em acordo à resolução de regência.

A ausência de contraparte nos extratos decorre da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária, como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral, em alentado trecho do parecer, o qual transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos. Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei n. 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade. A realização de gastos com recursos do FEFC mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Nesse norte, inexistindo a comprovação do vínculo entre o pagamento e o credor declarado, julgo que remanesce a irregularidade e se afigura correta determinação contida na sentença, de recolhimento do valor de R$ 5.280,00.

Quanto à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vindicados nas razões de recurso, entendo não ser possível, pois este Tribunal tem consolidada posição no sentido de ser cabível a aprovação com ressalvas, por meio da adoção dos princípios constitucionais, quando o valor da irregularidade for inferior a R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019). Indico que o total de receitas declaradas foi de R$ 8.959,54, de modo que R$ 5.280,00 compõem quase 60% (sessenta por cento) do total arrecadado.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.