REl - 0600538-79.2020.6.21.0084 - Acompanho a divergência - Sessão: 25/10/2022 às 14:00

VOTO-VISTA

Trago voto-vista nos autos de processo da relatoria do eminente Desembargador Eleitoral José Vinícius Andrade Jappur, relativo ao recurso interposto pelo candidato JOSÉ CARLOS DOS SANTOS, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha da eleição para vereador de Tapes/RS, pela ausência de entrega da mídia eletrônica e em face do recebimento direto de doação de Silvia Cristiane Rebelo Tesh, CPF n. 934.209.860-68, no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), inscrita no programa social do governo federal “Auxílio Emergencial”, determinando o recolhimento dessa quantia ao erário.

O candidato alegou que as impropriedades apontadas na decisão não ensejam a reprovação das contas. Afirma que os documentos que demonstram a regularidade das contas foram juntados ao processo em 10.3.2021 e que por se tratar de prestação de contas simplificada, entendeu não haver a necessidade de apresentar outros documentos, além daqueles exigidos e já oferecidos à Justiça Eleitoral. Pugna pela observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, em virtude de não haver falhas capazes de abalar a higidez das contas prestadas, razão pela qual requer a aprovação (ID 44937712).

A decisão recorrida ressaltou que “o prestador de contas não apresentou a mídia eletrônica gerada pelo Sistema SPCE, contendo os documentos a que se refere o inc. II do art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19”, impedindo o controle pela Justiça Eleitoral acerca da regularidade e legalidade das contas. Além disso, foi identificado o recebimento direto de doação de Silvia Cristiane Rebelo Tesh, CPF n. 934.209.860-68, no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), beneficiária do programa social do governo federal “Auxílio Emergencial”, a qual não comprovou sua capacidade econômica, configurando aporte de recursos de origem não identificada, nos termos dos arts. 15, inc. II, e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Pois bem.

Na sessão de 06.10.2022, após o voto do eminente Relator, negando provimento ao recurso, pedi vista dos autos para melhorar examinar a matéria posta em discussão.

Com efeito, nas razões da divergência parcial, o Des. Caetano Cuervo Lo Pumo sustenta que o entendimento desta Corte tem sido de que, eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores, deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

De fato, este Tribunal, em diversos casos oriundos do Município de Ibiraiaras, relatados, em sua maioria, pelo eminente Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgados na sessão de 07.10.2021, a exemplo do REl 0600604-33.2020.6.21.0028, decidiu no seguinte sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial.

4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da Covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20.

6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Provimento negado.

(grifo nosso)

 

Em resumo, como regra, o fato de receber auxílio emergencial, por si só, não é motivo para se concluir pela ausência de condições econômicas da doadora, pois não pode ser imputado ao candidato o ônus de perquirir a respeito da situação financeira de qualquer doador.

Contudo, em situações como ocorridas no Município de Ibiraiaras, em que houve um modus operandi próprio de transferência dos valores recebidos a título de auxílio emergencial para candidato, a Corte considerou as doações irregulares e determinou o ressarcimento das quantias doadas ao Erário.

No caso, tenho que constar nos autos cópia do depósito eletrônico da doação não é suficiente para concluir pela existência de vínculo entre a doadora e o candidato.

Assim, com a mais respeitosa vênia, divirjo parcialmente do Relator, apenas para afastar a determinação de recolhimento da importância de R$ 700,00 (setecentos reais), por não o considerar de origem não identificada, na medida em que a doação está devidamente identificada com o nome e o CPF da doadora (ID 44937700), em que pese recebedora de benefício assistencial.

Com esses fundamentos, acompanho a conclusão do voto divergente pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a determinação de recolhimento da quantia de R$ 700,00 ao Tesouro Nacional, porém, mantendo a desaprovação das contas de JOSÉ CARLOS DOS SANTOS, pela ausência de entrega da mídia, na forma do voto do eminente Relator.