PCE - 0600431-93.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2022 às 16:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas:

Cuida-se de prestação de contas do Diretório Estadual do Solidariedade, regida pela Lei n. 9.504/97 e pela Resolução TSE n. 23.607/19, relativa à arrecadação e à aplicação de recursos nas eleições de 2020.

O parecer conclusivo apontou, após exame preliminar, vícios remanescentes na prestação contábil da grei, consubstanciados na ausência de investimento de fração do montante recebido do Fundo Partidário no incentivo à participação política, de acordo com gênero e raça, de candidatos no pleito eleitoral, e indício de irregularidade em operações junto a prestadores inscritos em programas de auxílio social.

A legislação de regência incumbe aos partidos a destinação de, no mínimo, 30% dos gastos totais contratados nas campanhas eleitorais com valores do Fundo Partidário às candidaturas femininas, bem como percentual da verba às candidaturas de pessoas negras, homens e mulheres, conforme disposto no art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, alterada pela Resolução TSE n. 23.665/21:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

[...]

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário: (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

I - para as candidaturas femininas o percentual corresponderá a proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30% (trinta por cento); (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

II - para as candidaturas de pessoas negras o percentual corresponderá à proporção de: (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

a) mulheres negras e não negras do gênero feminino do partido; e (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

b) homens negros e não negros do gênero masculino do partido; e (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

III - os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras será obtido pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas da representação do partido político na circunscrição do pleito. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 4º (revogado)

§ 4º-A A regularidade da aplicação mínima dos percentuais mencionados nos incisos I e II do § 3º deste artigo será apurada na prestação de contas da representação do partido político na circunscrição do pleito. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 5º A verba do Fundo Partidário destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 6º O disposto no § 5º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 7º É vedado o repasse de recursos do Fundo Partidário, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatas ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 7º-A A inobservância do disposto no § 7º deste artigo configura irregularidade grave e caracteriza o recebimento de recursos de fonte vedada. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Partidário nos termos dos §§ 5º e 6º deste artigo sujeitará as(os) responsáveis e as pessoas beneficiárias do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

§ 10. Os recursos correspondentes aos percentuais previstos no § 3º deste artigo devem ser distribuídos pelos partidos até a data final para entrega da prestação de contas parcial. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)rt. 19

Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores. (Grifei.)

 

O fomento à participação feminina nas eleições possui jaez constitucional e restou plasmado no seu § 7º do art. 17. O parágrafo foi incluído quando da entrada em vigor do texto da Emenda Constitucional n. 117, de 05 de abril de 2022, e permaneceu assim disposto:

§ 7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários.

 

A EC n. 117/22 também inovou ao vedar sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, para os partidos que não tenham aplicado o percentual definido pela norma em função de sexo ou raça, o qual deverá ser utilizado nas eleições subsequentes, verbis:

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

 Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional. (Grifei.)

 

A grei, como descrito no parecer da unidade técnica, diante do total despendido com Fundo Partidário, no valor de R$ 66.675,74, deveria ter destinado, no mínimo, R$ 22.336,37 a título de repasse à cota de gênero. Entretanto, o investimento ficou na casa de R$ 15.930,40, ou seja, R$ 6.405,97 a menos que o piso do aporte determinado pela regra eleitoral.

Na mesma linha, no que tange à aplicação de verbas públicas nas candidaturas masculinas de pessoas negras, o valor mínimo a ser alocado para este fim era de R$ 8.047,59, todavia não houve direcionamento de quantia para essa finalidade.

Visando elidir a mácula quanto à malversação dos recursos do FP, no total de R$ 14.453,56, o prestador colacionou documentação, a saber: notas fiscais, ata de reunião e e-mail com fornecedor, certificados de conclusão de cursos e material publicitário de campanha.

As notas fiscais de n. 49 e 52, ambas datadas de 10.9.2020, apontam a contratação de serviços de consultoria, assessoria e treinamento para pré-candidatos nas eleições 2020, sem, contudo, discriminar a quem se destinam, de forma que incapazes de fazer prova quanto à aplicação dos valores despendidos do fundo partidário, os quais deveriam ser direcionados ao fomento das cotas de gênero (ID 44956435 e 44956436).

O e-mail, com data de 24.9.2020, que acompanha a nota fiscal n.49, ou seja, posterior ao 1º turno do pleito, que se deu em 15.9.2020, tão somente indica a construção de texto publicitário para santinhos destinados à eleição proporcional, separando o quantitativo de candidatos em algumas cidades, ao que parece, abrangidos pelo serviço. O documento eletrônico, tal qual as notas, não faz menção alguma a quais candidatos se destina, de maneira que não pode ser aproveitado como evidência da adequada utilização do valor público (ID 44956436).

A correspondência eletrônica de ID 44956438, datada de 11.4.2022, contempla mensagem trocada com Luís Maffini, em 26.9.2022, igualmente após o 1º das eleições, na qual ocorre o envio de certificados, sem qualquer alusão a investimento na política de cotas de gênero.

O mesmo pode ser dito quanto à “Ata Reunião Consultoria para Vereadores – MKT Político POA”. O documento não aborda, sob qualquer ângulo, o proveito às candidaturas de acordo com as cotas de gênero (ID 44956437).

O prestador acostou, ainda, certificados de conclusão de curso preparatório de Planejamento Estratégico de Campanha Eleitoral que remontam às datas de 02, 08, 09, 16, 17, 23 e 30 de maio de 2020, em momento anterior às convenções, de sorte que os gastos não se qualificam como expensas de campanha, e sequer deveriam compor o acervo contábil eleitoral, haja vista que o art. 36 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que as despesas atinentes ao pleito se efetivam a partir da data da convenção partidária, verbis:

Art. 36 Os gastos de campanha por partido político ou candidato somente poderão ser efetivados a partir da data da realização da respectiva convenção partidária, observado o preenchimento dos pré-requisitos de que trata o art. 3º, inciso I, alíneas “a” até “c” e inciso II, alíneas “a” até “c” desta Resolução. (grifei)

 

Assim, na esteira dos demais itens, para além do fato de não configurarem dispêndios de campanha, não há especificação quanto às cotas de gênero (ID 44956439, 44956440, 44956441, 44956442, 44956443 e 44956444, 44956445).

No que atina ao material publicitário, a prova por amostragem não atesta ou quantifica o valor que foi destinado às cotas de gênero, tampouco evidencia sua origem, sendo insuficiente, desta feita, na esteira dos demais itens, a atestar o escorreito fim do recurso público (ID 44956446)

Destarte, ainda que aplicável ao feito o conteúdo da EC n. 17/22, a qual veda a ordem de recolhimento do montante malversado ao erário, a irregularidade quanto ao ponto remanesce, R$ 14.453,56, devendo a cifra ser utilizada nas eleições subsequentes.

 

Realização de despesas junto a fornecedores inscritos em programas sociais

Do batimento realizado entre as bases de dados integrados do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), da Receita Federal do Brasil, do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho (RAIS), foram identificadas despesas junto a fornecedores inscritos em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

A legenda partidária silenciou quanto ao ponto. Contudo, a matéria já foi abordada em demandas desta Casa, ocasião em que este Pleno decidiu pela adequação dos gastos, ainda que realizados com provedores favorecidos por programas sociais:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ERRO MATERIAL NA DECLARAÇÃO DE DOADOR ORIGINÁRIO. DESPESAS COM PANFLETOS E ADESIVOS JUNTO A FORNECEDORA INSCRITA EM PROGRAMAS SOCIAIS. AFASTADA A IRREGULARIDADE. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS CONTRA O CPF DO PRESTADOR SEM REGISTRO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. GASTOS IRREGULARES COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. PAGAMENTO DE DESPESA SEM OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO VÍNCULO ENTRE PAGAMENTOS E CREDORES DECLARADOS. REDUÇÃO NO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. Omissão de receitas e despesas. Gastos com panfletos e adesivos junto a fornecedora inscrita em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado. Contudo, há o entendimento deste Tribunal, ao julgar casos semelhantes envolvendo serviço prestado por microempreendedor individual, pelo afastamento da irregularidade.

(REl n. 0600339-44.2020.6.21.0056. Relatoria: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes. Julgado em: 22.03.2022)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA VIA RECURSAL. POSSIBILIDADE. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA. REPRESENTANTE BENEFICIÁRIA DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. REGULARIDADE. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE CORRESPONDENTE REGISTRO. ART. 35 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. OMISSÃO DE DESPESAS. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DIVERGENTE. BASE DE DADOS DA JUSTIÇA ELEITORAL. EXTRATOS BANCÁRIOS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO NÃO DETERMINADO NA ORIGEM. FALHAS DE ELEVADO PERCENTUAL E VALOR NOMINAL. DESAPROVAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. O fato de a representante de empresa “MEI” ter recebido o auxílio emergencial, por si só, não configura a falta de capacidade financeira para que a pessoa jurídica realizasse o serviço contratado, relativo à confecção de material de propaganda. O art. 2°, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual. Afastada a irregularidade.

(REl n. 0600457-33.2020.6.21.0084. Relatoria: Des. Eleitoral Gerson Fischmann. Julgado em: 10.12.2021)

 

Assim, na linha da jurisprudência desta Corte, ausente notícia quanto ao inadimplemento contratual, afasto a irregularidade.

Enfrentada a demanda, remanesce o valor irregular de R$ 14.453,56, o qual representa 1,29% do total auferido em campanha, percentual inferior ao parâmetro de 10%, utilizado por esta Corte no intuito de afastar a desaprovação das contas, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, e atrair o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois as falhas persistem, ainda que não comprometam a higidez da movimentação financeira.

Destarte, não obstante a malversação dos valores do Fundo Partidário durante a campanha, diante do ínfimo percentual das irregulares quando comparado ao total de recursos percebido, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO por aprovar com ressalvas as contas do partido SOLIDARIEDADE, Diretório Regional, referentes às eleições 2020, forte no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.