IP - 0600034-37.2021.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/10/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, na hipótese, vieram os autos da presente investigação a este Tribunal Regional Eleitoral em razão de o Juízo da 117ª Zona Eleitoral ter declinado da competência por entender estar caracterizada hipótese de prática de crime eleitoral no exercício do mandato de prefeito e em razão dele (ID 45073174).

Também se aventou a existência de conexão probatória com o IP n. 0600067-27.2021.6.21.0117, o que determinou a redistribuição dos autos a esta relatora.

Em sua manifestação, o ilustre Dr. Lafayete Josué Petter, Procurador Regional Eleitoral, afirmou não estarem preenchidos os requisitos para a configuração da competência originária desta Corte, uma vez que a prática da conduta, mesmo em tese, não estaria relacionada à função de chefia do executivo municipal.

Ficou consignado na promoção ministerial (ID 45136493) que:

ainda que o então Prefeito e candidato a reeleição tenha funcionado como autor intelectual dos fatos e principal beneficiário (hipótese), agiu na qualidade de mero candidato e não de gestor público, uma vez que os fato apontados (dação de dinheiro em espécie em troca de votos) não envolve o uso de atribuições inerentes ao exercício do mandato de Prefeito.

A tão só circunstância de se tratarem de fatos visando à reeleição também não justifica a competência do segundo grau de jurisdição, uma vez que poderiam ser perpetrados por qualquer candidato.

Destarte, não havendo competência por prerrogativa de função a ser reconhecida, impõem o declínio de competência para a Juízo da Zona Judicial de origem para continuidade da tramitação da investigação.

Por derradeiro, prejudicada análise de eventual conexão probatória com o IP n. 0600067-27-2021-6-21-0117, tendo em vista que não subsiste atribuição dessa PRE-RS para atuar no presente caso.

 

A promoção ministerial pela declinação da competência fundamenta-se na atual linha interpretativa das Cortes Superiores acerca do foro por prerrogativa de função, em especial, no sentido de que a competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais para o processo e julgamento de ação penal eleitoral contra ocupante do cargo eletivo de prefeito deve se restringir às hipóteses em que os supostos crimes tenham sido cometidos no exercício do cargo e com pertinência às funções desempenhadas no respectivo mandato (STF, AP 937 QO, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03.5.2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 10.12.2018 PUBLIC 11.12.2018.).

No caso em investigação, não estariam preenchidos todos os requisitos para a fixação da competência originária deste Tribunal Regional, visto que, embora o fato noticiado configure, em tese, o crime do art. 299 do Código Eleitoral e esteja atribuído a pessoa que na data dos fatos (2020) e no presente momento (2022) se encontra no exercício do mandato de prefeito, não foi constatada relação entre a suposta conduta e a função de chefia do executivo municipal.

De fato, a atribuição da competência do juízo de primeiro grau para processamento e julgamento de ações criminais envolvendo detentores de foro por prerrogativa de função quando a conduta não tiver relação com o exercício do cargo/mandato está em consonância com a posição encampada pelo Poder Judiciário sobre a limitação do reconhecimento do foro especial.

Isso porque a nova compreensão fundamenta-se nas disfuncionalidades verificadas na conformação que vinha sendo dada ao instituto, que foi concebido como uma garantia em razão da relevância do cargo ou função desempenhada, a fim de se resguardar a liberdade e independência de atuação dos agentes públicos no exercício do mandato, não ostentando caráter pessoal.

Como observou o Supremo Tribunal Federal no acórdão citado acima, a aplicação ampla da prerrogativa acaba por afastar os Tribunais de sua função precípua e ocasiona morosidade da prestação jurisdicional, notadamente em relação aos processos com tramitação no âmbito daquele Tribunal. Ademais, em relação aos acusados, acarreta restrição ao princípio do duplo grau de jurisdição, pois suprime as ações propostas da apreciação das instâncias inferiores. 

Assim, o posicionamento dos tribunais superiores quanto à restrição do foro por prerrogativa de função deve ser adotado neste feito, na esteira de precedente deste Regional, da lavra do Eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. PRERROGATIVA DE FORO. NOVA INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. PERTINÊNCIA ÀS FUNÇÕES EXERCIDAS. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Nova interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de restringir a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas. Suposta prática de crime durante propaganda de rádio, durante a campanha eleitoral, período em que o investigado já exercia o cargo de prefeito. Ilícito, contudo, sem relação com a função pública desempenhada. Configurada a inexistência de relação do delito com o exercício do mandato.

Declinada a competência.

(j. em 19.12.2018, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 14, Data 25.01.2019, Página 10) (grifei)

 

Menciono, ainda, recente julgado de minha relatoria no mesmo sentido:

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS PRODUZIDAS EM PROCESSO CAUTELAR. ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. PRERROGATIVA DE FORO. RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA E A FUNÇÃO DESEMPENHADA NO MANDATO. NÃO DEMONSTRADA. ACOLHIDA A PROMOÇÃO MINISTERIAL. DECLINADA A COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.

1. Procedimento Investigatório Criminal originado a partir da autorização concedida por Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado para o compartilhamento de provas produzidas em Processo Cautelar, cujo material probatório foi originado na Operação Insistência. Suposto cometimento do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral. Prefeito reeleito.

2. A competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais para o processo e julgamento de ação penal eleitoral contra ocupante do cargo eletivo de prefeito deve se restringir às hipóteses em que os supostos crimes tenham sido cometidos no exercício do cargo e com pertinência às funções desempenhadas no respectivo mandato (STF, AP 937 QO, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03.5.2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 10.12.2018 PUBLIC 11.12.2018.). Na hipótese, não foi constatada relação entre a alegada conduta e a função de chefia do executivo municipal.

3. A atribuição da competência do juízo de primeiro grau para processamento e julgamento de ações criminais envolvendo detentores de foro por prerrogativa de função, quando a conduta não tiver relação com o exercício do cargo/mandato está em consonância com a posição encampada pelo Poder Judiciário sobre a limitação do reconhecimento do foro especial. Isso porque a nova compreensão fundamenta-se nas disfuncionalidades verificadas na conformação que vinha sendo dada ao instituto, que foi concebido como uma garantia em razão da relevância do cargo ou função desempenhada, a fim de se resguardar a liberdade e independência de atuação dos agentes públicos no exercício do mandato, não ostentando caráter pessoal.

4. Conforme decisão do STF, a aplicação ampla da prerrogativa acaba por afastar os Tribunais de sua função precípua e ocasiona morosidade da prestação jurisdicional, notadamente em relação aos processos com tramitação no âmbito daquele Tribunal. Ademais, em relação aos acusados, acarreta restrição ao princípio do duplo grau de jurisdição em decorrência da supressão da apreciação das ações por instâncias inferiores.

5. Acolhida a promoção ministerial. Declinada a competência ao Juízo Eleitoral de primeiro grau, para que, após a abertura de vista, o membro do Ministério Público Eleitoral oficiante adote as providências eventualmente cabíveis.

6. Declinada a competência.

(PIC-MP n. 0600185-29.2022.6.21.0000, Acórdão de 01.9.2022.)

 

Com esses fundamentos, assento, portanto, que este Tribunal não é competente para processar a presente investigação.

Registro, por oportuno, que a Procuradoria Regional Eleitoral apontou, nos autos do Inquérito Policial n. 0600067-27.2021.6.21.0117, que eventual conexão probatória entre as apurações deve ser analisada em 1ª instância (ID 45138846). Assim, apesar de trazer a julgamento ambos os processos na mesma oportunidade, por economia e conveniência processual, a distribuição por prevenção a esta relatora em caso de apresentação de eventuais recursos deverá ser oportunamente analisada.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da promoção ministerial, declinando da competência ao Juízo Eleitoral da 117ª Zona Eleitoral – Não-Me-Toque, para prosseguimento da investigação.