REl - 0600330-12.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2022 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de GERSON ADEMIR MACHADO SCHMIDT, candidato ao cargo de vereador de São Borja, em virtude de doação recebida da candidata Solange Benitez, no valor de R$ 1.000,00, realizada com verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), destinado à candidata mulher (cota de gênero), sem comprovação de beneficio à candidatura feminina.

A matéria é disciplinada pelo art. 17, §§ 4º, 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17. (…)

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

(...)

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

 

Nessa linha, observo que não há vedação de transferência de verbas oriundas do FEFC entre os candidatos, mas há que se observar a utilização para o pagamento de despesas comuns e o benefício primordial para as campanhas femininas, sendo ilícito o seu uso, total ou parcial, exclusivamente para o financiamento da candidatura masculina.

A transferência e a origem da verba utilizada na doação são incontroversas.

Logo, para afastar a irregularidade, cumpriria ao beneficiário da doação apresentar documentos que demonstrassem a situação nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral, ônus do qual não se desincumbiu nestes autos.

Contudo, em suas razões, o prestador de contas alega que a transferência de valores resultou em benefício à candidata, porquanto ela, ao apoiar o companheiro de partido “almejando que este atingisse um público alvo e assim, aumentasse seu número de eleitores”, alcançaria condições de eleição no pleito eleitoral de 2020. Destaco, no entanto, que não houve comprovação de benefício da candidata doadora, e a alegação de aumento do número do “público alvo” com o incremento da propaganda do prestador não tem a aptidão de demonstrar a necessária vantagem da doadora.

Destaco que a cota de gênero tem como escopo concretizar conquista legislativa destinada ao fortalecimento direto de candidaturas femininas e que, portanto, não comporta argumento de benefícios reflexos, em sede meramente hipotética como o apresentado, sob pena de que se torne mera legislação álibi, sem efetividade, pois um suposto "benefício coletivo" é de difícil, para não referir impossível, aferição.

Nesse norte, não havendo comprovação do efetivo benefício à candidatura feminina, resta configurada a irregularidade no recebimento do recurso, conforme o seguinte julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA DESTINADAS AO FINANCIAMENTO DE CANDIDATURAS FEMININAS. CHEQUE NOMINAL NÃO CRUZADO. VALOR NOMINAL BAIXO. MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidata ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional. 

2. Recebimento de recursos do FEFC destinados a candidaturas femininas sem a indicação de benefício para a candidata. Segundo o art. 17, §§ 4º, 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, devem ser destinados no mínimo 30% dos recursos do FEFC para campanhas femininas, cuja aplicação pela candidata há de se dar no direto interesse de sua campanha ou de outras candidaturas do mesmo sexo. Entretanto, na hipótese, o valor recebido, proveniente de reserva de recursos do FEFC para o custeio das candidaturas femininas, foi repassado ao ora recorrente. Para afastar a irregularidade, cumpriria ao beneficiário da doação apresentar documentos que demonstrassem o benefício comum nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral, ônus do qual não se desincumbiu, impondo o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem no caso de condenação da candidata doadora, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude da doação efetivada, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre o candidato e a candidata doadora. 

3. Pagamento efetuado com recursos do FEFC com inobservância do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Emissão de cheque nominal, mas não cruzado, sem identificação do beneficiário do pagamento (contraparte) no extrato bancário.

4. O conjunto das irregularidades representa quantia considerada módica, estando abaixo do valor adotando como valor máximo de referência de R$ 1.064,10, permitindo a aprovação das contas com ressalvas em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 

(TRE/RS. RECURSO ELEITORAL 0600915-21.2020.6.21.0029, acórdão de 23.8.2022, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data: 25.8.2022.) (Grifei.) 

 

Destaco que a falha, ainda que de natureza grave, apresenta valor nominal de R$ 1.000,00, portanto em patamar inferior ao parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 05.11.2019.), admitindo a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

No concernente ao pedido de parcelamento formulado no recurso, conforme já decidido por esta Corte, nos autos do REl n. 0600336-19.2020.6.21.0047, de relatoria do Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, o requerimento deve ser deduzido após o julgamento do processo, em pleito de parcelamento cuja competência para análise é do Exmo. Des. Presidente deste Tribunal Regional Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, aprovar as contas com ressalvas, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.