REl - 0600326-72.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/11/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o apelo.

 

Mérito

Eminentes Colegas, o recurso foi interposto contra a sentença que desaprovou as contas de campanha do recorrente em razão do recebimento de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinadas originariamente à candidata Arlete Regina Teixeira da Luz, no valor de R$ 1.000,00.

O parecer da unidade técnica constatou que o recorrente recebeu, via repasse, recursos destinados ao financiamento de campanhas de mulheres sem que ficasse demonstrado nos autos que houve benefício para a candidata, contrariando o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 44984178).

Pois bem.

A matéria relativa à utilização de recursos do FEFC está regulada no art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § § 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I – não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II – não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado. (Grifei.)

 

Restou demonstrado nos autos que o recorrente recebeu a quantia de R$ 1.000,00, distribuídos originalmente à candidatada mulher para o custeio de sua candidatura.

A legislação de regência prevê que é ilícita a utilização de recursos dessa natureza para financiar exclusivamente candidaturas masculinas, com a ressalva do pagamento de despesas comuns e à cota-parte de despesas coletivas, desde que comprovado o benefício à destinatária original da rubrica.

Em sua defesa, o recorrente alega que a transferência da quantia glosada representou benefício às duas candidaturas porque Arlete apoiou companheiro de partido “almejando que este atingisse um público alvo e assim, aumentasse seu número de eleitores, e ambos possuíssem condições de ser elegerem no pleito eleitoral de 2020”.

Adianto que o recurso merece parcial provimento.

Compulsando os autos, verifica-se que não há nenhum elemento de prova que demonstre que o valor doado pela candidata foi, efetivamente, revertido em favor da sua campanha. O companheiro de partido beneficiado com a doação concorria também ao cargo de vereador, disputando votos diretamente com a doadora. A ausência de benefício para a candidatura feminina e a burla à política afirmativa impedem que a irregularidade seja afastada.

Veja-se que a norma não veda a transferência dos valores entre os candidatos, mas são impostas condicionantes: que o montante seja utilizado para o pagamento de despesas comuns e que seja assegurado o benefício para campanhas femininas, sendo ilícito o seu uso, total ou parcial, exclusivamente para o financiamento da candidatura masculina.

Ademais, como bem registrado no parecer da lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, Procurador Regional Eleitoral, chama a atenção o modus operandi adotado pelo PSB de São Borja e pelas suas candidatas, que repassaram a candidatos homens parte dos recursos provenientes do fundo público destinados ao financiamento de campanhas de mulheres. Colho do referido parecer, cujas conclusões também adoto como razão de decidir:

De se destacar, outrossim, que o PSB de São Borja lançou seis candidatas à vereança no pleito de 2020. Destas, apenas a candidata Cleidi de Fátima Sloma (PC nº 060033-64.2020.6.21.0047) não recebeu recursos do FEFC “Mulheres”. Quanto a todas as outras (cinco), tem-se o seguinte quadro:

* Andréia Fabiane Nunes Cassanego Gonsalves (PC nº 0600337-04.2020.6.21.0047) recebeu R$ 3.000,00 do FEFC “Mulheres” e, deste montante, destinou R$ 1.000,00 para a campanha de João Jorge Lopes Brasil e R$ 1.000,00 para a campanha de Hélio Nerisson D´Ávila Soares;

* Arlete Regina Teixeira da Luz (PC nº 0600325-87.2020.6.21.0047) recebeu R$ 3.000,00 do FEFC “Mulheres” e, deste montante, destinou R$ 1.000,00 para a campanha de José Airton de França Junior e R$ 1.000,00 para a campanha de Jairo Afonso Silveira Ferreira;

* Cynara dos Santos Rodrigues (PC nº 0600331-94.2020.6.21.0047) recebeu R$ 3.000,00 do FEFC “Mulheres” e, deste montante, destinou R$ 1.000,00 para a campanha de Luiz Carlos Moraes Rotta e R$ 1.000,00 para a campanha de José Homero Vargas Loureiro;

* Eni Felício (PC nº 0600328-42.2020.6.21.0047) recebeu R$ 3.000,00 do FEFC “Mulheres” e, deste montante, destinou R$ 1.000,00 para a campanha de Odierli Matos Pereira;

* Solange Benitez (PC nº 0600336-19.2020.6.21.0047), recebeu R$ 3.000,00 do FEFC “Mulheres” e, deste montante, destinou R$ 1.000,00 para a campanha de Gerson Ademir Machado Schmidt.

Portanto, identifica-se a existência de um modus operandi consistente no encaminhamento de recursos destinados às candidaturas femininas para as candidatas do partido, as quais em seguida faziam doações para custeio das campanhas dos candidatos homens, em evidente burla à política pública.

 

Em razão da ação orquestrada, a Corte possui precedentes no mesmo sentido do encaminhamento aqui realizado, podendo ser mencionados os Recursos Eleitorais n. 0600323-20.2020.6.21.0047 e n. 0600322-35.2020.6.21.0047, de relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgados em 12.5.2021 e 10.12.2021, que também examinaram a questão sob a ótica do candidato homem que recebeu os valores destinados às campanhas de mulheres no Município de São Borja.

Destaco que a finalidade da destinação específica de recursos é incentivar e impulsionar a atuação política feminina e fortalecer suas candidaturas, tendo natureza grave o desvirtuamento dessa política pública.

Assim, permanece a caracterização da falha quanto ao emprego irregular de recurso proveniente do FEFC destinado ao financiamento de campanhas femininas, devendo ser mantido o dever de recolhimento da quantia de R$ 1.000,00, nos termos do § 6º e § 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Fica registrado, obter dictum, que eventual discussão sobre a configuração de bis in idem no caso de condenação da candidata doadora, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude da doação efetivada, deverá ser tratada no cumprimento de sentença, considerando a imposição pela lei de responsabilidade solidária entre o candidato e a candidata doadora (art. 275 do Código Civil).

Ainda, diante da previsão contida no § 8º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que verifique a existência de possíveis ilícitos.

 

Conclusão

Destaco que, embora a falha tenha natureza grave e represente 47,11% das receitas declaradas (R$ 2.122,50), seu valor nominal está abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), situação que autoriza a aprovação das contas com ressalvas.

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, sessão de 10.08.2021).

Por fim, tendo em vista que o parcelamento é matéria atinente ao cumprimento de sentença, o pedido deve ser examinado pelo juízo de primeira instância após o trânsito em julgado da decisão.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento da irresignação, para aprovar com ressalvas as contas de JAIRO AFONSO SILVEIRA FERREIRA, candidato ao cargo de vereador no Município de São Borja nas eleições 2020, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

Determino o encaminhamento dos autos ao Ministério Público para a averiguação da existência de possíveis ilícitos, nos termos do § 8º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.