REl - 0600538-79.2020.6.21.0084 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 25/10/2022 às 14:00

DIVERGÊNCIA PARCIAL

caetano cuervo lo pumo

 

Com a devida vênia, divirjo parcialmente do eminente Relator quanto à irregularidade que ensejou a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mantendo a desaprovação das contas pela ausência de entrega da mídia eletrônica.

No caso, a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional foi aplicada em decorrência de doação no valor de R$ 700,00 por pessoa que recebeu auxílio emergencial e se constituiu na totalidade dos valores recebidos. Além disso, haveria vínculo entre o doador e o candidato.

Com a devida vênia, entendo que tal decisão contraria a jurisprudência da Corte, no sentido de que eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. (Recurso Eleitoral n 060041581, ACÓRDÃO de 21/07/2022, de minha Relatoria, DJE de 25.07.2022).

Ainda nesse sentido:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ALUGUEL DO COMITÊ ELEITORAL. OMISSÃO. SEDE LOCALIZADA EM CARCAÇA DE VEÍCULO. IMPROPRIEDADE FORMAL. CAPACIDADE FINANCEIRA. DOADOR. PROCEDIMENTO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Preliminar. A apresentação de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visam salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha. Conhecimento da documentação. 2. Mérito. 2.1. Ausência de registro de cedência ou aluguel do comitê eleitoral. Juntada de documento demonstrando a localização do referido comitê, o qual funcionou dentro de uma carroceria de ônibus. Razoável e verossímil a alegação de ausência do apontamento, na contabilidade, de aluguel de uma carcaça de veículo, revelando-se mera impropriedade, não justificando o severo juízo de desaprovação das contas. 2.2. Doações por pessoa cuja capacidade financeira seria incompatível com as arrecadações. Eventual ausência de condições econômicas do doador não pode ser atribuída ao candidato, sendo irregularidade a ser apurada em ação própria de doação acima do limite legal ajuizada contra o próprio doador. Apresentada prova nos autos capaz de demonstrar a capacidade econômica do doador. Aprovação com ressalvas. Parcial provimento. (Prestação de Contas n. 58112, Acórdão de 06.11.2017, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 08.11.2017, p. 13). Grifei. Recurso.

 

Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016. Recebimento de recursos de beneficiários do programa Bolsa Família e utilização de recursos próprios considerados, pelo magistrado de piso, incompatíveis com os rendimentos do candidato. Desaprovação na origem. (...) Parecer técnico pela aprovação das contas e manifestação ministerial de piso pela aprovação com ressalvas. Demonstrado que as doações estão discriminadas como “receitas estimáveis em dinheiro”, decorrentes da cessão de bens móveis. Emissão dos recibos eleitorais e dos respectivos instrumentos de cessão, bem como comprovadas as suas propriedades por meio dos certificados de registro e licenciamento de veículo. Atendidos os requisitos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. Ausentes elementos nos autos a demonstrar falta de capacidade econômica do candidato prestador, não se pode presumir que os recursos próprios utilizados são incompatíveis com os respectivos rendimentos. Aprovação das contas. Provimento. (Recurso Eleitoral n. 26748, ACÓRDÃO de 16.02.2017, Relator Des. Carlos Cini Marchionatti, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 29, Data 20.02.2017, p. 4). Grifei.

 

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 23, caput e §§ 1º e 3º, dispõe que pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro para campanhas eleitorais, limitadas a 10 % dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, e que, sendo excedido o limite, o infrator ficará sujeito ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

A Resolução TSE n. 23.607/97, tratando do tema, em seu art. 27, § 5º, preceitua que a aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

Ora, essa é a limitação incidente à hipótese concreta. A doadora, tendo realizado a contribuição de R$ 700,00, encontrava-se ao abrigo da referida norma, que permite, indistintamente, a qualquer eleitor, a doação de até R$ 2.855,97, uma vez que o limite de isenção para o exercício de 2020 foi de R$ 28.559,70.

Dessa forma, não existindo acervo probatório que autorize a fundada conclusão que a doadora não tinha condições econômicas de repassar a receita e que o candidato beneficiado possuía conhecimento dessa realidade, entendo que inexiste falha na doação recebida, devendo ser afastada a irregularidade.

Cumpre destacar que a possibilidade de falta de capacidade econômica da doadora pode denotar, no entanto, fraude no recebimento do benefício emergencial, circunstância que deve ser apurada pelo órgão competente, na esfera apropriada, sem macular a regularidade das contas em questão.

Não desconheço a jurisprudência desta Corte sobre a matéria envolvendo diversos casos oriundos do Município de Ibiraiaras, relatados, em sua maioria, pelo eminente Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgados na sessão de 07.10.2021, a exemplo do REl 0600604-33.2020.6.21.0028, cuja ementa reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial.

4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20.

6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Provimento negado. Grifei.

 

Entretanto, em todos esses casos em que foi constatada a irregularidade na doação do auxílio emergencial e determinada sua devolução ao Tesouro Nacional, houve a identificação de um parentesco, um vínculo profissional ou uma ação conjugada entre o doador do auxílio e o candidato, por circunstâncias idênticas em processos da mesma origem, situação não verificada no caso em análise.

Ainda, entendo que a cópia do depósito eletrônico juntado aos autos não faz prova de ligação entre candidato e doador, por se tratar de documento que poderia ser obtido em diligência, como normalmente ocorre. Aliás, documento bem mais fácil de obter do que eventual comprovante de receita referente ao IR do ano anterior ao da eleição.

De qualquer forma, eventual proximidade ou não do eleitor e do doador não pressupõe ilegalidade, mormente porque, se fraude fosse a intenção, ela poderia ter sido realizada sem envolvimento de terceiros com a utilização de recursos próprios.

Ademais, há uma incompatibilidade lógica em se exigir do candidato a prova de capacidade econômica de sua doadora e, ao serem oferecidos os comprovantes pertinentes, considerar este elemento como comprovação da proximidade em desfavor do candidato, tornando a apresentação de documentos relativos ao doador uma verdadeira prova diabólica em relação à suposta fraude.

Porém, entendo que, ainda que o prestador de contas, em um juízo estritamente presuntivo, conhecesse a situação econômica da eleitora e sua inclusão no cadastro de beneficiários do auxílio emergencial, não há amparo jurídico a lhe exigir a recusa da doação eleitora.

Por fim, o fato de se tratar do único recurso recebido não se constitui em indício de fraude ou má-fé, pois não percebo qualquer correlação entre este fato e eventual presunção de que o valor não tenha sido espontaneamente doado na forma como declarado nas contas do candidato.

Diante do exposto, voto por afastar a glosa em questão e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mantendo a desaprovação das contas pela ausência de entrega da mídia, na forma do voto do e. Relator.